ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO
NÃO PAGAMENTO DAS RENDAS
CADUCIDADE
INÍCIO DO PRAZO
Sumário

I – Para efeito de resolução do contrato de arrendamento, os 3 meses referidos no artº 1085º, nº 2, do CC, contam-se a partir do último pagamento em mora, porquanto cada uma das rendas vencidas tem autonomia para a contagem do prazo de caducidade.
II - No caso do n.º 4 do mesmo artigo 1083º, o termo a quo de contagem do prazo de caducidade é o momento em que se verificar o conhecimento da situação de “mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses..

Texto Integral

PROC. N.º 69/24.2T8ILH.P2
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo Competência Genérica ...

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Relator: Juiz Desembargador Álvaro Monteiro
1º Adjunto: Juíza Desembargadora Maria Manuela Barroco Esteves Machado
2º Adjunto: Juíza Desembargadora Isabel Rebelo Ferreira.





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Sumário:
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I - Relatório:



AA, NIF ...34, e BB, NIF ...40, apresentaram o presente procedimento especial de despejo contra CC, NIF ...42, com fundamento na cessação do contrato de arrendamento celebrado pelas partes, por resolução do mesmo comunicada à última pelos Requerentes.
Juntaram, para o efeito, cópia do contrato de arrendamento, o comprovativo de pagamento do imposto de selo e cópia da comunicação de resolução do contrato supra referenciado.
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Regularmente citada, a Requerida deduziu oposição / impugnação do título para a desocupação do locado (cf. req. de 07-02-2024 / ref. citius n.º 15703356), no âmbito da qual invocou a exceção da caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento.
Invocou igualmente a Requerida que os Requerentes actuam em abuso de direito, uma vez que acordaram com a primeira, no âmbito de negociações para a compra e venda do imóvel arrendado, que a mesma poderia efectuar o pagamento da renda até ao termo do respectivo mês e não até ao dia oito, conforme inicialmente estipulado.
Por outro lado, deduziu a Requerida um pedido reconvencional contra os Requerentes, pedindo que os mesmos sejam condenados no pagamento da quantia global de €2.500,00, a título de benfeitorias levadas a cabo no imóvel arrendado.
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Realizou-se a audiência final com observância do formalismo legal, tendo sido prolatada a seguinte Decisão:
“1- Condena-se a Requerida CC a proceder à entrega aos Requerentes AA e BB do locado supra identificado, livre e desocupado de pessoas e bens e no prazo de 30 dias, valendo a presente decisão como autorização de entrada imediata no domicílio, nos termos previstos no artigo 15.º-I, n.º 11 da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.
2- Absolve-se os Requerentes AA e BB do pedido reconvencional contra si deduzido pela Requerida CC nos presentes autos.
3- Condena-se a Requerida CC no pagamento das custas, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário e/ou isenção de que a mesma eventualmente beneficie.
Valor da causa: € 10.000,00 – cf. artigos 298.º, n.º 1, 299.º e 306.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Registe e notifique (cf. artigo 15.º-I, n.º 13 da Lei n.º 6/2006).”
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É desta decisão que vem interposto o presente recurso pela R./Apelante, apresentando as seguintes
CONCLUSÕES:
1. Entende a Recorrente que a decisão deverá ser alterada por existir matéria de facto e fundamentos de direito que assim o impõem.
2. Ao nível da matéria de facto, o Tribunal a quo não poderia ter dado como provado que a renda deveria ser paga até ao primeiro dia do mês anterior àquele a que respeitar;
3. Isto porque, em julgamento, o próprio senhorio e Recorrido confirmou no seu depoimento a 17/02/2025, entre o minuto 11:50 e o 12:40, que à semelhança dos seus restantes inquilinos, a renda do mês em curso deveria de ser paga no dia um do próprio mês;
4. Consequentemente, ao ser dado como provado tal facto, a conclusão pelo Tribunal a quo teria de ser diametralmente oposta.
5. Ocorrendo o pagamento da renda mensal, até finais de 2021, de modo adiantado e considerando que não houve qualquer interrupção no pagamento das rendas por parte da Recorrente, os pagamentos de renda por esta realizados dizem respeito ao mês seguinte e não ao mês em que foram realizados;
6. Por sua vez, teria de se dar como provada a existência de uma alteração da data do pagamento da renda (alínea C. dos factos não provados), atenta a relevância da mesma relativamente à determinação da existência ou não de incumprimento por parte da inquilina, aqui Recorrente, bem como do direito (ou não) do recorrido exercer a resolução do contrato.
7. Consequentemente, inexistindo rendas em mora, carece de fundamento a resolução, devendo ser julgado improcedente o procedimento de despejo.
8. Caso assim não se entenda, a Recorrente considera que, para além da matéria de facto, foram violados os artigos 1083.º, n.º 4 e 1085.º, n.º 2, ambos do Código Civil.
9. Tais normas foram violadas por terem sido interpretadas e aplicadas pelo Tribunal a quo de modo contrário à doutrina e jurisprudência dominante.
10. O Tribunal a quo considerou que na data em que a Recorrente foi notificada da resolução pretendida pelos Recorridos, ainda não haviam decorridos os três meses a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento.
11. O comportamento e a conduta da Recorrente durou entre Janeiro de 2022 e 28 de Abril de 2023, data em que foi concretizada a notificação judicial avulsa e operou a resolução contratual.
12. No entanto, uma vez que a falta de pagamento de cada prestação pecuniária periódica ou o pagamento da mesma com mora constitui um facto instantâneo e não continuado, o prazo que que alude o n.º 2 do artigo 1085.º do Código Civil, a ter ocorrido, deveria iniciar a sua contagem em Janeiro de 2022 e a resolução ter sido concretizada dentro de três meses após o quatro incumprimento seguido ou interpolado, facto que não ocorreu.
13. O exercício do direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda devia ter sido efetivado no prazo legalmente determinado, veio apenas a ser concretizado em Abril de 2023, muito para além do prazo legalmente determinado.
14. Assim, o Tribunal a quo deveria interpretar e aplicar os artigos 1083.º, n.º 4 e 1085.º, n.º 2, ambos do Código Civil, de modo a considerar que a falta de pagamento de cada prestação pecuniária periódica ou a mora desta, constitui um facto instantâneo e não continuado, e o prazo de caducidade determinado pelo n.º 2 do artigo 1085.º do Código Civil para o exercício do direito conferido pelo n.º 4, do artigo 1083.º do Código Civil, começa a contar após o quarto incumprimento ou mora conhecido por parte do senhorio.
Conclui pelo provimento do recurso.
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Os AA. apresentaram contra-alegações, apresentando as seguintes
Conclusões:
1 - A Requerida interpôs o presente recurso por não se conformar com a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, em 18.03.2025, porém, salvo o devido respeito, nenhuma razão lhe assiste, devendo o recurso interposto pela mesma ser julgado improcedente, na sua totalidade, pois a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo ou censura.
A – QUANTO À MATÉRIA DE FACTO:
2 - Em primeiro lugar, diga-se que a Recorrente, veio impugnar a matéria de facto dada como provada, pretendendo que se modifique a decisão sobre a matéria proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, no que concerne, apenas, ao ponto 1. dos factos dados como provados,
2 - Não impugnando qualquer outro facto dado como provado,
3 - Sendo que, mesmo a considerar-se provado que a renda do mês em curso deveria ser paga no dia um do próprio mês, como alega a Recorrente, o que, desde já, não se aceita,
4 - Tal alteração da matéria de facto não teria consequências quanto à matéria de direito,
5 - Porquanto, como consta do facto 4. dos factos dados como provados, a Recorrente, entre os meses de Janeiro de 2022 a Junho de 2023, efectuou o pagamento das rendas com atraso superior a 8 dias,
6 - O qual não foi impugnado,
7 - Portanto, provado está de que, a Recorrente constituiu-se em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes seguidas, num período de 12 meses.
8 - Pelo que dúvidas não há de que se encontra verificado o fundamento da resolução previsto no art. 1083º, nº 4 do Código Civil,
9 - E, consequentemente, a resolução operada pelos Recorridos, nos termos deste art. 1083º, nº4, do CC, encontra-se devidamente fundamentada, válida e eficaz,
10 - Por conseguinte, entendem os Recorridos não merecer, assim, qualquer reparo a decisão proferida.
Caso assim não se entenda,
11 - Entendem os Recorridos que o Tribunal da Relação deverá abster-se de analisar a prova produzida, quanto a tal facto, por se considerar que a Recorrente o aceitou por acordo e por confissão,
12 - Senão vejamos, quanto ao pagamento da renda, os Recorridos na sua Petição Inicial alegam, no seu artigo 4º, que: “A qual deveria ser liquidada até ao primeiro dia do mês anterior aquele que disser respeito – Vide cláusula segunda do contrato de arrendamento”,
13 - Sendo que a Recorrente, no artigo 29. da sua Oposição alega o seguinte:“29.Porém, a par da dita renovação contratual por mais 5 (cinco) anos, os senhorios acertaram verbalmente com a Requerida receber o pagamento da renda referente ao mês anterior, mas até ao termo do respectivo mês e não até ao dia 8 (oito) conforme vinha estipulado (admitido aliás pelo art. 1069.º do CC).”
14 - Pelo que, a Recorrente confessou expressamente, e aceitou por acordo, que o pagamento da renda era referente ao mês anterior, colocando, apenas, em causa, o dia em que esse pagamento deveria ser feito,
15 - Aliás a própria Recorrente, nas suas próprias alegações do presente recurso afirma o seguinte:
“Conforme anteriormente referido, para além de se entender que não existiam rendas em atraso, nem o pagamento das mesmas ocorreu com mora superior a oito dias, considera-se que a Recorrida porque tinha um mês de renda adiantado, passou a fazer com o consentimento do Recorrido, o pagamento da renda do mês respectivo para além do primeiro dia do mês anterior àquele a que respeitava, mas sem qualquer mora.”
16 - Pelo que se trata de uma confissão judicial espontânea por parte da Recorrente,
17 - A qual vincula a parte e tem força probatória plena contra o confitente, - Neste sentido veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº617/14.6YIPRT.L1.S1, datado de 17-10-2019, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo nº969/13.5TBVRL.G1, datado de 16.11.2017.
18 - Pelo que, não pode o Tribunal da Relação reaprecie a prova produzida quanto aos factos em discussão, pois que os mesmos se mostram já plenamente assentes, e, assim, plenamente provados,
19 - Sendo que, bem andou o Tribunal a quo em, na sua motivação (pág.6), mencionar que, “a matéria relacionada, quer com a celebração do escrito contratual supra referenciado e respetivo teor, quer com as comunicações trocadas e/ou os pagamentos realizados pela Requerida, encontra-se admitida por acordo das partes nos respetivos articulados, não tendo sido objeto de impugnação especificada por parte da Requerida no âmbito do respetivo articulado”
20 - Pelo exposto, deverá o Tribunal da Relação abster-se de reapreciar a prova produzida quanto ao facto em discussão (facto 1 dos factos dados como provados).
Se ainda assim não se entender,
21 - Entendem os Recorridos que a Recorrente, com o devido respeito, não entendeu o conteúdo do facto 1. dado como provado,
22 - Pois do mesmo resulta que o que consta do facto 1. dado como provado é o que foi declarado no mencionado contrato de arrendamento celebrado entre as partes,
23 - Ou seja, o que consta expressamente da cláusula segunda do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, “A renda anual é de Euros 3.000 (três mil euros), a pagar mensalmente em duodécimos de Euros 250 (duzentos e cinquenta euros), ao senhorio, ou ao seu representante legal, na respectiva residência, ou através de depósito ou transferência bancária a efectuar em conta numa instituição de crédito, no primeiro dia do mês anterior a que respeitar.”,
24 - Sendo que, não tendo sido tal contrato de arrendamento impugnado pela Recorrente,
25 – Pelo que, bem andou o Tribunal a quo em considerar tal facto como provado.
26 - Por outro lado, diga-se, que vem agora a Recorrente apresentar uma versão distinta daquela apresentada na sua Oposição,
27 - Pois se na sua Oposição (art.29º) defendia que tinha sido acordado que o pagamento da renda deveria ser efectuado até final do mês anterior a que dissesse respeito,
28 – E, vem agora pretender que se dê como provado que a renda deveria ser paga no dia um do próprio mês,
29 - Alterando, assim, a Recorrente a sua posição, conforme lhe convém, e, pretendendo, a Recorrente, dar outro sentido às declarações prestadas pelo Recorrido,
30 - Porquanto, o mesmo nunca foi questionado se existia ou não algum mês de renda adiantado, mas apenas qual o dia em que a renda deveria ser liquidada, (declarações prestadas pelo Recorrido AA em sede de audiência de discussão e julgamento, minuto 00:05:23 a 00:05:32 e minuto 00:13:40 a 00:13:51),
31 - Não tendo sido, por isso, provado, contrariamente ao que alega a Recorrente, que em 2022 houve qualquer acordo de alteração de prazo de pagamento entre as partes, nem que a Recorrida trazia do ano anterior (2021) o pagamento de uma renda adiantada,
32 - E diga-se que, quanto a estes factos, o ónus de prova nesta matéria cabe, não aos Recorridos, mas sim à Recorrente,
33 - Sendo que a mesma nenhuma prova fez quanto a tais factos.
34 - Pelo que não assiste, assim, razão à Requerente, devendo manter-se inalterada a douta Sentença relativamente à matéria de facto dada como provada e como não provada.
B – QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO:
35 - Entende a Recorrente que foram violados os artigos 1083.º, n.º 4 e 1085.º, n.º 2, ambos do Código Civil,
36 - Contudo, não podem os Recorridos concordar com tal entendimento,
37 - Considerando-se que a resolução operada pelos Recorridos foi totalmente válida e eficaz,
38 - Porquanto, resultou provado nos autos que a Recorrente, entre os meses de Janeiro de 2022 e Junho de 2023, efetuou o pagamento das rendas respetivas com atraso superior a 8 dias (cf. ponto 4. dos factos provados).
39 - Facto este que não é colocado em causa pela própria Recorrente no seu recurso,
40 -Sendo que tal circunstância é suficiente para preencher o fundamento da resolução previsto no artigo 1083.º, n.º 4 do Código Civil,
41 - Porquanto a Recorrente constituiu-se em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes seguidas, num período de 12 meses.
42 - Pelo que, a douta sentença não violou o mencionado art. 1083º, nº4 do Código Civil.
43 - Por outro lado, e quanto à violação do artigo 1085.º, n.º 2, do Código Civil, conforme resulta da factualidade provada, a resolução foi comunicada à Recorrente, através de notificação judicial avulsa, no dia 28 de Abril de 2023 (cf. ponto 6. dos factos provados).
44 - Facto este que, diga-se, também não foi impugnado pela Recorrente,
45 - Assim, uma vez que que a Requerida se encontrava em mora no pagamento de todas as rendas compreendidas entre Fevereiro de 2022 até à data em que a resolução operada pelos Recorridos chegou ao conhecimento da Recorrente,
46 – Ora, ao contrário do que alega a Recorrente, a data relevante para o decurso do prazo de caducidade é o último pagamento (e não o primeiro) realizado com mora superior a oito dias,
47 - Valendo o prazo de caducidade em relação a cada renda, autonomamente, nos termos do disposto no artº 1085º-nº2 do Código Civil. – Veja-se o Acordão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2023-01-12 (Processo nº 232/21.8T8FAF.G1),
48 - Ora, considerando a data em que a Recorrente foi notificada da resolução pretendida pelos Recorridos (28 de Abril de 2023 [cf. ponto 6. dos factos provados]), resulta evidente não terem decorrido ainda os três meses a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento,
49 - E que coincide, in casu, com o último pagamento com mora relevante, realizado pela Requerida em 15 de Março de 2023 (o qual, somado aos quatro incumprimentos anteriores, de
25 de Outubro de 2022, 16 de Novembro de 2022, 19 de Dezembro de 2022 e 13 de Janeiro de 2023, fundamentam a resolução do contrato de arrendamento),
50 – Pelo que, conclui-se não assistir razão à Recorrente relativamente caducidade invocada,
51 - Não merecendo, assim, qualquer reparo a decisão proferida.
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No exame preliminar considerou-se nada obstar ao conhecimento do objecto do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II - OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (C. P. Civil).
Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pela Apelante, as questões a decidir no presente recurso, são as seguintes:
- Se existem razões válidas para modificar a decisão da matéria de facto, por erro de julgamento.
- Alteração da decisão da primeira instância.

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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. OS FACTOS

1.1. Factos provados

O tribunal de que vem o recurso julgou provados os seguintes factos:
1- Em 3 de Junho de 2011, os Requerentes AA e BB, e a Requerida CC celebraram um escrito denominado ‘contrato de arrendamento de prazo certo’, mediante o qual os dois primeiros declararam dar de arrendamento à Requerida, e esta declarou tomar de arrendamento, a fração autónoma designada pela letra A, correspondente ao 1.º andar do prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., ..., ..., inscrito na matriz predial da freguesia ... com o artigo ...81, mediante o pagamento por parte da Requerida da quantia mensal de €250,00, a título de renda, a realizar até ao primeiro dia do mês anterior àquele a que respeitar.
2- Na Cláusula Sétima do escrito referido em 1., consta que:
«a) Ao segundo outorgante não é permitido fazer obras ou benfeitorias sem autorização dos primeiros outorgantes por escrito e devidamente autenticada, a não ser as de conservação e limpeza necessárias que, desde já, se estipula serem da obrigação do inquilino».
3- Os Requerentes procederam ao pagamento do imposto de selo devido pela celebração do escrito contratual acima referenciado.
4- Entre Janeiro de 2022 e Julho de 2023, a Requerida efetuou o pagamento aos Requerentes da quantia de € 250,00, acordada em 1., nas seguintes datas:
i) 15 de Janeiro de 2022;
ii) 19 de Fevereiro de 2022;
iii) 23 de Março de 2022;
iv) 21 de Abril de 2022;
v) 17 de Maio de 2022;
vi) 18 de Junho de 2022;
vii) 20 de Julho de 2022;
viii) 16 de Agosto de 2022;
ix) 20 de Setembro de 2022;
x) 25 de Outubro de 2022;
xi) 16 de Novembro de 2022;
xii) 19 de Dezembro de 2022;
xiii) 13 de Janeiro de 2023;
xiv) 15 de Março de 2023;
xv) 28 de Abril de 2023;
xvi) 11 de Maio de 2023;
xvii) 15 de Junho de 2023.
5- Por carta datada de 22 de Março de 2022, enviada pelos Requerentes à Requerida, e por esta recebida em 29 de Março de 2022, os primeiros comunicaram à segunda o seguinte:
«Exma. Senhora,
Foi entre nós celebrado um Contrato de Arrendamento para habitação, em 03 de Junho de 2011, tendo por objecto o 1º Andar, do imóvel com acesso pelo número ...7 da Rua ..., inscrito na matriz predial urbana sob o nº ...46 (anterior artigo ...81).
No referido contrato ficou estipulado que a renda deveria ser liquidada no primeiro dia do mês anterior a que respeitar.
Acontece que, V. Ex.ª não tem procedido ao pagamento das rendas até ao referido primeiro dia do mês, tendo antes, liquidado nas seguintes datas:
- em 15 de Janeiro de 2022 liquidou a renda correspondente ao mês de Janeiro de 2022,
- em 19 de Fevereiro de 2022 liquidou a renda correspondente ao mês de Fevereiro de 2022,
Sendo que até à presente data ainda não procedeu ao pagamento da renda do mês de Março de 2022, pelo que também não cumpriu aquele prazo de pagamento.
Pelo que, uma vez que já é o terceiro mês que se atrasa no pagamento da renda, venho comunicar a minha intenção de por fim ao contrato de arrendamento caso persistam os atrasos.».
6- Em 22 de Março de 2023, os Requerentes requereram a notificação judicial avulsa da requerida, a qual foi concretizada em 28 de Abril de 2023, dando-lhe conhecimento da resolução do acordo referido em 1., com efeitos a partir da data da notificação da Ré, e requerendo a entrega do prédio objeto desse acordo no final do primeiro mês seguinte à sua notificação.
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Factos não provados.
Com interesse para a decisão da causa, resultaram não provados os seguintes factos:
A. A Requerida realizou obras no imóvel identificado em 1.
B. A Requerida despendeu a quantia de € 2.500,00, com a realização das obras acima referidas.
C. Os Requerentes e a Requerida acordaram que o pagamento das rendas podia ser realizada pela segunda até ao último dia do mês anterior àquele a que respeitasse.
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1.3 A Apelante pretende que este Tribunal reaprecie a decisão em relação ao ponto 1 dos factos provados, tendo por base meios de prova que indicam.
Dispõe o art. 662.º, n.º 1 do C. P. Civil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
À luz deste preceito, “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.
O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância, nos termos consagrados pelo art. 607.º, n.º 5, do C. P. Civil, sem olvidar, porém, os princípios da oralidade e da imediação.
A modificabilidade da decisão de facto é ainda susceptível de operar nas situações previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 662.º do C. P. Civil.
Nos termos do preceituado no art. 607.º, n.º 5, do C. P. Civil, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
O citado normativo consagra o chamado princípio da livre apreciação da prova, que assume carácter eclético entre o sistema de prova livre e o sistema de prova legal.
Assim, o tribunal aprecia livremente a prova testemunhal (art. 396.º do C. Civil e arts. 495.º a 526.º do C. P. Civil), bem como os depoimentos e declarações de parte (arts. 452.º a 466.º do C. P. Civil, excepto na parte em que constituam confissão; a prova por inspecção (art. 391.º do C. Civil e arts. 490.º a 494.º do C. P. Civil); a prova pericial (art. 389.º do C. Civil e arts. 467.º a 489.º do C. P. Civil); e ainda no caso dos arts. 358.º, nºs 3 e 4, 361.º, 366.º, 371.º, n.ºs 1, 2ª parte e 2, e 376.º, n.º 3, todos do C. Civil.
Por sua vez, estão subtraídos à livre apreciação os factos cuja prova a lei exija formalidade especial: é o que acontece com documentos ad substantiam ou ad probationem; também a confissão quando feita nos termos do art. 358.º, nºs 1 e 2 do C. Civil; e os factos que resultam provados por via da não observância do ónus de impugnação (art. 574.º, n.º 2, do C. P. Civil).
O sistema de prova legal manifesta-se na prova por confissão, prova documental e prova por presunções legais, podendo distinguir-se entre prova pleníssima, prova plena e prova bastante”, vide Castro Mendes, Do conceito de prova em processo civil, Ática, 1961, Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, p. 413.
A prova pleníssima não admite contraprova nem prova em contrário. Nesta categoria integram-se as presunções iuris et de iure (art. 350.º, n.º 2, in fine do C. Civil).
Por sua vez, a prova plena é aquela que, para impugnação, é necessária prova em contrário (arts. 347.º e 350.º, n.º 2, ambos do C. Civil). Assim será com os documentos autênticos que fazem prova plena do conteúdo que nele consta (art. 371.º, n.º 1, do C. Civil), sem prejuízo de ser arguida a sua falsidade (art. 372.º, n.º 1, do C. Civil), e também com as presunções iuris tantum (art. 350.º, n.º 2, do C. Civil).
Por último, a prova bastante carateriza-se por bastar a mera contraprova para a sua impugnação, ou seja, a colocação do julgador num estado de dúvida quanto à verdade do facto (art. 346.º do C. Civil). Assim se distingue prova em contrário de contraprova – aquela, mais do que criar um estado de dúvida, tem de demonstrar a não realidade do facto, vide PAIS DE AMARAL, Direito Processual Civil, 12.ª edição, Almedina, 2015, p. 293.
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1.4 Do invocado erro de julgamento.
Antes de mais, importa dizer que a Apelante cumpre os ónus de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, previstos no art. 640.º, n.º 1, do C. P. Civil, e daí que se mostrem asseguradas as condições formais para conhecermos do recurso nessa matéria.
A propósito, cabe dizer que quando houver sérios motivos para a rejeição do recurso sobre a matéria de facto, por falta de indicação clara dos pontos de facto impugnados, não indique os meios de prova em que criticamente se baseia ou quando não tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida, tal efeito apenas se repercutiria nos segmentos afectados, não colidindo com a admissibilidade do recurso quanto aos demais aspectos, vide Abrantes Geraldes, pag. 207, in Recurso em Processo Civil, anotação ao artº 640º do CPC.
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1 – Os RR/Apelantes não se conformam com a parte final do ponto 1 da matéria dada como provada, na sentença ora recorrida, a qual devia ter sido dada por não provada.
O teor do ponto 1 dos factos provados é o seguinte:
““1 – Em 3 de Junho de 2011, os Requerentes AA e BB, e a Requerida CC celebraram um escrito denominado “contrato de arrendamento de prazo certo”, mediante o qual os dois primeiros declararam dar de arrendamento à Requerida, e esta declarou tomar de arrendamento, a fração autónoma designada pela letra A, correspondente ao 1.º andar do prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., ..., ..., inscrito na matriz predial da freguesia ... com o artigo ...81, mediante o pagamento por parte da Requerida da quantia mensal de €250,00, a título de renda, a realizar até ao primeiro dia do mês anterior àquele a que respeitar”.1

Conhecendo.
O Tribunal a quo fundamentou da seguinte forma:
“Mais cumpre assinalar, outrossim, que a matéria relacionada, quer com a celebração do escrito contratual supra referenciado e respetivo teor, quer com as comunicações trocadas e/ou os pagamentos realizados pela Requerida, encontra-se admitida por acordo das partes nos respetivos articulados, não tendo sido objeto de impugnação especificada por parte da Requerida no âmbito do respetivo articulado.”
Compulsados os articulados constata-se que os AA. na petição inicial no artº 4º invocaram “A qual deveria ser liquidada até ao primeiro dia do mês anterior aquele que disser respeito – Vide cláusula segunda do contrato de arrendamento.”
Por sua vez a Recorrente no artº 29 da Oposição refere “Porém, a par da dita renovação contratual por mais 5 (cinco) anos, os senhorios acertaram verbalmente com a Requerida receber o pagamento da renda referente ao mês anterior, mas até ao termo do respectivo mês e não até ao dia 8 (oito) conforme vinha estipulado (admitido aliás pelo art. 1069.º do CC).”
Do exposto decorre de forma manifesta a que a Recorrente confessou e admitiu por acordo o invocado no artº 4º da petição inicial, pelo que o mesmo tinha de ser dado por provado, como bem fez a sentença recorrida, de acordo com o disposto no artº 574º, nº, 2 e artº 607º, nº 4 do CPC.
Assim sendo, improcede a impugnação da matéria de facto em causa.
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1.5 Síntese conclusiva:

Nenhuma matéria há a alterar nos factos provados e não provados.

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2 - OS FACTOS E O DIREITO.

Pese o indeferimento da impugnação da matéria de facto, a R./apelante considera terem sido violados os artigos 1083.º, n.º 4 e 1085.º, n.º 2, ambos do Código Civil.
Para o efeito invoca que a falta de pagamento de cada prestação pecuniária periódica ou o pagamento da mesma com mora constitui um facto instantâneo e não continuado, o prazo que que alude o n.º 2 do artigo 1085.º do Código Civil, a ter ocorrido, deveria iniciar a sua contagem em Janeiro de 2022 e a resolução ter sido concretizada dentro de três meses após o quatro incumprimento seguido ou interpolado, facto que não ocorreu.
Ora, tendo o exercício do direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ter sido concretizado em Abril de 2023, tal ocorreu muito para além do prazo legalmente determinado.
Conhecendo:
Dispõe o artigo 1083.º, n.º 1 do Código Civil, «qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte».
Por seu turno, prescreve o n.º 4 do normativo supra citado que «é ainda inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato (…)».
Por sua vez o nº 6 do mesmo preceito estatui que «no caso previsto no n.º 4, o senhorio apenas pode resolver o contrato se tiver informado o arrendatário, por carta registada com aviso de receção, após o terceiro atraso no pagamento da renda, de que é sua intenção pôr fim ao arrendamento naqueles termos».
Compulsada a factualidade provada da mesma resulta que o pagamento da renda tinha de ser realizado até ao primeiro dia do mês àquele que respeitasse, conforme acordado pelas partes (cf. artigo 1039.º, n.º 1, parte final, do Código Civil).
Decorre ainda da factualidade provada em 4), e salientado na sentença recorrida, que a Ré se constituiu em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes seguidas, num período de 12 meses.
Tal circunstância consubstancia fundamento para a resolução do contrato, nos termos do artº 1083º, nº 4, do C. Civil.
Acresce que os AA. comunicaram à Ré/recorrente, no dia 29 de Março de 2022, através de carta registada com aviso de recepção, a sua intenção de pôr fim ao contrato de arrendamento celebrado, em virtude do atraso no pagamento das rendas (vide ponto 5. dos factos provados).
Com a aludida comunicação preencheram os AA. a previsão legal estatuída no nº 6 do artº 1083º, porquanto nesta data já se verificava o terceiro atraso no pagamento da renda: o efectuado em Janeiro e Fevereiro (em 15-01-2022 e 19-02-2022), e o de Março de 2022 que, até dia 22 (data do envio da comunicação acima descrita), ainda não tinha sido liquidado.
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Relativamente à questão da caducidade da resolução do contrato, suscitada pela R./recorrente não lhe assiste qualquer razão, sendo de acolher e manter o entendimento expresso na decisão recorrida.
Com efeito, dispõe o artigo 1085.º, n.º 2, do Código Civil que a resolução deve ser feita dentro de um prazo de “três meses quando o fundamento da resolução seja o previsto nos nºs 3 ou 4 do artigo 1083.º”.
Resulta da factualidade provada (ponto 6) que a resolução foi comunicada à R/Recorrente, através de notificação judicial avulsa, no dia 28 de Abril de 2023.
Decorre ainda da factualidade provada que que a Requerida se encontrava em mora no pagamento de todas as rendas compreendidas entre Fevereiro de 2022 até à data em que a resolução foi efectuada (28.04.2023), sendo que os 3 meses referidos em no artº 1085º, nº 2, do CC, contam-se a partir do último pagamento em mora, o qual foi realizado em 15 de Março de 2023), o que adicionado aos quatro incumprimentos anteriores, de 25 de Outubro de 2022, 16 de Novembro de 2022, 19 de Dezembro de 2022 e 13 de Janeiro de 2023, fundamentam a resolução do contrato de arrendamento.
“Como é bom de ver, cada uma das rendas vencidas tem autonomia para a contagem do prazo de caducidade, pelo que em relação a cada uma delas se aplica o disposto no art. 1085.º/1 CC..
No caso do n.º 4 do mesmo artigo 1083º, o termo a quo de contagem do prazo de caducidade é o momento em que se verificar o conhecimento da situação de “mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses”, que, como anota Maria Olinda Garcia, “não coincidem com um qualquer ano civil”.
Aquele é um período “que se inicia com o primeiro incumprimento, independentemente do mês e do ano civil em causa. Iniciada essa contagem, o fundamento resolutivo verificar-se-á quando forem contabilizados 5 atrasos, desde que não tenham passado mais de 12 meses sobre o primeiro atraso no pagamento das rendas.
A passagem do período de 12 meses sobre a verificação de um atraso no pagamento da renda elimina esse facto da contabilização para efeitos de resolução. O início da contagem passa para o incumprimento subsequente, e assim sucessivamente.”, vide Ac do TRL, de 2016-07-13, Processo: 12399/15.0T8LSB. L1-2, Relator Ezaguy Martins, in www.dgsi.pt.
A não se entender assim “levaria a que um senhorio ficasse efectivamente impedido de resolver o contrato caso o inquilino sucessivamente incumprisse a obrigação de pagamento da renda, deixando de entregar qualquer valor, e o senhorio deixasse decorrer período superior a um ano desde o decurso do vencimento da terceira renda consecutiva por pagar. Em síntese, tal entendimento levaria a que o Réu pudesse manter-se, indefinidamente e sem possibilidade de despejo, num locado para o qual não pagava a renda», vide Ac do TRP, de 08 de Junho de 2022, processo n.º 377/20.1T8FLG.P1, Relator DD, in www.dgsi.pt.
Ou seja, face à autonomia da renda, exigível de per si, a falta atempada de pagamento de cada prestação pecuniária periódica constitui um facto instantâneo e não continuado.
In casu, tal como bem salientado na sentença recorrida, considerando a data em que a Requerida foi notificada da resolução pretendida pelos Autores (28 de Abril de 2023), é evidente não terem decorrido ainda os três meses a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento e que coincide, in casu, com o último pagamento com mora relevante, realizado pela Requerida em 15 de Março de 2023 (o qual, somado aos quatro incumprimentos anteriores, de 25 de Outubro de 2022, 16 de Novembro de 2022, 19 de Dezembro de 20222 e 13 de Janeiro de 2023, constituem fundamento da resolução do contrato de arrendamento.
Assim sendo, improcede o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

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IV – Dispositivo

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3ª secção deste Tribunal da Relação do Porto:

a) Na total improcedência do recurso interposto pela Apelante, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas a cargo da Apelante – artigo 527º, do Código de Processo Civil.

Notifique.








Porto, 2025/6/4.

Álvaro Monteiro

Maria Manuela Barroco Esteves Machado

Isabel Rebelo Ferreira