CRÉDITO DA HERANÇA
HERDEIRO-DEVEDOR
PARTILHA
DIREITO À COMPENSAÇÃO
Sumário

I - No caso da herança indivisa, como é o caso dos autos, estamos perante um património autónomo, de afectação especial, directamente responsável (2097.º do CC), em que os herdeiros apenas têm de intervir (2091.º do CC) como co-titulares desse património, em que somente o seu activo, e não o património dos herdeiros, responde pela satisfação das respectivas dívidas (2068.º e 2098.º do CC).
II - Assim, na herança indivisa, os herdeiros não detêm direitos próprios sobre cada um dos bens hereditários e nem sequer são comproprietários desses bens, mas apenas titulares em comum de tal património.
III - Assim, enquanto a partilha não ocorrer, os herdeiros não são titulares individualizados dos créditos da herança, não podendo reclamar para si o estatuto de credores singulares do valor das rendas depositadas.
IV - Assim, o crédito da herança sobre o herdeiro-devedor subsiste, devendo ser incluído no ativo do inventário e ponderado no momento da partilha, eventualmente sujeito a compensação com a quota hereditária desse herdeiro, mas não extinto por confusão.(art 868º e 872, CCivil)

Texto Integral

Processo: 5811/09.9TBSTS.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto –

Juízo Local Cível de Santo Tirso - Juiz 2

Relator. Francisca da Mota Vieira

1º Adjunto. Ana Vieira

2º Adjunto. Paulo Dias da Silva

ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO

1.Nos presentes autos, instaurados a 31.12.2009, procede-se a inventário por óbito de AA e BB, falecidos, respetivamente, em 09 de Abril de 1983 e 12 de Outubro de 2003, sem terem deixado testamento, sendo que lhe sucederam os filhos: CC, falecida em Novembro de 2010, sendo filhos/sucessores da mesma DD e EE, FF, GG e HH, falecido após a instauração do vertente inventário, sendo filhos/sucessores do mesmo HH, II e JJ.

2.A cabeça de casal prestou declarações e apresentou a relação de bens.

3.Foram apresentadas reclamações à relação de bens e no que ao recurso importa foi proferida decisão no dia 26.04.2016,, a qual, entre o mais, apreciou e decidiu a reclamação apresentada por KK, interessada nos presentes autos, que reclamou a existência de contas bancárias, bem como acusou a falta de relacionação dos bens móveis que compunham o recheio da casa dos inventariados, a saber mobília de quarto, sala e cozinha, bem como do jazigo no cemitério ..., alegando, ainda, que o prédio descrito sob a verba nº 2 se encontra arrendado requerendo que a cabeça de casal indique a identidade do arrendatário, valor da renda e total de rendas pagas desde o óbito dos inventariados.

4.Essa decisão no que respeita à questão do arrendamento dos prédios relacionados, relegou as partes para os meios comuns.

5.No dia 15.06.2016 a cabeça de casal, em cumprimento de despacho do tribunal juntou aos autos relação de bens corrigida, a qual, aqui se reproduz:

“A - RELAÇÃO DE BENS(Corrigida):

ACTIVO:

B-1 DINHEIRO

VERBA UM-- Depósito bancário, na agência de ... do Banco 1..., com o nº conta ... e saldo de € 175,52.

B-2 MOVEIS

VERBA DOIS

- Mobília de quarto, composta de cama, guarda vestidos, comoda e 2 mesas de cabeceira.

B-3 IMOVEIS

VERBA TRÊS – prédio urbano, destinado a habitação e comércio, com quintal, sito em ..., freguesia ..., concelho de Santo Tirso, inscrito na matriz sob o artigo urbano ..., com o valor patrimonial de € 4.088.41 (doc.1).

VERBA QUATRO – prédio urbano, destinado a habitação, com quintal, sito em ..., freguesia ..., concelho de Santo Tirso, inscrito na matriz sob o artigo urbano ..., com o valor patrimonial de € 13.361.52 (doc.2).

VERBA CINCO – prédio rústico, sito em ..., freguesia ..., concelho de Santo Tirso, inscrito na matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial de € 16.35 (doc.3).”

6.Efetivou-se a conferência de interessados no dia 17.11.2017, reproduzindo-se aqui o teor da ata.

“ATA DE CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS

Em 27-11-2017 - Hora: 14:00

Juíza de Direito: Drª. LL

Escrivã de Direito: MM

PRESENTES: (…)

Mandatários: Dr. NN, Dr. OO,

Drª. PP.

Drª QQ e Drª. RR, Advogada estagiária, que neste ato juntaram substabelecimento passado pela Srª. Drª. SS, que a Mmª. Juíza examinou, rubricou e mandou juntar aos autos.

Interessados: GG, FF, DD, EE, HH, TT, UU, II, KK, VV e KK.

NÃO PRESENTES:

FF, representada por KK, com procuração já junta aos autos;

JJ e WW, representados pela Srª. Drª. PP, com procuração com poderes especiais já junta aos autos.

Iniciada a diligência, pelos ilustres mandatários e interessados foi dito que chegaram a acordo nos termos seguintes:

-A verba nº 1 (um) fica adjudicada a todos os interessados na proporção dos respectivos quinhões.---------------------------Requerem a eliminação da verba nº 2 (dois) da relação de bens.------------------------------

Requerem também, a venda judicial dos Imóveis das verbas nºs 3 (três), 4 (quatro) e 5(cinco), por negociação particular, sendo o valor base o constante da avaliação e o resultado obtido será dividido por todos os interessados na proporção dos respectivos quinhões.

-A verba nº 6 (seis) é adjudicada às interessadas GG e FF, pelo valor constante da relação de bens.--------------------

-Seguidamente pela Mmª Juíza, foi proferido o seguinte DESPACHO

-----Em face do exposto, determino a eliminação da verba nº 2 (dois) da relação de bens.--

-----Proceda-se à venda dos imóveis através de negociação particular, devendo para o efeito a secção indicar encarregado de venda, sendo o preço base o indicado na avaliação.

-----Dê-se cumprimento ao disposto no artº 786ºº do C.P.C.

-----Notifique.----------Todos os presentes foram devidamente notificados.--

7.Os interessados foram notificados nos termos do art.º 1373.º/1, do pretérito Código de Processo Civil.

8. Por despachos proferidos nos dias 23.03.2023 e 12.04.2024, este complementar daquele, foi determinada a forma de proceder à partilha e preenchimento dos quinhões.

9.No dia 19.05.2023 foi elaborado o mapa de partilha a seguir reproduzido:

Processo: 5811/09.9TBSTSInventário (Herança)N/Referência: ... Data: 19-05-2023
Falecido: CC
Interessados: AA e GG e outro(s)...

bensverbadescriçãovaloradjudicadolicitaçõestotais
Dinheiro1Depósito no Banco175,52 €a todos os interessados na proporção do quinhão175,52 €175,52 €
direito6sepultura250,00Ao interessado GG e FF250,00 €250,00 €
imóveis3, 4 e 52 prédios urbanos e 1 rústico17.466,28FF61.000,0061.000,00

Resumo

ATIVO

DinheiroVerba um€ 175,52
DireitoVerba 6 (sepultura)€ 250,00
ImóveisVerbas 3,4 e 5€ 61.000,00
Total do Ativo: 61.425,52

Total bens a partilhar

Ativo:€ 61.425,52
Passivo€: 1.385,13
Total bens a partilhar (Ativo - Passivo): 60.040,39

Os inventariados AA e BB falecidos, respetivamente, a 09 de abril de 1983 e 12 de outubro de 2003, no estado de casados em primeiras e únicas núpcias de ambos e segundo o regime de comunhão de adquiridos.

A BB deixou testamento a favor das suas filhas CC, FF e GG a quota disponível, na proporção de metade para a filha CC e a outra metade na proporção de metade para as filhas FF e GG.

Deste casamento ficaram a suceder-lhe quatro filhos, a saber:

- Interessado A – CC, falecida em 19 de novembro de 2010, no estado de viúva, sendo seus sucessores:

A1 – DD A2 – EE

- Interessado B – FF

- Interessado C – GG

- Interessado D - HH, falecido depois do inventariado e antes da inventariada, sendo seus sucessores,D1 - HH D2 - II D3 - JJ

Operações de Partilha (segundo despacho determinativo)



1. Somam-se os valores dos bens da relação de bens, sendo que, ao seu total, abate-se o valor do passivo 61.425,52 – 1.385,13€ = 60.040,39€
2. Ao valor agora encontrado, divide-se em duas partes iguais, sendo que cada uma delas constitui a meação de cada um dos inventariados.

3.-Divide-se a quota parte do inventariado por quatro, atribuindo-se ¼ à cônjuge sobreviva

e dividindo-se o remanescente por quatro, correspondendo cada parcela à quota imputada a cada um dos filhos/sucessores

60.040,39€: 2 = 30.020,19

30.020,19 €: 4 = 7.505,04€ 5.628,78€


3. O acervo hereditário da inventariada BB No valor de

Divide-se por três, correspondendo 2/3 à legitima, que se divide por quatro, correspondendo as parcelas às quotas imputadas a cada um dos filhos/herdeiros legitimários,

E 1/3 à quota disponível que se divide por quatro, imputando-se 2/4 á herdeira CC Doas da Mota e ¼ a cada uma das herdeiras FF e GG.

30.020,19€ + 7.505,04€=

37.525,23 37.525,23€: 3 = 12.508,41€

25.016,82: 4= 6.254,20€ 12.508,40€: 4=

3.127,10€

Herdeiros de CC:18.137,18
FF:15.010,08
GG:15.010,08
Herdeiros de HH:11.882,98

*** Pagamentos

Cabeça de Casal – FF

benscoube-lhe benstotais
DinheiroVerbas 143,88 €
ImóveisVerbas 3, 4 e 561.000,00 €
Direito/sepultura½ da verba 6125.00
Passivo: 1.385,13 €
Coube-lhe bens:61.168.88 €
É seu quinhão: 15.010.08 €
Excede 46.158,80
Paga tornas a DD:
EE: GG:
II: JJ: Passivo – IMI:
total:
9.046,55 € 9.046,55 € 14.841.20 € 3.946,37 € 3.946,37 € 3.946,37 € 1.385,13 €46.158,54 €

Interessado DD

benscoube-lhe benstotais
DinheiroVerbas 121,94 €
Coube-lhe bens: 21,94 €
É seu quinhão: 9.068,59 €
Pelo que lhe falta 9.046,65 €
Recebe tornas de FF:
total:
9.046,65 € 9.046,65 €9.068,59 €

Interessado EE

benscoube-lhe benstotais
DinheiroVerbas 121,94 €
Coube-lhe bens: 21,94 €
É seu quinhão: 9.068,59 €
pelo que faltam: 9.046,65 €
Recebe tornas de FF:
total:
9.046,65 € 9.046,65 €9.068,59 €

Interessado GG

benscoube-lhe benstotais
DinheiroVerbas 143,88 €
Direito/sepultura½ Verba 6125,00 €
Coube-lhe bens: 168,88 €
É seu quinhão: 15.010,08 €
pelo que faltam: 14.841.20 €
Recebe tornas de FF:
total:
14.841,20 € 14.841,20 €15.010,08 €

Interessado HH

benscoube-lhe benstotais
DinheiroVerbas 114,62 €
Coube-lhe bens: 14,62 €
É seu quinhão: 3.960,99 €
pelo que faltam: 3.946,37 €

Recebe tornas de FF:
total:
3.946,37 € 3.946,37 €3.960,99 €

Interessado II

benscoube-lhe benstotais
DinheiroVerbas 114,62 €
Coube-lhe bens: 14,62 €
É seu quinhão: 3.960,99 €
pelo que faltam: 3.946,37 €
Recebe tornas de FF:
total:
3.946,37 € 3.946,37 €3.960,99 €

Interessado JJ

benscoube-lhe benstotais
DinheiroVerbas 114,62 €
Coube-lhe bens: 14,62 €
É seu quinhão: 3.960,99 €
pelo que faltam: 3.946,37 €
Recebe tornas de FF:
total:
3.946,37 € 3.946,37 €3.960,99 €

Crédito de IMI

benscoube-lhe benstotais
valor: 1.385,13 €
Recebe de FF:
total:
1.385,13 € 1.385,13 €1.385,13 €

10.Notificado esse mapa de partilha no dia 5.06.2023 a cabeça de casal reclamou do mapa de partilha, alegando:

“A – Da inexactidão do Activo

1 – A verba número 1(depósito) não tem o valor fixado no Mapa – que, aliás, apenas a título de lapso se pode entender – pois o valor real é incomensuravelmente superior, resultante das rendas de estabelecimento comercial depositadas ao longo de mais de dez anos pelo Arrendatários na agência de ... da Banco 2... .

B – Da falta de Menção de Passivo

2 - O Mapa não contém a menção ao Passivo, quando existe uma dívida ao Estado –concretamente à AT - resultante do imposto IMI, sobre os bens imóveis em causa nestes autos.

3 – Sendo certo que se trata de um imposto que confere ao Credor – AT – o direito de sequela sobre os referidos imóveis, independentemente do seu titular.

Terminou a pedir: “ Termos em que, deve o Tribunal mandar notificar o Banco 2..., bem como o Credor Autoridade Tributária para virem certificar, respectivamente, o saldo activo (valor do depósito bancário ) e passivo (valor da dívida fiscal ) até à presente data, rectificando-se, de seguida, o Mapa de Partilha em conformidade”.

11.De seguida, foi proferido despacho que ordenou que fosse completado o mapa de partilha com as informações prestadas, entretanto, pela Banco 2... e AT.

12.E no dia 16.11.2023 foi elaborado novo mapa de partilha o qual aqui se reproduz:


Processo: 5811/09.9TBSTS
Inventário (Herança)N/Referência: ... Data: 16-11-2023
Falecido: CC Interessado: GG e outro(s)...

Bens da Herança por óbito de AA e de BB:

bensverbaDescriçãovaloradjudicadolicitaçõestotais
Dinheiro1Depósito no Banco175,52 € + 3.756,92a todos os interessados na proporção do quinhão3.932,44 €3.932,44 €
direito6Sepultura250,00Ao interessado GG e FF250,00 €250,00 €
imóveis3, 4 e 52 prédios urbanos e 1 rústico17.466,28FF61.000,0061.000,00

Resumo

ATIVO

DinheiroVerba um€ 3.932,44
DireitoVerba 6 (sepultura)€ 250,00
ImóveisVerbas 3,4 e 5€ 61.000,00
Total do Ativo: 65.182,44

Total bens a partilhar

Ativo:€ 65.182,44
Passivo€: 5.731,24
Total bens a partilhar (Ativo - Passivo): 59.451,20

Os inventariados AA e BB falecidos respetivamente e, 09 de abril de 1983 e 12 de outubro de 2003, no estado de casados em primeiras e únicas núpcias de ambos e segundo o regime de comunhão de adquiridos.

A BB deixou testamento a favor das suas filhas CC, FF e GG a quota disponível, na proporção de metade para a filha CC e a outra metade na proporção de metade para as filhas FF e GG.

Deste casamento ficaram a suceder-lhe quatro filhos, a saber:

- Interessado A – CC, falecida em 19 de novembro de 2010, no estado de viúva, sendo seus sucessores:

A1 – DD A2 – EE

- Interessado B – FF

- Interessado C – GG

- Interessado D - HH, falecido depois do inventariado e antes da inventariada, sendo seus sucessores,

D1 - HH

D2 - II

D3 - JJ

Operações de Partilha(segundo despacho determinativo)

1. Somam-se os valores dos bens da relação de bens, sendo
que, ao seu total, abate-se o valor do passivo
65.182,44 – 5.731,24€ = 59.451.20€
2. Ao valor agora encontrado, divide-se em duas partes iguais, sendo que cada uma delas constitui a meação de cada um dos inventariados.
3.-Divide-se a quota parte do inventariado por quatro, atribuindo-se ¼ à cônjuge sobreviva
e dividindo-se o remanescente por quatro, correspondendo cada parcela à quota imputada a cada um dos filhos/sucessores
59.451,20€: 2 = 29.725,60 29.725,60 €: 4 = 7.431,40€ 22.294,20:4 = 5.573,55€
Acervo hereditário da inventariada BB37.157,00
3. O acervo hereditário da inventariada BB No valor de
Divide-se por três, correspondendo 2/3 à legitima, que se divide por
37.157,00€
: 3 = 12.385,67€ 24.771,33: 4= 6.192,83€
quatro, correspondendo as parcelas às quotas imputadas a cada um dos filhos/herdeiros legitimários,
E 1/3 à quota disponível que se divide por quatro, imputando-se
2/4 á herdeira CC e ¼ a cada uma das herdeiras FF e GG.
12.385,67€: 4 = 3.096,42

6.192,83€ 3.096,42 3.096,42
Herdeiros de CC:17.959,21
FF:14.862,28
GG:14.862,28
Herdeiros de HH:11.766,38

Pagamentos

Cabeça de Casal – FF

Benscoube-lhe benstotais
DinheiroVerbas 1983,11 €
ImóveisVerbas 3, 4 e 561.000,00 €
Direito/sepultura½ da verba 6125.00
Passivo: 5.731,24
Coube-lhe bens:62.108,11 €
É seu quinhão: 14.862,80 €
Excede 47.245,31 €
Paga tornas a DD:
EE: GG:
II: JJ: Passivo – IMI:
total:
8.385,61 € 8.385,61 € 13.754,69€ 3.662,72€ 3.662,72€


3.662,72€ 5.731,24€
47.245,31

Interessado DD

benscoube-lhe benstotais
DinheiroVerbas 1594,00 €
Coube-lhe bens: 594,00 €
É seu quinhão: 8.979,61 €
Pelo que lhe falta 8.385,61 €
Recebe tornas de FF:
total:
8.385,61 € 8.385,61 €8.385,61 €

Interessado EE

benscoube-lhe benstotais
DinheiroVerbas 1594,00 €
Coube-lhe bens: 594,00 €
É seu quinhão: 8.979,61 €
pelo que faltam: 8.385,61 €
Recebe tornas de FF:
total:
8.385,61 € 8.385,61 €8.385,61 €

Interessado GG

benscoube-lhe benstotais
DinheiroVerbas 1983,11 €
Direito/sepultura½ Verba 6125,00 €
Coube-lhe bens: 1.108,11 €
É seu quinhão: 14.862,28 €
pelo que faltam: 13.754,69 €
Recebe tornas de FF:
total:
13.754,69€ 13.754,69€13.754,69€

Interessado HH

benscoube-lhe benstotais
DinheiroVerbas 1259,41 €
Coube-lhe bens:259,41 €
É seu quinhão: 3.922,13 €
pelo que faltam: 3.662,72 €
Recebe tornas de FF:
total:
3.662,72€ 3.662,72€3.662,72€

Interessado II

benscoube-lhe benstotais
DinheiroVerbas 1259,41 €
Coube-lhe bens: 259,41 €
É seu quinhão: 3.922,13 €
pelo que faltam: 3.662,72 €
Recebe tornas de FF:
total:
3.662,72€ 3.662,72€3.662,72€

Interessado JJ

benscoube-lhe benstotais
DinheiroVerbas 1259,41 €
Coube-lhe bens: 259,41 €
É seu quinhão: 3.922,13 €
pelo que faltam: 3.662,72 €
Recebe tornas de FF:
total:
3.662,72€ 3.662,72€3.662,72€

Crédito de IMI

benscoube-lhe benstotais
valor: 5.731,24
Recebe de FF:
total:
5.731,245.731,245.731,24

A Oficial de Justiça

XX”

13.Notificados os interessados desse mapa de partilha veio a cabeça de casal reclamar do mapa de partilha nos termos que se reproduzem:

“– Da inexactidão da distribuição do Activo na proporção de todos os Herdeiros

1 – A verba número 1(depósito) não pode ser adjudicada “a todos os interessados na proporção do quinhão “(sic, v.g. Mapa Partilha), pois a mesma é o produto das rendas devidas pela ocupação do estabelecimento comercial identificado nos Autos pelos Interessados designados como Herdeiros “ D “ (sic, idem ) no Banco 2... .

2 – Os mesmos recusaram liquidar as rendas à Herança nos respectivos prazos legais e apenas o fizeram quando para tal foram obrigados, recorrendo então á figura do depósito liberatório no Banco Público - Banco 2... (cf está sobejamente provado e demonstrado nos Autos).

3 – Assim sendo, como é, não pode essa verba (na verdade, o produto de uma verdadeira dívida dos referidos Interessados à Herança) ser “adjudicada a TODOS os interessados na proporção do quinhão, pois que entre eles estão … os Devedores / Depositantes da mesma!

Sendo Certo que, e sem prescindir, se assim não fôr entendido,

4 – então sempre a Adjudicação proposta no Mapa de Partilha configuraria, no que concerne à percentagem da verba proposta aos Interessados que a depositaram na Banco 2..., um autêntico Abuso de Direito, o que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.

5 – Pois não pagaram as rendas à Herança nos prazos legais - prejudicando a Herança e, com isso, os restantes Interessados - e agora recebiam tal como os demais Interessados o produto ….das rendas que não pagaram no tempo e formas devidos!

6 – Até porque, na verdade, se tivessem pago as rendas no tempo e forma legais devidos - como qualquer arrendatário - a Herança poderia, por ex., ter liquidado o imposto IMI .

Termos em que, deve o Tribunal mandar corrigir a adjudicação do valor do depósito bancário do Banco 2..., em conformidade com o exposto – ou seja, que essa verba apenas pode ser adjudicada aos Interessados designados como “A, B e C “ - e, porque tal afecta toda a operação matemática e respectivos saldos/valores, rectificar-se, de seguida, o Mapa de Partilha.

14.Foi apresentada resposta.

15.E no dia 5.02.2024 foi proferido despacho que indeferiu a reclamação, reproduzindo-se aqui a parte do despacho que releva.

“In casu, no que tange à verba 1), a mesma consubstancia um depósito bancário, sendo que o respetivo saldo constitui crédito da respetiva herança, suscetível de adjudicação aos herdeiros na proporção do respetivo quinhão (vd. Acórdão do STJ de 14/07/2016, proc. n.º 8507/12.0TBVNG.P1.S1, in www.dgsi.pt ), inexistindo fundamento para a reclamação deduzida.Pelo supra exposto, indefere-se o requerido”

16.Posteriormente, no dia 06.03.2024 foi proferida sentença homologatória de partilha, a qual, aqui se reproduz em parte:

“I. Os vertentes autos foram intentados por EE e DD, peticionando o inventário por óbito de AA e de BB.

A cabeça de casal prestou declarações e deduziu a relação de bens.

Efetivou-se a conferência de interessados.

Os interessados foram notificados nos termos do art.º 1373.º/1, do pretérito Código de Processo Civil.

Proferiu-se despacho que consignou a forma da partilha.

Elaborou-se o mapa da partilha.

II.Enfatize-se, ante omnia, que o processo de inventário se destina a pôr termo à comunhão hereditária

ou, não carecendo de realizar-se partilha judicial, a relacionar os bens que constituem objeto da sucessão e a servir de base à eventual liquidação da herança.

Em decorrência, no que se refere especificamente à legitimidade para intervir em processo de inventário, a mesma estriba-se no conceito normativo de interessados na partilha, o qual abrange os herdeiros, os legatários, os donatários e os credores, nos termos previstos, sendo que, nos termos dos n.º 2 e3 do mesmo artigo, e em decorrência igualmente do estatuído no art.º 2101.º/1, do Código Civil, só os herdeiros titulam o direito de ação inerente ao inventário, i.e., o interesse exclusivo e qualificado na partilha do acervo hereditário, incumbindo aos demais um direito de intervenção no processo para defender as suas posições jurídicas.

Acresce que, nos termos dispostos no art.º 2131.º, do Código Civil, se o falecido não tiver disposto válida e eficazmente, no todo ou em parte, dos bens de que podia dispor para depois da morte, são chamados à Sucessão desses bens os seus herdeiros legítimos, elencados por classes no art.º 2133.º/1, do mesmo código,sendo que o cônjuge não é chamado à herança se à data da morte do autor da sucessão se encontrar divorciado ou separado judicialmente de pessoas e bens (art.º 2133.º/2 do CC).

Cura-se, assim, de um processo que visa nuclearmente a partilha de uma universalidade hereditária, não se prefigurando como um estrito processo de partes.

Na situação sub judice, atesta-se linearmente que o mapa de partilha consagra as operações decorrentes do determinado no despacho que exarou a forma da mesma, com imputação aos interessados do respetivo uinhão, procedendo-se, outrossim, à discriminação dos pagamentos exigíveis a título de tornas.

Postula-se, assim, a meridiana homologação do mapa da partilha.

III.Pelo supra exposto, homologa-se por sentença a partilha constante do mapa antecedente, determinando-se a adjudicação dos bens nos termos enunciados no mesmo, em sede do vertente inventário instaurado por óbito de AA e de BB.

Custas imputáveis aos interessados na proporção do respetivo quinhão, fixando-se o valor da causa em € 59.451,20. Registe e notifique.”

17.Inconformada, a interessada, cabeça-de-casal, interpôs recurso cujas conclusões aqui se reproduzem:

“Em relevando para a boa decisão da questão “sub judice “estão assentes os seguintes factos:

A)No decorrer do processo, os Interessados classificados como herdeiros “ D”, que eram arrendatários de um imóvel da herança, findaram a mora e o incumprimento do pagamento das rendas, mediante depósitos liberatórios obrigatórios, na agência da Banco 2... de ...;

b) No Mapa de partilha, a verba em questão está inscrita como um Activo, na forma de “depósito no banco”;

c) A Fls…..dos Autos, a Banco 2... veio informar o Tribunal “ a quo “ que a verba em causa – no valor de € 3.932,44- era um “ depósito obrigatório “

2.O Tribunal “a quo“ considerou a verba em questão como um “ depósito bancário “.

3.Mas, levou ao No Mapa de partilha, a verba em questão inscrita como um Activo, na forma de “depósito no banco“.

4.E imputou o valor em causa - € 3.932,44 - como adjudicado “ a todos os interessados na proporção do quinhão” (v.g. Mapa de Partilha );

5.Ora deste acervo probatório, das Motivações e das Conclusões de Direito do Tribunal “ a quo” nunca poderia resultar a adjudicação do Activo “ Depósito no Banco “, “ a todos os interessados na proporção do quinhão “.

6.Salvo melhor opinião, o Tribunal “a quo  baseou-se numa premissa errónea – a de que “ depósito bancário, “ depósito no banco “ e “depósito obrigatório “ são a mesma coisa .

6.Salvo melhor opinião, o Tribunal “ a quo “ baseou-se numa premissa errónea – a de que “ depósito bancário, “ depósito no banco “ e “ depósito obrigatório “ são a mesma coisa.

7. O Tribunal “ a quo” ignorou a prova documental dos autos, ao não extrair, como era seu indeclinável dever, qualquer consequência de natureza processual e substantiva, da informação da única Entidade (Banco 2... ) que podia classificar o depósito, e que o fez de uma forma cristalina “ Depósito obrigatório “.

8.A verba número 1(depósito ) não pode ser adjudicada “ a todos os interessados na proporção do quinhão “ (sic, v.g. Mapa Partilha ), pois é um depósito obrigatório (rendas devidas pela ocupação do estabelecimento comercial identificado nos Autos pelos Interessados designados como Herdeiros “ D “) .

9.Um depósito obrigatório não é um depósito bancário, na medida em que se apenas pode ser feito no Banco Público – Banco 2... – e apenas nos casos e da forma expressamente previstos na lei, tendo um regulamento “ ad hoc “, diferente de todos e quaisquer “ depósitos bancários “ .

.Sem prescindir, se assim não fôr entendido,

10 .Sempre a Adjudicação do Mapa de Partilha configuraria, no que concerne à percentagem da verba proposta aos Interessados que a depositaram na Banco 2..., um autêntico Abuso de Direito, o que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.

11.Pois não pagaram as rendas à Herança nos prazos legais - prejudicando a Herança e, com isso, os restantes Interessados - e no final recebiam tal como os demais Interessados o produto ….das rendas que não pagaram no tempo e formas devidos!

12.Devia – e deverá - o Tribunal “ a quo “ mandar corrigir a adjudicação do valor do depósito bancário do Banco 2..., em conformidade com o exposto – ou seja, que essa verba apenas pode ser adjudicada aos Interessados designados como “ A, B e C “ - e, porque tal afecta todas as operações de Partilha e respectivos saldos/valores, rectificar-se, de seguida, o Mapa de Partilha,

A Sentença violou o disposto no regime jurídico do Inventário respeitantes ao Mapa de Partilha e Adjudicações – mormente, arts 1375º e 1379º CPC 2013, bem como o regime jurídico aplicável aos depósitos obrigatórios do banco público Banco 2...., e ainda os artigos 607º e 615º, nº 1 do NCPC.Termos em que deve ser revogada, como é de JUSTIÇA!

18.Não foram apresentadas contra-alegações.

19. Colhidos os vistos legais, cumpre deliberar.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.

Questão Prévia relativa à convocação pela recorrente do art 615 nº1 do CPC.

Apreciar e decidir do mérito do recurso.

III. FUNDAMENTAÇÃO.

3.1.Questão Prévia.

No final das conclusões recursórias a recorrente escreveu: “violou o disposto no regime jurídico do Inventário respeitantes ao Mapa de Partilha e Adjudicações – mormente, arts 1375º e 1379º CPC 2013, bem como o regime jurídico aplicável aos depósitos obrigatórios do banco público Banco 2...., e ainda os artigos 607º e 615º, nº 1 do NCPC.”

Todavia, pese embora referir o artigo 615º do CPC, a recorrente não concretizou factos reveladores da concreta nulidade da sentença recorrida.

A revelar que a propósito de eventuais nulidades da sentença a apelante omite qualquer alegação a propósito, pelo que, sobre a matéria nenhuma questão está colocada a este Tribunal da Relação.

3.2.Factos

Os factos que relevam para decidir a questão recursória são aqueles que foram descritos no relatório introdutório.

Relevam ainda os seguintes factos:

. A verba número 1 da relação de bens, corresponde ao produto das rendas devidas à pela ocupação do estabelecimento comercial identificado nos Autos pelos Interessados designados como Herdeiros “ D “ (sic, idem ) no Banco 2... .

.No dia 19.09.2023 em complemento do despacho em 05/09/2023, o tribunal recorrido determinou . entre o mais, que a Banco 2..., no prazo de 10 dias, informasse, enviando para os autos o extrato atual do saldo da conta bancária descrita sob a verba 1) .

.E no dia 17.10.2023 a Banco 2... informou que “ a conta de Depósito Obrigatório nº ... apresenta um saldo à data atual de 3.756,92 EUR”.

3.3 Do Mérito do Recurso.

1.Os presentes autos de inventário foram instaurados no ano de 2009.

Ora, nessa altura o regime do processo de inventário era regulado pelo CPC de 1961, nomeadamente nos artigos 1326º a a 1392º do CPC, aprovado pelo DL nº 44129, de 28 de dezembro de 1961, relativos ao processo de inventário judicial que, todavia, continuou a aplicar-se aos processos de inventário pendentes nos tribunais em 01.09.2013. (art.7º da Lei 23/2013, de 05.03.)

O processo de inventário era tramitado exclusivamente nos tribunais e destinava-se a partilhar os bens de uma herança entre os herdeiros, resolver questões de posse, administração e liquidação de dívidas do falecido, e, se necessário, apurar a quota disponível.

O processo seguia uma sequência de fases formais: Requerimento inicial;Citação dos interessados;Apresentação da relação de bens;Oposição e conferência de interessados;Elaboração do mapa de partilha;Julgamento da partilha;Eventual recurso.

E em conformidade com esse regime do processo de inventário vigente no ano de 2009 a regra geral era a que de o acordo dos interessados na conferência de interessados — nomeadamente quanto à partilha e à adjudicação de bens — vinculava o juiz, salvo se violasse normas legais imperativas ou lesasse direitos de terceiros (como credores da herança ou incapazes).

Assim, nos termos do artigo 1353.º, n do Código de Processo Civil, sob a epígrafe: “Assuntos a submeter à conferência de interessados” – aplicável ao caso, por ser o processo anterior à entrada em vigor do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, segundo o seu artigo 7º:

“1 - Na conferência podem os interessados acordar, por unanimidade, e ainda com a concordância do Ministério Público quando tiver intervenção principal no processo, que a composição dos quinhões se realize por algum dos modos seguintes:

a) Designando as verbas que hão-de compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um deles e os valores por que devem ser adjudicados;

b) Indicando as verbas ou lotes e respectivos valores, para que, no todo ou em parte, sejam objecto de sorteio pelos interessados;

c) Acordando na venda total ou parcial dos bens da herança e na distribuição do produto da alienação pelos diversos interessados.

2 - As diligências referidas nas alíneas a) e b) do número anterior podem ser precedidas de arbitramento, requerido pelos interessados ou oficiosamente determinado pelo juiz, destinado a possibilitar a repartição igualitária e equitativa dos bens pelos vários interessados.

3 - À conferência compete ainda deliberar sobre a aprovação do passivo e forma de cumprimento dos legados e demais encargos da herança.

4 - Na falta do acordo previsto no n.º 1, incumbe ainda à conferência deliberar sobre:

a) As reclamações deduzidas sobre o valor atribuído aos bens relacionados;

b) Quaisquer questões cuja resolução possa influir na partilha.

5 - A deliberação dos interessados presentes, relativa às matérias contidas no n.º 4, vincula os que não comparecerem, salvo se não tiverem sido devidamente notificados.

6 - O inventário pode findar na conferência, por acordo dos interessados e do Ministério Público, quando tenha intervenção principal, desde que o juiz considere que a simplicidade da partilha o consente; a partilha efectuada é, neste caso, judicialmente homologada em acta, da qual constarão todos os elementos relativos à composição dos quinhões e a forma da partilha.”

E importa notar que não obstante a lei não haver hierarquizado, ao menos por forma expressa, o conhecimento dos assuntos que submete à apreciação e deliberação da conferência, a primazia deve outorgar-se à composição de quinhões, composição que implica, por si mesma, o acordo quanto a valores dos bens e sua atribuição aos interessados, a revelar que estabelecida unanimidade quanto a determinada verba, esse acordo tem de ser respeitado.

Sem o que não haveria quaisquer garantias de segurança quanto aos acordos, por unanimidade, assumidos em conferência de interessados, o que estaria em total desacordo com o princípio da preclusão processual, em violação do princípio da cooperação – artº 266º, nº 1, CPC -, e em violação do dever de boa fé processual – artº 266º-A, do CPC -, podendo até, no presente caso, considerar-se que a apelante está a agir de uma forma ilegítima, com abuso de direito – artº 334º do C. Civ. -, na medida em que está a reclamar contra factos que antes aceitou e com os quais até deu aso a um acordo intra-processual (venire contra factum proprium ) sobre o objecto da lide .

E o juiz não pode, em regra, substituir-se à vontade dos interessados, se ela for livre, esclarecida e legal.

Não obstante, o juiz pode recusar homologar o acordo em determinadas hipóteses: Violação de normas legais imperativas, como por exemplo, preterição da legítima (direitos dos herdeiros legitimários), acordos que contornem regras de ordem pública, prejuízo para incapazes, se houver herdeiros menores, interditos ou inabilitados, o juiz deve verificar se o acordo os prejudica.

Nestes casos, pode exigir intervenção do Ministério Público ou nomeação de curador especial.

2.Feita esta introdução, como resulta do relatório introdutório, a cabeça de casal apresentou relação de bens corrigida em cumprimento de despacho proferido pelo tribunal.

E resulta dessa relação de bens corrigida que a verba nº1 corresponde a: - Depósito bancário, na agência de ... do Banco 1..., com o nº conta ... e saldo de € 175,52.

Na conferência de interessados realizada pelos ilustres mandatários e interessados foi dito que chegaram a acordo nos termos seguintes:

-A verba nº 1 (um) fica adjudicada a todos os interessados na proporção dos respectivos quinhões.

Posteriormente, após a elaboração do primeiro mapa de partilha que foi objecto de reclamação, a Banco 2... informou que “ a conta de Depósito Obrigatório nº ... apresenta um saldo à data atual de 3.756,92 EUR” e nessa sequência o tribunal ordenou a 10.11.2023 que fosse complementado o mapa de partilha com as informações prestadas pela Banco 2..., o que, foi feito, como resulta do relatório elaborado.

Posto isto, resulta dos autos que o tribunal a quo, decidiu em sede de decisão sobre a reclamação relativa ao mapa de partilha, (decisão que não está impugnada nessa parte) que fosse aditado na verba nº1 do Activo o referido depósito bancário no valor de 3.756,92 EUR, pese embora exista uma diferença entre depósito obrigatório de rendas e depósito bancário quanto à finalidade, natureza jurídica e regulação legal de cada um.

O Depósito Obrigatório de Rendas está relacionado com o Direito do arrendamento e serve para proteger o senhorio quando o inquilino deixa de pagar a renda, mas este alega ter motivos válidos para não a entregar diretamente ao senhorio (ex.: litígio sobre o contrato, dúvidas sobre quem é o verdadeiro senhorio, etc.).

Normalmente quem o faz é o arrendatário (inquilino), quando quer cumprir a sua obrigação de pagar a renda, mas não a pode ou quer entregar ao senhorio por alguma razão justificada.

E esse depósito, em regra, é feito junto do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ), nos termos do art. 10.º do NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano).

Trata-se assim de um depósito judicial ou equiparado, com caráter provisório e cautelar, com efeitos liberatórios (liberta o inquilino da dívida enquanto se resolve o litígio) e tem a base legal no Código Civil e NRAU.

Relativamente ao Depósito Bancário, contrato do Direito bancário e financeiro, corresponde a uma contrato em que uma pessoa (depositante) que quer guardar dinheiro ou obter rendimento com juros entrega dinheiro a uma instituição financeira (normalmente um banco), que o pode usar, mas tem de o restituir nas condições acordadas. Trata-se de um contrato bancário, normalmente com transferência da propriedade do dinheiro para o banco, que se obriga a restituí-lo.

É feito numa instituição bancária (ex.: conta à ordem, conta a prazo).

E em abstrato, a natureza do depósito é relevante para efeitos de partilha entre herdeiros, porque determina quem é o verdadeiro titular do bem ou valor depositado e, por conseguinte, se e como esse bem integra o património hereditário.

No caso do Depósito bancário (ex.: conta à ordem ou a prazo), em regra, se o falecido era titular exclusivo da conta bancária, o saldo à data do óbito integra o acervo hereditário e deve ser partilhado entre os herdeiros.

Se a conta for conjunta ou solidária (ex.: pai e filho), é necessário analisar a origem dos fundos e a intenção das partes:

Se o dinheiro era todo do falecido e o co-titular apenas geria a conta, o saldo é todo da herança.

Se havia uma compropriedade real e efetiva dos fundos, apenas a parte pertencente ao falecido é partilhável, conforme resulta da presunção legal estabelecida no art. 513.º do Código Civil: Há presunção de divisão igualitária, mas ela pode ser ilidida com prova em contrário.

No caso de Depósito obrigatório de rendas (ex.: no IGFEJ), como referimos, este tipo de depósito tem caráter transitório e cautelar.

O dinheiro não pertence ao inquilino nem ao Estado, mas sim ao senhorio, desde que se verifique o direito à renda.

E só integra a herança se o senhorio falecer e já for reconhecido o seu direito à renda (ou seja, o valor depositado já lhe era devido em vida).

Se o falecido era o senhorio, o valor depositado no IGFEJ por rendas em dívida entra no acervo hereditário (desde que as rendas fossem anteriores ao óbito).

Se era o arrendatário que faleceu, o valor depositado não entra na herança, pois foi feito para cumprir uma obrigação e já não está no seu património.

.Posto isto, reveladas as diferenças entre depósito bancário e depósito obrigatório importa salientar que a questão colocada pela recorrente quanto à natureza do depósito a que se refere a verba nº1 da relação de bens, bem como, quaisquer questões relacionadas com esse depósito (tais como, a mora por parte dos interessados qualificados como arrendatários pela recorrente), não revelam para a sorte do presente recurso.

Efectivamente, a recorrente aceita que esse depósito bancário, (que no rigor deveria integrar nova rubrica da relação de bens, a ser atendível o aditamento à relação de bens na fase de mapa de partilha) integre a rubrica nº1 do Activo da Herança por óbito dos inventariados

A revelar que esse depósito bancário se refere a rendas depositadas em nome do senhorio- inventariado pelos arrendatários, como estavam obrigados a fazer.

Todavia, como o senhorio já faleceu, essas quantias integram o ativo da herança, o que, a recorrente não coloca em causa.

E os arrendatários que são simultaneamente co-herdeiros devem agora pagar à herança (representada pelos herdeiros ou cabeça de casal).

Sucede que a recorrente alega que a verba número 1 na parte relativa ao depósito não pode ser adjudicada “ a todos os interessados na proporção do quinhão “ (sic, v.g. Mapa Partilha ), pois é um depósito obrigatório (rendas devidas pela ocupação do estabelecimento comercial identificado nos Autos pelos Interessados designados como Herdeiros “ D “) .

E alega ainda que a Adjudicação do Mapa de Partilha configuraria, no que concerne à percentagem da verba proposta aos Interessados que a depositaram na Banco 2..., um autêntico Abuso de Direito.

Assim, a recorrente apenas discorda da decisão recorrida na parte em que esta adjudica o valor do depósito obrigatório a todos os interessados na proporção dos quinhões, convocando ainda o instituto do abuso de direito.

Que dizer ?

Analisando a alegação da recorrente, resulta que para esta os interessados-arrendatários, porque eram devedores das rendas não podem receber o valor do depósito obrigatório, na proporção dos quinhões, tal como os restantes interessados.

Todavia, afigura-se-nos que não assiste razão à recorrente.

E para justificar a nossa posição importa convocar o artigo 868º do C. Civil que estabelece que existe confusão “Quando na mesma pessoa se reúnam as qualidades de credor e devedor da mesma obrigação, extinguem-se o crédito e a dívida.”

A significar que nos casos em que os titulares activos e passivos da obrigação se confundem numa mesma pessoa, desparece a alteridade própria do vínculo intersubjectivo e, por isso, o crédito e dívida ficam neutralizados.[1]

Observe-se porém, que a respeito dos fenómenos sucessórios, importa convocar o art 872º do CCivil que dispõe:” Se o crédito e a dívida pertencerem a patrimónios autónomos, tal impede a confusão.”

Os pressupostos da extinção das obrigações pelo modo, denominado confusão, previsto no art.868º C.Civ. são os seguintes:

a) - reunião das qualidades de credor e de devedor na mesma pessoa ;

b) - não pertença do crédito e da dívida a patrimónios separados ;

c) - inexistência de prejuízo para os direitos de terceiro”.

Já era assim antes prescrevendo o art.796º do Código de Seabra (C.Civ.1867), que a reunião na mesma pessoa das qualidades de credor e devedor da mesma obrigação extingue o crédito e a dívida, isto é, põe termo à " obrigação sob as suas duas faces ou pelos seus dois lados: activo e passivo " .

Analisemos então os requisitos:

a- Reunião das qualidades de credor e de devedor na mesma pessoa.

Serão os co-herdeiros -arrendatários simultaneamente credores e devedores das rendas que foram depositadas?

A abertura da sucessão, nos termos do artigo 2031.º do Código Civil (CC), verifica-se no momento da morte, ou seja, a morte determina a abertura da sucessão.

A herança transmite-se aos herdeiros, que passam a constituir uma comunhão hereditária (art. 2101.º do CC), sendo o património do inventariado indivisamente titularizado por todos os herdeiros até à partilha

Conforme resulta do artigo 872º do CC resulta manifesta que no caso não se verifica a figura da confusão.

Não há confusão se o crédito e a divida pertencem a patrimónios separados. O património dos co-herdeiros-arrendatários, que é o património devedor é autónomo em relação ao património da herança que é o património credor.

Verifica-se pois, haver existência de patrimónios separados - também ditos patrimónios autónomos.

Trata-se de determinadas massas ou conjuntos patrimoniais destacados do património geral dos sujeitos de direito, com afectação especial a determinado fim, e que só respondem ou respondem preferencialmente pelas dívidas com tal relacionadas, como é o caso da herança, património autónomo em relação ao próprio ou pessoal de cada um dos herdeiros, ou do património comum do casal em relação aos bens próprios de cada um dos cônjuges. [2]

E no caso da herança indivisa, como é o caso dos autos, estamos perante um património autónomo, de afectação especial, directamente responsável (2097.º do CC), em que os herdeiros apenas têm de intervir (2091.º do CC) como co-titulares desse património, em que somente o seu activo, e não o património dos herdeiros, responde pela satisfação das respectivas dívidas (2068.º e 2098.º do CC).

Por outras palavras, na herança indivisa, os herdeiros não detêm direitos próprios sobre cada um dos bens hereditários e nem sequer são comproprietários desses bens, mas apenas titulares em comum de tal património.

Assim, enquanto a partilha não ocorrer, os herdeiros não são titulares individualizados dos créditos da herança, não podendo reclamar para si o estatuto de credores singulares do valor das rendas depositadas.

Assim, o crédito da herança sobre o herdeiro-devedor subsiste, devendo ser incluído no ativo do inventário e ponderado no momento da partilha, eventualmente sujeito a compensação com a quota hereditária desse herdeiro, mas não extinto por confusão.

No caso dos autos, uma vez que os co-herdeiros -arrendatários pagaram as rendas no valor do depósito obrigatório, constituindo este parte do activo da herança, não merece qualquer censura a decisão recorrida, quando decidiu que “ In casu, no que tange à verba 1), a mesma consubstancia um depósito bancário, sendo que o respetivo saldo constitui crédito da respetiva herança, suscetível de adjudicação aos herdeiros na proporção do respetivo quinhão (vd. Acórdão do STJ de 14/07/2016, proc. n.º 8507/12.0TBVNG.P1.S1, in www.dgsi.pt ), inexistindo fundamento para a reclamação deduzida.

Nestes termos, deve ser confirmada a decisão recorrida, improcedendo o recurso interposto.

Sumário.

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IV.DELIBERAÇÃO:

Nestes termos, acordam os juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso de apelação interposto, e, assim, confirmam a sentença recorrida.

Custas do recurso a cargo da apelante.

Porto, 4.06.2025

Francisca da Mota Vieira

Ana Vieira

Paulo Dias da Silva



[1] Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Un Católica Editora, anotação ao art 868º CC.
[2] Manuel de Andrade, na sua " Teoria Geral da Relação Jurídica ", I (1964 ), 217 ss ( nº 39., subordinado à rubrica " Separação de Patrimónios " ), e de Mota Pinto, " Teoria Geral do Direito Civil ", 3ª ed (1992 ), 345 ss ( nº 85.).