PROPRIEDADE HORIZONTAL
TÍTULO CONSTITUTIVO
PARTE COMUM
PARTE EXCLUSIVA
LOGRADOURO
Sumário

I- O título constitutivo tem uma função modeladora da propriedade horizontal e por ele se define a extensão da propriedade exclusiva dos condóminos, a fração (e suas componentes), menção obrigatória a constar do título sob pena de nulidade (art.1418.º n.º1 do C.C.).
II- Só pode considerar-se propriedade privada/exclusiva dos condóminos, a parte que como tal conste especificada no título constitutivo por referência à individualização das frações, tudo o mais se presume comum.
III- O logradouro será uma parte presuntivamente comum se o título constitutivo não dispuser em termos de afastar a presunção legal.
IV- Constando do título constitutivo da propriedade horizontal que “cada uma das frações compõe-se de três casas assoalhadas, uma cozinha, uma casa-de-banho, um vestíbulo, uma marquise, uma varanda e um logradouro com 53.5m2”, o logradouro com a citada área é afetado, nessa concreta medida, a cada uma das frações autónomas em termos de se poder afirmar que o condómino ou qualquer interessado v.g. em adquirir a fração, tomaria como certo que à dita fração pertencia um logradouro com aquela área, e não já, a nosso ver, que se pudesse servir, gozar e usufruir, por ser parte comum do prédio, de um logradouro com 107m2 que é área total logradouro, pelo que, nesse caso, o logradouro não deve ser considerado parte comum do edifício.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I-Relatório
1- A… e B…, intentaram contra C… e D…, ação declarativa, formulando os seguintes pedidos:
i) requer-se ou a colocação do muro no meio do logradouro, dividindo em partes iguais a área desse logradouro, concretamente para os Autores uma área de logradouro de 26m2 e para os Réus uma área de logradouro também de 26m2; (pedido este do qual os autores, posteriormente, desistiram)
ii) Ou, em alternativa, declarar-se ilegal a colocação do muro que divide o logradouro com as áreas atuais bem como a total demolição do muro divisório do logradouro do prédio dos Autores e Réus, que constitui parte comum, por ilegal e violador dos art.1425 n.º 7, art.1422 e art.1422 n.º 2 alínea c) do código civil”
Alegaram, sumariamente, que são donos da fração A e os réus donos da fração B, do prédio sito na Rua …, T.., que tem um logradouro com 107m2; a dividir o logradouro das frações, existe um muro que altera a área de logradouro constante do registo predial e da escritura de constituição da propriedade horizontal; no registo predial e no título de constituição de propriedade horizontal a área do logradouro dos autores é de 53,50m2, mas foi construído um muro que atribui aos autores uma área de logradouro de apenas 18m2, enquanto que o logradouro dos réus apresenta uma área de 37m2; o muro que divide o logradouro coloca a janela da assoalhada dos autores diretamente sobre a parte do logradouro dos réus, o que prejudica a utilização pelos autores quer do seu apartamento, quer do logradouro, invocando que o logradouro é parte comum do prédio.
2- Os réus contestaram para dizer que a petição é inepta porque pretende alterar o título constitutivo da propriedade horizontal; quando os réus compraram a fração, em 1984, o muro já existia e adquiriram a fração a quem lavrou a escritura da propriedade horizontal; consta do registo predial e da escritura de constituição da propriedade horizontal que a sua fração é composta por um logradouro com 53,50m2, pelo que, são titulares em exclusivo dessa área de logradouro, que não é comum face ao título de propriedade horizontal, pelo que, têm o direito de o usar e fruir de modo pleno; já o muro presume-se comum;
Deduziram reconvenção pedindo que os autores sejam condenados a reconhecer que os réus adquiriram por usucapião o logradouro com a área de 37 m2, no caso de ser considerado que todo o logradouro do prédio é parte comum.
3- Replicaram os autores, invocando que sendo o logradouro parte comum não pode ser adquirido por usucapião e ademais a alteração do titulo constitutivo da propriedade horizontal não pode ser alterado por usucapião.
4- Os réus apresentaram tréplica. 
5-Após julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“A) Julgar a ação totalmente improcedente, na parte subsistente, e, em consequência, absolver os RR. do pedido;
B) Julgar procedente o pedido formulado a título reconvencional e, em consequência, declarar a aquisição pelos RR., por usucapião, do direito de propriedade sobre a área de cerca de 37 m2 do logradouro da parte de trás do prédio, atribuída, pelo muro que aí existe, à fração B de que são proprietários, como parte integrante da mesma.
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6 -É desta sentença que vem interposto o presente recurso, pelos autores, que termina com as seguintes conclusões:
“I - Questão: Violação do art.1425 n.º7 e 1421.º, n.º1, alínea a) do Código Civil
O Logradouro do prédio é parte comum
57 - Nos termos do artº1418º, nº 1 do Código Civil, a escritura de constituição de propriedade horizontal consta “Cada uma destas fracções, compõe-se de três casas assoalhadas, uma cozinha, uma casa-de-banho, um vestíbulo, uma marquise, uma varanda, e um logradouro com a área de cinquenta e três metros quadrados e meio, e a cada uma corresponde o valor de Novecentos e sessenta mil escudos, a que corresponde a percentagem de cinquenta.”
58 - As certidões de registo predial, concretamente Ap. … de 28.01.19… encontra-se inscrita a constituição da propriedade horizontal do prédio com as frações autónomas A e B, cada uma com a permilagem de 500.
59-O título de constituição de propriedade horizontal não é omisso e estipula que o logradouro é parte comum das duas frações 56- O logradouro, terreno não edificado que circunda o prédio, é um espaço imperativamente comum, que cabe na previsão do disposto no artigo 1421.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil. Ainda que assim não constasse na escritura de constituição de propriedade horizontal:
60 - O Artigo 1421º n.º2 do CC presume comuns outros elementos do prédio, nomeadamente pátios e jardins
61 -Sucede que o logradouro seria sempre imperativamente comum uma vez que outra qualificação não resulta do título constitutivo da propriedade horizontal, e neste documento nada indica que o uso do logradouro é exclusivo de algum dos condóminos, sendo por isso parte comum
62 - Assim sendo, o Tribunal “a quo” aceita que o logradouro é parte comum, mas viola a lei, concretamente o art.1425º n.º7 do cc que estipula “Nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como dos comuns.”
II - Violação do art.1425º n.º 7 cc, 1406 n.º1 do cc e art.1305º do cc 
 existência do muro divisório em tal logradouro é proibida por lei e atentatória do direito de propriedade dos Recorrentes.;
63 – O Tribunal reconhece que o muro que divide o logradouro é proibido por lei e atentatório do direito de propriedade dos Recorrentes nos termos do art.1425º n.º 7 do CC, não só porque retira aos Recorrentes o direito que estes têm ao uso da área de logradouro estipulada no titulo de constituição da propriedade horizontal, tal como consta dos fatos provados, mas também a janela da fração dos recorrentes está colocada dentro do lado do muro do logradouro dos recorridos, onde os arrendatários destes fazem festas e barulho: “O muro colocado nos termos referidos em 6) coloca a janela de um quarto/escritório da fração designada pela letra A do prédio referido em 1) a dar diretamente para a parte do logradouro referida em 6) atribuída à fração designada pela letra B, abrindo tal janela para dentro dessa parte. “9. A fração designada pela letra B tem estado arrendada desde pelo menos 1994. 10. As pessoas que arrendam aos RR. a fração designada pela letra B fazem festas e ruído na parte do logradouro atribuída a tal fração referida em 6), o que perturba os AA.
64 – O tribunal “a quo “reconhece que a sanção para a construção do muro seria necessariamente a sua destruição por o mesmo prejudicar e privar a sua utilização pelos Recorrentes, no entanto em violação dos artigos 1425º n.º 7 cc, 1406 n.º 1 do cc e art.1305º do cc opta pela não aplicação daquela lei
III - Violação do art.1422º n.º 2 alínea a) e n.º 3 do Código civil
65 - O Tribunal a quo desconsiderou a aplicabilidade do disposto no artigo 1422 do C.C. n.º 2 aliena a) e n.º 3 do cc, por não considerar que o muro constitui alteração arquitetónica ou constitua alteração do fim a que se destina o logradouro,
66 - O muro é obra nova que prejudica os Recorrentes e altera a linha arquitetónica do prédio, que nunca foi permitida por nenhum dos condóminos.
67 - Os Condóminos não podem fazer obras que alterem física, volumétrica ou esteticamente o prédio em que se integram, exceto se a obra tiver sido aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, nos termos do disposto no art.1422º n.º 3 do CC.
68 - As regras da propriedade horizontal previstas no artigo 1414 do Código Civil impõe limitações ao exercício do direito de propriedade dos condóminos, afastar a aplicabilidade dessas regras é reduzir a tutela legal dos condóminos à ambiguidade, à incerteza, insegurança jurídica
69 - O muro construído no logradouro é uma obra que prejudica a linha arquitetónica do prédio nos termos do disposto no Art.1422º n.º 3 cc
IV - Violação do art.1419º n.º 1 e 2 do Código civil o logradouro é parte comum, os Recorrentes não adquiriram por usucapião a parte do logradouro cuja área lhes é atribuída pela existência do muro divisório
70 - Qualquer alteração do título constitutivo da propriedade horizontal só poderá ser feita mediante eventual modificação do título constitutivo da propriedade horizontal. decidida por unanimidade dos condóminos e nunca através de decisão judicial art.1419º n.º 1 e 2 do cc, Veja-se ainda o que refere Henrique Sousa Antunes, em Direitos Reais, p. 392, apelando à necessidade de acordo de todos os condóminos”.
71 – De acordo com o titulo constitutivo da propriedade horizontal, o logradouro não estava afeto ao uso exclusivo dos Recorridos, logo nunca poderia ser apropriável
72 - A Aquisição da propriedade via usucapião é impedida quando exista disposição em contrário ou casos de lei imperativa Ac. STJ de 06-12-2018, na revista n.º 8250/15.9T8VNF.G1.S1 ou se traduza em objeto legalmente impossível, nos termos do art.º280º, aplicável por via do art.º 295º, ambos do CC”.
73 - O Tribunal não pode alterar o título constitutivo da propriedade horizontal em violação das normas legais em vigor, art.1419º n.º1 do cc designadamente, sem a aprovação de todos os condóminos
74 - O entendimento maioritário da doutrina e da jurisprudência, que se perfilha (cfr. Aragão Seia, A Propriedade Horizontal, p. 55 e ss.). é o de que só o acordo unânime, devidamente formalizado de todos os condóminos poderá validar a modificação.” (cf., no mesmo sentido, os Acs. do STJ de 11-6-86 – BMJ 358-529 e de 17-1-89 – BMJ 383- 548; reconhecendo o próprio Tribunal “a quo” que não é permitida a usucapião com violação do disposto no art.1419 n.º 1 do cc veja-se AC do STJ DE 21.11.06
75 - O tribunal “ a quo” faz uma interpretação ab rogante das disposições aplicáveis, pois entende que se o art.1417º do CC permite a constituição de propriedade horizontal através de usucapião então não é possível negar a alteração da constituição da propriedade horizontal por usucapião
76 - Não é isso que a lei diz no art.1419º do cc, e nem foi isso que o legislador pretendeu, caso contrário teria ficado a constar deste artigo
77 - Com a interpretação que o Tribunal “a quo” faz da aplicação daquelas leis art.1417º e 1419º do cc, admitindo que os Recorrentes adquiram o logradouro por usucapião, viola a lei, o direito substantivo e a segurança jurídica
 VI – Violação dos artigos 1251º e art 1287 do cc Incumprimento dos pressupostos da usucapião
78 -Nos termos do disposto no art.1287.º do C.C., “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação: é o que se chama usucapião”.
79 - Para haver usucapião tem de haver verdadeira posse, e tem como pressuposto a existência de uma posse em nome próprio e a posse é integrada por dois elementos: o corpus, que consiste no domínio de facto sobre uma coisa e o animus que é a intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito real correspondente ao domínio de facto
 80 - Sucede que tal como se encontra provado: “A fração designada pela letra B tem estado arrendada desde pelo menos 1994.” a posse era exercida não pelos recorridos mas pelos arrendatários, uma vez que aqueles após a compra da fração, residindo em França, passaram a arrendar o imóvel até à data de hoje
81 - Assim, no caso concreto os Recorridos não exerciam a posse em nome próprio, não exerciam o corpus, pelo que não se pode considerar provada a usucapião, ao fazê-lo o Tribunal “ a quo” violou a lei concretamente os artigos 1251º e art 1287 do cc
Por tudo o que se deixou exposto e nos termos dos preceitos citados, deve dar-se provimento ao recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, e declarar-se ilegal a colocação do muro que divide o logradouro com as áreas atuais bem como a total demolição do muro divisório do logradouro.”
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7- Contra-alegaram os réus, defendendo, em síntese, que:
- resulta do título constitutivo da propriedade horizontal e da afetação que desde o início foi dada a cada parte do logradouro, que o mesmo estava dividido em duas partes, uma pertencente à fração “A” e outra à fração “B”, não sendo, por isso, parte comum.
-os recorridos não efetuaram nenhuma inovação, nem qualquer obra. O prédio ab initio foi construído com o muro onde o mesmo se encontra, pelo que, o art.º1425º, n.º 7 do CC, que se refere a inovações e não a discrepâncias entre o construído e o registado e, bem assim, o art.1422º, n.º 2, a) e n.º3, são inaplicáveis à situação dos autos.
-não foi violado o art.º 1419º do Código Civil, já que pode haver lugar a aquisição por usucapião.
- não há violação dos arts.1287º e 1251º do CC, porque os réus exercem a posse através dos arrendatários da fração.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir
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Objeto do recurso/questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões apresentadas, nos termos conjugados dos arts.635.º n.º4 e 639.º n.º1 do CPC, sem prejuízo das questões de que o tribunal possa conhecer oficiosamente (art.608.º, n.º 2, in fine, em conjugação com o art. 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC), prefiguram-se no presente caso as seguintes questões a decidir: 
- saber se o logradouro é ou não parte comum do prédio.
-sendo parte comum saber se os réus podem ter adquirido por usucapião parte da área do logradouro.
- sendo o logradouro parte comum saber se o muro que o divide é ilegal.
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II- Fundamentação
2.1- Fundamentação de facto:
2.1.1- Na sentença objeto de recurso constam como provados os seguintes factos:
1.Por escritura outorgada em 22.01.1981, na Secretaria Notarial de C…, foi constituída a propriedade horizontal do prédio urbano composto de rés do chão e primeiro andar e uma garagem, situado nos limites do lugar de T…, freguesia de São…, designado por lote 1…, com a área coberta de 108 m2 e logradouro com a área de 107 m2, ou seja, com a área total de 215 m2, atualmente descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de C… sob o nº … da freguesia de S… e inscrito na respetiva matriz sob o artº …, com a morada atual de Rua…, nº…, T….
2. Nos termos da escritura anteriormente referida a propriedade horizontal foi constituída formando do prédio “duas fracções autónomas que constituem unidades independentes e são suficientemente distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio e desta para a via pública, e que são as seguintes:
“Fracções”
“A” – primeiro piso, rés do chão, um fogo
“B” – segundo piso, primeiro andar, um fogo, com uma garagem.
Cada uma destas fracções, compõe-se de três casas assoalhadas, uma cozinha, uma casa-de-banho, um vestíbulo, uma marquise, uma varanda, e um logradouro com a área de cinquenta e três metros quadrados e meio, e a cada uma corresponde o valor de Novecentos e sessenta mil escudos, a que corresponde a percentagem de cinquenta. (…)”.
3. Pela Ap. … de 28.01.1981 encontra-se inscrita no registo a constituição da propriedade horizontal do prédio referido em 1), com as frações autónomas A e B, cada uma com a permilagem de 500.
4. Pela Ap. …, de ...07.2016, encontra-se inscrita no registo a aquisição a favor dos AA., por compra, da fração designada pela letra A do prédio referido em 1).
5. Pela Ap…., de ….04.1984, encontra-se inscrita no registo a aquisição a favor dos RR., por compra, da fração designada pela letra B do prédio referido em 1).
6. O logradouro da parte de trás do prédio referido em 1) tem uma área de cerca de 55 m2, estando dividido por um muro que atribui a área de cerca de 18 m2 à fração designada pela letra A e a restante área de cerca de 37 m2 à fração designada pela letra B.
7. O logradouro da parte da frente do prédio referido em 1) tem duas partes com as áreas de cerca de 40,20 m2 e 11,80 m2, respetivamente, tendo a primeira saída para a rua através de um portão e permitindo o acesso comum às frações designadas pelas letras A e B.
8. O muro colocado nos termos referidos em 6) coloca a janela de um quarto/escritório da fração designada pela letra A do prédio referido em 1) a dar diretamente para a parte do logradouro referida em 6) atribuída à fração designada pela letra B, abrindo tal janela para dentro dessa parte.
9. A fração designada pela letra B tem estado arrendada desde pelo menos 1994.
10. As pessoas que arrendam aos RR. a fração designada pela letra B fazem festas e ruído na parte do logradouro atribuída a tal fração referida em 6), o que perturba os AA.
11. Aquando da aquisição referida em 5) o muro referido em 6) já existia.
12. Desde a aquisição referida em 5) que os RR. usufruíram da parte do logradouro atribuída à fração designada pela letra B nos termos referidos em 6) e, depois de a arrendarem, os respetivos inquilinos, à frente de toda a gente e dos proprietários da fração designada pela letra A.
13. A partir da altura do Covid o A. começou a comunicar aos inquilinos dos RR. a necessidade de estar tranquilo e a queixar-se de falta de privacidade por aqueles verem do logradouro para a janela do seu quarto referida em 8).
14. Os AA. comunicaram aos RR. a sua oposição à colocação do muro referido em 6) em consequência do referido no ponto anterior.
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2.1.2- Na sentença objeto de recurso foi considerado não provado o seguinte facto:
a) Os AA. estejam impossibilitados de se debruçarem sobre a sua janela referida em 8) da fatualidade provada, de se apoiarem sobre o parapeito dessa janela e de a abrirem, bem como de deitar a cabeça de fora.
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2.2-Fundamentação de direito:    
Recorrem os autores da sentença que julgou improcedente o seu pedido (na parte subsistente) ou seja, o de “declarar ilegal, com a sua demolição, o muro existente no logradouro do prédio”, e, declarou, na procedência da reconvenção que os réus adquiriram por usucapião a área de 37m2 do logradouro.
Na ação o dissenso das partes colocou-se desde logo relativamente à natureza/qualificação jurídica do logradouro, alegando os autores que o mesmo é parte comum do prédio, embora invoquem que no registo e no título de constituição da propriedade horizontal a sua área de logradouro é de 53,5 m2 (art.6.º da p.i.) e, defendendo os réus que o logradouro não é parte comum do prédio em face do título de constituição da propriedade horizontal (art.20.º da contestação) e o muro que divide a parte traseira do logradouro já existia antes de comprarem a fração.
As questões que se colocam e sua resolução dependem em toda a extensão, efetivamente, da resposta a dar quanto a saber se o logradouro deve ser considerado parte comum do prédio ou se faz parte integrante de cada uma das frações, na área corresponde a 53,5m2, em conformidade com o que consta do título constitutivo e, também, – como ambas as partes reconhecem – do registo predial relativamente à composição das frações autónomas, A e B, que fazem parte do prédio constituído em propriedade horizontal.
O tribunal recorrido qualificou-o como parte presuntivamente comum. No recurso os autores defendem que é parte imperativamente comum e os réus nas contra-alegações continuam a defender que o logradouro não é parte comum do prédio. Como é sabido o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.5.º n.º3 do CPC).
Cumpre, assim, atentar no regime legal da propriedade horizontal tendo em vista saber se o logradouro deve considerar-se parte comum do prédio ou faz parte das frações que o compõem que são apenas as duas frações aqui em causa, de autores e réus.
Sobre a própria natureza jurídica da propriedade horizontal muito se tem discorrido, sobretudo na doutrina, havendo quem a faça corresponder a uma propriedade especial, outros autores caracterizam-na como uma compropriedade, outros, ainda, consideram tratar-se de um direito complexo, para outro entendimento estamos em presença de um direito real de gozo a se; não nos deteremos nessa discussão, podendo-se afirmar, numa primeira aproximação ao seu regime, com Andreia Filipa Lobo Mendes, dissertação de mestrado “O Regime Jurídico da Propriedade Horizontal e a Usucapião de Partes Comuns”, acessível em https://estudogeral.uc.pt/, que “Assim, a propriedade horizontal é um conjunto, inseparável, de poderes que recaem sobre uma fração autónoma de um edifício e sobre as partes comuns do mesmo, «consiste num conjunto coordenado de direitos de propriedade sobre um prédio onde exista um edifício, incidindo cada um de tais direitos isoladamente, sobre uma parte especificada do prédio (uma fração autónoma) e, em concurso com os demais direitos, sobre as partes comuns do prédio».”, concluindo, a autora, na sua tomada de posição, que “quando um edifício se constitui em propriedade horizontal existe, em primeira instância, a criação de um novo estatuto desse edifício, ou seja, tal deixa de ser considerado uma coisa unitária para passar a ser visto como uma multiplicidade de coisas – as frações autónomas e as partes comuns – que estão necessariamente ligadas. Deste modo, sobre o prédio constituído em propriedade horizontal passam a incidir direitos reais distintos sobre as frações autónomas e as partes comuns. Isto é, o direito real que incide sobre as frações autónomas, e o direito real que incide sobre as partes comuns são te tal forma indissociáveis, que não podemos falar aqui de dois direitos distintos, mas simplesmente de um novo direito real, um tipo autónomo de direito real de gozo.”. Destacaremos, por isso, o que vem sendo aceite sem particulares divergências, que do regime jurídico que regulamenta o instituto, se extrai a aglutinação num direito, que a lei caracteriza como “conjunto incindível” dos poderes correspondentes ao direito de propriedade sobre as frações e poderes correspondentes à compropriedade, mas de cuja incindibilidade resulta uma realidade jurídica própria que reclama para a sua correta compreensão, mais do que a consideração do “conjunto dos dois direitos”, concorrendo outros fatores quer na sua génese (com particular ênfase para título constitutivo), quer nas inter-relações e limitações específicas a que estão sujeitos aqueles direito de propriedade e compropriedade, de tudo resultando a sua identidade.
Há, assim, que ter presente que as frações de que um edifício se compõe podem pertencer a proprietários diversos desde que em condições de constituírem unidades independentes; a propriedade horizontal pressupõe o fracionamento do edifício em unidades independentes (art.1414.º do C.C.) e, além disso, exige-se que as frações sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública (art.1415.º). A falta de tais requisitos importa a nulidade do título constitutivo e a sujeição do prédio ao regime de compropriedade (art.1416.º do C.C.). Por isso estabelece o art.1418.º, com a epígrafe “Conteúdo do título constitutivo” que:
1 - No título constitutivo serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio.
2 - Além das especificações constantes do número anterior, o título constitutivo pode ainda conter, designadamente:
a) Menção do fim a que se destina cada fracção ou parte comum;
b) Regulamento do condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das fracções autónomas;
c) Previsão do compromisso arbitral para a resolução dos litígios emergentes da relação de condomínio.
3 - A falta da especificação exigida pelo n.º 1 e a não coincidência entre o fim referido na alínea a) do n.º 2 e o que foi fixado no projecto aprovado pela entidade pública competente determinam a nulidade do título constitutivo.
Podendo a propriedade horizontal ser constituída por negócio jurídico, usucapião, decisão administrativa ou decisão judicial, proferida em acção de divisão de coisa comum ou em processo de inventário (art.1417.º), impõe-se que no título constitutivo, sob pena de nulidade do mesmo, sejam especificadas as partes do edifício correspondentes às várias frações, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas. Como resulta do mesmo art.1418.º, a lei não exige, ao invés, que o título constitutivo especifique as partes comuns. O título constitutivo assume-se como essencial à constituição da propriedade horizontal porque é em face dele que as diversas frações em que o prédio se compõe são individualizadas e, em decorrência, é em face do que aí se estabelece que se conhece a composição de cada fração – relativamente à qual, diz a lei, o condómino é proprietário exclusivo (art.1420.º n.º1), o que, como se verá em seguida, importa ainda para aferir e distinguir as frações das restantes partes comuns do prédio. Frise-se que o n.º1 do art.1418.º nos diz que o titulo constitutivo deve especificar as partes do edifício correspondentes às várias frações. Ou seja, é em face do título constitutivo que se deve saber que partes do edifício correspondem às várias frações, o que implica que se discrime relativamente a cada fração as partes que as compõem. E a questão não é de somenos importância, porque não é de todo indiferente saber se certa parte do edifício está ou não, no título constitutivo, integrada em certa ou certas frações, partes do edifício essas que podem ser diversificadas em função das próprias características dele (pense-se, por exemplo, em garagens, arrecadações, jardins, piscinas, e, também, logradouros) e, sem prejuízo das especificidades que, em concreto, se coloquem, podem vir, tais partes, a ser consideradas no título constitutivo como correspondendo a certas frações autónomas, delas fazendo parte. “A fração autónoma identifica-se com a parte própria, ou seja, com a parte do edifício objecto de propriedade exclusiva. Definimos a fração autónoma como um todo unitário que é mais do que o lugar destinado a habitação ou a outro fim. Uma fração autónoma pode ser composta, por exemplo, por “um apartamento com garagem e arrecadação” (Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador da Propriedade Horizontal, 2.ª edição, Almedina, pag.20). A lei impõe, portanto, que o título constitutivo individualize cada uma das frações, dizendo as partes que lhe correspondem e que podem ser, naturalmente, diferentes das partes que correspondem a outras frações. Sobre a redação do n.º1 do art.1418.º que corresponde à 1.ª versão da norma, vinda do Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de Novembro, escrevem os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. anotado, vol. III, pag.410 “O n.º1 do art.3.º do Decreto-Lei n.º40333 mandava já especificar as partes do prédio componentes de cada uma das fracções autónomas. O art.1418.º substituiu essa referência pela alusão às partes do edifício correspondentes às várias fracções, no intuito de abranger as quotas das partes comuns do edifício que interessem à individualização do objecto dos direitos de cada condómino.”; e acrescentam os mesmos autores, “Se alguma ou algumas partes do edifício que a lei presume comuns forem especificadas entre as frações autónomas e lhes for atribuído um valor (assim sucede, a cada passo, com as dependências que no projecto do edifício se destinavam a uso e habitação do porteiro, e com a cave ou subcave que o mesmo projecto afectava a garagens: cfr.o art.1421.º n.º2 alins. c) e d)), isso significa que o autor do titulo quis atribuir-lhes natureza privativa, devendo considerar-se afastada a presunção legal. (…). Trata-se de um dos poucos casos em que aos particulares se permite, através de negócios de conteúdo normativo, fixar o regime dos direitos reais (cfr. o art.1306.º n.º1), o qual deixa, assim, de ser um regime integralmente taxativo.”, concluindo “O titulo constitutivo do condomínio reveste-se da maior importância para todos aqueles que venham a adquirir a propriedade de frações autónomas. São muito frequentes, na prática, situações como a s que seguidamente se descrevem: a) Na fase de negociação das fracções autónomas de um edifício já construído, em construção ou apenas projectado, mas não submetido ainda ao regime de propriedade horizontal, induzem-se os futuros adquirentes (…) a supor que determinados compartimentos ou espaços – uma cave, as dependências para habitação do porteiro, um sótão, um jardim, um logradouro, etc. – serão comuns e, ulteriormente, o titulo constitutivo do condomínio descreve esses compartimentos ou espaços como privativos de um ou alguns dos condóminos; (…) c)Noutros casos, a desconformidade verifica-se entre o projecto para que foi concedida a licença camarária de construção e o titulo constitutivo. (…). Em todos estes casos, prevalece sempre o que resultar do título constitutivo, dada a natureza real do estatuto que nele se contém. A situação jurídica do imóvel, como objecto de um direito real, é definida pelo titulo de que este direito emerge, e não por qualquer negócio com eficácia meramente obrigacional (caso dos contratos-promessa de compra e venda das fracções autónomas) nem, muito menos, pelo projecto de construção do edifício ainda que aprovado pela administração pública.” (ob. cit. pag.412). Por isso se compreende que se aponte ao título constitutivo uma função modeladora da propriedade horizontal, por ele se define a extensão da propriedade exclusiva dos condóminos, a fração (e suas componentes), menção obrigatória a constar do título sob pena de nulidade (art.1418.º n.º1) e por ele se podem definir o fim a que se destina a fração e/ou parte comum e a disciplina de uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das frações autónomas (menções facultativas previstas no n.º2 do art.1418). A importância do acto constitutivo da propriedade horizontal, formalizado no título constitutivo, é ainda apreensível dos limites fixados na lei para a sua modificação, dizendo-se, no n.º1 do art.1419.º do C.C., que “Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 1422.º-A e do disposto em lei especial, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública ou por documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos.”, podendo a falta de acordo ser suprida judicialmente, sempre que os votos representativos dos condóminos que nela não consintam sejam inferiores a 1/10 do capital investido e a alteração não modifique as condições de uso, o valor relativo ou o fim a que as suas frações se destinam (n.º2 do art.1419.º). Donde, dada a função modelar do título, a lei fixa as condições em que a sua modificação pode ocorrer, estabelecendo como regra o acordo de todos os condóminos, cuja falta apenas pode ser suprida judicialmente e desde que o desacordo não atinja 1/10 do valor do edifício, caso contrário não há lugar ao suprimento, nem, em decorrência, à modificação. No sentido da relevância do título constitutivo, escreve-se no Ac. TRG de 17.12.2019 (rel. Anizabel Sousa Pereira) “o instrumento jurídico ao qual compete, em primeira linha, definir as relações entre os condóminos e fixar, nomeadamente, não só o fruir a que se destina cada uma das frações do prédio em propriedade horizontal, mas também a sua composição ou individualização, enquanto unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública ( cfr. art.s 1414, 1415, 1418, todos do CC) é precisamente o título constitutivo daquela propriedade horizontal. A propriedade horizontal constitui, sem dúvida, um direito real típico e embora sistematicamente enquadrado no título geral consagrado ao direito de propriedade, tem uma fisionomia própria que resulta não apenas da simbiose entre a propriedade (exclusiva) e a compropriedade efetuada na titularidade de cada condómino ( art. 1420º, nº1 do CC), mas também vínculo de incindibilidade que guarda os dois direitos na relação funcional existente entre as frações autónomas e as partes comuns do edifício (art. 1420,nº2) (1).
Apesar disso, o carater real do estatuto que rege a propriedade horizontal não impede que haja entre os condóminos, como consequência do funcionamento do condomínio, relações de carater obrigacional. O referido título, todavia, tem um valor decisivo nas relações entre os condóminos e a sua eficácia, uma vez levada ao registo, é “erga omnes”.
(acessível em www.dgsi.pt)
Por outro lado, face à já assinalada importância do título constitutivo, desde logo para, como se viu, delimitar as frações autónomas, convém salientar que “No que respeita à interpretação do regulamento contido no titulo constitutivo, devem seguir-se as regras gerais em matéria de negócios jurídicos. Assim, nos termos do art.236.º, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. Como o titulo constitutivo é um negócio formal, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha o mínimo de correspondência no texto do respectivo documento ainda que imperfeitamente expresso (cfr. art.238.º n.º1). A interpretação do titulo constitutivo desenvolve-se na especificação de um condomínio historicamente determinado. O intérprete “deverá ter presentes todas as circunstâncias caracterizantes do condomínio, a situação jurídica, económica e social dos participantes, o ambiente em que se inserem, a estrutura acessória do bairro, e qualquer aspecto que, directa ou indirectamente, incida sobre a individualização da relação.” (Sandra Passinhas, ob. cit. pag.67 e 68).
Já se disse que o título constitutivo deve individualizar as frações mas pode nada dizer quanto às partes comuns, sendo estas determinadas, sem prejuízo do que imperativamente a lei disponha, por exclusão de partes. E quanto às partes comuns diz a lei, no art.1421.º Código Civil que:
1.São comuns as seguintes partes do edifício:
a) O solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio;
b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção;
c) As entradas, vestíbulos, escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos;
d) As instalações gerais de água, electricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes.
2. Presumem-se ainda comuns:
a) Os pátios e jardins anexos ao edifício;
b) Os ascensores;
c) As dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro;
d) As garagens e outros lugares de estacionamento;
e) Em geral, as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos.
3 - O título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns.
Estabelecendo a ligação entre o que se deixou dito quanto ao título constitutivo e o que se estabelece na lei relativamente às partes comuns, antevê-se que há partes do edifício que a lei considera imperativamente/necessariamente comuns, as descritas no n.º1 do artigo em evidência, pelo que, quanto a elas não é possível que o título constitutivo estabeleça validamente qualquer afetação das mesmas às frações autónomas.
Porém, no n.º2 estão previstas partes do edifício que a lei presume comuns, tratando-se de uma presunção ilidível e que por isso pode ser afastada demonstrando-se que tais partes integram uma ou várias frações autónomas. Assim, a regra é a de só pode considerar-se propriedade privada (salvo, eventualmente, a especificidade da destinação objectiva), a parte que como tal conste especificada no título constitutivo por referência à individualização das frações, tudo o mais se presume comum, tanto mais que o n.º2 do art.1421.º não é taxativo, podendo haver partes comuns além das aí expressamente previstas. “O n.º2 presume, de facto, que são comuns outros elementos do prédio. Mas esta presunção pode ser ilidida, desde que se prove que os referidos elementos foram atribuídos pelo titulo constitutivo da propriedade horizontal a um ou a alguns dos condóminos, ou adquiridos por estes através de actos possessórios. E deve mesmo considerar-se afastada em relação às coisas que, exorbitando das necessariamente comuns, não possam servir senão, pela sua destinação objectiva, um dos condóminos. (…). ” (Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit.). Também Sandra Passinhas, ob cit., pag.43, refere, com interesse, que: “Há uma clara diversidade de intenções entre o n.º1 e 2 do artigo citado. Na medida em que as partes próprias já estão especificadas no titulo constitutivo, o art.1421.º ao dar uma listagem geral de partes comuns, tem como função no n.º1, definir as partes que são imperativamente comuns e, no n.º2, estabelecer uma presunção de comunhão para as partes tipificadas nas alíneas a) a d) e, em geral, para todas aquelas que sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos (alínea e)). No rol das partes indicadas como comuns, o legislador distingue aquelas que são insusceptíveis de apropriação privativa de todas as outras partes que serão próprias se um condómino provar (a presunção estabelecida inverte o ónus da prova) que há uma afectação da coisa ao seu domínio exclusivo. E como pode ser feita essa prova? Se a coisa é objectivamente destinada ao gozo de todos os condóminos, não basta para vencer a presunção de comunhão a utilização prática exclusiva. A afectação susceptível de vencer a presunção de comunhão prevista no n.º2 do art.1421.º terá de ser uma afectação formal, a realizar no titulo constitutivo. Ou seja, tudo o que não estiver descrito no título constitutivo como parte própria é propriedade comum dos condóminos.”, mas a autora também entende que: “A redacção da alínea e) não pode, todavia, deixar de merecer alguns reparos. Quanto a lei diz que se presumem comuns as “coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos”, não está a falar de um direito de uso, mas sim de propriedade, pois é da definição do domínio que trata o artigo 1421.º. (…). Uma simples afectação de facto (“afectação  ao uso exclusivo de um dos condóminos”) nunca atribuiria a um condómino um direito de propriedade. A exclusão de alguma das partes do edifício que se presumem comuns, incide sobre a constituição ou modificação de um direito real sobre um imóvel, devendo resultar ad substantiam de escritura pública (…). Em conclusão são comuns, além das indicadas no n.º1 do art.1421.º, todas as partes do edifício que não estejam especificadas no título constitutivo como sendo partes próprias. (…). A importância deste artigo 1421.º não está, como erradamente se considera, em estabelecer a repartição de domínio entre os condóminos. A finalidade deste artigo consiste em discriminar, de entre as coisas comuns, as que são imperativamente comuns, e distingui-las das que são apenas presuntivamente comuns. E, assim, estabelece um regime próprio para as partes descritas no n.º1: estas nunca podem ser objecto de apropriação individual. A função própria do n.º2 e, em particular, da alínea e) é a de qualificar como comuns todas as partes que não estejam previstas no titulo constitutivo como próprias.” (ob. cit.pag.44)
Assentemos, então, que o caminho a percorrer in casu não abdica, a nosso ver, de saber o que o título constitutivo estabeleceu, relativamente ao logradouro dos autos, na certeza que, como resulta dos factos provados, na escritura de constituição da propriedade horizontal consta tal logradouro referenciado a cada uma das frações em certa área. Por isso, a questão não se coloca simplesmente em decidir se o logradouro é parte imperativamente ou presuntivamente comum. A sentença recorrida considerou que o logradouro é presuntivamente comum, dizendo “O logradouro é, por conseguinte, parte comum do prédio, ainda que só presuntivamente – como se propugna, seguindo o entendimento maioritário – sendo certo que, no caso, não resulta da escritura da constituição de propriedade horizontal que se tenha pretendido afastar tal natureza.”. Salientando-se na sentença recorrida que há duas posições nesta matéria, enveredou a mesma pela posição que diz maioritária e que considera que os logradouros se presumem partes comuns, em conformidade com o disposto no  art.1421.º n.º2 a) do Código Civil. Mas, na mesma sentença, como resulta da sua leitura integral, analisando o que consta do título constitutivo, interpretou-o, concluindo que não resulta da escritura da constituição de propriedade horizontal que se tenha pretendido afastar tal natureza, conclusão esta que não se tem por óbvia, antes se nos afigurando, da exegese do título conclusão contrária.
No que respeita aos logradouros, que, com tal terminologia, a lei não define, perfilam-se de facto, como a sentença recorrida refere, duas correntes essenciais. Dessa problemática nos dá conta o Ac. TRG  de 13.1.2022 (rel. Alcides Rodrigues) no seguinte trecho de que nos socorremos: “Trata-se de matéria muito controvertida, encontrando-se doutrina e jurisprudência em diversos sentidos. A lei não define o que é um logradouro, nem refere expressamente se estamos perante uma parte comum do prédio ou não. Como se decidiu no Ac. do STJ de 25/03/2010 (relator Oliveira Rocha), in www.dgsi.pt., um logradouro é um espaço complementar e serventuário de um edifício com o qual constitui uma unidade predial. A expressão “logradouro”, civilisticamente, “tem assento no n.º 2 do artigo 204° do Código Civil: aí se diz que se entende por «prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro». Daqui decorre que o logradouro sendo, basicamente, terreno, não é edifício; juridicamente, faz parte da unidade predial mas, fisicamente, tem diferença e autonomia; serve o edifício, ou seja, é complementar e serventuário do edifício. (…) Portanto, logradouro é o que pode ser logrado ou fruído por alguém; ou seja e fazendo apelo ao seu cariz complementar, em princípio por quem fruir o edifício correspondente”. O logradouro de um prédio consiste no "terreno não edificado que circunda o prédio, podendo servir fins diversos: estacionamento, delimitação do prédio, entrada, base de edificações secundárias, entre outros" (12). Há quem entenda que o logradouro só é comum se outra classificação não resultar do título constitutivo da propriedade horizontal. A generalidade da jurisprudência entende que os logradouros são presuntivamente comuns (integrando-se assim no art.1421º, n.º 2, al. a) do CC); outros há, contudo, que defendem que os logradouros são imperativamente comuns (cabendo no art. 1421º, n.º 1, al. a) do CC) (13). Sem cariz exaustivo, vejamos algumas posições enunciadas (sobretudo) na doutrina. Para Moitinho de Almeida (14), em prédio constituído no regime de propriedade horizontal, só o solo é parte necessariamente comum, traduzindo os páteos e logradouros a mesma realidade física e funcional - terrenos contíguos a casa de habitação para a serventia. Assim, no ato constitutivo da propriedade horizontal pode um logradouro ser atribuído a uma só fração. Segundo Luís Carvalho Fernandes (15), o solo só é necessariamente parte comum no que respeita à zona de implantação do edifício. Os pátios e os jardins anexos ao edifício, em geral o seu logradouro, só são comuns se outra qualificação não resultar do título constitutivo. Por sua vez, Pires de Lima e Antunes Varela (16) consideram que o logradouro é ainda parte imperativamente comum (17) (18). Perfilhando este entendimento, Sandra Passinhas (19) argumenta em seu abono que não podemos desconsiderar o estatuído no n.º 2 do art.204º do CC, nos termos do qual se entende por prédio urbano “qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro”. Por outro lado, o logradouro pode não ser um pátio ou jardim, mas corresponder a algo completamente diferente – um mero terreno acimentado, ou um areal coberto ou não, com gravilha. Por fim, se o legislador quisesse abranger na al. a) do n.º 2 do art.1421º o logradouro tê-lo-ia referido expressamente, e não usado a prolixa fórmula “pátios e jardins”. Contra este entendimento, Rui Miller (20) (no sentido de que pode ser parte própria) e o Ac. da RP de 23/05/1989 (21), quando afirma que “pátio ou logradouro são expressões usadas pata traduzirem a mesma realidade física e funcional: terrenos contíguos a casa de habitação para serventia”. Na jurisprudência, no Ac. da RP de 20/10/2003 (relator José Lameira), in www.dgsi.pt. foi considerado resultar «de forma clara, quer da análise do conceito - logradouro -, quer da leitura do artigo 1421 que o logradouro é parte comum do prédio (quer se entenda que o é presuntivamente quer se entenda que o é imperativamente)».
Tomando posição, afigura-se-nos que os logradouros não são partes do edifício imperativamente comuns. No caso concreto, o logradouro que está em causa, só poderia ser considerado imperativamente comum se se entender que deve ser reconduzido ao solo previsto na alínea a) do n.º1 do art.1421.º, porque excluída está a previsão legal atinente aos terraços de cobertura. Porém, tal recondução ao solo, deixaria por explicar a razão da lei ter previsto no n.º2 alínea a) os pátios e jardins anexos ao edifício como presuntivamente comuns, posto que se os mesmos devessem considerar-se, ainda, solo do edifício nenhum sentido faria autonomizá-los naquele n.º2. É certo que se pode argumentar que pátio não corresponde exatamente ao logradouro podendo este assumir feição diferente, mas tendemos a considerar que, na maior parte dos casos, os logradouros e pátios correspondem à mesma realidade, sendo que aquela a que se podem, a nosso ver, melhor reconduzir serão efetivamente os pátios e, no caso concreto, nada de específico resulta que afaste essa equiparação. Ademais, a nosso ver, o solo previsto na norma corresponderá ao solo onde está implantado o edifício e essa implantação não abrange os logradouros, por natureza “espaço além do edifício”. Donde, em conformidade com o que já acima se viu relativamente ao título constitutivo da propriedade horizontal e sua função delimitadora das frações autónomas e modeladora do concreto condomínio, não sendo o logradouro imperativamente comum (na senda, neste particular, do entendimento maioritário na jurisprudência), temos que admitir que sobre o mesmo possa o título constitutivo da propriedade horizontal dispor de forma a que se conclua que tal parte foi atribuída à(s) fração(es) autónoma(s), não colhendo a presunção de que é uma parte comum v.g. a prevista na alínea a) do n.º2 do art.1421.º do CC. Assim, admitimos que o logradouro será uma parte comum se o título constitutivo não dispuser em termos de afastar a presunção legal.
Cabe então ajuizar sobre o que consta do título. Aí ficou a constar:
 “Fracções”
“A” – primeiro piso, rés do chão, um fogo
“B” – segundo piso, primeiro andar, um fogo, com uma garagem.
Cada uma destas fracções, compõe-se de três casas assoalhadas, uma cozinha, uma casa-de-banho, um vestíbulo, uma marquise, uma varanda, e um logradouro com a área de cinquenta e três metros quadrados e meio, e a cada uma corresponde o valor de Novecentos e sessenta mil escudos, a que corresponde a percentagem de cinquenta. (sublinhados nossos)
O logradouro foi integrado na composição de cada uma das frações, com metade para cada uma da área total. Na composição de cada uma, a par do vestíbulo, da marquise, da varanda temos o logradouro com 53,5 m2. Nessa concreta composição nada surge que permita retirar ao logradouro sentido diferente daquele que se dá as demais partes integrantes da fração, ou seja, isso mesmo - a fração é composta pelas partes aí discriminadas, entre elas o logradouro na concreta área individualizada. E com essa concreta composição foi fixado o valor relativo de cada fração. Ademais, não era necessário, nem se prefigura qualquer facto adicional que para isso concorra, que o logradouro fosse expressamente mencionado na composição de cada uma das frações, podendo apenas ser mencionado como fazendo parte do prédio e nada mais sendo dito. Relembre-se que não se exige que no título constitutivo se enumerem ou mencionem as partes comuns e, no concreto título aqui em causa, não há enumeração de partes comuns, de cuja comparação e/ou conjugação ressalte, por exemplo, a dupla menção dessa parte do prédio como comum e fazendo parte das frações ou qualquer outro indício que permita ou imponha desvalorizar a expressa integração de parte do logradouro na composição de cada uma das frações. Tendo presente as regras interpretativas já acima faladas a que se deve recorrer na interpretação do título, um declaratário normal colocado na posição do real declaratário retiraria da declaração acima transcrita o sentido de que a cada fração autónoma ficaria a pertencer um logradouro com a citada área, “cada uma das frações compõe-se de …e um logradouro com 53.5 m2”; o logradouro com a citada área é afetado nessa concreta medida a cada uma das frações autónomas em termos de se poder afirmar que, face a tal escritura, o condómino ou qualquer interessado v.g. em adquirir a fração, tomaria como certo que à dita fração pertencia um logradouro com aquela área, e não já, a nosso ver, que se pudesse servir, gozar e usufruir, por ser parte comum do prédio, de um logradouro com 107 m2 que é área total da parte do prédio chamada logradouro. Na composição que é dada na escritura a cada uma das frações, o logradouro não está referenciado indistintamente a ambas as frações, é dividido pelas duas frações nos termos antes expostos, sustentando o sentido a atribuir à declaração de que a cada fração pertencia em exclusivo aquela área no logradouro. E é este sentido que, a nosso ver, prevalece e se nos afigura não dever ser ignorado, não se podendo, por isso, com o devido respeito, acompanhar a conclusão da sentença recorrida quando afirma que não resulta da escritura da constituição de propriedade horizontal que se tenha pretendido afastar tal natureza. Seria caso para perguntar, então, o que devia constar mais para integrar o logradouro em cada uma das frações?; seria eventualmente diferente, admite-se, se ficasse tão só “cada fração é composta de …e logradouro”, caso em que se podia afirmar que o logradouro é referenciado às frações indistintamente, não encerrando uma verdadeira afetação individualizadora, mas não é o caso. Por outro lado, com base no que assim consta da escritura de constituição da propriedade horizontal, a composição de cada uma das frações que foi levada ao registo predial, como já se disse e as partes admitem, é em sentido concordante, como se extrai das cópias do registo juntas com a p.i. “1.º andar- um fogo com garagem e logradouro com a área de 53,50m2”. Nesta medida a presente situação não difere, desse ponto de vista, daquela que acima se exemplificava como possível afetação a propriedade exclusiva, por via do título que disponha “um apartamento, com garagem e arrecadação”. Contudo, objetar-se-á que, em face do demais provado, o logradouro total corresponde a três áreas distintas, não estando individualizada, além da área, a parte ou partes que cabe a cada fração para perfazer a dita área o que afastaria a possibilidade de se considerar a área de 53,5 m2 mencionada na escritura como exclusiva das frações. Não o temos por certo, posto que o que foi alegado quanto a eventuais delimitações se reporta ao logradouro na traseira do prédio. E quanto a este, ao invés, o que se extrai dos factos provados é que está dividido por um muro – que é o muro que os autores entendem ser ilegal, mas por considerarem o logradouro parte comum embora, como já antes se aflorou, algo contraditoriamente, invoquem que o muro altera a área do logradouro constante do registo predial e da escritura de constituição da propriedade horizontal pois a área do logradouro dos Autores é de 53,50m2 (art.6.º da p.i), o que melhor se harmonizaria com um direito próprio e exclusivo a essa área do logradouro- , e, da existência do muro, resulta que cada uma das partes assim divida está isolada e afeta a cada uma das frações, não sendo acessível ao outro condómino. Ora prova-se que o muro já existia quando os réus compraram a fração em 1984, logo é anterior, sendo que os réus a compraram, como consta do registo predial a L…, tal como alegaram, e este é quem, sendo proprietário do prédio, o constituiu em propriedade horizontal. Não foram os réus a construir o muro. Donde, o que se infere dos factos é que no que concerne ao logradouro traseiro, as áreas correspondentes são delimitadas pelo muro, o que impede a conclusão de que o muro está implantado em coisa comum, porquanto já se concluiu acima que, em face do título constitutivo da propriedade horizontal, o logradouro está excluído das partes comuns por ter sido considerado componente de cada umas das frações, parte essa que, à mingua de outras circunstâncias (nem sequer alegadas), se mostra delimitada na parte traseira pelo citado muro e a área assim atribuída (mal ou bem, não é o que aqui releva) à fração B não excede a área que lhe compete em face do título, contendo-se nela, nem impede outrossim, a área que os autos têm na totalidade do logradouro, nem isso eles invocaram. É certo que os autores compraram a fração em 2016 e confrontaram-se com tal realidade, mas prova-se que a mesma é anterior a 1984 e tem suporte na área exclusiva que lhe atribui o título constitutivo. Em decorrência, assentando os autores a ilegalidade do muro no facto de estar construído em parte comum, e por referência às limitações decorrentes dessa parte ser considerada comum, o que não é o caso, não pode proceder o pedido ainda que os autores pretendam a sua demolição mas não peçam a condenação dos réus nessa prestação. Ademais, deixa-se notado que o que os autores invocavam na petição inicial, além da natureza comum do muro, era que o mesmo altera a área do logradouro quer a que consta do registo predial quer a que consta do título, o que em face do que fica dito não se verifica, e que o muro os privava do uso a que teriam direito, não tendo aí invocado, como agora fazem no recurso, ao pugnarem pela violação do art.1422.º n.º2 a) e n.º3 do CC, o prejuízo daí decorrente para a segurança, linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício derivado de obra nova; ora não haviam alegado nada de onde decorresse tratar-se o muro de obra nova efetuada pelo réu, e não já existente aquando da constituição do condomínio. Assim, não pode proceder o pedido e, por isso, nessa parte, ainda que com diferente fundamentação, há que manter a sentença que julgou improcedente a ação. Porém, tendo-se concluído que o logradouro não é parte comum do prédio, não pode manter-se a sentença no segmento em que reconheceu a aquisição da área de 37m2, pelo réus, por usucapião, já que tal aquisição se funda na natureza comum do logradouro e, ademais, o pedido reconvencional foi apenas formulado para o caso de se considerar, contra o entendimento pugnado pelos réus, que o logradouro era parte comum do prédio.

III- Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes da 8.ª Secção Cível em julgar improcedente o recurso e:
- manter a sentença recorrida na parte em que julgou improcedente a ação, ainda que com diferente fundamentação.
- revogar a sentença na parte atinente ao pedido reconvencional, cuja apreciação se mostra prejudicada.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 5.6.2025
Fátima Viegas
Rui Manuel Pinheiro de Oliveira 
Teresa Sandiães