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ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
RECONVENÇÃO
ADMISSIBILIDADE
Sumário
Sumário: (da exclusiva responsabilidade da Relatora): 1.A ação de divisão de coisa comum tem uma fase declarativa, que visa a fixação das quotas dos comproprietários, e uma fase executiva, que visa concretizar a “divisão em substância da coisa comum ou a adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível”. 2.Na fase executiva pode o bem indivisível ser adjudicado a um dos comproprietários, gerando créditos de tornas dos outros, ou pode ser vendido, com partilha do produto da venda entre os comproprietários. 3.E é nessa fase que pode haver azo a compensação com os créditos decorrentes dos custos de aquisição e dos encargos alegadamente suportados pelo Réu/Reconvinte para além do que corresponderia à sua quota. 4. Os créditos invocados pelo Réu prendem-se com a coisa objeto da ação, havendo todo o interesse em que, para além da cessação da respetiva situação de indivisão, fiquem, na mesma ação, definidos os direitos de crédito emergentes da contribuição de um dos comproprietários para a aquisição da coisa ou para os encargos dela derivados que exceda o que seria correspondente à sua quota, compensando-se o valor que suportou em excesso. 5. Ao juiz caberá adaptar o processado, de acordo com o princípio da adequação formal.
Texto Integral
Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:
I.Relatório:
AA, melhor identificado nos autos, veio propor ação especial de divisão de coisa comum contra BB, também melhor identificado nos autos, relativamente ao imóvel indicado na p.i.
Para o efeito, o Autor alegou, em síntese, que:
- O Autor e o Réu são comproprietários em partes iguais do prédio onde o Réu reside, que é indivisível e que o Autor não pretende permanecer na indivisão.
Regularmente citado, o Réu contestou, admitindo expressamente a indivisibilidade da fração autónoma objeto dos presentes autos (art. 27 da contestação), e não pondo em causa a compropriedade da mesma (arts. 23, 28 e 30 da contestação).
E deduziu o seguinte pedido reconvencional: “Seja o presente pedido reconvencional procedente por provado e, em consequência, os seguintes créditos do Réu sobre o Autor sejam reconhecidos e os respectivos montantes sejam abatidos no valor das tornas que o Réu-Reconvinte terá a pagar ao Autor em virtude da adjudicação do imóvel, ou em alternativa, repercutido num aumento do valor das quotas partes da divisão do imóvel, acrescendo os seguintes valores à sua quota: i) € 750,00 (Setecentos e cinquenta euros) correspondente à ½ (metade) do sinal pago pelo Réu Reconvinte em acréscimo à sua quota-parte aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda do imóvel; ii) € 3.981,36 (Três mil, novecentos e oitenta e um euros e trinta e seis cêntimos), correspondente a ½ (metade) das prestações pagas pelo Réu Reconvinte no crédito habitação para aquisição do imóvel objecto dos presentes, desde 26/06/2014 até à data do cancelamento da hipoteca por via do pagamento do crédito pelo seguro de vida em virtude do falecimento da companheira do Réu; iii) € 2.324,86 (Dois mil, trezentos e vinte e quatro euros e oitenta e seis cêntimos), correspondente a ½ (metade) das quotizações ordinárias e extraordinárias de condomínio pagas pelo Réu Reconvinte para além da sua quota-parte, desde Setembro de 2014 até Maio de 2023, assim como todas as quotizações vincendas até à data da divisão da coisa;
Juntou documentos, peticionou a prestação de declarações de parte e arrolou três testemunhas.
O Autor deduziu réplica.
*
Em 25.10.2024 foi decidido pelo Tribunal a quo, entre o mais, que:
“O Réu deduziu o seguinte pedido reconvencional:
- “…Os seguintes créditos do Réu sobre o Autor sejam reconhecidos e os respectivos montantes sejam abatidos no valor das tornas que o Réu-Reconvinte terá a pagar ao Autor em virtude da adjudicação do imóvel, ou em alternativa, repercutido num aumento do valor das quotas partes da divisão do imóvel, acrescendo os seguintes valores à sua quota: i) € 750,00 (Setecentos e cinquenta euros) correspondente à ½ (metade) do sinal pago pelo Réu Reconvinte em acréscimo à sua quota-parte aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda do imóvel; ii) € 3.981,36 (Três mil, novecentos e oitenta e um euros e trinta e seis cêntimos), correspondente a ½ (metade) das prestações pagas pelo Réu Reconvinte no crédito habitação para aquisição do imóvel objecto dos presentes, desde 26/06/2014 até à data do cancelamento da hipoteca por via do pagamento do crédito pelo seguro de vida em virtude do falecimento da companheira do Réu; iii) € 2.324,86 (Dois mil, trezentos e vinte e quatro euros e oitenta e seis cêntimos), correspondente a ½ (metade) das quotizações ordinárias e extraordinárias de condomínio pagas pelo Réu Reconvinte para além da sua quota-parte, desde Setembro de 2014 até Maio de 2023, assim como todas as quotizações vincendas até à data da divisão da coisa”.
Para o efeito, o Réu alegou em síntese que:
- “34. Com efeito, aquando da celebração do contrato de compra e venda em 26 de Junho de 2014, foi o Réu a suas únicas expensas, a liquidar a totalidade do sinal no montante de € 1.500,00 (Mil e quinhentos euros) por meio de cheque n.º ... emitido em 25/06/2014, sacado ao Crédito Agrícola conforme (Doc.4) que ora se junta e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais. 35. O Réu tem assim um crédito sobre o Autor no valor de € 750,00 (Setecentos e cinquenta euros) correspondente à ½ (metade) do sinal pago em acréscimo à sua quota-parte aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda do imóvel, o qual deve ser abatido no valor das tornas que aquele terá a pagar em virtude da adjudicação do imóvel, ou em alternativa, no valor das quotas partes da divisão do imóvel, acrescendo o referido valor à sua quota. 36. Aquando da aquisição do imóvel objecto dos presentes autos, o Réu e a falecida irmã do Autor contraíram mútuo com hipoteca ao imóvel, tendo o Banco Santander Totta financiado um empréstimo de € 90.190,00 (Noventa mil, cento e noventa euros) pelo prazo de 540 (quinhentos e quarenta) meses – cf. Doc.1. 37. A par do activo a dividir, Réu e Autor têm também passivo que está directamente relacionado com o bem imóvel comum em causa e que dele não pode ser dissociado. 38. Sucede que, desde a data de aquisição do imóvel com recurso a crédito bancário em 26/04/2014, foi sempre o Réu que procedeu em exclusivo ao pagamento das prestações mensais ao banco, correspondentes a capital liquidado, comissões bancárias, juros de mora e impostos referentes ao referido contrato de mútuo. 39. As referidas prestações mensais do crédito à habitação eram pagas através da conta do Banco Santander com o n.º 0003.... e com o ... 40. A liquidação das prestações relativas ao contrato de mútuo da habitação do Réu Reconvinte era liquidada com o dinheiro resultante do trabalho e rendimentos do Réu. 41. O Réu trabalhou por conta de outrem enquanto mecânico desde que partilhou vida com CC, primeiramente na empresa ... e posteriormente na empresa ..., até meados do ano de 2022, data em que teve de cessar a relação laboral que tinha à data com a sociedade ... para cuidar da saúde e bem-estar da sua falecida companheira. 42. Nem o Autor nem os donatários seus pais participaram no pagamento de qualquer montante das prestações do crédito à habitação do imóvel objecto dos presentes autos. 43. Deve, assim o Autor ao Réu Reconvinte, a quantia de € 3.981,36 (Três mil, novecentos e oitenta e um euros e trinta e seis cêntimos), correspondente a 50% do valor de € 7.962,72 (Sete mil, novecentos e sessenta e dois euros e setenta e dois cêntimos), conforme extractos conciliados anuais da conta-ordenado do Réu Reconvinte (Doc.5) que ora se junta e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais. 44. Tal valor foi pago exclusivamente pelo Réu além da sua quota parte no crédito habitação para aquisição do imóvel ora em causa cuja divisão se peticiona, desde 26/06/2014 até à data do cancelamento da hipoteca por accionamento do seguro de vida em virtude do falecimento da companheira do Réu. 45. O Réu tem assim um crédito sobre o Autor no valor de € 3.981,36 (Três mil, novecentos e oitenta e um euros e trinta e seis cêntimos) o qual deve ser abatido no valor das tornas que aquele terá a pagar em virtude da adjudicação do imóvel, ou em alternativa, no valor das quotas partes da divisão do imóvel, acrescendo o referido valor à sua quota. 46. O Réu tem assim um crédito sobre a Autora, a concretizar em incidente de sentença, nos termos dos artigos 378.º e ss. do CPC, referente a 50% das prestações mensais e encargos inerentes desde a presente data até à adjudicação do imóvel que deverá ser tido em conta nas tornas que o Réu terá a pagar ao Autor – crédito que deverá ser reconhecido e que desde já se requer. 47. Acresce que sempre foi o Réu a liquidar a totalidade das quotizações ordinárias de condomínio do imóvel objecto dos presentes autos. 48. Concretizando, desde a data da aquisição até à presente data, o Réu pagava à administração do Condomínio do Prédio sito na ..., contribuinte fiscal n.º .... 49. Entre Setembro de 2014 e Maio de 2023 o Réu Reconvinte pagou a totalidade das quotizações ordinárias e extraordinárias de condomínio no montante total de € 4.649,72 (Quatro mil, seiscentos e quarenta e nove euros e setenta e dois cêntimos), conforme declaração emitida pela administração (Doc.6) que ora se junta e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais. 50. Deve, assim o Autor ao Réu Reconvinte, a quantia de € 2.324,86 (Dois mil, trezentos e vinte e quatro euros e oitenta e seis cêntimos), correspondente a 50% do valor de € 4.649,72 (Quatro mil, seiscentos e quarenta e nove euros e setenta e dois cêntimos) pago exclusivamente pelo Réu além da sua quota parte de quotizações ordinárias de condomínio do imóvel ora em causa cuja divisão se peticiona, desde 26/06/2014 até à presente data. 51. O Réu tem assim um crédito sobre o Autor no valor de € 2.324,86 (Dois mil, trezentos e vinte e quatro euros e oitenta e seis cêntimos), deverá ser reconhecido e que desde já se requer, derivado das quotizações de condomínio pagas para além da sua quota-parte, o qual deve ser abatido no valor das tornas que aquele terá a pagar em virtude da adjudicação do imóvel, ou em alternativa, no valor das quotas partes da divisão do imóvel, acrescendo o referido valor à sua quota. 52. Os referidos valores foram pagos em exclusivo pelo Réu tendo beneficiado o imóvel comum de ambos. 53. É da responsabilidade do Autor o pagamento, na proporção da sua quota-parte no imóvel”.
Cumpre apreciar e decidir a admissibilidade do pedido reconvencional, formulado pelo Réu.
Preceitua o art.º 266.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Admissibilidade da reconvenção”, que: “1. O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor. 2. A reconvenção é admissível nos seguintes casos: a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa; b) Quando o réu se propõe tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter. 3. Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se a diferença provier do diverso valor dos pedidos ou o juiz a autorizar, nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações. (…).”
Nos termos do n.º 2 do art.º 37 do Código de Processo Civil, quando aos pedidos correspondam formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, pode o juiz autorizar a cumulação, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio. Segundo o n.º 3 do art.º 37 do Código de Processo Civil, incumbe ao Juiz, na situação prevista no número anterior, adaptar o processado à cumulação autorizada.
A reconvenção permite que se alargue o objeto do processo, através de um pedido formulado pelo Réu, visando a economia processual e a justiça material. A reconvenção modifica o objeto da ação, que deixa de se cingir apenas ao pedido do Autor. A reconvenção exige a adequação formal da apreciação dos dois litígios (cfr. n.º 3 do art.º 266.º do Código de Processo Civil) e exige uma conexão entre ambos os litígios ( n.º 2 do art.º 266 do Código de Processo Civil).
A admissibilidade do pedido reconvencional do pagamento ou reconhecimento de créditos na ação especial de divisão de coisa comum é controversa na jurisprudência.
Conforme explica o ac. TRE de 09-05-2024 (Vítor Sequinho dos Santos), processo n.º 6713/22.9T8STB.E1, disponível em www.dgsi.pt., a controvérsia desenvolve-se em dois planos “1.º – O da verificação de um dos pressupostos de natureza substancial, material ou objectiva previstos no n.º 2 do artigo 266.º do CPC (diploma ao qual pertencem as normas legais doravante citadas sem indicação da sua proveniência); 2.º – O da verificação do pressuposto da compatibilidade processual entre a acção de divisão de coisa comum e o pedido reconvencional, previsto no n.º 3 do mesmo artigo”.
A verificação do pressuposto da compatibilidade processual entre a ação de divisão de coisa comum e o pedido reconvencional, previsto no n.º 3 do art.º 266 do Código de Processo Civil, pressupõe que a reconvenção seja admissível nos termos do n.º 2 do art.º 266 do Código de Processo Civil.
No sentido da admissibilidade de pedido reconvencional do pagamento ou reconhecimento de créditos na ação especial de divisão de coisa comum veja-se, por exemplo, os Acórdãos do TRL de 15.03.2018; do TRE de 17.01.2019; do TRG. de 20.09.2018.
Em sentido contrário, veja-se, entre outros, os acs. do TRC de 12.03.2013, do TRE de 22.03.2018; do TRL de 4.03.2010, de 30.06.2009, de 11.01.2018 e de 25.06.20; do TRP de 26-01-2021 e ac. TRE de 09-05-2024 todos in www.dgsi.pt.
Vejamos se se verificam os requisitos da admissibilidade da reconvenção.
No caso vertente, o pedido reconvencional formulado pelo Réu para que o Autor-Reconvindo seja condenado a pagar ao Réu-Reconvinte o montante total de 7.056,22 € e outras despesas vincendas não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação e à defesa. Com efeito, o facto jurídico que serve de fundamento à ação do Autor é a situação de compropriedade, que não é contestada pelo Réu na sua defesa.
O pedido de condenação formulado pelo Réu reporta-se ao pagamento dos montantes que o Réu entende ter pago a mais a título de sinal, prestações bancárias e quotas de condomínio e entende que devem ser suportados pelo outro comproprietário. O facto jurídico que serve de fundamento ao pedido do Réu é uma relação creditícia, em virtude do Réu alegadamente ter suportado exclusivamente despesas e encargos, que considera competir a ambos os comproprietários. Destarte, o pedido reconvencional formulado pelo Réu não emerge do facto jurídico, que serve de fundamento à ação ou à defesa, pois o facto jurídico que serve de fundamento à ação é a compropriedade que não é contestada pela defesa do Réu [(cfr. al. a) do n.º2 do art.º 266.º do Código de Processo Civil].
Por outro lado, o pedido do Autor não é um pedido de entrega da coisa, pelo que também temos de concluir que o pedido reconvencional em causa não se enquadra na previsão da al. b) do n.º2 do art.º 266 do Código de Processo Civil. Relativamente ao art.º 266 n.º 2 alínea c) do Código de Processo Civil, importa referir que o Autor não formulou nenhum pedido de pagamento de quantias monetárias que possa ser compensado. Assim, não estão reunidos os requisitos do art.º 266 n.º 2 alínea c) do Código de Processo Civil (neste sentido ac. TRE de 09-05-2024 (Vítor Sequinho dos Santos), processo n.º 6713/22.9T8STB.E1, disponível em www.dgsi.pt.
Na verdade, o que o Réu pretende é acautelar um eventual direito de crédito a que se arroga sobre o Autor a ser concretizado num futuro incerto ou eventual, ou seja, aquando da adjudicação ou venda do imóvel, na fase executiva da presente ação de divisão de coisa comum (neste sentido ac. TRP de 26-01-2021, processo n.º 1509/19.8T8GDM.P1, disponível em www.dgsi.pt). Com efeito, o reconhecimento do eventual crédito do Réu apenas tem utilidade quando chegar a altura da repartição do produto da venda do imóvel na fase executiva da presente ação especial de divisão de coisa comum, pois sem a venda do imóvel, nenhum crédito existe a compensar. Com efeito, o Autor não peticiona o pagamento de algum crédito ao Réu, nem se arroga o direito de algum crédito sobre o Réu, pelo que, na atualidade, nada existe a compensar.
A este propósito refere o no Ac. da Rel. de Lisboa de 25.06.2020, processo n.º 329/18.1T8FNC-A.L1-8, disponível em www.dgsi.pt, o qual se acompanha que “A admissibilidade do pedido reconvencional não pode depender de condição futura e incerta, exigindo-se que os respectivos requisitos se mostrem reunidos aquando da sua dedução, sendo que o funcionamento da compensação, nos termos previstos pelo art.º 847.º do CC, segundo o Prof. Menezes Cordeiro, in Obrigações, 1980, 2.º, 221, depende da verificação dos seguintes requisitos: a existência de dois créditos recíprocos; a exigibilidade do crédito do autor da compensação; que as obrigações sejam fungíveis e da mesma espécie e qualidade; a não exclusão da compensação pela lei; a declaração da vontade de compensar – o que não ocorre”.
Em suma, presentemente, não existe nenhum crédito do Autor que possa ser compensado, por um crédito do Réu. Desta feita, não está em causa a alínea c) do n.º 2 do art.º 266 do Código de Processo Civil.
Por fim, não está em causa a alínea d) do n.º 2 do art.º 266 do Código de Processo Civil, pois o Réu não pretende, por via do pedido reconvencional, obter em seu benefício o mesmo efeito jurídico que o Autor pretende.
Posto isto, torna-se desnecessário analisar se existe interesse relevante na apreciação do pedido reconvencional ou se a sua apreciação é indispensável para a justa composição do litígio, pois não se suscita a aplicação do art.º 266 n.º 3 e art.º 37 n.º 2 e n.º 3 do Código de Processo Civil, dado que não se verificam nenhum dos pressupostos de que depende a admissibilidade da reconvenção, nos termos do art.º 266 n.º 2 do Código de Processo Civil. De todo o modo, sempre se dirá que a apreciação do pedido reconvencional traria maior complexidade e morosidade ao processo, pelo que a reconvenção não seria de admitir, nos termos do art.º 266 n.º 3 e art.º 37 n.º 2 e n.º 3 do Código de Processo Civil. Efetivamente, as questões suscitadas no pedido reconvencional, impediriam que se passasse a proferir decisão sumária e prolongaria o litígio entre as partes, pois o Réu encontra-se a residir no imóvel e continua alegadamente a suportar despesas referentes ao imóvel, como seja as de condomínio.
Por todo o exposto, o Tribunal decide não admitir o pedido reconvencional, formulado pelo Réu. “
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E, no mesmo ato, por se ter considerado existirem condições para tal, foi proferida decisão sumária, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art.º 926 do Código de Processo Civil, com o seguinte dispositivo: “Face ao exposto, o Tribunal decide: A) Fixar que o Autor AA e o Réu BB são comproprietários, em partes iguais, na proporção de 1/2 (metade) para cada um, da fração autónoma designada pela letra “C” , correspondente ao primeiro andar, esquerdo, para habitação, com arrecadação no piso menos um com o n.º A3 e parqueamento no piso menos um com o número E3, a qual faz parte do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...; B) Declarar que o imóvel referido na alínea anterior é indivisível. Registe e notifique. Promova o registo da presente ação, nos termos do Código do Registo Predial. Após trânsito em julgado da sentença, abra conclusão nos autos, para marcação da conferência de interessados.”
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Inconformado, o Réu/reconvinte veio intentar recurso de apelação, apresentando alegações com as seguintes conclusões: I.O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida em 25 de Outubro de 2024 e notificada ao Réu-Reconvinte em 30 de Outubro de 2024, que não admitiu o pedido reconvencional apresentado pelo Réu Reconvinte, ora Recorrido: “No caso vertente, o pedido reconvencional formulado pelo Réu para que o Autor- Reconvindo seja condenado a pagar ao Réu-Reconvinte o ontante total de 7.056,22 € e outras despesas vincendas não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação e à defesa. Com efeito, o facto jurídico que serve de fundamento à ação do Autor é a situação de compropriedade, que não é contestada pelo Réu na sua defesa.” (Sic). II.Dita ainda a sentença objecto do presente recurso que devido ao facto do Autor Reconvindo não ter efetuado pedido de entrega de coisa, nem ter efetuado nenhum pedido de pagamento de quantias monetárias que possa ser compensado, o pedido reconvencional em causa não se enquadra nas previsões das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 266.º do Código de Processo Civil. III.Outro dos argumentos utilizados pelo Douto Tribunal a quo é o da complexidade que a aceitação do presente pedido reconvencional originaria no litígio, porque aparentemente pretende ser tomada uma decisão sumária nos autos: “Efetivamente, as questões suscitadas no pedido reconvencional, impediriam que se passasse a proferir decisão sumária e prolongaria o litígio entre as partes, pois o Réu encontra-se a residir no imóvel e continua alegadamente a suportar despesas referentes ao imóvel, como seja as de condomínio.” (Sic). IV.Em sede de Contestação-Reconvenção, veio o Recorrente pedir o reconhecimento dos seguintes créditos sobre o Autor Recorrido ggafim de abater o montante dos mesmos às tornas em virtude da adjudicação do imóvel ou, em alternativa, repercutir o valor de tais créditos num aumento do valor da sua quota: i) € 750,00 (Setecentos e cinquenta euros) correspondente à ½ (metade) do sinal pago pelo Réu Reconvinte em acréscimo à sua quota-parte aquando da celebração do contratopromessa de compra e venda do imóvel; ii) € 3.981,36 (Três mil, novecentos e oitenta e um euros e trinta e seis cêntimos), correspondente a ½ (metade) das prestações pagas pelo Réu Reconvinte no crédito habitação para aquisição do imóvel objecto dos presentes, desde 26/06/2014 até à data do cancelamento da hipoteca por via do pagamento do crédito pelo seguro de vida em virtude do falecimento da companheira do Réu; iii) € 2.324,86 (Dois mil, trezentos e vinte e quatro euros e oitenta e seis cêntimos), correspondente a ½ (metade) das quotizações ordinárias e extraordinárias de condomínio pagas pelo Réu Reconvinte para além da sua quota-parte, desde Setembro de 2014 até Maio de 2023, assim como todas as quotizações vincendas até à data da divisão da coisa; V.Os créditos que o Recorrente reclama em pedido reconvencional têm conexão directa com o objecto dos presentes autos que é o imóvel acima melhor identificado, uma vez que a par do activo a dividir, Recorrente e Recorrido têm também passivo que está directamente relacionado com o bem imóvel comum em causa e que dele não pode ser dissociado. VI.Com efeito, aquando da celebração do contrato de compra e venda em 26 de Junho de 2014, foi o Réu a suas únicas expensas, a liquidar a totalidade do sinal no montante de € 1.500,00 (Mil e quinhentos euros) por meio de cheque n.º ... emitido em 25/06/2014, sacado ao Crédito Agrícola. VII.O Recorrente tem assim um crédito sobre o Recorrido no valor de € 750,00 (Setecentos e cinquenta euros) correspondente à ½ (metade) do sinal pago em acréscimo à sua quota-parte aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda do imóvel, o qual deve ser abatido no valor das tornas que aquele terá a pagar em virtude da adjudicação do imóvel, ou em alternativa, no valor das quotas partes da divisão do imóvel, acrescendo o referido valor à sua quota. VIII.Aquando da aquisição do imóvel objecto dos presentes autos, o Recorrente e a falecida irmã do Recorrido contraíram mútuo com hipoteca ao imóvel, tendo a Caixa de Crédito Agrícola financiado um empréstimo de € 90.190,00 (Noventa mil, cento e noventa euros) pelo prazo de 40 (quarenta) meses – cf. Doc.1 da Contestação. IX.Sucede que, desde a data de aquisição do imóvel com recurso a crédito bancário em 26/04/2014, foi sempre o Recorrente que procedeu em exclusivo ao pagamento das prestações mensais ao banco, correspondentes a capital liquidado, comissões bancárias, juros de mora e impostos referentes ao referido contrato de mútuo. X.As referidas prestações mensais do crédito à habitação eram pagas através da conta do Banco Santander com o n.º 0003.... e com o ... XI.A liquidação das prestações relativas ao contrato de mútuo da habitação do Réu Reconvinte era liquidada com o dinheiro resultante do trabalho e rendimentos do Recorrente. XII.Deve, assim o Recorrido ao Recorrente, a quantia de € 3.981,36 (Três mil, novecentos e oitenta e um euros e trinta e seis cêntimos), correspondente a 50% do valor de € 7.962,72 (Sete mil, novecentos e sessenta e dois euros e setenta e dois cêntimos). XIII.Tal valor foi pago exclusivamente pelo Recorrente além da sua quota parte no crédito habitação para aquisição do imóvel ora em causa cuja divisão se peticiona, desde 26/06/2014 até à data do cancelamento da hipoteca por accionamento do seguro de vida em virtude do falecimento da companheira do Réu. XIV.O Recorrente tem assim um crédito sobre o Recorrido no valor de € 3.981,36 (Três mil, novecentos e oitenta e um euros e trinta e seis cêntimos) o qual deve ser abatido no valor das tornas que aquele terá a pagar em virtude da adjudicação do imóvel, ou em alternativa, no valor das quotas partes da divisão do imóvel, acrescendo o referido valor à sua quota. XV.Acresce que sempre foi o Recorrente a liquidar a totalidade das quotizações ordinárias de condomínio do imóvel objecto dos presentes autos. XVI.Desde a data da aquisição até à presente data, o Recorrente pagava à administração do Condomínio do Prédio sito na ..., contribuinte fiscal n.º .... XVII.Entre Setembro de 2014 e Maio de 2023 o Recorrente pagou a totalidade das quotizações ordinárias e extraordinárias de condomínio no montante total de € 4.649,72 (Quatro mil, seiscentos e quarenta e nove euros e setenta e dois cêntimos) – cf. Doc.6 da Contestação; XVIII.Termos pelos quais o Recorrido deve a quantia de € 2.324,86 (Dois mil, trezentos e vinte e quatro euros e oitenta e seis cêntimos), correspondente a 50% do valor de € 4.649,72 (Quatro mil, seiscentos e quarenta e nove euros e setenta e dois cêntimos) pago exclusivamente pelo Recorrente além da sua quota parte de quotizações ordinárias de condomínio do imóvel ora em causa cuja divisão se peticiona, desde 26/06/2014 até à presente data. XIX.Os referidos valores foram pagos em exclusivo pelo Recorrente tendo beneficiado o imóvel comum de ambos. XX.É da responsabilidade do Autor Reconvindo e agora Recorrido o pagamento, na proporção da sua quota-parte no imóvel. XXI.O Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão relativo ao processo n.º 102/22.2T8VLS.L1-2, do qual foi relator o Desembargador Carlos Castelo Branco, publicado em 03/02/2023, já decidiu que: “Na ação de divisão de coisa comum de prédio, onde não se discute a sua indivisibilidade, nem a situação de comunhão ou as quotas dos contitulares, deve o juiz autorizar a apreciação da reconvenção do requerido – na qual este pretende obter o reconhecimento a seu favor, de crédito emergente de pagamentos de prestações de empréstimo bancário contraído para a aquisição do prédio objeto da ação e de benfeitorias resultantes de obras realizadas no mesmo, sobre a requerente, a fim de obter a compensação do mesmo, na partilha do valor correspondente, através da adjudicação do imóvel - , de harmonia com o disposto nos artigos 266.º, n.º 3 e 37.º, n.º. 2, do CPC, por não ocorrer uma tramitação manifestamente incompatível – daí não derivando a prática de atos processuais contraditórios, antinómicos ou inconciliáveis - na apreciação de tal pretensão em conjunto com a da requerente.” (Sic). XXII.Nesta senda, existem outros dois recentes Acórdão de Tribunais da Relação Distintos que respaldam a possibilidade do Réu Reconvinte vir, nesta acção de divisão de coisa comum, deduzir pedido reconvencional: i) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-07-2021, relativo ao processo n.º 823/20.4T8CSC.L1-7, do qual foi relator o Desembargados José Capacete:“[o]s valores alegadamente despendidos pela ré comuneira na amortização dos créditos à habitação, relacionados com a aquisição do imóvel, podem ser objeto de pedido reconvencional em processo especial de divisão de coisa comum”. ii) Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29-04-2021, relativo ao processo n.º 4300/19.8T8STB-A.E1, do qual foi relator a Desembargadora Cristina Mesquita: XXIII.Pese embora os pedidos formulados na acção e no pedido reconvencional sigam formas de processo diferentes, caso em apreço há interesse relevante na apreciação conjunta das pretensões em forma de processo comum, que se afigura indispensável para a composição justa do litígio, servindo-se, concomitantemente, os princípios da celeridade e de economia processuais – num mesmo processo e evitando a propositura de outra ação para que o reconvinte veja o seu direito reconhecido – , com intervenção do dever de gestão processual e de adequação formal (cfr. artigos 6.º e 547.º do CPC), devendo adaptar-se o processado nos termos do disposto no artigo 37.º, n.º 3 do CPC. XXIV.A ponderação desta alternativa na tramitação processual encontra correspondência no regime de admissibilidade do pedido reconvencional, conforme o disposto no artigo 266.º n.º 3 do Código de Processo Civil, aplicável aos casos em que, qualquer que seja o pedido formulado pelo Autor, ao pedido formulado pelo Réu Reconvinte corresponda forma de processo diferente. XXV.Nos termos do artigo 925.º do Código de Processo Civil quem pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas. XXVI.O preceito em causa contem a resposta adjectiva para o exercício do direito consagrado no artigo 1412.º n.º 1 do Código Civil, desdobrando-se a tramitação da acção de divisão de coisa comum em duas fases distintas: a) Uma fase declarativa (artigos 925.º a 928.º do Código de Processo Civil) cujo objectivo principal é o de proporcionar o exercício do contraditório acerca da compropriedade e da divisibilidade da coisa comum em substância e a eventual produção das diligências de prova tidas por necessárias a essa finalidade; b) Uma fase executiva (artigo 929.º do Código de Processo Civil) no âmbito da qual se realiza a conferência de interessados para adjudicação ou venda da coisa e determinação do modo de preenchimento dos quinhões dos comproprietários. XXVII.Pode, no entanto, a instauração da acção de divisão de coisa comum e a consequente modificação ou extinção do direito de propriedade sobre a coisa comum, fazer emergir na titularidade dos comproprietários direitos originados durante a vigência da situação de compropriedade, e por causa dela, e que terão de ser considerados em caso de indivisibilidade, na justa composição final do litígio e na repartição do valor da coisa adjudicada a um dos comproprietários ou vendida a terceiros. XXVIII.É esse o caso não só do direito ao valor das benfeitorias úteis e necessárias efectuadas de boa-fé na coisa comum por um dos comproprietários de que o futuro proprietário irá beneficiar bem como o do direito à restituição de valores gastos com a aquisição da coisa para além da proporção da respectiva quotas. XXIX.Para uma justa composição do presente litígio deverá existir uma apreciação conjunta das posições das partes quanto à determinação do modo como deve ser repartido o valor do bem comum adjudicado a um dos comproprietários ou vendido a terceiro. XXX.Isso mesmo foi tido em conta pelo Autor e pelo Recorrente na formulação dos respectivos pedidos, reconhecendo ambos que a decisão da acção irá implicar a necessidade de acertos decorrentes da transformação da titularidade do direito de propriedade sobre o imóvel, divergindo apenas nos montantes a que cada uma das partes terá direito. XXXI.O artigo 2.º, n.º 2, do CPC que adverte para a garantia de acesso aos tribunais, mediante todos os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção, salvo se a lei disser o contrário, o que neste caso não diz; e, por via do artigo 6.º da mesma codificação compete ao juiz adoptar mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a almejada justa-composição do litígio em prazo razoável. XXXII.Nessas circunstâncias a acção de divisão de coisa comum é o meio processual adequado a regular as relações jurídicas entre as partes, nomeadamente, os direitos de crédito relacionados com aquisição ou amortização de empréstimos bancários com vista à aquisição da coisa comum para além da respectiva quota. XXXIII.Tais questões não poderão deixar de ser enquadradas como “questões suscitadas pelo pedido de divisão” já que é a cessação da indivisão do prédio que faz nascer o direito à repartição do valor do bem comum de acordo com as quotas dos comproprietários. XXXIV.Posição similar à advogada pelo Recorrente é adoptada pela Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, curiosamente nunca citada na Decisão Recorrida, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção, relativo ao processo n.º 249/21.2T8VVC.E1.S1, do qual foi relator o Conselheiro Manuel Aguiar Pereira, publicado em www.dgsi.pt: “III. Não se discutindo entre as partes nem a proporção na titularidade do direito sobre o bem comum nem a indivisibilidade deste em substância, tendo sido formulado pedido reconvencional pela ré com fundamento na titularidade de créditos sobre o autor decorrentes da sua participação nas despesas de aquisição e posterior satisfação de encargos bancários relativos ao bem comum, em valor superior ao da sua quota, deve o juiz admitir tal pedido e ordenar que a tramitação processual observe os termos do processo comum subsequentes à contestação (artigo 926.º n.º 3 do Código de Processo Civil).” (Sic). Nestes termos e nos melhores de direito, e face a todas as considerações supra expostas no presente recurso, deve ser dado provimento ao presente, e consequentemente deverá ser revogada a sentença proferida, devendo ser alterada no sentido de ser admitido o pedido reconvencional apresentado pelo Réu Reconvinte e, em consequência, os presentes autos prosseguirem como processo comum com vista ser reconhecido o crédito sobre o Autor Reconvindo e agora Recorrido, tudo com as demais consequências legais.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II -Do objeto do recurso:
Segundo as conclusões do recurso, que delimitam o respetivo objeto, a questão a apreciar no recurso é a seguinte:
-Admissibilidade do pedido reconvencional.
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III -Fundamentação de Facto:
Os factos relevantes para a decisão são os que constam do relatório supra.
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IV-Fundamentação de Direito:
Está em causa no recurso a admissibilidade do pedido reconvencional formulado pelo R na ação de divisão de coisa comum.
Trata-se de pedido de reconhecimento de créditos do Réu sobre o Autor com vista a “que os respectivos montantes sejam abatidos no valor das tornas que o Réu-Reconvinte terá a pagar ao Autor em virtude da adjudicação do imóvel, ou em alternativa, repercutido num aumento do valor das quotas partes da divisão do imóvel, acrescendo os seguintes valores à sua quota.”
Tais créditos serão alegadamente correspondentes a ½ (metade) do sinal pago pelo Réu Reconvinte em acréscimo à sua quota-parte aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda do imóvel; ½ (metade) das prestações pagas pelo Réu Reconvinte no crédito habitação para aquisição do imóvel objeto dos presentes, desde 26/06/2014 até à data do cancelamento da hipoteca; ½ (metade) das quotizações ordinárias e extraordinárias de condomínio pagas pelo Réu Reconvinte para além da sua quota-parte, desde Setembro de 2014 até Maio de 2023, assim como todas as quotizações vincendas até à data da divisão da coisa.
Ou seja, créditos resultantes do pagamento de despesas de aquisição do imóvel (sinal e prestações de crédito habitação) e do pagamento de despesas com encargos inerentes à titularidade do imóvel (quotizações de condomínio) para além do que seria devido por virtude da sua quota.
O Tribunal a quo não admitiu o pedido reconvencional por considerar não estar preenchida qualquer uma das alíneas do nº2 do art. 266º do CPC, além de considerar que a apreciação daquele pedido traria maior complexidade e morosidade ao processo, pelo que a reconvenção não seria de admitir, nos termos do art.º 266 n.º 3 e art.º 37 n.º 2 e n.º 3 do Código de Processo Civil.
Vejamos:
Dispõe o art. 266º do CPC que: “1 - O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor. 2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos: a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa; b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter. 3 - Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações. 4 - Se o pedido reconvencional envolver outros sujeitos que, de acordo com os critérios gerais aplicáveis à pluralidade de partes, possam associar-se ao reconvinte ou ao reconvindo, pode o réu suscitar a respetiva intervenção. 5 - No caso previsto no número anterior e não se tratando de litisconsórcio necessário, se o tribunal entender que, não obstante a verificação dos requisitos da reconvenção, há inconveniente grave na instrução, discussão e julgamento conjuntos, determina em despacho fundamentado a absolvição da instância quanto ao pedido reconvencional de quem não seja parte primitiva na causa, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 37.º. 6 - A improcedência da ação e a absolvição do réu da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, salvo quando este seja dependente do formulado pelo autor.”
A tramitação da ação de divisão de coisa comum encontra-se prevista nos arts 925 a 926 do CPC, que se passam a reproduzir:
Art. 925º
“Todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas.”
Art. 926º “1 - Os requeridos são citados para contestar, no prazo de 30 dias, oferecendo logo as provas de que dispuserem. 2 - Se houver contestação ou a revelia não for operante, o juiz, produzidas as provas necessárias, profere logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão, aplicando-se o disposto nos artigos 294.º e 295.º; da decisão proferida cabe apelação, que sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo. 3 - Se, porém, o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, conforme o preceituado no número anterior, manda seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum. 4 - Ainda que as partes não hajam suscitado a questão da indivisibilidade, o juiz conhece dela oficiosamente, determinando a realização das diligências instrutórias que se mostrem necessárias. 5 - Se tiver sido suscitada a questão da indivisibilidade e houver lugar à produção de prova pericial, os peritos pronunciam-se logo sobre a formação dos diversos quinhões, quando concluam pela divisibilidade.”
Art. 927º 1 - Se não houver contestação, sendo a revelia operante, ou aquela for julgada improcedente e o juiz entender que nada obsta à divisão em substância da coisa comum, são as partes notificadas para, em 10 dias, indicarem os respetivos peritos, sob cominação de, nenhuma delas o fazendo, a perícia destinada à formação dos quinhões ser realizada por um único perito, designado pelo juiz. 2 - As partes são notificadas do relatório pericial, podendo pedir esclarecimentos ou contra ele reclamar, no prazo de 10 dias. 3 - Seguidamente, o juiz decide segundo o seu prudente arbítrio, podendo fazer preceder a decisão da realização de segunda perícia ou de quaisquer outras diligências que considere necessárias, aplicando-se o disposto nos artigos 294.º e 295.º.
Art. 928º Se não tiver sido suscitada a questão da indivisibilidade, mas a perícia concluir que a coisa não pode ser dividida em substância, seguem-se os termos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo anterior, com as necessárias adaptações.
Art- 929º “1 - Fixados os quinhões, realiza-se conferência de interessados para se fazer a adjudicação; na falta de acordo entre os interessados presentes, a adjudicação é feita por sorteio. 2 - Sendo a coisa indivisível, a conferência tem em vista o acordo dos interessados na respetiva adjudicação a algum ou a alguns deles, preenchendo-se em dinheiro as quotas dos restantes. Na falta de acordo sobre a adjudicação, é a coisa vendida, podendo os consortes concorrer à venda. 3 - Se houver interessados incapazes ou ausentes, o acordo tem de ser autorizado judicialmente, ouvido o Ministério Público. 4 - O acordo dos interessados presentes obriga os que não comparecerem, salvo se não tiverem sido notificados, devendo sê-lo. Na notificação das pessoas convocadas faz-se menção do objeto da conferência 5 - Reclamado o pagamento das tornas, é notificado o interessado que haja de as pagar, para as depositar. 6 - Não sendo efetuado o depósito, pode o reclamante pedir que a coisa lhes seja adjudicada, contanto que deposite imediatamente a importância das tornas que, por virtude da adjudicação, tenha de pagar. 7 - Sendo o requerimento feito por mais de um interessado e não havendo acordo entre eles sobre a adjudicação, aplica-se o disposto na segunda parte do n.º 1. 8 - Pode também o reclamante pedir que, transitada em julgado a sentença, se proceda no mesmo processo à venda da coisa. 9 - Não sendo reclamado o pagamento, as tornas vencem os juros legais desde a data da sentença e os credores podem registar hipoteca legal sobre a coisa.”
Destes preceitos legais resulta que a ação de divisão de coisa comum tem uma fase declarativa, que visa a fixação das quotas dos comproprietários, e uma fase executiva, que visa concretizar a “divisão em substância da coisa comum ou a adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível”.
Na fase executiva pode o bem indivisível ser adjudicado a um dos comproprietários, gerando créditos de tornas dos outros, ou pode ser vendido, com partilha do produto da venda entre os comproprietários.
E é nessa fase que pode haver azo a compensação com os créditos decorrentes dos custos de aquisição e dos encargos alegadamente suportados pelo Réu/Reconvinte para além do que corresponderia à sua quota (compensação ou pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor).
Logo, o pedido de reconhecimento de tais créditos tem assento no art. 266 nº2 al c) do CPC.
Por outro lado, não se diga que existe um obstáculo intransponível à admissão da reconvenção, por via da diferença entre as formas de processo da ação de divisão de coisa comum (ação especial) e a ação que corresponderia ao pedido reconvencional (ação comum).
É que nos termos previstos no art. 37 nºs 2 e 3 do CPC, aplicáveis ex vi do art. 266 nº3 do CPC, quando aos pedidos correspondam formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, pode o juiz autorizar a cumulação (no caso a reconvenção), sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio.
Ora, não nos parece haver existir tramitação manifestamente indisponível, desde logo porque na própria fase declarativa da ação de divisão de coisa comum se poderá seguir, a partir da contestação, os termos do processo comum (art. 926 nº3 do CPC).
E nada impede que tal suceda por via da dedução de pedido reconvencional.
Importa é que haja interesse relevante ou a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio.
E parece-nos que assim o é. Os créditos invocados pelo Réu prendem-se com a coisa objeto da ação, havendo todo o interesse em que, para além da cessação da respetiva situação de indivisão, fiquem, na mesma ação, definidos os direitos de crédito emergentes da contribuição de um dos comproprietários para a aquisição da coisa ou para os encargos dela derivados que exceda o que seria correspondente à sua quota, compensando-se o valor que suportou em excesso.
Ao juiz caberá adaptar o processado, de acordo com o princípio da adequação formal, não se afigurando, em face da prova que foi arrolada pelo reconvinte (pedido de declarações de parte e indicação de três testemunhas, para além dos documentos que juntou) que a ação fique incomportavelmente complexa ou morosa com a apreciação do pedido reconvencional em causa.
A jurisprudência mais atual tem reconhecido, de forma maioritária, a admissibilidade da reconvenção em ação de divisão de coisa comum relativamente a créditos relacionados com a coisa objeto da ação que sejam suscetíveis de integrar as previsões do art. 266 nº2 als. b) e c) do CPC.
Vejam-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça:
- Ac de 26.01.2021 proferido no Proc. 1923/19.9T8GDM-A.P1.S1: “I. Na ação especial de divisão de coisa comum, em que o Requerido, apesar de deduzir contestação, confessa o pedido da Requerente, é admissível a reconvenção quando tenha sido suscitada a compensação de alegado crédito por despesas suportadas para além da quota respetiva, com o crédito de tornas que venha a ser atribuído ao Requerente, devendo a ação seguir os termos do processo comum, para que sejam decididas tais questões, só então se entrando na fase executiva do processo com a conferência de interessados. II. No art. 266.º, n.º 3, do CPC, o legislador salvaguarda a possibilidade de o juiz autorizar a reconvenção “quando ao pedido do Requerido corresponda uma forma de processo diferente”, nos termos previstos no art. 37.º, n.os 2 e 3, do mesmo corpo de normas, “com as necessárias adaptações”. III. Traduzindo-se as diversas formas de processo - especial e comum - no único obstáculo formal à admissibilidade da reconvenção, mas não seguindo as mesmas uma tramitação manifestamente incompatível, tanto mais que é expressamente admissível a convolação do processo especial de divisão de coisa comum em processo comum, de acordo com o art. 37.º, n.os 2 e 3, do CPC, o Juiz pode autorizar a reconvenção, “sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa-composição do litígio”. IV. O poder-dever de gestão processual permite a admissibilidade da reconvenção, em circunstâncias como as dos presentes autos. V. Está em causa o interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos. Importa evitar que o Requerido se veja compelido a propor uma outra ação para ver o seu direito reconhecido.”
- Ac de 01.10.2019 proferido no Proc. 385/18.2T8LMG-A.C1.S2: I - Tramitação “manifestamente incompatível”, nos termos e para os efeitos dos art.s 266.º, n.º 3 e 37.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, só existirá naqueles casos em que se imporia (ou, pelo menos, em que houvesse o risco disso suceder) praticar atos processuais contraditórios ou inconciliáveis. Não basta que se esteja perante tramitações desajustadas umas das outras, pois que isso sempre acontece, em maior ou menor grau, em formas processuais diferentes. II - Na ação de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção tendente a obter indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser autorizada, ao abrigo do disposto nos artigos 266.º, n.º 3 e 37.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos do processo comum.”
- Ac de 28.03.2023 proferido no Processo 249/21.2T8VVC.E1.S1: “I. Na acção de divisão de coisa comum é admissível a formulação de pedido reconvencional do réu tendente a demonstrar que na aquisição e manutenção da coisa comum declarada indivisível em substância, e por causa da situação de indivisão, realizou despesas de montante superior ao que lhe caberia em função da sua quota na comunhão ou compropriedade sobre o bem por forma a serem consideradas no apuramento do valor a repartir; II. Não impede o funcionamento do mecanismo da compensação a circunstância de os créditos do autor e da ré em relação ao bem comum serem ilíquidos no momento da formulação do pedido, já que o valor económico do direito de cada um deles só fica definido na conferência de interessados; III. Não se discutindo entre as partes nem a proporção na titularidade do direito sobre o bem comum nem a indivisibilidade deste em substância, tendo sido formulado pedido reconvencional pela ré com fundamento na titularidade de créditos sobre o autor decorrentes da sua participação nas despesas de aquisição e posterior satisfação de encargos bancários relativos ao bem comum, em valor superior ao da sua quota, deve o juiz admitir tal pedido e ordenar que a tramitação processual observe os termos do processo comum subsequentes à contestação (artigo 926.º n.º 3 do Código de Processo Civil).”
- Ac de 25.05.2021 proferido no Proc.1761/19.9T8PBL.C1.S1: I - A ação de divisão de coisa comum tem por finalidade colocar termo à contitularidade de direitos reais, arts. 925º do CPC e 1412º do C C e, processa-se em duas fases distintas, fase declarativa, arts. 925º a 928º e fase executiva, art. 929º, todos do CPC. II - É a lei, art. 926º, nº 3 parte final, do CPC que se mostra adaptável a incluir no processo especial de divisão de coisa comum, a forma de processo comum. III - Não faz sentido não admitir a reconvenção e remeter as partes para outra ação, para colocarem fim ao litígio relacionado com a propriedade em comum do bem que foi casa de morada de família. IV - Ao juiz compete, no cumprimento do dever de gestão processual, art. 6º do CPC, adotar mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio. V - No caso dos autos é manifesta a utilidade da admissão da reconvenção, quer para o tribunal quer para o réu, não sendo manifesta a incompatibilidade, nem a impossibilidade de adaptação processual. O art. 926º, nº 3 do CPC a prevê.”
Impõe-se, pois, a procedência do recurso, com revogação da decisão recorrida (decisão de não admissão do pedido reconvencional e concomitante decisão sumária ao abrigo do art. 926 nº2 do CPC), sendo admitido o pedido reconvencional, devendo o processo seguir os termos adequados à apreciação do mesmo.
As custas do recurso deverão ser suportadas pela parte vencida a final, na proporção em que o for.
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V – DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, julga-se procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e admite-se a reconvenção deduzida pelo Requerido contra o Requerente, ordenando-se que o processo prossiga os termos processuais adequados à apreciação de tal pedido.
Custas pela parte vencida a final, na proporção em que o for.
Notifique.
Lisboa, 05.06.2025
Carla Matos
Maria do Céu Silva
Marília Leal fontes