PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES
PERÍODO DE FIDELIZAÇÃO
CLÁUSULA PENAL
CONHECIMENTO OFICIOSO DA NULIDADE
Sumário

Sumário: (elaborado ao abrigo do disposto no art. 663º, nº 7 do CPC)
- A cláusula que num contrato de prestação de serviço de comunicações electrónicas prevê que em caso de incumprimento do cliente a empresa fornecedora tem direito a exigir o pagamento das prestações vincendas até ao final do período de fidelização tem uma função coercitiva e, ao mesmo tempo, uma função ressarcitória, coincidindo com uma indemnização pelo dano contratual positivo;
- Se dos autos não resulta que tenha havido entrega ou aquisição de equipamento ou outro benefício atribuído ao cliente cujo pagamento é efectuado através das prestações vincendas, a cláusula penal estipulada no contrato é nula nos termos do art. 19º, c) do DL 446/85, por ser desproporcionada aos danos a ressarcir e de conhecimento oficioso – arts. 12º do DL 446/85 e art. 286º do CC.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
A… Comunicações, S.A., intentou acção declarativa de condenação com processo comum contra F...., Lda., peticionando a condenação desta a pagar à autora a quantia de €13.368,16, sendo que deste valor, € 6.731,64 são relativos a clausula penal, €294,87 a juros de mora vencidos e €600,00 relativos a encargos de cobrança, a que devem acrescer juros de mora até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou que autora e ré celebraram um contrato de prestação de bens e serviços de telecomunicações em 1/7/2022 e um contrato de prestação de serviços em 20/2/2023, tendo a autora, no âmbito de tal contrato, prestado à ré os serviços contratados, emitindo e remetendo as respectivas facturas, que a ré não liquidou.
Mais alegou que as partes convencionaram que em caso de incumprimento do período de permanência, seria devido pela ré um valor indemnizatório, a título de cláusula penal, de igual valor ao das mensalidades em falta.
Pelo facto da ré não ter pago as facturas, apesar de interpelada para o efeito e dos acordos de pagamento, que incumpriu, a autora suspendeu os serviços e rescindiu o contrato, por perda de interesse na sua manutenção e reclamou da ré o valor da cláusula penal contratual.
Mais alega que a autora teve de suportar encargos com as tentativas de cobrança da dívida em fase prévia à entrada da acção e que se contabilizam em €600,00.
Com a petição inicial, a autora juntou os contratos e as facturas referidas, dando-as por reproduzidas.
A ré, regularmente citada, não contestou.
Por despacho proferido a 28/5/24, foram considerados confessados os factos alegados pela autora, nos termos do art. 567º, nº 1 do CPC.
Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 567º do CPC.
Não foram apresentadas alegações.
A 1/10/24, foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
Nestes termos, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a ré F...., LDA. a pagar à autora A… Comunicações, S.A. a quantia de €4.193,37 (quatro mil, cento e noventa e três euros e trinta e sete cêntimos), acrescida dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos desde a data de vencimento de cada uma das faturas até efetivo e integral cumprimento, contabilizados à taxa comercial sucessivamente em vigor.
Absolvo a ré do demais peticionado.
Custas a cargo da autora e da ré, na proporção do respectivo decaimento, que fixo em 68% para a autora e 32% para a ré, cfr. artigo 527º, nº s 1 e 2, do Código de Processo Civil”.
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Inconformada com a decisão, a autora interpôs recurso da sentença, terminando com as seguintes conclusões:
1. A decisão recorrida, que absolveu do pedido no montante relativo à cláusula penal por incumprimento do período de manutenção do contrato, é nula, por erro de julgamento e por violação dos deveres de gestão processual, do contraditório e da igualdade das partes, e carece de fundamento, devendo ser revogada.
2. A sentença recorrida errou no julgamento, distorcendo a realidade factual, uma vez que, não obstante o alegado na PI e demonstrado por documento, não considerou, no enquadramento jurídico e na decisão, a totalidade das obrigações que resultaram do contrato para a Recorrida, desde logo, a obrigação de manter o contrato pelo período acordado e a obrigação de pagar a cláusula penal em caso de incumprimento.
3. A sentença recorrida errou no julgamento, apreciando a questão em desconformidade com a lei, uma vez que considerou como pressuposto um segmento da legislação relativo à figura do consumidor, quando a Recorrida é uma pessoa colectiva,
4. O pedido formulado nos autos não foi contestado, nem foi solicitado pelo Tribunal recorrido qualquer esclarecimento ou ordenado o aperfeiçoamento da PI. Pelo que, caso existissem insuficiências sobre factos essenciais à causa não poderia o Tribunal a quo deixar de usar do dever de gestão processual previsto na lei, convidando ao seu suprimento. Não o tendo feito, o que constitui uma violação do que a Lei consagra.
5. Ademais e tendo o Tribunal a quo considerado confessados os factos articulados na PI e convidado a Recorrente a apresentar alegações nos termos do art.º 567º do CPC, declarou que poderia conhecer, imediatamente, do mérito da causa, sem necessidade de mais esclarecimentos ou provas. De outro modo e caso considerasse que a Recorrente teria de fazer prova sobre matéria de facto essencial à causa, não poderia deixar:
- de notificar a Recorrente sobre a possibilidade de conhecer do mérito da causa e para se pronunciar sobre a eventual improcedência da cláusula penal, por falta de alegação e/ou prova;
- de marcar audiência final, para que a Recorrente tivesse oportunidade de nela fazer toda a prova dos fundamentos da ação.
6. Não o tendo feito, o Tribunal recorrido violou o princípio do contraditório, tendo proferido uma decisão surpresa, e o princípio da igualdade das partes, já que decidiu em momento processual anterior ao julgamento e em claro benefício do Recorrido.
7. O tribunal recorrido decidiu sem fundamento e errou na determinação da norma aplicável e na qualificação jurídica dos factos, porquanto:
- a Recorrente alegou e peticionou uma cláusula penal por incumprimento do período de manutenção do contrato, concretizando o seu montante;
- a cláusula penal e respetivo montante não foram questionados pela Recorrida;
- nem o Tribunal a quo solicitou qualquer esclarecimento ou aperfeiçoamento;
- e não preenchendo a Recorrida o conceito de consumidor, também não está em causa nos autos a cessação do contrato por sua iniciativa, tendo em vista a mudança de prestador de serviços;
- não estando em causa nos autos, contrariamente ao decidido, a disciplina do art.º 48 da Lei 5/2004;
- sendo certo que, tratando-se a Recorrida de uma empresa, com objetivo de lucro, na eventualidade das condições contratuais não lhe serem favoráveis, não celebraria um contrato com a Recorrente com obrigação de permanência, nem assumiria o seu cumprimento.
De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão recorrida
- é nula, por erro de julgamento (art.º 608º do CPC) e por violação dos deveres de gestão processual (art.º 6º do CPC), do contraditório (art.º 3º do CPC) e da igualdade das partes (art.º 4º do CPC);
- carece de fundamento e deverá ser reformada, por erro na determinação da norma aplicável e na qualificação jurídica dos factos.
Deverá, consequentemente, ser declarada nula e substituída por decisão que condene na totalidade do pedido, o qual não foi contestado”.
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II - Objecto do recurso
O objecto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (arts. 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, excepto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou sejam de conhecimento oficioso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito – art. 665º nº 2 do mesmo diploma.
Atento o exposto, face o teor das conclusões do recurso da autora, importa apreciar:
- se a sentença padece de alguma nulidade;
- se é devida a indemnização contratual penal relativa ao período de fidelização dos contratos de prestação de serviços de telecomunicações a que os autos se reportam.
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III – Fundamentação
De facto
A sentença recorrida não discriminou a factualidade que julgou como provada, limitando-se a deixar consignado que se encontravam confessados os factos alegados pela autora, dando-os por reproduzidos por remissão para a petição inicial.
Assim, atentemos nos factos alegados pela autora na petição inicial:
1.Entre a Autora e a Ré foi celebrado, em 01.07.2022 um contrato de prestação de bens e serviços de telecomunicações, a que foi atribuído o número de conta cliente /contrato 1.70389199.
2.No âmbito do referido contrato solicitou a Ré à Autora a prestação dos serviços
- 1 Acesso TV UMA
- 1 Acesso Internet 200/100
- 1 Acesso Telefone fixo sem fios
- 8 Planos Mobilidade com 20.000 min/sms e 120 Gb com cartão de oferta de 30GB de internet, serviços a que correspondia uma mensalidade de €268,40 + IVA e nos demais termos constantes da proposta contratual, cuja cópia se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos - cfr. doc. 1.
3. Em 20.02.2023 a Ré contratou à Autora a prestação dos serviços (…) Central Pro_Net Pro 200 UMA- UC, nos demais termos constantes da proposta contratual, cuja cópia se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos - cfr. doc. 2.
4. Como contrapartida do fornecimento dos serviços e das demais ofertas contratuais, assumiu a Ré a obrigação de proceder ao pagamento tempestivo das faturas, a devolver, no termo do contrato, os equipamentos da Autora instalados na sua morada para prestação dos serviços e a manter o contrato pelo período acordado (vg. período de permanência).
5.Mais, convencionaram as partes que, em caso de incumprimento do período de permanência, seria devido pela Ré um valor indemnizatório, a título de cláusula penal, de igual valor ao das mensalidades em falta.
6. Após a celebração dos contratos a Autora iniciou a prestação dos serviços, emitindo, mensalmente, as faturas, todas enviadas à Ré e sem que nenhuma tivesse sido devolvida.
7. Pelo facto da Ré não ter pago as faturas, apesar de interpelada para o efeito e dos acordos de pagamento, a Autora suspendeu os serviços e rescindiu o contrato, por perda de interesse na sua manutenção e reclamou da Ré o valor da cláusula penal contratual.
8. Das faturas emitidas e vencidas a ré não pagou as seguintes, que totalizam €12.473,29:
- Fatura n.º FT 202312/36321, emitida em 06.01.2023 no valor de €399,80, vencida em 26.01.2023 e de que permanecem em dívida €210,89, fatura relativa à mensalidade e serviços de Dezembro de 2022 - doc. 3;
- Fatura n.º FT 202312/83553, no valor de €398,37, emitida em 07.02.2023 e vencida em 27.02.2023, fatura relativa à mensalidade e serviços de Janeiro de 2023 - doc. 4;
- Fatura n.º FT 202312/129478, no valor de €342,49, emitida em 07.03.2023 e vencida em 27.03.2023, fatura relativa à mensalidade e serviços de Fevereiro de 2023 - doc. 5;
- Fatura n.º FT 202312/175562, no valor de €754,03, emitida em 07.04.2023 e vencida em 27.04.2023, fatura relativa à mensalidade e serviços de Março de 2023 - doc. 6;
- Fatura n.º FT 202312/221630, no valor de €816,82, emitida em 08.05.2023 e vencida em 28.05.2023, fatura relativa à mensalidade e serviços de Abril de 2023 - doc. 7;
- Fatura n.º FT 202312/267038, no valor de €375,30, emitida em 07.06.2023 e vencida em 27.06.2023, fatura relativa à mensalidade e serviços de Maio de 2023 - doc. 8;
- Fatura n.º FT 202312/312053, no valor de €246,38, emitida em 07.07.2023 e vencida em 27.07.2023, fatura relativa à mensalidade e serviços de Junho de 2023 - doc. 9;
- Fatura n.º FT 202312/357517, no valor de €523,72, emitida em 07.08.2023 e vencida em 27.08.2023, fatura relativa à mensalidade e serviços de Julho de 2023 - doc. 10;
- Fatura n.º FT 202312/402332, no valor de €373,98, emitida em 07.09.2023 e vencida em 27.09.2023, fatura relativa à mensalidade e serviços de Agosto de 2023 - doc. 11;
- Fatura n.º FT 202312/446507, no valor de €8.431,31, emitida em 06.10.2023 e vencida em 26.10.2023, fatura relativa à mensalidade e serviços de Setembro de 2023 e que inclui o valor da cláusula penal contratual, de €6.731,64 + IVA - doc. 12.
9. A Autora teve de suportar as tentativas de cobrança da dívida em fase prévia à entrada da acção, no valor de € 600,00.
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Além destes factos, são relevantes para a decisão os factos já elencados no Relatório.
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De Direito
Das nulidades invocadas.
Sem indicar qual a concreta norma em que enquadra a nulidade da sentença, a apelante defende que na parte em que a sentença absolveu a ré do pedido relativo à cláusula penal pelo período de manutenção do contrato é nula, por erro de julgamento uma vez que não considerou, no enquadramento jurídico, a totalidade das obrigações que resultaram do contrato para a recorrida, nomeadamente, a obrigação de manter o contrato pelo período acordado e a obrigação de pagar a cláusula penal em caso de incumprimento e que a ré não é um “consumidor”, não beneficiando do regime previsto no art. 48º do DL 54/2004, como referido na sentença. Por outro lado, sustenta que o tribunal a quo violou os deveres de gestão processual, do contraditório e da igualdade das partes, pois não tendo sido contestada a acção, o tribunal não pediu qualquer esclarecimento ou ordenou o aperfeiçoamento da petição inicial como previsto na lei.
Quanto à primeira parte dos fundamentos recursivos da apelante é a própria a configurar a nulidade da sentença como erro de julgamento, nomeadamente por entender que a decisão não é conforme com o direito aplicável. Ou seja, a apelante manifesta o seu desacordo perante a forma como o Tribunal a quo decidiu a questão, em termos de fundamentação de direito.
Ora, as causas de nulidade da sentença vêm taxativamente enunciadas no art. 615º nº 1 do CPC, onde se estabelece que é nula a sentença: quando não contenha a assinatura do juiz (al. a)); quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b)); quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al. c)); quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d)); quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (al. e)).
Como refere o Prof. Castro Mendes, uma sentença nula quando “não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia” (in “Direito Processual Civil”, Vol. III, pág. 308).
Por seu turno, o Prof. Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil”, pág. 686), no sentido de delimitar o conceito, face à previsão do art. 668º do CPC (actual art. 615º), salienta que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…) e apenas se curou das causas de nulidade da sentença, deixando de lado os casos a que a doutrina tem chamado de inexistência da sentença”.
O erro de julgamento que a apelante imputa à sentença recorrida assenta na discórdia dos fundamentos nela invocados e que determinaram a absolvição da ré quanto ao pedido da cláusula penal, não se enquadrando em nenhuma das nulidades da sentença previstas no art. 615º do CPC.
Na parte em que a apelante defende que o tribunal violou o princípio do contraditório e da igualdade das partes, poderia estar em causa a al. c) do art. 615º do CPC, ou mais precisamente, o conhecimento por parte do tribunal a quo de questões de que não podia tomar conhecimento.
Este artigo está directamente relacionado com o disposto no art. 608º do CPC, dele resultando que o juiz deve apreciar todas as questões que lhe são colocadas, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão daquelas, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
No que respeita ao conhecimento da matéria relativa à cláusula penal e mais especificamente, ao período de fidelização, se é verdade que na petição inicial este não foi concretizado, resulta dos contratos juntos aos autos (docs. 1 e 2) que foram estipulados períodos de fidelização e que, em caso de incumprimento dos contratos seria devido uma indemnização, a título de cláusula penal, assim como resulta o incumprimento de tais contratos (pontos 4, 5, 7 e 8 dos factos provados e, ainda, os já mencionados docs. 1 e 2 e factura doc. 12). Significa isto que, em relação à questão da cláusula penal, de que veio a ser absolvida a ré, os autos já continham a matéria necessária ao seu conhecimento, sem que houvesse justificação para qualquer despacho a ordenar o aperfeiçoamento da petição inicial, como pretende a apelante. A sentença recorrida conheceu da questão e os elementos necessários a esse conhecimento constavam dos autos, o que a apelante não concorda é com a fundamentação jurídica que determinou a absolvição da recorrida nesta parte. Significa isto que continuamos na presença da figura do erro de julgamento, não configurando a questão levantada pela apelante qualquer nulidade formal da sentença ao abrigo do art. 615º do CPC.
Improcedem, assim, as nulidades apontadas à sentença recorrida.
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Se é devida a indemnização contratual penal relativa ao período de fidelização dos contratos de prestação de serviços de telecomunicações a que os autos se reportam.
A sentença sob recurso considerou os contratos em causa abrangidos pela Lei dos Serviços Públicos (Lei nº 36/96 de 26/7) e pela Lei das Comunicações Electrónicas (Lei nº 5/2004 de 10/2) e a absolvição da ré do pedido relativo à cláusula penal peticionada decorreu do facto de o tribunal a quo entender que não estava demonstrado nos autos qual era o período de fidelização e que não foi demonstrado que a cláusula tem como “contrapartida um benefício concedido ao consumidor, tal como expressamente previsto no artigo 48.º da Lei n.º 5/2004”, nem “os custos que teve com a instalação nem que os valores peticionados são proporcionais a uma eventual vantagem que tenha sido conferida à ré”.
Quanto ao período de fidelização, como já referimos supra, essa matéria resulta dos pontos 2 e 3 dos factos provados, sendo que nos documentos ali referidos (docs. 1 e 2 da p.i) resulta expressamente que em ambos os contratos foram estipulados períodos de fidelização de 36 meses, tendo o primeiro contrato sido celebrado no dia 1/7/2022 e o segundo no dia 20/2/2023. Assim, não podia a sentença partir do pressuposto, errado, de que não foram estipulados pelas partes períodos de fidelização para os contratos de prestação de bens e serviços de telecomunicações em causa nos autos.
Na cláusula 4 das condições gerais de cada um dos contratos (docs. 1 e 2 referidos nos factos provados), consta o seguinte: “4. DURAÇÃO DO CONTRATO E CONDIÇÕES DE RENOVAÇÃO. 4.1 O contrato ficará sujeito a um prazo mínimo de duração inicial coincidente com o período de fidelização indicado nas condições específicas ou no Formulário e cuja existência, no caso do Cliente consumidor, depende da atribuição de qualquer vantagem, identificada e quantificada, associada à substituição de equipamentos terminais, à instalação, ativação do serviço, ofertas, descontos ou a outras condições promocionais. (…) 4.2 Na falta de indicação de qualquer período de fidelização ou no caso de se verificar qualquer irregularidade na sua indicação, o Contrato fica sujeito a um prazo mínimo de duração inicial de 1 (um) mês, sendo automaticamente renovável nos termos da cláusula 4.1. 4.3 Durante a vigência do período de fidelização, o Cliente está obrigado a manter ativo o plano tarifário que subscreveu e, sempre que esse plano exija recarregamentos mínimos obrigatórios, a realizá-los nos termos e pelo período previamente definidos” (sublinhado nosso).
Nos termos da cláusula 14 das Condições Gerais é ainda estabelecido que “14. EFEITOS DA CESSAÇÃO DO CONTRATO POR INICIATIVA OU INCUMPRIMENTO DO CLIENTE. Em caso de resolução do contrato pela A… no decurso do prazo fixado nos termos da cláusula 4.1. com fundamento no incumprimento do Cliente, bem como no caso de cessação antecipada do Contrato durante o período de fidelização, por iniciativa do Cliente, este ficará obrigado a pagar à A… uma compensação calculada nos termos indicados no Formulário ou nas Condições Específicas, sem prejuízo do direito a eventuais valores vencidos e juros moratórios” (sublinhado nosso).
Por seu turno, nas “CONDIÇÕES ESPECÍFICAS PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE COMUNICAÇÕES ELETRÓNICAS E SERVIÇOS CONEXOS”, prevê a cláusula 3.2. “No caso de o cliente não cumprir pontualmente o contrato, a A… poderá (…) suspender o serviço e exigir o pagamento antecipado das mensalidades vincendas que seriam devidas até ao fim do prazo contratado (…)”. Na cláusula 3.3. ainda se permite o restabelecimento do serviço se o cliente efectuar o pagamento dos montantes em atraso no prazo ali previsto. Caso contrário, de acordo com a cláusula 3.4., o incumprimento considera-se definitivo e o contrato extingue-se automaticamente. Na cláusula seguinte é estabelecido: “3.5. A extinção do contrato não terá efeitos retroativos, pelo que o disposto nos números anteriores não prejudica o direito da A… ao pagamento das quantias devidas pela prestação dos serviços até ao momento dessa extinção, e aos montantes de que o cliente beneficiou no pressuposto do cumprimento do prazo contratado (como sejam, taxas de ativação do serviço, portabilidade da numeração, créditos e ofertas concedidos, cedência de equipamentos ou outros), a título de contrapartida pelas condições especiais concedidas associadas ao Serviço e/ou à cedência de equipamento, nem os direitos do cliente sobre o equipamento cedido” (sublinhado nosso).
Ora dos factos provados resulta que:
“4. Como contrapartida do fornecimento dos serviços e das demais ofertas contratuais, assumiu a Ré a obrigação de proceder ao pagamento tempestivo das faturas, a devolver, no termo do contrato, os equipamentos da Autora instalados na sua morada para prestação dos serviços e a manter o contrato pelo período acordado (vg. período de permanência).
5.Mais, convencionaram as partes que, em caso de incumprimento do período de permanência, seria devido pela Ré um valor indemnizatório, a título de cláusula penal, de igual valor ao das mensalidades em falta.
(…)
7. Pelo facto da Ré não ter pago as faturas, apesar de interpelada para o efeito e dos acordos de pagamento, a Autora suspendeu os serviços e rescindiu o contrato, por perda de interesse na sua manutenção e reclamou da Ré o valor da cláusula penal contratual”.
E, efectivamente, em relação à factura documentada com o doc. nº 12, consta o valor de € 6.731,64, peticionado a título de cláusula penal.
Cumpre-nos, pois, classificar e apreciar a validade da cláusula penal estipulada pelas partes.
De acordo com o art. 810º do CC, sob a epígrafe “cláusula penal”, as partes podem por acordo prévio fixar o montante da indemnização exigível, no quadro da autonomia privada e do exercício da liberdade contratual (art. 405º do CC).
Estabelece-se, no entanto, que o credor não pode cumular, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal com o pagamento da cláusula penal, ressalvando o caso desta última estar estabelecida para penalizar o atraso da prestação – art. 811º, 1 do CC – compreendendo esta ressalva as chamadas “cláusulas penais moratórias”.
Em qualquer dos casos, a cláusula penal, no sistema da nossa lei, avulta como fixação antecipada da indemnização – compensatória ou apenas moratória –, isto é, dirige-se apenas à reparação de danos. Mas nada impede que, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, desempenhe a função coercitiva, destinada a pressionar o devedor ao cumprimento, na medida em que a sua falta autoriza o credor à exigência alternativa de uma prestação mais gravosa. Cabe ainda mencionar, ao lado desses dois tipos de cláusulas penais, um outro com natureza meramente compulsória, que se verifica quando as partes pretendem que a pena acresça à execução específica ou à indemnização calculada nos termos gerais” (Almeida Costa “Direito das Obrigações”, 9.ª ed., pág. 737). Sobre a dupla função que pode desempenhar a cláusula penal, cfr., ainda, Antunes Varela in “Das Obrigações Em Geral”, Vol. II, 7.ª Ed., pág. 139 a 140, que fala na “função de reforço” ou agravamento da indemnização devida pelo obrigado faltoso, constituindo a cláusula penal uma pena convencional calculadamente superior à que resultaria da lei para estimular de modo especial o devedor ao cumprimento, e ao mesmo tempo pode funcionar como facilitadora do cálculo da indemnização exigível.
No caso dos autos, analisando as cláusulas 4.1 e 14 das condições gerais e 3.2 a 3.5 das condições específicas dos contratos segundo o disposto nos arts. 236º e 238º do CC, torna-se claro que as mesmas têm em vista regular os efeitos da cessação do contrato por incumprimento do cliente durante o período de fidelização, compelindo o cliente ao cumprimento do contrato durante este período, sob pena da aplicação da sanção pré-estabelecida se o cliente não puser fim à mora, pagando as prestações em dívida no prazo estabelecido.
A cláusula penal estabelecida nos contratos tem, pois, uma função coercitiva e, ao mesmo tempo, uma função ressarcitória, coincidindo com uma indemnização pelo dano contratual positivo, sendo esta a que se destina a colocar o lesado na situação em que se encontraria se o contrato fosse exactamente cumprido.
O normal é que uma cláusula penal deste tipo, tendo em conta a sua dupla função, preveja uma indemnização superior ao dano, o que é permitido por lei atento o disposto nos arts. 810º, nº 1 e da ressalva do nº 2 do art. 811º, que prevê: “O estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se for outra a convenção das partes”.
O art. 811º, nº 3 do CC apenas impede o credor de exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal, limite que não se aplica ao caso concreto, na medida em que o valor da indemnização pré-fixada nos contratos dos autos corresponde ao dano contratual positivo.
Por fim, no que respeita às clausulas penais, prevê o nº 1 do art. 812º do CC que “a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário”.
Todavia, o controlo judicial da cláusula penal, através da redução equitativa prevista nesta norma, não é oficioso, dependendo do pedido do interessado, a quem caberá alegar e provar os factos de onde seja possível extrair a excessividade da estipulação, fora dos limites comportáveis pela liberdade contratual (neste sentido, entre outros, cfr. Ac. da RG de 11/3/21, relatora Ana Cristina Duarte, p. 4248/19, disponível em www.dgsi.pt).
No caso dos autos essa questão não se coloca, tendo em conta que estamos face a uma acção não contestada. O tribunal está, pois, impedido de fazer o controlo previsto no art. 812º do CC.
Acontece que a cláusula de que nos vimos ocupando é ao mesmo tempo uma cláusula penal e uma cláusula contratual geral, a implicar a sujeição da mesma à disciplina instituída pelo DL nº 446/85 de 25/10.
Como se sabe, a regulamentação prevista para as cláusulas contratuais gerais surgiu perante a constatação de que a negociação dos contratos assente no princípio da igualdade formal das partes não corresponde, as mais das vezes, à realidade concreta. A massificação do comércio jurídico levou ao surgimento de contratos que não são precedidos de fase negocial, limitando-se a liberdade contratual à aceitação ou não de determinada proposta apresentada, com cláusulas unilateralmente fixadas. Tal regime pretende salvaguardar os interesses da parte contratualmente mais fraca, surgindo como uma emanação do princípio da boa fé. De acordo com o nº 1 do art. 1º do referido diploma, cláusulas contratuais gerais são aquelas que são "elaboradas sem prévia negociação individual", ou seja, são prévia e unilateralmente definidas por um dos contraentes, tendo em vista uma generalidade e pluralidade de pessoas que não as vão negociar e influenciar, no âmbito de um padrão negocial uniformizado.
É o caso dos autos.
Assim, importa apreciar se, à luz do indicado diploma, a cláusula em causa é, ou não, uma cláusula válida, sendo certo que essa apreciação pode ser feita de forma oficiosa pelo tribunal, implicando uma avaliação “prévia” da mesma, independentemente dos concretos danos verificados (ao contrário do que se passa com o mecanismo regulado no art. 812º do CC).
O DL 446/85 prevê uma série de cláusulas que considera proibidas, tutelando o aderente do ponto de vista do controlo do conteúdo das cláusulas incluídas nos negócios singulares. Assim, começa por autonomizar as disposições comuns (arts. 15º e 16º), depois as relações entre empresários ou entidades equiparadas (arts.17º a 19º) e finalmente as relações com os consumidores finais (arts.20º a 23º). Os princípios gerais dos arts. 15º e 16º centram-se na boa fé, determinando o 1º a proibição das cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé e procedendo o 2º a uma concretização da norma anterior.
No que respeita às relações entre empresários ou entidades equiparadas estabelecem-se, a título exemplificativo, cláusulas absolutamente proibidas (art.18º), que não podem incluir-se, a nenhum pretexto, nos contratos celebrados por adesão, e cláusulas relativamente proibidas (art.19º), que podem ser válidas para certos contratos e não para outros, dependendo de um juízo valorativo suplementar realizado em face das próprias cláusulas, encaradas no seu conjunto e de acordo com os padrões considerados.
No caso dos autos, à relação estabelecida entre autora e ré têm aplicação as proibições enunciadas no art. 19º, designadamente a da al. c) que dispõe que “são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado as cláusulas contratuais gerais que consagrem cláusulas gerais desproporcionadas aos danos a ressarcir”, cominando o art. 12º do mesmo DL a nulidade de tais cláusulas.
Porém, antes de proceder a avaliação da cláusula em causa nos autos, atentemos ao que dispõe o art. 48º da Lei 5/2004, artigo este invocado na sentença recorrida e que estava em vigor à data da celebração do contrato no dia 1/7/2022 e que estabeleceu a mensalidades facturadas (Lei que foi, entretanto, revogada pela Lei 16/2022 de 16/8).
Estabelecia o art. 48º que:
1- Sem prejuízo da legislação aplicável à defesa do consumidor, a oferta de redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público é objeto de contrato, do qual devem obrigatoriamente constar, de forma clara, exaustiva e facilmente acessível, os seguintes elementos:
a)
(…)
g) A duração do contrato, as condições de renovação, de suspensão e de cessação dos serviços e do contrato;
h) Os sistemas de indemnização ou de reembolso dos assinantes, aplicáveis em caso de incumprimento dos níveis de qualidade de serviço previstos no contrato; (…)
2 - A informação relativa à duração dos contratos, incluindo as condições da sua renovação e cessação, deve ser clara, percetível, disponibilizada em suporte duradouro e incluir as seguintes indicações:
a) Eventual período de fidelização, cuja existência depende da atribuição de qualquer vantagem ao consumidor, identificada e quantificada, associada à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e ativação do serviço ou a outras condições promocionais;
b) (…)
c) Eventuais encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato durante o período de fidelização, por iniciativa do assinante, nomeadamente em consequência da recuperação de custos associados à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e ativação do serviço ou a outras condições promocionais.
3 - Quando o contrato a que se refere o n.º 1 for celebrado por telefone ou através de outro meio de comunicação à distância, o prestador do serviço, ou seu representante, deve facultar ao consumidor, antes da celebração do contrato, sob pena de nulidade deste, todas as informações referidas nos n.os 1 e 2, ficando o consumidor vinculado apenas depois de assinar proposta contratual ou enviar o seu consentimento escrito ao fornecedor de bens ou prestador de serviços, exceto nos casos em que o primeiro contacto telefónico seja efetuado pelo próprio consumidor.
4 - É interdito às empresas que oferecem redes e ou serviços de comunicações eletrónicas opor-se à denúncia dos contratos por iniciativa dos assinantes, com fundamento na existência de um período de fidelização, ou exigirem quaisquer encargos por incumprimento de um período de fidelização, se não possuírem prova da manifestação de vontade do consumidor referida no número anterior.
5 - A duração total do período de fidelização nos contratos de prestação de serviços de comunicações eletrónicas celebrados com consumidores não pode ser superior a 24 meses, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
(…)
10 - Sem prejuízo da existência de períodos de fidelização, iniciais ou posteriores, nos termos da presente lei, as empresas não devem estabelecer condições contratuais desproporcionadas ou procedimentos de resolução dos contratos excessivamente onerosos e desincentivadores da mudança de prestador de serviço por parte do assinante, cabendo a fiscalização das mesmas à ARN.
11 - Durante o período de fidelização, os encargos para o assinante, decorrentes da resolução do contrato por sua iniciativa, não podem ultrapassar os custos que o fornecedor teve com a instalação da operação, sendo proibida a cobrança de qualquer contrapartida a título indemnizatório ou compensatório.
12 - Os encargos pela cessação antecipada do contrato com período de fidelização, por iniciativa do assinante, devem ser proporcionais à vantagem que lhe foi conferida e como tal identificada e quantificada no contrato celebrado, não podendo em consequência corresponder automaticamente à soma do valor das prestações vincendas à data da cessação.
13 - Para efeitos do disposto no número anterior, no caso de subsidiação de equipamentos terminais, os encargos devem ser calculados nos termos da legislação aplicável e, nas demais situações, não podem ser superiores ao valor da vantagem conferida que, na proporção do período da duração do contrato fixada, ainda esteja por recuperar pela empresa que presta o serviço, na data em que produz efeitos a sua cessação antecipada.
14 - Findo o período de fidelização e na ausência de acordo relativamente ao estabelecimento de um novo período de fidelização nos termos do número seguinte, o valor a fixar como contrapartida pela prestação dos serviços não pode ser superior aos preços normais que pelo mesmo são devidos àquela data, abrangendo, apenas, os encargos relativos ao acesso, utilização e manutenção.
15 - No decurso do período de fidelização ou no seu termo não pode ser estabelecido novo período de fidelização, exceto se, por vontade do assinante validamente expressa nos termos do n.º 3, for contratada a disponibilização subsidiada de novos equipamentos terminais ou a oferta de condições promocionais devidamente identificadas e quantificadas e que, em caso algum, podem abranger vantagens cujos custos já foram recuperados em período de fidelização anterior. (…)” (sublinhado nosso).
Apesar de a apelante defender que ocorre erro de julgamento na medida em que tal norma apenas é aplicável apenas aos casos em que o cliente da autora é “consumidor” (que pela definição da lei é a “a pessoa singular que utiliza ou solicita um serviço de comunicações electrónicas acessível ao público para fins não profissionais” – art. 3º, j), pela leitura do artigo é possível perceber que a norma tem uma aplicação mais ampla, referindo-se em algumas situações ao “assinante” e, noutras, ao “consumidor”.
No entanto, os fundamentos usados na sentença recorrida para afastar a aplicação da cláusula penal, têm por base o disposto nos nºs 11, 12 e 13 deste artigo, os quais apenas se aplicam aos casos em que o contrato é resolvido por iniciativa do assinante durante o período de fidelização, o que não ocorre no caso dos autos, em que a resolução se dá por via do incumprimento definitivo do contrato por parte da ré.
Entretanto, a Lei 16/2022, de 16/8, que revogou a Lei 5/2004, estabelece agora no seu art. 128º, nº 9 que a resolução, por iniciativa do prestador de serviços pela falta de pagamento das prestações acordadas, não prejudica a cobrança de encargos pela resolução do contrato durante o período de fidelização, nos termos e com os limites do disposto no nº 4 do art. 136º.
Por sua vez, o nº 4 deste artigo dispõe que “Os encargos pela cessação antecipada do contrato com período de fidelização por iniciativa do consumidor não podem exceder o menor dos seguintes valores:
a) A vantagem conferida ao consumidor, como tal identificada e quantificada no contrato celebrado, de forma proporcional ao remanescente do período de fidelização;
b) Uma percentagem das mensalidades vincendas:
i) Tratando-se de um período de fidelização inicial, 50 /prct. do valor das mensalidades vincendas se a cessação ocorrer durante o primeiro ano de vigência do período contratual e 30 /prct. do valor das mensalidades vincendas se a cessação ocorrer durante o segundo ano de vigência do período contratual;
ii) Tratando-se de um período de fidelização subsequente sem alteração do lacete local instalado, 30 /prct. do valor das mensalidades vincendas;
iii) Tratando-se de um período de fidelização subsequente com alteração do lacete local instalado, aplicam-se os limites estabelecidos na alínea i)”.
E, nos termos do o nº 5 do mesmo artigo, “No caso de subsidiação de equipamentos terminais, os encargos devem ser calculados nos termos do disposto no artigo 139.º”.
Esta Lei já estava em vigor à data da celebração do 2º contrato celebrado, mencionado no ponto 3 dos factos assentes (cfr. art. 13º da Lei) e em relação aos dois contratos, em vigor à data do incumprimento dos mesmos por parte da ré (em Setembro de 2023 – factura doc. 12 junto com a p.i.).
Como se refere no acórdão da RL de 4/2/2025, p. 20427/23, relator Carlos Oliveira, disponível em www.dgsi.pt, que aqui seguimos de perto, “O Art.º 12.º da Lei n.º 16/2022 regulou alguns aspetos particulares da aplicação dessa lei no tempo, estabelecendo, desde logo, no seu n.º 1 que: «1 - As empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, com exceção dos serviços de comunicações interpessoais independentes de números e dos serviços de transmissão utilizados para a prestação de serviços máquina a máquina, devem assegurar o cumprimento do disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 136.º da Lei das Comunicações Eletrónicas aprovada em anexo à presente lei, no prazo de 60 dias a contar da data da entrada em vigor da presente lei».
Ou seja, onerou-se as empresas prestadoras de serviços de telecomunicações, como é o caso da A., com a obrigação de implementar o cumprimento do Art.º 136.º n.º 4 dessa lei. O que é algo estranho, considerando que a norma em causa estabelece uma regra injuntiva de limites máximos para a reparação de encargos devidos por força da antecipação do termo do contrato relativamente ao prazo de fidelização estabelecido, seja tal facto decorrente da iniciativa do cliente (cfr. literalidade do Art.º 136.º n.º 4), seja ele resultante da iniciativa do prestador de serviços, mas por incumprimento do cliente (cfr. remissão do Art.º 128.º n.º 9).
Só se consegue perceber o disposto no Art.º 12.º da Lei 16/2022, se se entender que se impôs o ónus, à empresa prestadora de serviços de telecomunicações, no sentido de comunicar a alteração das cláusulas contratuais penais que estivessem estabelecidas em termos desconformes com o disposto no Art.º 136.º n.º 4, por forma a conformá-las a esses limites, sob pena de, não o fazendo, essas cláusulas ficarem sujeitas ao crivo da nulidade estabelecido no regime geral dos Art.s 12.º e 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, uma vez que não respeitam os limites impostos por lei.
É que, por nós, continuamos a entender que do Art.º 136.º n.º 4 “ex vi” Art.º 128.º n.º 9, da Lei n.º 16/2022, traduz um esforço do legislador no sentido da concretização de limites legais que traduzem uma valoração explicita sobre quais os critérios objetivos que devem presidir à determinação da proporcionalidade entre a cláusula penal por violação do período de fidelização, tendo por referência a data do incumprimento que determinou a resolução do contrato e os benefícios concretamente concedidos ao utente dos serviços de telecomunicações. Por outras palavras, o legislador teve em linha de conta preocupações já antes vertidas na jurisprudência existente sobre os limites que poderiam decorrer da aplicação do Art.º 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10. Mesmo sendo certo que os Art.º 128.º e 136.º da Lei n.º 16/2022, até pela sua epígrafe, se apliquem essencialmente a contratos celebrados com “consumidores” e o Art.º 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10 tenha um âmbito de aplicação mais alargado (cfr. Art.º 17.º desse diploma), pois esse normativo encontra-se na Secção II, relativa a “Relações entre empresários ou entidade equiparadas” e, portanto, não pressupõe a qualidade de “consumidor” da contraparte em contrato que se limita a aderir a cláusulas predispostas pela outra.
Há ainda a ponderar o disposto no Dec.Lei n.º 56/2010 de 1/6, que estava em vigor à data da celebração dos contratos dos autos e da sua resolução pela A..
Daí resulta ser proibido ao operador de serviços de telecomunicações eletrónicas cobrar ao utente uma indemnização de valor superior ao preço correspondente aos equipamentos fornecidos, deduzido o valor já pago pelo cliente, minorado pelo decurso do tempo (Art.º 2.º n.º 2).
Efetivamente, o Dec.Lei n.º 56/2010 de 1/6 veio estabelecer os limites legais à cobrança de quantias pela prestação de serviços de desbloqueamento de equipamentos destinados ao acesso a serviços de telecomunicações eletrónicas e, muito em particular, «pela rescisão do contrato durante o período de fidelização, garantindo os direitos dos utentes das comunicações eletrónicas e promovendo uma maior concorrência» (cfr. Art.º 1.º).
O Art.º 2.º desse diploma estabelecia o seguinte:
«1 - É proibida a cobrança de qualquer contrapartida pela prestação do serviço de desbloqueamento dos equipamentos referidos no artigo anterior, findo o período de fidelização contratual.
«2 - Durante o período de fidelização, pela resolução do contrato e pelo desbloqueamento do equipamento, é proibida a cobrança de qualquer contrapartida de valor superior a:
a) 100 % do valor do equipamento à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, no decurso dos primeiros seis meses daquele período, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como de eventual crédito do consumidor face ao operador de comunicações móveis
b) 80 % do valor do equipamento à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, após os primeiros seis meses daquele período, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como de eventual crédito do consumidor face ao operador de comunicações móveis;
c) 50 % do valor do equipamento à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, no último ano do período de fidelização, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como de eventual crédito do consumidor face ao operador de comunicações móveis.
3 - É proibida a cobrança de qualquer contrapartida, para além das referidas no número anterior, a título indemnizatório ou compensatório pela resolução do contrato durante o período de fidelização (…).
Como se não bastasse o Art.º 8.º do Dec.Lei n.º 56/2010 de 1/6 veio estabelecer o caráter injuntivo dessas disposições legais, explicitando que: «É nula qualquer convenção ou disposição que contrarie ou exclua o disposto no presente decreto-lei».
Diga-se, a propósito desta lei que tem sido entendimento largamente maioritário que estas normas só se aplicam aos contratos de prestações de serviços de telecomunicações que impliquem a entrega de equipamento pelo prestador de serviços.
Assim, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/04/2015 (Proc. n.º 95926/13.0YIPRT.P1 – Relator: Vieira e Cunha) é dito: «I– Conjugando o disposto no citado D-L nº 56/2010 com a Lei das Comunicações Eletrónicas (LCE), na versão que resultou da Lei nº 51/2011, verifica-se que, na lei de 2010, prevêem-se as contrapartidas para os operadores ou prestadores de serviços, apenas no caso do necessário desbloqueamento dos equipamentos fornecidos, com incidência no valor dos descontos ou da subsidiação do equipamento – porém, já na LCE, alterada em 2011, prevê-se a possibilidade de existência de outros encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato (v.g. para direta recuperação de custos de subsidiação de equipamentos terminais, mas também em função da oferta anterior de condições promocionais ou do pagamento de encargos decorrentes da portabilidade de números e outros identificadores), com o limite genérico da proibição do excesso. II–
É hoje jurisprudencialmente aceite, por maioria, com base na exegese das normas legais aplicáveis, que o diploma de 2010 estabelece uma contrapartida para a resolução do contrato durante o período de fidelização na estrita medida de uma entrega de equipamentos. III– A fidelização existe para compensar a operadora da despesa acrescida implícita na promoção que lhe está associada e a cláusula penal permite, por um lado, contrabalançar, através da fixação acordada de um indemnização, o custo associado ao desrespeito pelo utente do compromisso assumido, e, por outro, impede um ganho injustificado do utente, concedido pela operadora em função de uma permanência temporalmente assegurada».
Para os casos em que não há entrega de equipamento, esclareceu-se, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/05/2014 (Proc. n.º 203179/12.2YIPRT.P1 – Relator: Rodrigues Pires) que: «I - O regime do Dec. Lei nº 56/2010, de 1/6 aplica-se apenas aos contratos de prestação de serviços de comunicações eletrónicas em que tenha ocorrido aquisição de equipamentos a preços reduzidos. II - Neste caso, tendo sido resolvido o contrato durante o período de fidelização não pode ser exigida qualquer outra quantia pela resolução para além das que resultam da aplicação das percentagens referidas no art.º 2º, nº 2 do Dec. Lei nº 56/2010, de 1/6, as quais se reportam ao valor do equipamento à data da sua aquisição, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como do eventual crédito do consumidor face ao operador (cfr. art.º 2º, nº 3). III - Todas as demais situações em que a contrapartida pelo período de fidelização não esteja relacionada com a aquisição de equipamentos a preços reduzidos, como seja, por exemplo, o caso da oferta de condições promocionais, ficam fora do âmbito do Dec. Lei nº 56/2010, de 1/6, sendo-lhes aplicável o regime da Lei de Comunicações Eletrónicas (Lei n.º 5/2004, de 10/2, na redação da Lei nº 51/2011, de 13/9) - não são assim abrangidas pela proibição resultante do art.º 2º, nº 3 do Dec. Lei nº 56/2010» (…).
No mesmo sentido, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7/5/2015 (Proc. n.º 34839/12.3YIPRT.P1 – Relator: Leonel Serôdio) é dito que: «I - O legislador na Lei 51/2011, de 13.09, que introduziu alterações à Lei das Comunicações Eletrónicas (LCE – LEI n.º 5/2004) atenuou o regime extremamente protetor para o utente consagrado no DL n.º 56/2010, de 01/06 e voltou a admitir nos contratos relativos a comunicações eletrónicas em que não tenha havido entrega de equipamentos com preços reduzidos, a estipulação de cláusula penal a fixar indemnização pela cessação antecipada do contrato por iniciativa do utente, desde que não sejam desproporcionada ou excessivamente onerosa. II- A cláusula contratual geral inserida num contrato de prestação de serviços de comunicações eletrónicas válido por 2 anos que estabeleça que em caso de denúncia antecipada pelo cliente, a operadora terá direito a uma indemnização no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado, impõe consequências patrimoniais injustificadas e gravosas ao aderente e consequentemente é uma cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir».
Diferentemente, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26/04/2014 (Proc. n.º 28496/12.0YIPRT.P1 – Relator: Pedro Lima Costa) é dito que: «1- No caso de rescisão do contrato de acesso a redes públicas de comunicações eletrónicas por parte do utente, ocorrida durante o período de fidelização, o Decreto-Lei 56/2010, de 1/6, proíbe que o operador de serviços de comunicações eletrónicas cobre ao utente indemnização com valor superior ao preço corrente de equipamentos que tal operador tenha fornecido ao utente, preço corrente esse que poderá ser minorado pelo decurso do tempo, em conformidade com indexantes previstos nas três alíneas do nº 2 do art.º 2 daquele diploma legal. 2- Se não tiver ocorrido a oferta de equipamentos, ou se foi praticada venda de equipamentos ao preço corrente de mercado, o utente não terá de indemnizar o operador pela rescisão ocorrida durante o período de fidelização. 3- A disciplina do Decreto-Lei 56/2010 não foi alterada ou derrogada pela entrada em vigor da Lei 51/2011, de 13/9. 4- O Decreto-Lei 56/2010 vigora para todos os assinantes de contratos de comunicações eletrónicas, na aceção de “assinante” do art.º 3 da Lei 5/2004, de 10/2, ou seja, “a pessoa singular ou coletiva que é parte num contrato com um prestador de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público para o fornecimento desses serviços»” (fim de citação – vd., neste mesmo sentido o Ac. da RL de 18/4/2023, p. 10312/22, do mesmo relator, também disponível na mesma página).
Voltando ao caso dos autos, não resulta dos factos provados que tenha havido entrega de equipamento pela autora, cuja contrapartida fosse reflectida nas facturas juntas aos autos. No contrato celebrado em primeiro lugar, doc. 1 junto com a p.i., no espaço reservado a “Equipamentos (Móvel)” são referidos dois Apple iPhone, no valor de € 1.279,99 e € 1.179,99 e, adiante, em espaço reservado a “Equipamentos”, um telefone sem fios e, em “Produtos adicionais” uma televisão UMA. Quanto aos iPhones, com preços elevados, não há evidência se estes foram adquiridos pela ré ou se o seu valor foi reflectido nas mensalidades cobradas (aliás, não sabemos se aqueles mesmos valores foram cobrados e pagos pela ré em facturas anteriores às que constam dos autos). Quanto aos outros equipamentos, também não resulta que tenha havido entrega definitiva dos mesmos, cujo resultado fosse reflectido nas mensalidades acordadas.
Do doc. 2 junto com a p.i. retiramos que foi agendada uma “intervenção”, sendo o serviço contratado “(…) Central Pro_Net Pro 200 UMA, sendo a mensalidade ali referida “€ 0,00”.
Se tivesse havido entrega definitiva de equipamento, deveria a autora/apelante ter alegado tais factos na petição inicial, na medida em que estes eram, sem dúvida, elementos essenciais e constitutivos da causa de pedir e, quanto a estes, não se põe em causa a imposição de um despacho de aperfeiçoamento, ao abrigo do art. 590º, nºs 2, b), 3 e 4 do CPC.
Perante isto, temos de concluir que não se aplica ao caso concreto o disposto no DL 56/2010.
Retomando a linha de raciocínio que vínhamos seguindo supra, resta apreciar se, à luz do DL 446/85, a cláusula penal em causa é, ou não, uma cláusula válida.
Assim, será considerado que o primeiro contrato foi celebrado em 1/7/2022, o segundo em 20/2/2023 e o incumprimento ocorreu, ao que tudo indica, no mês de Setembro de 2023 (cfr. factura junta com o doc. 12). O primeiro contrato esteve vigente pelo período de 26 meses. O prazo de fidelização era de 36 meses. Atente-se, ainda, no facto de o doc. 2, que documenta o contrato celebrado em segundo lugar, apenas fazer referência a um “agendamento” de “intervenção”, eventualmente para instalação de equipamento, cuja “Mensalidade total da solução” foi de € 0,00.
Apesar de no ponto 4 dos factos provados resultar que “Como contrapartida do fornecimento dos serviços e das demais ofertas contratuais, assumiu a Ré a obrigação de proceder ao pagamento tempestivo das faturas”, essas ofertas contratuais não foram discriminadas, nem resulta claro da documentação junta que tipo de ofertas ou benefícios poderão ter sido concedidos à ré, além dos “equipamentos da Autora instalados”, instalação esta aparentemente a custo zero, segundo faz crer o documento nº 2 junto com a contestação.
A autora peticiona, além dos serviços efectivamente prestados, no valor de €4.193,37, a quantia de €6.731,64, a título de cláusula penal.
Como se refere no Ac. da Relação de Lisboa a que vimos fazendo referência, “não há como escapar à consideração de que a indemnização penal, calculada por referência às prestações vincendas até ao final do período de fidelização, será tanto mais desproporcionada quanto mais cedo se verificar o incumprimento e resolução do contrato.
Nesse pressuposto, pode efetivamente existir uma situação de enriquecimento manifesto, e sem causa justificativa, se se ponderar que o prestador de serviço de telecomunicações poderia, por força dessa cláusula, receber o valor de todas as mensalidades, em bruto, desde o início da vigência do contrato até ao final do tempo de fidelização, sem ficar onerado com o custo de qualquer prestação de serviços.
Portanto, este critério de cálculo da indemnização, mesmo que ponderando a vertente coercitiva e penalizante, pode exceder, e em muito, a razão de ser duma indemnização pelo dano por “lucros cessantes”, se tivermos em conta a cláusula em si mesma considerada, analisada “ex ante”, por referência à data da celebração do contrato.
É neste contexto que se revela de toda a utilidade a ponderação dos critérios legais que entretanto vieram a ser consagrados na Lei n.º 16/2022 de 16/8, que permitem a concretização do que possa ser entendido, no conceito do legislador, como “cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir”, estabelecidas como cláusulas proibidas nos termos do Art.º 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10.
Deve, portanto, fazer-se uma interpretação atualizada do disposto no Art.º 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, e em coerência interna com todo o sistema, de forma a conjugar essa disposição com os critérios de cálculo da indemnização penal entretanto aprovados pela Lei n.º 16/2022 de 16/8, decorrente da remissão do seu Art.º 128.º n.º 9 para o Art.º 136.º n.º 4, al.s a) e b), subalínea i), de modo a que os encargos com a fidelização não possam exceder, ou o valor das vantagens conferidas (se estas forem explicitamente quantificadas nos termos do contrato), ou uma percentagem de 50% do valor das mensalidades vincendas (caso não sejam quantificadas essas vantagens a compensar com as mensalidades vincendas)”.
Na presente acção, como mencionamos, a cláusula penal convencionada prevê o pagamento antecipado das mensalidades vincendas que seriam devidas até ao fim do prazo contratado (cláusula 3.2 das condições específicas). Considerando que as mensalidades ascendem a € 542,10 (cfr. factura junta com os doc. 5 e ss com a p.i.) e que faltavam cumprir 10 meses de contrato (consideramos aqui apenas o primeiro contrato celebrado, atento o que está documentado quanto ao segundo), resulta claro que a autora está a pedir, pelo menos, a totalidade das prestações vincendas.
Utilizando os critérios actualistas supra referidos, para aquilatar se a cláusula penal é, ou não, desproporcionada em relação aos danos a ressarcir (art. 19º, c) do DL 446/95), importa considerar que em caso de resolução de um contrato de prestação de serviços de telecomunicações, por incumprimento imputado ao assinante no primeiro ou segundo ano de vigência do contrato, quando exista um período de fidelização (que no caso dos autos era de 36 meses), sem que tenha resultado provada a entrega definitiva de equipamento à ré ou qualquer benefício identificável e quantificável nos termos do próprio contrato, sem dúvida que será de considerar desproporcional a indemnização peticionada a título de cláusula penal, que excede a percentagem de 50% das prestações vincendas (no mesmo sentido de ponderar a proporcionalidade da indemnização fixada pela cláusula em função das vantagens e custos associados com o período de fidelização, vd., Ac. do STJ de 14/11/2013, p. 122/09, relator João Trindade; Ac. da RE de 20/12/18, p. 109927/15, relator Mário Coelho; Ac. da RL de 21/10/2010, p. 4529/07, relator Carlos Marinho, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Como bem se nota do Ac. da RL de 4/2/2025, “A exigência integral da totalidade das prestações vincendas até ao termo previsto de 3 anos de fidelização, em contratos que podem findar passados escassos meses do início da sua vigência e em que o prestador de serviços cessa de imediato a sua prestação, traduz-se uma exigência draconiana a que não corresponde a qualquer dano efetivo quantificável que possa justificar semelhante penalização”.
Concluindo, entendemos que a cláusula penal em causa nos autos é nula nos termos dos arts. 12º e 19º, c) do DL 446/85, sendo de conhecimento oficioso (art. 286º do CC).
Assim, devia a ré ter sido absolvida deste pedido, como foi, pelo que a sentença recorrida deve manter-se.
*
IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.

Lisboa, 5/6/2025
(o presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das “citações/transcrições” efectuadas que o sigam)
Carla Figueiredo
Octávio Diogo
Amélia Puna Loupo