Nas situações de violência doméstica, se os factos são passíveis de serem localizados no espaço, no tempo e nas circunstâncias em que ocorreram e o arguido os conseguiu contextualizar e contraditar, não há violação do princípio do contraditório.
Para haver violência doméstica é necessário que haja uma agressão ou ofensa que revele o mínimo de violência sobre a pessoa, em termos de intensidade ou de reiteração, que da parte do agressor haja uma motivação para a agressão, ofensa, achincalhamento ou menosprezo, e que da parte da vítima exista o reflexo negativo na sua dignidade, saúde física, psíquica ou emocional ou na sua liberdade de autodeterminação pessoal ou sexual, verificando-se uma desigualdade de estatuto psicológico, económico e social entre o agente e a vítima.
É justo condenar o arguido a pagar à vítima a quantia de 30.000,00 euros, a título de indemnização pela prática de um crime de violência doméstica, quando o mesmo, ao longo de cinco anos e meio, ameaçou a vítima de morte por quatro vezes, fê-la recear pela própria vida, por perder o contacto com as suas filhas e por ser privada de acompanhar o seu crescimento, constrangeu-a, por várias vezes, a ter relações sexuais anais contra a sua vontade e com sofrimento físico e moral, bateu-lhe, ameaçou-a e injuriou-a, por diversas vezes, inclusive na frente das filhas e de terceiros, fez com que a vítima vivesse num clima de medo e de terror que a impediu durante vários anos de pôr termo à relação conjugal com o arguido e provocou-lhe alterações na sua auto-estima e nos seus comportamentos que a levaram a mudar de residência para outra cidade.
No processo nº 123/22.5PACTX do Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo de Competência Genérica do …, foi proferida sentença datada de 2/12/2024, na qual se decidiu:
“ a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea a) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão.
b) SUSPENDER na sua execução a pena de prisão aplicada ao arguido AA pelo período de 3 (três) anos, mediante subordinação a regime de prova, a acompanhar pelos Serviços da Direcção-Geral de Reinserção Social, que vocacionado para a prevenção da reincidência, e que deverá incluir a obrigação de frequência do PAVD – Programa para Agressores de Violência Doméstica, nos termos dos artigos 50.º, 52.º, n.º 1, al. b), 53.º e 54.º, todos do Código Penal e artigo 34.º-B, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro.
c) CONDENAR o arguido AA nas penas acessórias de (i) proibição de contacto com a vítima BB, incluindo o afastamento da residência e do local de trabalho da mesma, mediante fiscalização através de vigilância eletrónica fixando-se como raio de segurança a distância de 500 metros e de (ii) proibição de uso e porte de armas, ambas pelo período de 3 (três) anos, nos termos dos artigos 152.º, n.º 4 e 5 do Código Penal, artigos 35.º e 36.º, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro.
a) Julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela Demandante BB e, em consequência, condenar o Demandado AA a pagar à Demandante a quantia de €30.000,00 (trinta mil euros) (…)”.
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Inconformado com esta decisão, veio o arguido interpor o presente recurso, pugnando pela sua absolvição e formulando as seguintes conclusões:
“I- O Recorrente foi condenado “como autor material e na forma consumada de um crime de violência domêstica, p.e.p pelo artigo 152º, nº1, alínea a) e nº2 alinea a) do Codigo Penal, na pena de 3(três) anos de prisão, suspensa na sua execução..”
II- O Tribunal deu como provado os seguintes factos que infra se transcrevem:
4)Em datas não concretamente apuradas, após o nascimento de CC, no interior da residência onde viviam, o arguido desferiu empurrões e murros nos braços de BB, o que ocorreu um número indeterminado de vezes, mas pelo menos duas vezes, causando-lhe dores e sofrimento.
5) Em data não concretamente apurada, após o nascimento de CC, no interior da residência onde viviam, o arguido chamou BB para ir ter consigo à casa de banho, tendo posteriormente agarrado a mesma por trás, puxado as calças daquela para baixo e tentado penetrá-la no ânus, causando-lhe dores e sofrimento.
6) Em datas não concretamente apuradas, no interior da residência onde viviam, o arguido tentou penetrar BB no ânus, que se queixava de dores enquanto aquele lhe dizia «é normal doer, mas vais gostar», o que ocorreu um número indeterminado de vezes, mas pelo menos duas vezes, causando-lhe dores e sofrimento.
7) Em data não concretamente apurada, no ano de 2020, no interior da residência onde viviam, no decurso de uma discussão, após consumir bebidas alcoólicas, o arguido espetou uma faca na mesa da cozinha, enfrentou BB com o olhar e disse-lhe, num tom de voz grave e sério: «eu sou …. Acontece-te a ti e acontece-me a mim» e «olha que eu tenho uma pistola, vê lá o que andas a fazer», atirando em seguida as cadeiras da cozinha para o chão.
8) Dado o modo e as circunstâncias em que estas expressões foram proferidas, BB ficou com receio que o arguido atentasse contra a sua vida.
10) Em data não concretamente apurada, no ano de 2020 ou 2021, o arguido ligou para BB e disse-lhe «vai para o caralho, foste ter com o teu amante. És uma puta, és uma vaca. Eu já sabia. Por isso é que tu não queres ir para a cama comigo. Logo à noite em casa tens de me provar que não tens amantes. Vou-te tirar as meninas, nunca mais vês as meninas».
12) Em data não concretamente apurada, antes do dia 15 de junho de 2022, o arguido, não se conformando com o pedido de divórcio, disse a um colega de BB que se ia matar mas que não ia sozinho, referindo-se à mesma.
13) Ao ter conhecimento da expressão referida em 12., e dado o contexto em que a mesma foi proferida, BB ficou com receio que o arguido atentasse contra a sua vida.
23.)No dia 06 de outubro de 2022, pelas 20h30, o arguido ligou a BB e dirigiu-lhe as seguintes expressões: «oh sua grande puta, onde é que tu estás? Estou à porta de tua casa e tu andas aí com esse burgesso, eu vou pegar nas minhas filhas e vou-me embora», tendo a mesma se dirigido para a sua residência de imediato.
24) Quando chegou à residência, o arguido dirigiu-lhe as seguintes expressões: «puta do caralho, sua filha da puta, não vales nada, vou-te tirar as filhas».
25) Após, o arguido desferiu uma pancada de mão aberta na face direita de BB, tendo esta batido com a cabeça no seu carro.
28) No dia 02 de janeiro de 2023, pelas 18h00, no interior do pavilhão gimnodesportivo «…», sito no Largo …, no …, o arguido dirigiu a BB as seguintes expressões: «olha lá, vais arranjar a carrinha que eu tenho um comprador para ela, a carrinha não é para andar com gordos lá dentro, nem com este nem com aquele».
29) Após, o arguido empurrou BB, que se encontrava agachada a vestir a sua filha, fazendo-a desequilibrar-se.
30) AA disse a BB, num tom de voz grave e sério: «esta palhaçada vai acabar, se não fizeres o que te estou a mandar vais ter uma surpresa, um dia vais a andar e já não voltas».
31. Dado o modo e as circunstâncias em que estas expressões foram proferidas, BB ficou com receio que o arguido atentasse contra a sua vida.
32. No dia 19 de janeiro de 2023, pelas 15h00, na Escola …, no …, o arguido dirigiu-se à vítima empunhando o seu telemóvel na mão, apontando-o à mesma, e dirigiu-lhe as seguintes expressões: «vou-te tirar as filhas» e «tu não vais ficar para ver».
33. Dado o modo e as circunstâncias em que estas expressões foram proferidas, BB ficou com receio que o arguido atentasse contra a sua vida.
40. O demandado humilhou, durante anos, a demandante ao injuriar a mesma com expressões atentatórias da sua dignidade, como sejam “puta”, “és uma ordinária”, “andas-me a meter os cornos há não sei quantos anos”, andas com metade dos homens do …”, “puta do Caralho”, sua filha da puta, não vales nada, vou-te tirar as filhas”
III- Salvo o devido respeito o Tribunal a quo errou ao apreciar os elementos probatórios existentes nos autos, formando a sua convicção no depoimento da assistente que se revelou demonstrando claramente a fragilidade referente as acusações que a mesma menciona que ocorreram na vivencia enquanto casal.
IV- O presente recurso versa sobre a matéria de facto impugando-se a decisão proferida sobre a matéria dos factos provados constante nos ponto 4) a 10), 12) a 13), 23) a 25), 28) a 30) e 32) a 33) e 40).
V- Nos pontos 4) a 10 o Tribunal a quo deu como provados tais factos nunca poderiam ter sido dados como provados, desvalorizando a assistente não consegue explicar ao tribunal o motivo e em que contexto este facto ocorreu, sendo o seu depoimento pausado, pouco fluido e vago.
VI- O Tribunal a quo assenta a sua convicção de que todos ao factos aconteceram conforme declarações da assistente, porque o arguido nas suas declarações disse “que ninguém viu nada”.
VII- Na fundamentação do Tribunal a quo as declarações do arguido não merecem acolhimento quando nega tais factos.
VIII- A luz das regras da experiência comum e da lógica, a fundamentação do Tribunal a quo para provar os factos tem de ter em consideração o que é dito, como ocorreram os factos descritos e não somente a postura adoptada pelas partes.
IX- Os factos provados não estão devidamente fundamentados pelo julgador.
X- Para que o arguido tenha possibilidade de se defender é necessário que os factos que lhe são imputados se encontrem concretizados, que se especifiquem as circunstâncias de tempo e em que contexto para que o mesmo tenha possibilidade de se defender.
XI- Neste tipo de crime onde a reiteração e intensidade do agir humano está no centro da definição de um tipo penal muito amplo é a precisa indicação e concretude dos factos necessários à integração no tipo é elemento essencial do julgamento. E é , na sequência o cerne do direito de defesa.
XII- Os factos provados nos pontos 4) a 10 e 12) a 13), não permitem o seu contraditório, atento o seu caracter vago e genérico.
XIII- A assistente assume que tais factos ocorreram após o nascimento da sua filha CC em … de 2017, no ano de 2020 ou 2021 e antes do dia 15 de Junho de 2022, impedido que o arguido consiga verificar a sua escala profissional através de uma data, ou em que contexto ocorreu para que consiga defender-se de tais acusações.
XIV- Tais factos deverão, ter-se como não escritos por violação irreparável do contraditório e das garantias de defesa em processo penal – artigo 32º do Constituição da República Portuguesa.
XV-No facto no ponto 23) o Tribunal a quo deu como provado que o arguido proferiu tais expressões a assistente e que desferiu uma pancada de mão aberta na face direita da assistente , tendo esta batido com a cabeça no seu carro.
XVI- A testemunha DD nega que o arguido tenha proferido tais expressões a assistente, que a testemunha EE afirmou que o mesmo estava a bater a sua mãe, mas este não estava perto da assistente e estava com as mãos no ar.
XVII- A testemunha FF declarou que ouviu um estalo, quando estava no café do … entre 100 a 200 mts, distância essa que não permite ouvir um estalo.
XVIII- O Tribunal a quo consciente do teor dos depoimentos da assistente, da EE, de FF, e GG, HH e no exame critico das provas, consciente da débil sustentação na prova, e contrariedade de depoimentos não podia valorar como prova fidedigna os depoimentos imprecisos e contraditórios das testemunhas EE, de FF , HH, violando assim o principio da presunção da inocência, devendo considerar tais factos como não provados.
XIX- O Tribunal a quo não devia ter considerado provados os factos 32) a 33) pois tal versão dos factos dada como provada sustenta-se no depoimento da assistente que como supra se demonstrou são factos que nunca poderia ter sido dado como provados, considerando o depoimento claro e explicativo de II, que presenciou os factos e que foi arrolado como testemunha pela defesa.
XX- Na fundamentação o Tribunal a quo não valoriza o testemunho de II , tendo em conta o ambiente de patente hostilidade entre o ex casal relativo ao cumprimento do acordo da regulação do exercício das responsabilidades parentais e tem em consideração as declarações da testemunha JJ.
XXI- A testemunha JJ foi requerida pelo arguido para prestar o esclarecimento ao Tribunal que na actuação enquanto PSP junto a Escola …, o mesmo nunca disse a assistente: “Cuidado com o AA que ele vai-te matar”.
XXII- No caso sub judice, o Tribunal a quo ao ter optado por uma versão distinta daquela que resultou da diversa prova testemunhal, sem fundamentar, torna incompreensível a decisão tomada, não sendo possível sindicar concretamente a convicção pessoal do julgador. Estamos assim, perante uma clara violação do princípio da livre apreciação da prova, surgindo a decisão com base numa apreciação imotivável e arbitrária.
XXIII- No factos provados no ponto 28) a 30) o Tribunal a quo desvalorizou o testemunho de KK e LL.
XXIV- O tribunal a quo criou uma convicção blindando todos as provas que contrariassem o que foi dito pela assistente, mas pela lógica do que foi relatado pelas testemunhas, o facto 28) a 30) foi erradamente julgado provado.
XXV- Respeitante aos factos de 23) a 25) o tribunal a quo considerou no exame critico das provas que a versão da assistente e das testemunhas HH, de FF, GG e de EE se mostra mais credível do que a que foi defendida pelo arguido e pela testemunha DD.
XXVI- Ora na apreciação da prova nos termos sobreditos é claramente violadora dos princípios fundamentais legalmente consagrados quanto à apreciação da prova.
XXVII- A testemunha DD, testemunha que presenciou os factos nega que o arguido tenha proferido tais expressões provadas no facto 23) e 24) e que o arguido tenha agredido a assistente, referindo que o mesmo estava a empurrar a porta do carro.
XXVIII- Acresce que o Tribunal não fundamenta porque considerou que as testemunhas de defesa não são credíveis. Saliente-se que as testemunhas II, DD, KK e LL, estiveram presentes na data em que ocorreram os factos.
XXIX- O Tribunal colocou-se assim numa situação de dúvida sobre o que efectivamente aconteceu, pelas versões do arguido e da assistente que se mostraram contrárias, apresentando débil sustentação na prova testemunhal e prova documental da assistente e na prova testemunhal apresentada pelo arguido o julgador desconsiderou o depoimento de todas as testemunhas apresentadas pelo mesmo.
XXX- Ao decidir nos termos em que o fez, o Tribunal a quo afectou o princípio fundamental do in dubio pro reo – verdadeiro princípio do processo penal – o qual é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não houver a certeza sobre factos decisivos para a solução da causa.
XXXI- Assim, por violar o princípio do in dubio pro reo não poderia o tribunal ter julgado como provados os factos 4) a 10), 12) a 13), 23) a 26), 28) a 30) e 32).
XXXII- A justiça que se pretenderia ser cega e alheia ao histerismo colectivo e à pressão social crescente nesta matéria, não tem claramente conseguido manter o distanciamento e a imparcialidade necessárias, preferindo acusar e condenar por presunção, partindo do pressuposto (e preconceito), em completa subversão dos princípios penais de garantia de defesa do arguido e da presunção de inocência, de que tudo o que a mulher diz que o homem faz é a realidade dos factos.
XXXIII- Nos termos do art 410 nº2 alinea b) a decisão padece do vicio, considerando que os factos dados como provados no ponto 10), 15), 18), 23) e 26) e ponto 40) são incompatíveis entre si.
XXXIV- O Tribunal considerou estes factos provados no ponto 10), no ponto 15), no ponto 18), no ponto 23) e no ponto 26), em três dias distintos não considerando que foram durante anos que estas injurias ocorreram.
XXXV- Assim, ao decidir nos termos em que o fez, o Tribunal a quo afectou o princípio fundamental do in dubio pro reo – verdadeiro princípio do processo penal – o qual é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não houver a certeza sobre factos decisivos para a solução da causa.
XXXVI- Uma vez verificado que o tribunal recorrido formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto em desrespeito pelos princípios que disciplinam a prova e tendo subsistido dúvidas quanto aos factos submetidos à sua apreciação, tem inteiro cabimento a invocação do princípio in dubio pro reo, que como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste.
XXXVII- O princípio em questão afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal.
XXXVIII- Em face da alteração da decisão relativamente à matéria de facto, nos termos supra elencados, o enquadramento jurídico-penal da conduta do Arguido será bem distinto daquele que resulta plasmado na decisão recorrida, uma vez que da factualidade dada como provada resulta a falta de preenchimento dos elementos do tipo de ilícito que vem imputado ao Arguido - crime de violência doméstica.
XXXIX- O arguido tem de ser absolvido pela pratica do crime de violência doméstica.
XL- Não resultou provado que o Arguido tivesse atuado com o propósito de afetar a dignidade da assistente. Por outras palavras, não resultou provado que o arguido tivesse atuado com a intenção de humilhar, diminuir, perpetando agressões sexuais, actuando para infligir maus tratos psíquicos e físicos a ofendida, pelo que, em consequência, deverá o Arguido ser absolvido da prática do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º do Código Penal.
XLI- À cautela de patrocínio, sem prescindir, para a hipótese de ser improcedente o presente recurso no que respeita à impugnação da matéria de facto, o que não se concede, sempre se dirá que os factos que deram origem ao inicio do processo foram factos que se enquandram no crime de injurias e todos os outros factos que se enquadram no crime de injurias e ameaças em episódios que diz respeito aos dias do convívio do progenitor com as filhas.
XLII- As injúrias ocorreram após a separação e não evidenciam qualquer violência psicológica sobre a assistente.
XLIII- O arguido separou-se da assistente e não das suas filhas.
XLIV- Os factos provados não integram o elemento objectivo do crime de violência domestica imputado ao arguido.
XLV- Caso se considere correcta a subsunção jurídica efectuada pelo tribunal consideramos que a pena concreta aplicada é exagerada as pena aplicar pelo tribunal deverá ser aplicada pelo mínimo legal, suspensa na sua execução;
XLVI- As penas acessórias aplicadas ao arguido são desproporcionais com os factos que se o Tribunal a quo considera como provados.
XLVII- De harmonia com o estatuído no artigo 496º, nº 3, do Código Civil, na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, o julgador deve nortear-se por critérios de equidade, tendo em conta, as circunstâncias referidas no artigo 494º do mesmo Código, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso.
XLVIII- O pedido de €30.000,00 (trinta mil euros) a titulo de indemnização civil é manifestamente desproporcional, sendo o valor indemnização fixado bastante elevado, referente aos factos dados como provados.
XLIX- A indemnização deve ser fixada no valor de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).”
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O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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O Ministério Público apresentou resposta, formulando as seguintes conclusões:
“1. Inconformado, veio o arguido recorrer da decisão sobre a matéria de facto, colocando em causa a decisão do Tribunal, contestando vários factos dados como provados que considera que não deviam tê-lo sido, desde logo ante as versões contraditórias no julgamento.
2. Consideramos que o Tribunal a quo fundamentou a sua convicção corretamente, com base na prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento (v. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, I, 1974, p. 204).
3. A convicção do Tribunal de 1ª instância resultou da oralidade e da imediação na recolha da prova e o tribunal a quo explicitou, ancorado nas regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, que o recorrente sustentou em Audiência de Julgamento uma versão não compaginável com a prova testemunhal e pericial (tal como resulta ínsito das declarações que transcrevemos supra).
4. Não se tendo quedado em dúvida no juízo decisório, não tem cabimento invocar aqui o princípio constitucional in dubio pro reo.
5. O tribunal bem andou, ao basear a sua decisão também em prova indireta, pois a prova indiciária, resultante da normalidade dos acontecimentos (repetidos) da vida e de um raciocínio lógico-indutivo, constitui prova admissível no nosso ordenamento jurídico.
6. Em abono da utilização deste meio de aquisição de prova, toda a doutrina e jurisprudência supra citadas, pelo que nada existe a apontar à sentença por ter emitido o seu raciocínio com base também em prova indireta, devendo o recurso interposto baquear.
7. O tribunal justificou como e porquê extraiu da prova produzida em julgamento (em contraposição com as declarações do arguido e das testemunhas por si indicadas) a conclusão de que, logicamente, o mesmo praticou o crime de violência doméstica pelo qual foi condenado.
8. Dúvidas não restam de que a atuação do recorrente, reiterada e com condutas persecutórias sobre a assistente, pela sua persistência e pelo medo nela incutido de que perderia as filhas se não se sujeitasse às condutas maltratantes do recorrente ofenderam e subjugaram de modo considerável a dignidade e o livre desenvolvimento da personalidade da assistente – pessoa a quem o recorrente devia um especial respeito, atento o laço de relação afetiva (conjugalidade, relativamente a alguns dos factos descritos na acusação pública,
entretanto terminada, relativamente a outros) que os unia - merecendo, por isso, o caso concreto a tutela do inciso legal na sua forma agravada (artigo 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea a) do Código Penal; v., ainda, por todos, o Ac. do TRE de 25-05-2023, P. 1819/21.4T9STB.E1 – Relator Moreira das Neves).
9. Acresce que o recorrente nunca revelou, nas suas declarações, que se sentisse coartado no seu direito de defesa, tanto mais que os factos descritos na acusação pública encontram-se balizados no tempo e no espaço, por referência ao ano, à idade das filhas comuns do casal, ao estado da relação – durante o casamento e após a separação e o divórcio. Assim, o seu direito de defesa não foi limitado, tanto mais que não era exigível à assistente que memorizasse dias e horas concretos de cada um dos comportamentos ofensivos do recorrente (v., neste sentido, o Ac. do TRP de 24.11.2021, P. 304/20.6PAVLG.P1).
10. O julgador ponderou corretamente os meios probatórios constantes dos autos e produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento, pelo que a decisão sob recurso, independentemente de o recorrente concordar ou não com ela, não enferma de qualquer vício insanável – nem a nível da matéria de facto, nem a nível da matéria de direito.
11. Considerando os factos dados como provados, a gravidade dos mesmos, sopesadas as exigências preventivas que no caso se fazem sentir e tendo como limite a culpa do arguido, bem andou o Tribunal a quo ao ter fixado a pena principal e acessória do modo que o fez, a qual se afigura adequada e proporcional ao caso em apreço, tendo em conta o grau de ilicitude dos factos, o grau de culpa do arguido, bem como as necessidades preventivas, com especial enfoque nas anotadas exigências de prevenção especial que são de manifesto relevo no caso concreto, se tivermos em conta que o recorrente não revelou um verdadeiro arrependimento, nada nos garantindo que não volte a atentar contra os bens jurídicos protegidos pelas normas penais, não só relativamente a esta vítima em concreto, mas também relativamente a quem com o mesmo se relacionar no futuro, o que impõe a aplicação de uma pena que lhe permita interiorizar a forma como se deve relacionar em sociedade.
12. O mesmo se diga relativamente ao pedido de indemnização civil no caso sub judicie, tendo em conta o tipo de factos imputados e a matéria provada, as repercussões que tiveram na pessoa da Demandante, bem como ponderada a situação económica provada do Demandado (v., neste sentido, o Ac. do STJ de 23.11.2023, P. 487/19.8PALSB.L2.S1 – Relator António Latas).
13. Nestes termos deve ser julgado totalmente improcedente o recurso apresentado pelo arguido, confirmando-se, em consequência, a Douta Sentença recorrida na sua totalidade.”
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Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer, no qual acompanhou a argumentação já apresentada pelo Ministério Público na primeira instância, no sentido da improcedência do recurso e da manutenção da decisão recorrida.
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Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, nada tendo o recorrente vindo acrescentar ao já por si alegado.
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Proferido despacho liminar, teve lugar a conferência.
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2 – Objecto do Recurso
Conforme o previsto no art.º 412º do Cód. Proc. Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam as questões a apreciar pelo tribunal ad quem, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 5.12.2007, no Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt).
À luz destes considerandos, as questões a decidir neste recurso consistem em saber se existe:
1- Violação do princípio do contraditório e das garantias de defesa em processo penal, nos termos do art.º 32º da CRP, relativamente às “imputações genéricas” constantes da sentença recorrida;
2- Vício de erro notório da apreciação da prova e vício de contradição insanável da fundamentação;
3- Erro de julgamento;
4- Violação do princípio in dubio pro reo;
5- Errada qualificação jurídica dos factos;
6- Erro na determinação da pena aplicada;
7- Erro na determinação do montante indemnizatório.
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3- Fundamentação:
3.1. – Fundamentação de Facto
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos e com a seguinte motivação:
“ Com relevância para a decisão a proferir, resultaram provados os seguintes factos:
Da acusação
1. AA começou a namorar com BB em 2009, tendo contraído matrimónio no dia … de 2017.
2. AA e BB fixaram residência na Urbanização …, no ….
3. Da relação entre ambos nasceram duas filhas: MM, nascida a … de 2014, e CC, nascido a … de 2017.
4. Em datas não concretamente apuradas, após o nascimento de CC, no interior da residência onde viviam, o arguido desferiu empurrões e murros nos braços de BB, o que ocorreu um número indeterminado de vezes, mas pelo menos duas vezes, causando-lhe dores e sofrimento.
5. Em data não concretamente apurada, após o nascimento de CC, no interior da residência onde viviam, o arguido chamou BB para ir ter consigo à casa de banho, tendo posteriormente agarrado a mesma por trás, puxado as calças daquela para baixo e tentado penetrá-la no ânus, causando-lhe dores e sofrimento.
6. Em datas não concretamente apuradas, no interior da residência onde viviam, o arguido tentou penetrar BB no ânus, que se queixava de dores enquanto aquele lhe dizia «é normal doer, mas vais gostar», o que ocorreu um número indeterminado de vezes, mas pelo menos duas vezes, causando-lhe dores e sofrimento.
7. Em data não concretamente apurada, no ano de 2020, no interior da residência onde viviam, no decurso de uma discussão, após consumir bebidas alcoólicas, o arguido espetou uma faca na mesa da cozinha, enfrentou BB com o olhar e disse-lhe, num tom de voz grave e sério: «eu sou …. Acontece-te a ti e acontece-me a mim» e «olha que eu tenho uma pistola, vê lá o que andas a fazer», atirando em seguida as cadeiras da cozinha para o chão.
8. Dado o modo e as circunstâncias em que estas expressões foram proferidas, BB ficou com receio que o arguido atentasse contra a sua vida.
9. A filha de BB, EE, nascida a … de 2008, assistiu aos factos descritos em 7.
10. Em data não concretamente apurada, no ano de 2020 ou 2021, o arguido ligou para BB e disse-lhe «vai para o caralho, foste ter com o teu amante. És uma puta, és uma vaca. Eu já sabia. Por isso é que tu não queres ir para a cama comigo. Logo à noite em casa tens de me provar que não tens amantes. Vou-te tirar as meninas, nunca mais vês as meninas».
11. AA e BB separaram-se em … de 2021, tendo o divórcio sido decretado em … de 2022.
12. Em data não concretamente apurada, antes do dia 15 de junho de 2022, o arguido, não se conformando com o pedido de divórcio, disse a um colega de BB que se ia matar mas que não ia sozinho, referindo-se à mesma.
13. Ao ter conhecimento da expressão referida em 12., e dado o contexto em que a mesma foi proferida, BB ficou com receio que o arguido atentasse contra a sua vida.
14. No dia 11 de junho de 2022, pelas 11h00, AA deslocou-se, com a filha CC ao colo, ao estabelecimento comercial …, sito na Rua …, no …, local de trabalho de BB, e abordou a mesma, questionando-a se o cliente que se encontrava na loja era o seu amante.
15. Após, o arguido dirigiu a BB as seguintes expressões: «és uma puta», «és uma ordinária» e «andas-me a meter os cornos há não sei quantos anos».
16. O arguido agarrou o braço de BB com força e beijou-a contra a sua vontade, causando-lhe dores e sofrimento.
17. A filha do casal, CC, assistiu aos factos descritos em 14., 15 e 16.
18. No dia 11 de junho de 2022, pelas 21h00, após consumir bebidas alcoólicas, AA dirigiu-se junto à habitação de BB, sita na Avenida …, no …, para entregar as filhas de ambos, e, na via pública, iniciou uma discussão com a mesma, tendo-lhe dirigido as seguintes expressões: «és uma puta» e «andas com metade dos homens do …».
19. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido empurrou BB nos ombros, o que ocorreu um número indeterminado de vezes, mas pelo menos duas.
20. As filhas do casal, CC e MM, assim como a filha de BB, EE, de 13 anos de idade, assistiram aos factos descritos em 18. e 19.
21. No dia 25 de setembro de 2022, pelas 11h00, o arguido dirigiu-se à habitação de BB para ir recolher as suas filhas e tentou entrar na residência, sendo impedido por BB.
22. Ato contínuo, o arguido desferiu uma pancada de mão aberta no braço direito de BB, causando-lhe dores.
23. No dia 06 de outubro de 2022, pelas 20h30, o arguido ligou a BB e dirigiu-lhe as seguintes expressões: «oh sua grande puta, onde é que tu estás? Estou à porta de tua casa e tu andas aí com esse burgesso, eu vou pegar nas minhas filhas e vou-me embora», tendo a mesma se dirigido para a sua residência de imediato.
24. Quando chegou à residência, o arguido dirigiu-lhe as seguintes expressões: «puta do caralho, sua filha da puta, não vales nada, vou-te tirar as filhas».
25. Após, o arguido desferiu uma pancada de mão aberta na face direita de BB, tendo esta batido com a cabeça no seu carro.
26. Em consequência, BB sofreu dores e lesões que lhe provocaram 03 dias de doença, 01 dia com afetação da capacidade de trabalho geral e 01 dia com afetação da capacidade de trabalho profissional.
27. As filhas do casal, CC e MM, assim como a filha de BB, EE, assistiram aos factos descritos em 23., 24. e 25.
28. No dia 02 de janeiro de 2023, pelas 18h00, no interior do pavilhão gimnodesportivo «…», sito no Largo …, no …, o arguido dirigiu a BB as seguintes expressões: «olha lá, vais arranjar a carrinha que eu tenho um comprador para ela, a carrinha não é para andar com gordos lá dentro, nem com este nem com aquele».
29. Após, o arguido empurrou BB, que se encontrava agachada a vestir a sua filha, fazendo-a desequilibrar-se.
30. AA disse a BB, num tom de voz grave e sério: «esta palhaçada vai acabar, se não fizeres o que te estou a mandar vais ter uma surpresa, um dia vais a andar e já não voltas».
31. Dado o modo e as circunstâncias em que estas expressões foram proferidas, BB ficou com receio que o arguido atentasse contra a sua vida.
32. No dia 19 de janeiro de 2023, pelas 15h00, na Escola …, no …, o arguido dirigiu-se à vítima empunhando o seu telemóvel na mão, apontando-o à mesma, e dirigiu-lhe as seguintes expressões: «vou-te tirar as filhas» e «tu não vais ficar para ver».
33. Dado o modo e as circunstâncias em que estas expressões foram proferidas, BB ficou com receio que o arguido atentasse contra a sua vida.
34. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de molestar o corpo e prejudicar a saúde psíquica e emocional de BB, sabendo que as suas condutas eram aptas a tal.
35. O arguido agiu com o propósito concretizado de ofender BB na sua honra e consideração, coartar a liberdade de movimentos, limitar a autodeterminação sexual e incutir receio a BB, sabendo que as suas condutas eram idóneas a atingir o sentimento de segurança daquela e a causar-lhe temor pela prática futura de ato que atentasse contra a sua vida.
36. AA, ao atuar nos termos por que o fez, quis afetar BB na sua dignidade enquanto pessoa humana, no seu equilíbrio social e psicoemocional e no seu bem-estar físico, provocando-lhe dores, angústia e sofrimento permanente, sabendo que as condutas supracitadas eram aptas a tal, o que logrou alcançar.
37. O arguido agiu sabendo que tinha contraído matrimónio com BB, mãe das suas filhas, bem sabendo que lhe devia respeito e consideração, não se coibindo de o fazer dentro da habitação em que ambos residiam e na presença das filhas menores de ambos e de EE.
38. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Do PIC
39. O demandado provocou danos físicos na demandante, tendo esta sofrido dores.
40. O demandado humilhou, durante anos, a demandante ao injuriar a mesma com expressões atentatórias da sua dignidade, como sejam “puta”, “és uma ordinária”, “andas-me a meter os cornos há não sei quantos anos”, “andas com metade dos homens do …”, “puta do caralho, sua filha da puta, não vales nada, vou-te tirar as filhas”.
41. A assistente viveu anos de vergonha, encobrindo o comportamento do arguido, não partilhando a sua situação de vida com ninguém.
42. O demandado ameaçou a demandante, que a matava e que lhe retirava as filhas.
43. O demandado não se coibiu de maltratar a demandante na presença das filhas.
44. O demandado tornou a demandante numa pessoa receosa, amedrontada, medrosa, quebrando totalmente a sua autonomia e respeito próprio.
45. Foi o medo pelo que o arguido pudesse fazer que impediu a assistente de reagir e de pôr termo à relação mais cedo.
46. A demandante vivia, e ainda vive, num acentuado estado de ansiedade e de nervos, o que reflete no seu dia-a-dia, na sua capacidade de ter um comportamento livre e natural, mesmo após o divórcio, levando-a a mudar de residência para ….
Mais se provou que
47. O arguido exerce a profissão de …, pelo qual aufere €1500,00 de rendimento mensal.
48. O arguido apresenta como despesas mensais o montante de €400,00 de renda, €180,00 de pensão de alimentos para as filhas e crédito bancário no montante de €230,00.
49. O arguido tem como habilitações literárias o 12.º ano de escolaridade.
50. O arguido não apresenta averbados no seu certificado de registo criminal quaisquer antecedentes.
*
Com interesse para a decisão, inexistem factos não provados.
*
Os restantes factos não especificamente enunciados, ou se tratam da simples negação de outros já considerados provados na sua formulação positiva ou não relevam para a decisão da causa por conterem matéria conclusiva, irrelevante, repetitiva ou de direito.
*
O Tribunal formou a sua convicção com base na apreciação crítica da prova documental e testemunhal, examinada e produzida em sede audiência de julgamento, em conjugação com os demais elementos de prova constantes dos autos, que valorou livremente de acordo com o estatuído no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, fazendo apelo às regras da experiência comum, a saber:
. Assento de nascimento de CC, de fls. 28-29.
. Assento de nascimento de MM, de fls. 30-31.
. Relatório pericial de referência CITIUS … (06.10.2022).
. Relatório pericial de referência CITIUS … (10.10.2022).
. Assento de nascimento de EE, referência CITIUS ….
. Assento de nascimento de BB, referência CITIUS ….
. Certificado do Registo Criminal, referência CITIUS ….
. Relatório social para determinação da sanção, referência CITIUS ….
A convicção do Tribunal forma-se, não só com base em dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, mas também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos.
Concretizando.
Quanto aos factos provados em 1, 3 e 11, atendeu o tribunal ao teor dos assentos de nascimento juntos aos autos.
Relativamente ao facto provado em 2, é facto assente a morada de casa de família do agregado à data dos factos em apreço.
Relevou este tribunal, em particular, o depoimento da assistente, BB, a qual descreveu os factos de que foi vítima de modo congruente e espontâneo, esclarecendo o contexto em que os mesmos ocorreram, sem empolamentos ou efabulações, fazendo-o de forma emotiva e sincera, pelo que o Tribunal ficou convencido de que os factos ocorreram do modo pela mesma descrito.
A assistente prestou declarações na ausência do arguido e, não obstante, foi visível a este tribunal a sua alteração emocional e o estado nervoso em que se encontrava.
A assistente descreveu como conheceu o arguido, como iniciaram vivência em comum e como o arguido se revelou controlador e agressivo, consumindo álcool de forma regular e abusiva.
A assistente relatou que o arguido lhe desferiu empurrões e murros nos braços, pese embora sem conseguir precisar em quantos momentos (facto provado em 4), e relatou, de forma patentemente emocionada, as agressões sexuais frequentemente perpetradas pelo arguido, no decurso de várias ocorrências que apontou em número superior a 100, designadamente ao penetrar o seu ânus, contra a sua vontade e apesar de manifestar que lhe estava a causar dor e mesmo enquanto suplicava que parasse (factos provados de 5 e 6).
Prosseguiu a assistente por relatar o evento, ocorrido em data não apurada, onde o arguido espetou uma faca na mesa de cozinha, atirando cadeiras pelo chão, ameaçando-a, o que ocorreu na presença de EE (facto provado de 7 a 9).
Em sentido consonante, considerou o tribunal o depoimento de EE, filha da assistente, que referiu que o arguido por vezes a ameaçava, sendo que, instada nesse sentido e de forma espontânea, relatou um episódio que teve lugar na cozinha da casa de família onde o arguido, aparentemente alcoolizado, havia espetado uma faca na mesa, atirou cadeiras ao chão e gritou com a mãe.
Quanto ao facto provado em 10, também aqui o tribunal considerou o depoimento da assistente, que de forma comovida e visivelmente vexada, concretizou as expressões que o arguido lhe dirigia, acusando-a de ter amantes, apelidando-a de “puta” e “vaca” e que teria que lhe provar que não tinha amantes, sob pena de lhe retirar as filhas.
Quanto ao facto provado em 11, o mesmo resultou da assunção do mesmo pelo arguido, conjugado com as declarações da assistente.
Consequentemente, relatou a assistente, o arguido não conformado com a separação e pedido de divórcio, ameaçou que se matava e que a matava (factos provados em 12 e 13).
Quanto aos factos ocorridos em 11.06.2022 (factos provados em 14 a 17), considerou o tribunal o relato da assistente, o que foi compatível com o depoimento de GG, que pese embora a presente relação amorosa com a assistente, prestou um depoimento claro e seguro, sem transparecer qualquer atitude persecutória contra o arguido. Já quanto à noite do dia 11.06.2022 (factos provados em 18 a 20) considerou o tribunal as declarações da assistente.
No que concerne os factos do dia 25.09.2022, também aqui mereceram credibilidade as declarações da assistente, que foram de igual forma sustentadas pelo depoimento de EE (factos provados em 21 e 22)
Quanto aos factos de dia 06.10.2022 (factos provados em 23, 24, 25 e 27), considerou o tribunal o depoimento da assistente, que foi compatível com os depoimentos, prestados de forma consentânea, por HH, pai da assistente, de FF, transeunte, GG, de EE e de DD, vizinho. A postura das testemunhas, objetiva e distanciada no relato dos factos que tinham conhecimento e sem efabulá-los, revelou a favor da sua credibilidade, desde logo, sendo de realçar o depoimento de FF, que se aproximou do local onde estava o ex-casal na sequência de ouvir um barulho, “tipo um estalo” e crianças a chorar, abordando o arguido e impedindo o mesmo de sair do local e que observou que a assistente tinha a cara vermelha, ou o depoimento de DD, que de forma pormenorizada, descreveu ter ouvido uma discussão, criança a chorar e uma adolescente a referir “estás a bater na minha mãe” e o arguido dirigindo-se à assistente “não vales nada, és uma merda, não cumpres horas, antes era traficante agora sou pedófilo” e como o mesmo puxava com violência a porta da viatura onde estavam.
Sobre o depoimento do Agente da PSP NN, cumpre referir. A testemunha inicialmente afirmou não conhecer o ex-casal. Contudo, no decurso do depoimento, acabaria por relatar que se lembrava de um episódio entre o casal no …, enquanto se encontrava de serviço de gratificado, para o qual foi alertado por populares, referindo não tendo observado qualquer agressão, sendo que já estavam separados um do outro quando se aproximou e que a senhora relatou que tinha sido agredida. Relataria ainda conhecer uma situação de conflito atinente à regulação das responsabilidades parentais entre o ex-casal, alegadamente apenas da leitura de expediente da Esquadra onde exercia as suas funções, não tendo este tribunal alcançado como é que a testemunha apenas da leitura de expediente e sem conhecer ou ter qualquer relação com o ex-casal reconhecesse aquelas pessoas como os seus intervenientes. O relatado pela testemunha não mereceu a credibilidade deste tribunal, evidenciando uma patente seleção de memórias e discurso titubeante, desde logo, quando afirmou saber que o arguido é …, mas, quando confrontado, não se recordar do que fazia a ofendida, pese embora a testemunha também tenha elaborado expediente atinente à situação no estabelecimento comercial ….
Não ignorou, de igual forma, o relatado pela assistente sobre o facto de chegar ao conhecimento do arguido o teor das denúncias apresentadas junto da Esquadra da PSP do …, com base em relacionamento pessoal do arguido com elementos daquela esquadra.
Quanto aos factos provados em 26 e lesões sofridas pela assistente resultaram do teor do relatório médico datado de 13.10.2022, constante da referência CITIUS ….
Já no que se refere aos eventos do dia 02.01.2023, no interior do pavilhão … (factos provados em 28 a 31), o tribunal considerou o depoimento da assistente e quanto aos depoimentos das testemunhas indicadas pelo arguido, KK e LL, atento o que efetivamente afirmaram ter observado, nada acrescentaram que pudesse sustentar qualquer outra versão em sentido contrário ao relatado pela assistente e vertido no libelo acusatório.
Já quanto aos factos do dia 19.01.2023, na Escola … (factos provados em 32 e 33) quanto ao depoimento de II cumpre referir. A testemunha relatou ser amigo e colega de trabalho do arguido, que lhe relatou que a assistente o impedia de ver as filhas, com sucessivos episódios na escola das menores de idade. Procedeu por relatar que acompanhou o arguido, a pedido deste, à escola das filhas, onde se apercebeu da presença da assistente. A testemunha afirmou não ter visto o arguido filmar ou o arguido nada dizer à assistente; contudo, não é crível, num ambiente de patente hostilidade entre o ex-casal relativo ao cumprimento do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, tendo o arguido pedido que o acompanhasse para ser testemunha dos eventos, que arguido e assistente nada tivessem dito um ao outro, como a testemunha procurou evidenciar.
De realçar neste conspecto o depoimento do agente da PSP da Escola Segura, JJ, uma vez que, por ter conhecimento da pendência de um processo de violência doméstica entre arguido e assistente, questionou a assistente se o arguido tinha uma arma e, atenta a resposta afirmativa, lhe disse para ter cuidado, terminando por referir que a assistente se encontrava muito assustada.
O arguido quis prestar declarações, negando genericamente a versão dos factos trazidos aos autos, afirmou que os factos vertidos no libelo acusatório não correspondem à verdade, sendo que “nunca ninguém viu nada”. Reafirmou que as discussões entre o casal eram normais, por vezes mais acesas, sendo que nunca bateu, nunca violou, nunca bateu com portas, nunca espetou facas ou atirou cadeiras, nunca dirigiu as expressões referidas em sítios públicos à assistente, afirmando que este processo tem como intuito impedir que o arguido esteja com as filhas.
Esta versão não mereceu acolhimento por parte do tribunal, atendendo à postura exculpatória que assumiu e que não teve a virtualidade de abalar a versão apresentada pela assistente, devidamente sustentada na restante prova testemunhal e documental junta aos autos.
Mais se diga que pese embora tenha alegado que nunca agrediu nem ameaçou a assistente, certo é que, questionado, o arguido não conseguiu explicar ao Tribunal as lesões apresentadas pela assistente na sequência dos eventos de 06.10.2022.
Relativamente aos factos provados de 34 a 38, por se tratarem de estados subjetivos e internos do agente, insuscetíveis de prova direta, o Tribunal socorreu-se da apreciação, à luz das regras da experiência comum, dos demais factos dados como provados, deles deduzindo ser intenção do arguido ofender honra, integridade física e consideração da assistente, sabendo que aquela era sua conjuge mãe das suas filhas e, bem assim, que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Quanto aos factos provados em 39 a 46, relativos ao pedido de indemnização civil deduzido pela assistente, resulta das regras da experiência e do senso comum, conjugadas com as declarações da demandante e os depoimentos das testemunhas OO, irmã da demandante, HH, pai da demandante, GG, atual companheiro da demandante, PP, da APAV, QQ, amiga da demandante e RR, agente da PSP – Escola Segura, todos sendo consensuais na reserva que caracteriza a personalidade da assistente e no medo patente e a insegurança que revelava no contacto com os outros, mesmo depois do divórcio.
A defesa quis fazer crer ao tribunal que os depoimentos das testemunhas arroladas na acusação pública e no pedido de indemnização não são isentos, nem merecedores de credibilidade. Porém, a isenção das testemunhas decorre dos próprios depoimentos pois, não obstante terem relatado os factos de que tinham conhecimento, não deixaram de ser sinceras e não se intuiu qualquer efabulação atinente à assistente e ao impacto dos factos dados como provados, desde logo, na sua saúde psíquica.
No que concerne às condições pessoais, sociais e económicas do arguido, cf. factos provados de 47 a 49, atendeu-se às declarações prestadas pelo mesmo, não contrariadas por quaisquer elementos de prova juntos aos autos.
Quanto aos antecedentes criminais do arguido, cf. facto provado em 50, encontra-se atestada por certificado de registo criminal, atualizado e junto aos autos.
Em suma, o Tribunal formou a sua convicção sobretudo das declarações da assistente, declarações que ganham consistência ao serem compaginadas com outros elementos da prova produzidos em sentido coincidente.
É consabido que o crime de que o arguido é acusado ocorre não raras vezes no interior da residência, sendo apenas presenciado pelos membros do agregado familiar. A verdade é que, dos factos narrados na acusação pública e que ocorreram na residência do casal, apenas o arguido, a assistente e as filhas (alguns dos factos) têm conhecimento.
Tal não impede que se valore o depoimento da assistente, se for credível, o que é o caso, sendo ainda certo que os testemunhos e restantes elementos documentais e periciais, que confirmam a existência de agressões, só podem fornecer consistência às declarações daquela.
A materialidade objetiva provada fala por si.
Um homem médio colocado na posição da assistente não se colocaria na posição que a mesma adotou, sujeitando-se a “provas” da sua honra e fidelidade, altamente vexatórias e atentatórias da sua dignidade enquanto mulher, por sua própria iniciativa e/ou sugestão. Por outro lado, um homem médio colocado na posição do arguido também não exigiria à sua mulher e mãe das suas filhas aquilo que, sem margem de dúvida, só pode ser sido exigido pelo arguido. E não se diga que foi a assistente que assim quis. Pois, ainda que assim fosse – o que não se concede - para a assistente desejar fazer ou sujeitar-se a tais atos é porque o arguido levantou uma suspeita intolerável sobre a sua conduta moral e como mulher.
Não foi, pois, a assistente que sugeriu tais atos. Foi o arguido quem exigiu e a assistente acedeu.
Também não se diga que a assistente aceitou porque quis e a nada foi obrigada. Esse argumento não serve no âmbito do crime objeto destes autos. A sufragar-se tal argumento, inexistiriam vítimas de violência doméstica pois se a vítima aceita a violência física e/ou psicológica e permanece à mercê do agressor é porque quer. Claro que na maioria dos casos permanece porque quer, não estando coagida a aceitar os comportamentos do agressor e/ou permanecer junto do mesmo. A questão é porquê que aceita estar sujeita a tais condutas.
Aceita por estar psicológica, emocional ou economicamente dependente.
O caso dos autos é claramente um caso de total dependência emocional e psicológica da assistente face ao arguido, pois face às ameaças que o arguido lhe tirava as filhas, tudo aceitou.
O Tribunal acredita nas qualidades da personalidade do arguido que lhe foram adjetivadas pelas testemunhas, designadamente SS, mãe do arguido, KK, LL, II, TT e UU, fora do contexto relatado nos presentes autos.
Sobre o depoimento de SS, foi patente a animosidade relativa à assistente, que, ao procurar enaltecer as qualidades do filho, acabaria por reafirmar ter pouco conhecimento da vida do arguido, não tendo procurado junto deste sequer perceber os eventos que levaram à separação do casal ou mesmo o conflito relativamente ao exercício das responsabilidades parentais pelo ex-casal. Não se olvida ainda que pese embora as testemunhas indicassem que o arguido é um pai extremoso, certo é que algumas desconheciam o facto de o arguido ser pai de VV, a sua filha mais velha (como seja o caso de XX, ou o de TT que referiu que a filha mais velha não visita o pai), não sendo despiciendo que do relatório da DGRSP para aplicação de sanção resulta que o próprio arguido não referiu a sua filha mais velha.
Por outro lado, o facto de o arguido ser, em público e profissionalmente, pessoa calma, reservada e profissionalmente reconhecido, não exclui o seu comportamento para com a assistente no seio da intimidade da vida privada.
Aliás, as regras da experiência ditam que, em regra, nos processos de violência doméstica pautados pela violência psicológica, é assim que acontece.
O que a materialidade objetiva provada parece demonstrar é que a conduta do arguido diverge do comportamento de um homem médio colocado na mesma posição.
Por conseguinte, os argumentos da defesa (i.e. o arguido em folga era dedicado à família, que não assumia qualquer agressividade perante a assistente) não colhem.
Não ignora este tribunal que o arguido principiou as suas declarações com a expressão “nunca ninguém viu nada”.
Por tudo o exposto, o Tribunal acreditou nas declarações da assistente em detrimento das declarações do arguido, não sendo aquelas declarações refutadas pela demais prova produzida nos autos.
A assistente surge numa posição de subordinação emocional relativamente ao arguido, mostrando-se incapaz de fazer cessar os seus comportamentos destrutivos, pelo medo de perder as filhas.
O arguido, fazendo uso do ascendente emocional e psicológico que tinha sobre a vítima, praticou os factos provados.
Sob outra perspetiva, no que se refere aos factos que consubstanciam o elemento subjetivo do tipo, a convicção do Tribunal extraiu-se da análise dos respetivos factos objetivos, atendendo às concretas condutas adotadas pelo arguido e ao contexto em que o foram, sendo certo que qualquer homem comum, como é o caso do mesmo, não pode deixar de fazer tal valoração perante aqueles factos, sabendo que constituem crime e que são suscetíveis de se repercutir na dignidade e amor-próprio da pessoa visada, atenta a especial relação que tinha com a mesma.”
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3.2.- Mérito do recurso
A) “imputações genéricas”
Como fundamento do seu recurso vem o arguido impugnar a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, alegando em primeiro lugar que os factos dados como provados sob os pontos 4) a 10 e 12) a 13) devem ser considerados como não escritos, porquanto não permitem o seu contraditório, atento o seu caracter vago e genérico, constituindo uma violação irreparável das garantias de defesa em processo penal, previstas no art.º 32º da CRP.
Mais alega que, para que tenha possibilidade de se defender é necessário que os factos que lhe são imputados se encontrem concretizados e que se especifiquem as circunstâncias de tempo e de contexto, não sendo suficiente invocar que em data não concretamente apurada, mas depois do nascimento de CC, o que equivale ao uso de uma formulação vaga e genérica.
Apreciemos esta sua pretensão.
Na verdade, tal como alega o recorrente, a acusação não pode conter “imputações conclusivas, genéricas, abrangentes e difusas, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o mau trato físico e/ou psíquico, com menção do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efectivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, devem ter-se como não escritas, não podendo servir de suporte à qualificação da conduta do agente” ( como se decidiu no Acórdão do TRP de 24/11/2021, proferido no processo n.º 304/20.6PAVLG.P1, em que foi relator João Pedro Pereira Cardoso, in www.dgsi.pt ).
Porém, entendemos não ser esse o caso dos presentes autos.
É que, conforme se decidiu neste último acórdão citado, “relativamente ao momento e lugar da prática do crime não tem necessariamente de se reportar a uma concreta data e sitio; o direito ao contraditório, à defesa e ao processo equitativo fica assegurado quando, na impossibilidade da datação de todas as condutas ofensivas, integradoras dos maus tratos, se fixarem apenas balizas temporais da sua verificação.”
Diz-nos a experiência comum que determinadas condutas e comportamentos humanos, tipificados como crimes, não são passíveis de concretização rigorosa quanto ao dia e à hora em que ocorreram, sobretudo quando se prolongam no tempo, não sendo exigível à vítima que memorize todos os dias, horas e lugares em que ocorreu cada uma das condutas criminosas, como é comum suceder nos crimes de violência doméstica, que, na grande maioria dos casos, são crimes habituais, prolongados, protelados, de trato sucessivo ou de execução continuada, conforme infra se explicitará.
Nestas situações, a descrição factual tem que ser tanto quanto possível espácio-temporalmente concretizada, ainda que por referência, por exemplo, apenas ao ano, como sucede no caso em apreço, para permitir que o arguido se possa defender.
Neste sentido decidiu o Acórdão do TRL de 28/04/2021, proferido no processo nº 4426/17.2T9LSB.L1-3, em que foi relator João Lee Ferreira, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que: “ O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) tem decidido que as imputações genéricas, destituídas de especificação e de concretização sobre o tempo, o modo e o lugar da prática dos factos, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente, por não serem passíveis de um efectivo contraditório e impedirem o exercício do direito de defesa, constitucionalmente consagrado (…).
Para ser justo e equitativo, o processo tem de garantir a possibilidade de o arguido contradizer a acusação ou a pronúncia e de se defender de uma forma efectiva, o que exige especificação e concretização quanto ao modo, tempo e lugar dos eventos imputados. Por outro lado, também sabemos da existência de particulares dificuldades de investigação e de apuramento quanto aos exactos contornos dos factos relevantes em actividades criminosas como as de tráfico de armas, peculato ou branqueamento de capitais e uma especial exigência na particularização das circunstâncias fácticas do crime conduziria a intoleráveis níveis de impunidade.
Como escreveu no acórdão do STJ de 17-12-2020, proc. 2081/18.1T8EVR.S1,
“o critério normativo da concretização dos factos nos moldes exigíveis para o exercício do direito de defesa e do contraditório colhe-se nos artigos 243.º1/a/b e artigo 283.º/3/b, Código de Processo Penal, impondo-se que a acusação (e a pronúncia) contenham, sob pena de nulidade, “A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.”
No mesmo sentido decidiu o Acórdão do TRP de 24/11/2021, proferido no processo nº 304/20.6PAVLG.P1, em que foi relator João Pedro Pereira Cardoso, in www.dgsi.pt, que: “ I - As imputações conclusivas, genéricas, abrangentes e difusas, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o mau trato físico e/ou psíquico, com menção do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efetivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, devem ter-se como não escritas, não podendo servir de suporte à qualificação da conduta do agente.
II - Contudo, relativamente ao momento e lugar da prática do crime não tem necessariamente de se reportar a uma concreta data e sitio; o direito ao contraditório, à defesa e ao processo equitativo fica assegurado quando, na impossibilidade da datação de todas as condutas ofensivas, integradoras dos maus tratos, se fixarem apenas balizas temporais da sua verificação.
III - Resulta da experiência comum, haver comportamentos humanos, sancionados penalmente, em relação aos quais não é possível (ou humanamente exigível) a concretização, quanto ao dia e à hora, de todos os atos que os integram; relativamente a comportamentos reiterados que se vão prolongando ao longo dos anos não é exigível de ninguém, sequer a vítima, que fixe/memorize o dia e o lugar concretos em que ocorreu cada um dos comportamentos ofensivos do agente.
IV - Ainda assim, a descrição fáctica sempre terá que ter alguma concretização, de forma a que seja possível localizar as imputações no tempo e no espaço com suficiente precisão, ainda que por referência apenas ao ano, a algum momento festivo, a algum acontecimento, com mais ou menos significado; a solução terá de ser encontrada caso a caso, o que passará por ponderar se a factualidade descrita tem a densidade suficiente para permitir uma defesa eficaz por parte do arguido, ao nível do exercício do seu direito ao contraditório.
V - Relevando a concretização dos factos ao exercício do contraditório, não se vê como este possa ter-se como violado se o arguido, apesar da imprecisão temporal, confessa parcialmente um dado facto, identificando de forma clara e esclarecida o evento relatado na acusação, contextualizando-o, ainda que também ele não consiga situá-lo no tempo e lhe dê uma versão diferente da que lhe é imputada.”
Impõe o art.º 374º, nº 2 do Cód. Proc. Penal que na fundamentação da sentença se faça a enumeração dos factos provados e não provados.
Assim sendo, na seleção da matéria de facto, o Tribunal deve ater-se a factos, os quais são acontecimentos ou comportamentos devidamente individualizados e localizados no espaço e no tempo, não se devendo incluir na fundamentação da decisão conceitos de direito, proposições normativas ou juízos de valor.
Caso tal aconteça, estas asserções devem ser excluídas do acervo factual da decisão.
A jurisprudência maioritária tem entendido que as imputações conclusivas, genéricas, abrangentes e difusas, com recurso a expressões vagas, imprecisas, nebulosas e obscuras, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o mau trato físico e/ou psíquico, com menção do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efetivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, devem ter-se como não escritas, não podendo servir de suporte à qualificação da conduta do agente.
Nos termos previstos no art.º 32º, nº 5 da CRP, o arguido tem direito a conhecer os factos que em concreto lhe são imputados, para que os possa rebater e se defender, exercendo o seu direito ao contraditório.
Não são, assim, suscetíveis de sustentar uma condenação penal as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação do agente, nem as circunstâncias relevantes em que os factos ocorreram.
A imputação correcta dos factos tem de ser precisa e concreta e não conclusiva, assinalando com nitidez os factos que são relevantes para caracterizarem o comportamento ilícito do arguido, incluindo as circunstâncias de tempo e de lugar.
Contudo, a jurisprudência dos Tribunais superiores tem vindo a entender que nos casos de violência doméstica, relativamente ao momento e lugar da prática do crime, não tem necessariamente de se assinalar uma data e um local exactos, admitindo-se, quando tal não seja possível, que se refira, por exemplo, “em lugar desconhecido” ou “em local cuja localização exata não foi possível apurar”, e, quanto ao tempo, por exemplo, “em datas que, em concreto, não foi possível apurar, mas entre “x” e “y”” ou “em número indeterminado de vezes”, “no domicílio comum”, entre o ano “x” e “y”.
Por outro lado, devendo a concretização dos factos permitir o exercício do contraditório, este não se pode ter como violado se o arguido, apesar da imprecisão temporal, confessa parcialmente um dado facto, identificando de forma clara e esclarecida o evento relatado na acusação, contextualizando-o, ainda que também ele não consiga situá-lo no tempo e lhe dê uma versão diferente da que lhe é imputada ou impugne os factos cuja prática lhe é imputada.
Mesmo que a acusação ou a pronúncia revelem insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto, se o arguido na sua contestação ou nas suas declarações em julgamento demonstrar ter claramente identificado, interpretado ou compreendido os factos submetidos a julgamento, está assegurado o contraditório.
Na decisão recorrida, nos pontos 4 a 10, 12 e 13 dos factos provados, indicaram-se as seguintes expressões de certa forma vagas:
“(…) 4. Em datas não concretamente apuradas, após o nascimento de CC, no interior da residência onde viviam, o arguido desferiu empurrões e murros nos braços de BB, o que ocorreu um número indeterminado de vezes, mas pelo menos duas vezes, causando-lhe dores e sofrimento.
5. Em data não concretamente apurada, após o nascimento de CC, no interior da residência onde viviam, o arguido chamou BB para ir ter consigo à casa de banho, tendo posteriormente agarrado a mesma por trás, puxado as calças daquela para baixo e tentado penetrá-la no ânus, causando-lhe dores e sofrimento.
6. Em datas não concretamente apuradas, no interior da residência onde viviam, o arguido tentou penetrar BB no ânus, que se queixava de dores enquanto aquele lhe dizia «é normal doer, mas vais gostar», o que ocorreu um número indeterminado de vezes, mas pelo menos duas vezes, causando-lhe dores e sofrimento.
7. Em data não concretamente apurada, no ano de 2020, no interior da residência onde viviam, no decurso de uma discussão, após consumir bebidas alcoólicas, o arguido espetou uma faca na mesa da cozinha, enfrentou BB com o olhar e disse-lhe, num tom de voz grave e sério: «eu sou …. Acontece-te a ti e acontece-me a mim» e «olha que eu tenho uma pistola, vê lá o que andas a fazer», atirando em seguida as cadeiras da cozinha para o chão.
8. Dado o modo e as circunstâncias em que estas expressões foram proferidas, BB ficou com receio que o arguido atentasse contra a sua vida.
9. A filha de BB, EE, nascida a … de 2008, assistiu aos factos descritos em 7.
10. Em data não concretamente apurada, no ano de 2020 ou 2021, o arguido ligou para BB e disse-lhe «vai para o caralho, foste ter com o teu amante. És uma puta, és uma vaca. Eu já sabia. Por isso é que tu não queres ir para a cama comigo. Logo à noite em casa tens de me provar que não tens amantes. Vou-te tirar as meninas, nunca mais vês as meninas».(…)
12. Em data não concretamente apurada, antes do dia 15 de junho de 2022, o arguido, não se conformando com o pedido de divórcio, disse a um colega de BB que se ia matar mas que não ia sozinho, referindo-se à mesma.
13. Ao ter conhecimento da expressão referida em 12., e dado o contexto em que a mesma foi proferida, BB ficou com receio que o arguido atentasse contra a sua vida. ” (sublinhados nossos)
Sucede, porém, que os referidos factos se encontram balizados no tempo e no espaço, pois:
- ocorreram após o nascimento de CC;
- no interior da residência onde viviam, ou seja, quando o casal ainda vivia junto;
- no ano de 2020, quando arguido e queixosa ainda viviam juntos e foram assistidos por EE;
- no ano de 2020/2021;
- antes do dia 15 de junho de 2022 e foram testemunhados por um colega de BB.
Em face disto, verifica-se que tais factos são passíveis de serem localizados no espaço, no tempo e nas circunstâncias em que ocorreram, tendo sido possível ao arguido contextualizá-los e contraditá-los em julgamento, como sucedeu.
Por outro lado, importa referir que os factos em apreço não configuram a prática pelo arguido de crimes autónomos, mas antes se inserem no contexto de um só crime de violência doméstica, praticado ao longo de vários anos, sendo tais factos úteis para caracterizar o tipo de vivência existente entre arguido e queixosa durante esse período de tempo, a qual permite concluir pela prática do crime pelo arguido, em conjunto com a restante factualidade apurada.
Uma vez que o crime de violência doméstica tem natureza pública, nos termos previstos no art.º 152º do Cód. Penal, não se colocam os problemas de tempestividade do exercício do direito de queixa alegados pelo recorrente na sua motivação de recurso.
Assim sendo, na medida em que o arguido entendeu o que lhe era imputado e se tentou defender, não se mostra violado o art.º 32º da CRP, impondo-se julgar nesta parte improcedente o recurso, sem necessidade de mais considerandos.
B) Vícios previstos no art.º 410º, nº 2, alíneas b) e c) do Cód. Proc. Penal
Alega também o recorrente que a sentença recorrida enferma dos vícios de contradição insanável da fundamentação e de erro notório na apreciação da prova.
Dispõe o art.º 410º, nº 2 do Cód. Proc. Penal que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do Tribunal a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) O erro notório na apreciação da prova.
Tratam-se de vícios da decisão sobre a matéria de facto que são vícios da própria decisão, como peça autónoma, e não vícios de julgamento, que não se confundem nem com o erro na aplicação do direito aos factos, nem com a errada apreciação e valoração das provas ou a insuficiência destas para a decisão de facto proferida.
Estes vícios são também de conhecimento oficioso, pois têm a ver com a perfeição formal da decisão da matéria de facto e decorrem do próprio texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de recurso a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo constantes do processo (cfr., neste sentido, Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal Anotado”, 16. ª ed., pág. 873; Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª ed., pág. 339; Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 6.ª ed., 2007, pág. 77 e seg.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, pág. 121). A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, prevista no artigo 410º, nº 2, alínea b) do Cód. Proc. Penal, consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação da convicção conduz a uma decisão sobre a matéria de facto provada e não provada contrária àquela que foi tomada, porquanto todos os vícios elencados neste artigo se reportam à decisão de facto e consubstanciam anomalias decisórias, ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto (cfr., neste sentido, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 6ª ed., 2007, págs. 71 a 73).
Especificamente quanto ao vício da contradição insanável, decidiu o STJ, no acórdão datado de 12/03/2015, proferido no processo nº 418/11.3GAACB.C1.S1 - 3.ª Secção, que: «[o] vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão verifica-se quando no texto da decisão constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspetiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respetivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito».
Pode, assim, afirmar-se que há contradição insanável da fundamentação quando, através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os factos provados, entre estes e os não provados, ou até entre a fundamentação probatória da matéria de facto.
A contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, por sua vez, ocorrerá quando, também através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os meios de prova invocados na fundamentação como base dos factos provados ou entre a fundamentação e o dispositivo da decisão.
Ainda nas palavras de Simas Santos e Leal Henriques, in “ Código de Processo Penal Anotado”, II volume, 2ª Edição, 2000, editora Rei dos Livros, Lisboa, pág. 379: «por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não possam ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade e qualidade. Para os fins do preceito (al. b) do n.º 2) constitui contradição apenas e tão só aquela que, expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser integrada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com auxílio das regras da experiência.»
No que concerne ao erro notório na apreciação da prova, segundo o disposto no art.º 410º, nº 2, alínea c) do Cód. Proc. Penal, o mesmo releva como fundamento de recurso desde que resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.
Pese embora a lei não o defina, o «Erro notório» tem sido entendido como aquele que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade e que ressalta do teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, só podendo relevar se for ostensivo, inquestionável e percetível pelo comum dos observadores ou pelas faculdades de apreciação do «homem médio».
Há «erro notório» quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum e ainda quando determinado facto provado é incompatível, inconciliável ou contraditório com outro facto, positivo ou negativo, contido no texto da decisão recorrida (cf. neste sentido, LEAL-HENRIQUES e SIMAS SANTOS, in “Código de Processo Penal anotado”, II volume, 2ª edição, 2000, Rei dos Livros, pág. 740).
Este é um vício do raciocínio na apreciação das provas, de que nos apercebemos apenas pela leitura do texto da decisão, o qual, por ser tão evidente, salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental, em que as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu uma ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial (cf. entre muitos outros, Acs. TRC de 09.03.2018, proferido no processo nº 628/16.7T8LMG.C1, em que foi relatora Paula Roberto, e de 14.01.2015, proferido no processo nº 72/11.2GDSRT.C1, em que foi relator Fernando Chaves, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Quanto ao que se deva entender por erro notório na apreciação da prova, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 410º, nº 2, alínea c) do Cód. Proc. Civil, discorreu largamente o STJ, no seu Ac. de 7/07/21, proferido no processo nº 128/19.3JAFAR.E1.S1, em que foi relator Nuno Gonçalves (in www.dgsi.pt) e onde se pode ler: “ (…) A decisão de julgar provado um acontecimento da vida na convicção de que foi demonstrado por uma versão que é manifestamente ilógica, contrariada pelas regras da física e ao mesmo tempo pelas máximas da experiência, padece do vício que o legislador consagrou no art.º 410º n.º 2 al.ª c) do CPP. Este é, como os demais aí previstos, um defeito da decisão em matéria de facto. Não devendo confundir-se nem com a errada aplicação do direito aos factos, nem com a escassez da prova para suportar o julgado. A sua deteção ou verificação não permite o recurso a elementos externos ao texto da decisão recorrida. Não assim, evidentemente, ao que constar da motivação do julgamento da matéria de facto. Se é certo que um determinado facto ou acontecimento da vida, simplesmente pelo modo como vem narrado, pode apresentar-se visivelmente irracional, notoriamente impossível, manifestamente desconforme às regras da experiência comum, todavia, mais comumente o erro notório na apreciação da prova deteta-se pela motivação do julgamento da facticidade, designadamente pelo exame critico dos elementos de prova. (…)”
No caso dos presentes autos, o recorrente invoca o vício da contradição insanável da fundamentação, alegando que os factos dados como provados nos pontos 10), 15), 18), 23) e 26) e no ponto 40) são incompatíveis entre si.
Importa desde logo referir que os factos descritos em 26) se reportam às lesões sofridas pela ofendida e descritas em 25), nada tendo a ver com a restante factualidade, pelo que quanto aos mesmos não se verifica qualquer contradição.
Já os factos descritos em 40) (“O demandado humilhou, durante anos, a demandante ao injuriar a mesma com expressões atentatórias da sua dignidade, como sejam “puta”, “és uma ordinária”, “andas-me a meter os cornos há não sei quantos anos”, “andas com metade dos homens do …”, “puta do caralho, sua filha da puta, não vales nada, vou-te tirar as filhas”.), quanto muito poderão configurar uma repetição dos factos alegados 10), 15), 18) e 23), e reportam-se ao pedido de indemnização civil efectuado pela ofendida, mas não se mostram em contradição com os restantes factos referidos, e muito menos numa contradição insanável.
Já no que se refere ao vício do erro notório, alega o recorrente que os factos descritos nos pontos 23) a 25) dos factos provados não resultam do depoimento da ofendida e das testemunhas EE, DD, HH, FF e GG, porquanto estas testemunhas não apresentaram depoimentos coincidentes entre si quanto àqueles factos e o arguido negou a prática dos mesmos.
Assim sendo, entende o arguido que não foi feita prova bastante dos referidos factos, pelo que, havendo dúvida, o Tribunal a quo deveria ter observado o princípio in dubio pro reo.
Porém, o que daqui decorre é que o recorrente se limita a discordar da apreciação da prova feita pelo Tribunal a quo, no que concerne àqueles factos em concreto, em moldes que adiante se apreciarão, o que não equivale à verificação na decisão recorrida de um erro notório.
Ora, analisada a decisão recorrida no seu conjunto, constata-se que da mesma não resulta qualquer erro notório, pois os factos estão descritos de forma clara e perceptível, não existe qualquer contradição entre a matéria de facto provada e não provada, todos os factos se mostram fundamentados, de forma lógica, e a decisão funda-se na prova produzida, estando em conformidade com a mesma.
Não se tendo apurado a existência de um qualquer vício de raciocínio evidente para um observador médio ou uma qualquer desconformidade intrínseca e evidente no raciocínio exposto na decisão do Tribunal recorrido, o que também não foi alegado pelo recorrente, impõe-se julgar este recurso improcede quanto a este fundamento, sem necessidade de mais considerandos.
C) Erro de julgamento
Alega o recorrente que o Tribunal a quo não deveria ter dado como provados os factos descritos em 23) a 27), 28) a 30), 32) e 33).
Quanto aos factos descritos em 23), 24), 25) e 28) a 30) entende o recorrente que os mesmos devem ser julgados não provados.
Vejamos se lhe assiste razão.
A reapreciação da matéria de facto poderá ser feita no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no art.º 410º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, onde, como supra se referiu, a verificação dos mesmos tem que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, mas sem recurso a quaisquer elementos exteriores, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, feita nos termos do art.º 412º, nos 3, 4 e 6 do mesmo diploma, caso em que a apreciação se estende à prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente. O recurso em que se impugne amplamente a decisão sobre a matéria de facto destina-se a despistar e corrigir determinados erros in judicando ou in procedendo, razão pela qual o art.º 412º, nº 3 do Cód. Proc. Penal impõe ao recorrente a obrigação de indicar: “ a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.”
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados. A especificação das «concretas provas» implica a indicação do conteúdo do meio de prova ou de obtenção de prova e a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Por seu turno, a especificação das provas que devem ser renovadas impõe a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda e das razões para crer que aquela renovação permitirá evitar o reenvio do processo previsto no art.º 430º do mesmo diploma. Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência. Havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao que tiver sido consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens das gravações em que fundamenta a impugnação, não bastando a simples remissão para a totalidade de um ou de vários depoimentos, pois são essas passagens concretas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo Tribunal de recurso, como é exigido pelo art.º 412º, nºs 4 e 6 do Cód. Proc. Penal. A este respeito, importa ter em atenção que o STJ, no seu Ac. nº 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, Nº 77, de 18 de abril de 2012, já fixou jurisprudência no seguinte sentido: «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».
Na verdade, o poder de apreciação da prova da 2ª Instância não é absoluto, nem é o mesmo que o atribuído ao juiz do julgamento, não podendo a sua convicção ser arbitrariamente alterada apenas porque um dos intervenientes processuais expressa o seu desacordo quanto à mesma.
Verifica-se, assim, que só se pode alterar o decidido se as provas indicadas obrigarem a uma decisão diversa da proferida. Nos casos de impugnação ampla da matéria de facto, o recurso não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, mas constitui apenas um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, sempre em relação aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. Para esse efeito, deve o Tribunal de recurso verificar se os concretos pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa ( neste sentido, cf. Ac. STJ de 14.03.2007 (no processo nº 07P21, Relator: Conselheiro Santos Cabral), de 23.05.2007 (no processo 07P1498, Relator: Conselheiro Henriques Gaspar), de 03.07.2008 (no processo nº 08P1312, Relator: Conselheiro Simas Santos), de 29.10.2008 (no processo nº 07P1016, Relator: Conselheiro Souto de Moura) e de 20.11.2008 (no processo nº 08P3269, Relator: Conselheiro Santos Carvalho), todos disponíveis em www.dgsi.pt).
A razão de ser desta forma de funcionamento do instituto do recurso, quanto à reapreciação da matéria de facto, decorre do princípio da oralidade, o qual implica uma imediação, um contacto direto, pessoal e presencial entre o julgador e os elementos de prova (sejam eles pessoas, coisas, lugares, sons, cheiros, timbre e entoação), que facilita a formação da livre convicção do julgador e que só existe na primeira instância.
A imediação permite que o julgador tenha uma perceção dos elementos de prova muito mais próxima da realidade do que qualquer apreciação posterior, a realizar pelo Tribunal de recurso, mesmo que este se socorra da documentação dos atos da audiência.
A imediação revela-se também de importância fulcral para aferir da credibilidade de um depoimento, pois o seu desenrolar, a posição corporal, os gestos, as hesitações, o tom de voz, o olhar, o embaraço ou o desembaraço e todas as componentes pessoais ligadas ao ato de depor são insuscetíveis de serem registadas, mas ficam na memória de quem realizou o julgamento, são importantes na formação da convicção do julgador e são objetiváveis na fundamentação da decisão, mas não são suscetíveis de documentação para reapreciação em sede de recurso.
Segundo o previsto no art.º 127º do Cód. Proc. Penal, o Tribunal deve fixar a matéria de facto de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador, desde que não se esteja perante prova vinculada.
Impõe-se, assim, concluir que, nesta matéria, cabe apenas ao Tribunal de recurso verificar se o Tribunal a quo, ao formar a sua convicção, fez um bom uso do princípio de livre apreciação da prova, aferindo da legalidade do caminho prosseguido até se chegar à matéria fáctica dada como provada e não provada, devendo tal apreciação ser feita com base na motivação elaborada pelo Tribunal de primeira instância e na fundamentação da sua escolha, em cumprimento do disposto no art.º 374º, nº 2 do Cód. de Proc. Penal.
Para este efeito, como se escreveu no Ac. do TRL datado de 11/03/2021 ( proferido no processo nº 179/19.8JDLSB.L1-9, em que foi relator Abrunhosa de Carvalho, in www.dgsi.pt. ): «O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado».
E convém referir que quando o tribunal recorrido forma a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquelas que formulem os recorrentes.
Normalmente, os erros de julgamento capazes de conduzir à modificação da matéria de facto pelo tribunal de recurso consistem no seguinte: dar-se como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto; dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo; dar-se como provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem razão de ciência da mesma que permita a referida prova; dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal; dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido ou o declarante não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram; dar-se como provado um facto com base num documento do qual não consta o que se deu como provado; dar-se como provado um facto com recurso à presunção judicial fora das condições em que esta podia operar.»).
Sucede que: «O recorrente não impugna de modo processualmente válido a decisão proferida sobre matéria de facto se se limita a procurar abalar a convicção assumida pelo tribunal recorrido, questionando a relevância dada aos depoimentos prestados em audiência.» ( cf. Ac. do TRP de 6/10/2010, proferido no processo nº 463/09.9JELSB.P1, em que foi relatora Eduarda Lobo, in www.dgsi.pt).
O que o recorrente tem que fazer é apontar na decisão recorrida os segmentos que impugna e colocá-los em relação com as provas, concretizando as partes da prova gravada que pretende que sejam ouvidas, se for o caso, quais os documentos que pretende que sejam reexaminados, bem como quais os outros elementos probatórios que pretende ver reproduzidos, demonstrando a verificação do erro judiciário a que alude.
No caso dos autos, analisadas a motivação e as conclusões do recurso, verificamos que o recorrente não cumpriu a totalidade das exigências legais da impugnação da matéria de facto supra indicadas.
Pese embora tenha indicado os concretos pontos da matéria de facto que considera terem sido mal julgados, ainda que remetendo para a quase totalidade da matéria de facto provada, não indicou quais os meios de prova que impunham decisão diversa, não indicou as concretas passagens dos depoimentos das testemunhas que, no seu entendimento, fundamentam a falta de prova dos factos, nem quais as partes da gravação dos depoimentos é que este Tribunal de recurso deveria ouvir, limitando-se a transcrever a totalidade dos depoimentos das testemunhas DD, II e JJ, as quais não assistiram à totalidade dos factos dados como provados, em especial as duas últimas, e cujos depoimentos transcritos em nada permitem infirmar os factos impugnados pelo recorrente.
O recorrente apenas alegou que o Tribunal a quo não deveria ter dado como provados os factos descritos em 23) a 27), 28) a 30), 32) e 33).
Quanto aos factos descritos em 23), 24), 25) e 28) a 30) defendeu que os mesmos deveriam ter sido julgados não provados, mas quanto aos restantes factos impugnados nada disse, nem referiu qual a versão dos mesmos é que se apurou.
Na verdade, o que resulta da argumentação do recorrente é que não concorda que o Tribunal a quo tenha conferido credibilidade à versão dos factos apresentada pela ofendida e por algumas das testemunhas inquiridas, argumentando que se verificaram disparidades entre os depoimentos das pessoas inquiridas e que ele próprio negou a prática dos factos.
Ora, quanto à disparidade das declarações das testemunhas entre si, tal circunstância é normal, tendo em conta que os factos se passaram vários anos antes da realização da audiência de julgamento, nenhuma das testemunhas presenciais estava à espera que os mesmos ocorressem e nenhuma testemunhou a integralidade dos acontecimentos.
Estranho seria se todos os depoimentos fossem totalmente coincidentes e alinhados entre si, o que só lhes retiraria credibilidade.
Lida a decisão recorrida verificamos que o Tribunal a quo concedeu maior credibilidade à versão dos factos apresentada pela ofendida, concatenada com as declarações do arguido, das restantes testemunhas inquiridas e da prova pericial, tendo justificado a decisão a que chegou de forma clara, bastante completa e perceptível.
A factualidade apurada parece-nos ter sido apreciada segundo as regras da lógica e da experiência comum, conforme amplamente explanado na decisão em apreço supra transcrita, de forma completa e transparente, onde é referido porque é que se conferiu maior credibilidade a uns depoimentos do que a outros, em resultado da audição dos testemunhos e da observação dos comportamentos dos depoentes.
Em face do exposto, a argumentação do recorrente mais não é do que o resultado da sua apreciação da prova, daquilo que o mesmo gostaria que se tivesse dado como provado, realçando aspectos dos depoimentos de algumas das testemunhas que, no seu entender, reforçam a sua tese, sem qualquer distanciamento imparcial e apenas com vista a conseguir a sua absolvição da prática do crime de violência doméstica.
Pelo contrário, constata-se que a decisão da matéria de facto está bem e exaustivamente fundamentada, não sendo a prova produzida em julgamento geradora de dúvida e não se mostrando violados quaisquer preceitos legais ou constitucionais, nem o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art.º 127º do Cód. Proc. Penal.
Conclui-se, assim, que não só o recorrente não fez uma correcta impugnação dos factos, nos termos exigidos pela lei, como a apreciação da prova efectuada pelo Tribunal recorrido não merece qualquer reparo, sendo o recurso improcedente quanto a esta matéria.
D) Violação do princípio in dubio pro reo
Alega ainda o recorrente que no caso em apreço se mostra violado o princípio in dubio pro reo, porquanto não existe prova suficiente que motive validamente a sua condenação, devendo ser absolvido.
Segundo este princípio, quando o Tribunal fica na dúvida quanto à ocorrência de determinado facto, deve daí retirar a consequência jurídica que mais beneficie o arguido.
Como refere Figueiredo Dias, in “ Direito Processual Penal “, I, pág. 205, a dúvida relevante para este efeito tem que ser uma dúvida razoável, fundada em razões adequadas e não uma qualquer dúvida.
No mesmo sentido se decidiu no Ac. STJ de 5/07/07, proferido no processo nº 07P2279, em que foi relator Simas Santos, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que: “Na verdade, o princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos, mas é antes uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.”
Também no Ac. do TRL de 10/01/2018, proferido no processo nº 63/07.8TELSB-3, em que foi relator Nuno Coelho, in www.dgsi.pt, se decidiu que: “A certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza empírica, moral, histórica.
O princípio in dubio pro reo constitui um princípio de direito relativo à apreciação da prova/decisão da matéria de facto, estando umbilicalmente ligado, limitando-o, ao princípio da livre apreciação – a livre apreciação exige a convicção para lá da dúvida razoável; e o princípio «in dubio pro reo» impede (limita) a formação da convicção em caso de dúvida razoável. A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, argumentada, coerente, razoável. De onde que o tribunal de recurso “só poderá censurar o uso feito desse princípio (in dubio) se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida e que, face a esse estado escolheu a tese desfavorável ao arguido – cfr. acórdão do STJ de 2/5/1996, CJ/STJ, tomo II/96, pp. 177. Ou quando, após a análise crítica, motivada e exaustiva de todos os meios de prova validamente produzidos e a sua valoração em conformidade com os critérios legais, é de concluir que subsistem duas ou mais perspetivas probatórias igualmente verosímeis e razoáveis, havendo então que decidir por aquela que favorece o réu.”
Verifica-se, assim, que a escolha da perspetiva probatória que favorece o acusado só se impõe quando se mostrarem esgotadas todas as operações de análise e de confronto de toda a prova produzida, apreciada conjugadamente e em conformidade com as máximas da experiência, da lógica geralmente aceite e do normal acontecer das coisas e, ainda assim, subsista mais do que uma possibilidade de igual verosimilhança e razoabilidade no espírito do julgador.
Para que haja violação do princípio do in dubio pro reo é preciso que, perante uma dúvida inultrapassável sobre factos essenciais para a decisão da causa, o julgador decida em desfavor do arguido.
Sucede que, no caso dos presentes autos tal situação não ocorreu.
Desde logo importa reforçar que não se procedeu a qualquer alteração da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo.
A factualidade apurada fundamentou-se na prova produzida em julgamento e está conforme à mesma, não resultando dessa factualidade qualquer dúvida quanto à responsabilidade criminal do arguido, nem pelo Tribunal recorrido, nem por este Tribunal de recurso.
Assim sendo, não se tendo apurado a existência de um qualquer erro de julgamento ou da violação do princípio in dubio pro reo, improcede também neste tocante o recurso.
E) Qualificação jurídica dos factos
Alega também o recorrente que não resultou provado que tivesse atuado com o propósito de afetar a dignidade da assistente, ou seja, que tivesse atuado com a intenção de humilhar, diminuir, perpetando agressões sexuais, actuando para infligir maus tratos psíquicos e físicos à ofendida, pelo que, deverá ser absolvido da prática do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152º do Cód. Penal.
Subsidiariamente, para a hipótese de ser improcedente o recurso no que respeita à impugnação da matéria de facto, alega ainda que os factos apenas se enquandram nos crimes de injúrias e de ameaças.
Importa, antes de mais, voltar a referir que se julgou improcedente a impugnação da matéria de facto efectuada pelo recorrente, pelo que a apreciação jurídica a fazer se terá que reportar necessariamente aos factos tal como constam descritos na decisão recorrida.
O crime de violência doméstica está tipificado no art.º 152º do Cód. Penal, onde se prevê que:
“1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou
d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
e) A menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), ainda que com ele não coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou
b) Difundir através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento;
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
3 - Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, incluindo aqueles em que couber pena mais grave por força de outra disposição legal, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6 - Quem for condenado por crime previsto no presente artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício de responsabilidades parentais, da tutela ou do exercício de medidas relativas a maior acompanhado por um período de 1 a 10 anos.” (sublinhados nossos )
Quanto ao que se deva entender por violência doméstica, estabelece-se no art.º 3º, alínea b) da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adotada em Istambul, a 11 de Maio de 2011, e ratificada por Portugal em 2013, que: “violência doméstica” designa todos os actos de violência física, sexual, psicológica ou económica que ocorrem no seio da família ou do lar ou entre os actuais ou ex-cônjuges ou parceiros, quer o infractor partilhe ou tenha partilhado, ou não, o mesmo domicílio que a vítima”.
O nosso Código Penal prevê este tipo de ilícito no título dedicado aos crimes contra as pessoas, no capítulo relativo aos crimes contra a integridade física, sendo o bem jurídico protegido mais amplo do que o previsto na citada Convenção, pois abrange, não a comunidade familiar e conjugal, mas sim a pessoa individual na sua dignidade humana, punindo os comportamentos lesivos da mesma ( cf., neste sentido, Taipa de Carvalho, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Coimbra Editora, 1999, vol. I, págs. 329 a 339 ). Tem-se observado, no entanto, alguma flutuação doutrinal e jurisprudencial sobre a identificação e caracterização dos bens jurídicos protegidos pelo crime de violência doméstica. Porém, em geral, apontam-se como tuteladas pela citada norma a saúde e a dignidade da pessoa, entendida esta numa dimensão garantística da integridade pessoal contra ofensas à saúde física, psíquica, emocional ou moral da vítima, embora no estrito âmbito de uma relação de tipo intra-familiar, sendo a estrutura “família” o que se toma como ponto de referência da normativização prevista no nº 1 do art.º 152º, sem que seja, no entanto, a “família” a figura central alvo de protecção, mas antes a pessoa que nela se insere, individualmente considerada. (cf., neste sentido, Nuno Brandão, in «A tutela penal especial reforçada da violência doméstica», “Julgar”, nº 12, págs. 9 e seg., Plácido Conde Fernandes, in «Violência doméstica – novo quadro penal e processual penal», Revista do CEJ, nº 8 (especial), págs. 304 e 305, e Augusto Silva Dias, in «Crimes contra a vida e a integridade física», 2ª ed. aafdl, pag. 110). Como se defendeu no Ac. do STJ de 20/04/17, proferido no processo nº 2263/15.8JAPRT.P1.S1, em que foi relator Nuno Gomes da Silva, in www.dgsi.pt: “A violência doméstica pressupõe um contacto relacional perdurável no seio dessa estrutura de tipo familiar, com o sedimento tradicional que esta noção inevitavelmente comporta e também, claro está, com a ponderação da realidade sócio-cultural hodierna o que se traduz numa multiplicidade de sujeitos passivos inseridos nesse contacto. Frise-se que a ideia de perdurabilidade nada tem a ver com uma qualquer exigência de frequência ou repetição dos “actos violentos” para ter como verificado o crime. Mas a violência doméstica pressupõe também uma contundente transgressão relativamente à esfera de autonomia da vítima sujeita na maioria dos casos, como a experiência demonstra, a uma situação de submissão à vontade do(a) agressor(a), «de alguém de quem possa depender, ao nível mesmo da vontade sobre as dimensões mais elementares da realização pessoal» redundando «numa específica agressão marcada por uma situação de domínio (…) geradora de um específico traço de acentuada censura» que escapa em geral à razão de ser dos tipos de ofensas à integridade física, coacção, ameaça, injúria, violação, abuso sexual, sequestro, etc. Serão estes, porventura, os traços que mais vincam a natureza do crime, a sua peculiar estrutura, mais do que a discussão à volta do recorte preciso do bem jurídico protegido.”
O bem jurídico protegido por este tipo de crime – a saúde física, psíquica e mental – é complexo e pode ser atingido por todos os comportamentos que afetem a dignidade pessoal do cônjuge, outro familiar ou pessoa com quem se partilhe ou partilhou o lar.
Fruto de uma longa evolução da consciência comunitária quanto à gravidade e censurabilidade de comportamentos que têm o ambiente familiar e as relações de intimidade por pano de fundo, o actual art.º 152º do Cód. Penal pune condutas aptas a colocar em causa bens jurídicos que são emanação directa da dignidade da pessoa, como sejam a saúde, a vida, a integridade física e a liberdade individual e sexual, para salvaguarda do direito que qualquer pessoa tem a ser tratada com dignidade, sem ser humilhada ou vexada, sejam quais forem as circunstâncias em que se encontre e as relações que tenha com outras pessoas com quem viva ou tenha vivido.
A preocupação legislativa centra-se, assim, na tutela da posição mais fraca nas relações de poder/domínio que potencialmente surgem nas formas de relacionamento de maior intimidade, designadamente na família, enquanto célula social fundamental, e encontra raízes no princípio da solidariedade que enforma todo o nosso ordenamento jurídico.
Como refere Nuno Brandão, in ob. cit., pág. 18, confere-se uma “(…) tutela especial e reforçada da vítima perante situações de violência desenvolvida no seio da vida familiar ou doméstica que, pela sua caracterização e motivação - geralmente associada a comportamentos obsessivos e manipuladores - constituam uma situação de maus tratos, que é por si mesma indiciadora do perigo e da ameaça de prejuízo sério frequentemente irreversível.”
O preenchimento do tipo legal de violência doméstica exige, assim, uma relação de proximidade afectiva entre o agente e a vítima, seja conjugal ou idêntica à da conjugalidade, actual ou entretanto terminada, familiar ou outra.
O crime de violência doméstica é integrado por situações que, não fora essa especial ofensa da dignidade humana, seriam tratadas atomisticamente e preencheriam uma multiplicidade de tipos legais, como os de ofensa à integridade física, ameaça, injúria, etc.
Com particular acerto, pode ler-se do sumário do Ac. do TRG de 15/10/2012, proferido no processo nº 639/08.6GBFLG.G1, e que foi relator Fernando Monterroso, in www.dgsi.pt: “ I) A revisão do CP de 2007 ultrapassou a querela de se saber se para o crime de violência doméstica (ou de «maus tratos», como era a epígrafe da anterior redação do artº 152º do CP) bastava a prática de um só ato, ou se era necessária a "reiteração" de comportamentos. II) Atualmente, o segmento «de modo reiterado ou não» introduzido no corpo da norma do nº 1 do citado artº 152º do CP, é unívoco no sentido de que pode bastar só um comportamento para a condenação. III) A delimitação dos casos de violência doméstica daqueles em que a ação apenas preenche a previsão de outros tipos de crime, como a ofensa à integridade física, a injúria, a ameaça ou o sequestro, deve fazer-se com recurso ao conceito de «maus tratos», sejam eles físicos ou psíquicos. III) Há «maus tratos» quando, em face do comportamento demonstrado, for possível formular o juízo de que o agente manifestou desprezo, desejo de humilhar, ou especial desconsideração pela vítima.”
Ou seja, se da imagem global dos factos não resultar este quadro de maus tratos, nos moldes e com os referidos contornos, que justifiquem aquela especial tutela e punição agravada, a situação integrará a prática de um ou dos vários crimes em causa, mas não o da violência doméstica.
A doutrina tem definido o crime de violência doméstica como um crime habitual.
Refere Figueiredo Dias, in “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, 3ª ed., Gestlegal, 2019, pág. 366 e 367, que: “ (…) Crimes habituais são aqueles em que a realização do tipo incriminador supõe que o agente pratique determinado comportamento de forma reiterada, até ao ponto de ela poder dizer-se habitual (…)”.
A distinção entre unidade e pluralidade de crimes é determinante para as consequências jurídicas do facto, ou seja, para a punição do agente.
Há pluralidade de crimes se forem vários os preceitos violados ou se for o mesmo preceito violado várias vezes, pluralidade esta que só fica afastada no caso de concurso aparente, ou nas formas de unificação de condutas como crime continuado, como um único crime ou como crime de trato sucessivo.
Dispõe o art.º 30º, nº 1 do Cód. Penal que: “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.
O crime de violência doméstica, tal como o antecedente crime de maus tratos, enquadra-se não só na figura de crimes habituais, mas também na categoria de crimes prolongados, protelados ou de trato sucessivo, desde que exista uma unificação de condutas ilícitas sucessivas, essencialmente homogéneas e temporalmente próximas, presididas por uma mesma unidade resolutiva criminosa, desde o início assumida pelo agente.
É essa unidade resolutiva, a par da homogeneidade da atuação e da proximidade temporal, que constitui a razão de ser da unificação dos atos de trato sucessivo num só crime.
Neste sentido se decidiu no Ac. do STJ de 29/11/2012, proferido no processo nº 862/11.6TAPFR.S1, em que foi relator Santos Carvalho, in www.dgsi.pt: “(…) O que, eventualmente, se exigirá para existir um crime prolongado ou de trato sucessivo será como que uma «unidade resolutiva», realidade que se não deve confundir com «uma única resolução», pois que, «para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua atividade sem ter de renovar o respetivo processo de motivação» (Eduardo Correia, 1968: 201 e 202, citado no “Código Penal Anotado” de P. P. Albuquerque)”.
Importa ainda ter em conta, como se referiu no Ac. do TRE de 8/01/2013, proferido no processo nº 113/10.0TAVVC.E1, em que foi relator João Gomes de Sousa, in www.dgsi.pt., que: “Aquilo que o legislador pretende não é - apenas - evitar que a pessoa inserida na relação de convivialidade seja «sovada», objecto de torturas, actos cruéis e vingativos, de ofensas que deixem mossas, sim que a sua dignidade individual como pessoa humana que estabeleceu voluntariamente uma relação como igual seja tratada como digno igual, evitando o tratamento como objecto de agressões, de fácil humilhação, de achincalhamento, de menosprezo pela sua dignidade individual e veja negada a sua importância familiar e social através da prática dos factos descritos no tipo. Assegurado isto, a dignidade, assegurado fica o respeito e o evitar da escalada para a crueldade.
Ou seja, a existência da crueldade não é elemento do tipo – o que ajuda a afastar a anterior jurisprudência que apostava na crueldade quer para caracterizar o acto não reiterado, quer os resultados – em sede de facto – que caracterizam uma postura desnecessariamente exigente, dos danos verificáveis.”
Conclui-se, assim, que para haver violência doméstica é necessário que haja uma agressão ou ofensa que revele o mínimo de violência sobre a pessoa, intensidade ou reiteração, que da parte do agressor haja uma motivação para a agressão, ofensa, achincalhamento ou menosprezo, e que da parte da vítima exista o reflexo negativo e sensível na sua dignidade, por via de uma ofensa na sua saúde física, psíquica ou emocional, ou na sua liberdade de autodeterminação pessoal ou sexual, verificando-se ainda um desequilíbrio entre a afirmação de uma igualdade jurídica consagrada na lei e uma desigualdade de estatuto psicológico, económico e social que se imponha como realidade de facto.
Importa ainda ter em conta que são também abrangidos pelo tipo penal os casos de «micro violência continuada», que Nuno Brandão, in ob. cit., caracterizou pela “opressão exercida e assegurada normalmente através de repetidos actos de violência psíquica que apesar da sua baixa intensidade quando considerados avulsamente são adequados a causar graves transtornos na personalidade da vítima quando se transformam num padrão de comportamento no âmbito da relação”.
É este o caso abordado pelo acórdão do TRC de 7/10/2009, proferido no processo nº 317/05.8GBPBL.C2, em que foi relator Mouraz Lopes, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que: a “(…) ocorrência de várias condutas reiteradas no tempo, diferenciadas no grau e no tipo de conduta, que por si só não assumam uma especial gravidade mas que quando interpretadas e vistas no enquadramento de uma relação conjugal assumem ou podem assumir claramente uma conformação de maus tratos. Ou seja, ao longo de um determinado período de tempo, no âmbito da relação conjugal, um dos cônjuges, agride, humilha, ameaça, injuria ou pratica outros actos que põem em causa a saúde do cônjuge, mesmo que não revista cada um deles de per si uma gravidade significativa. (…)”.
Voltando ao caso dos autos, vemos que o recorrente alega que a matéria de facto dada como provada não permite concluir pelo preenchimento do tipo da violência doméstica, porquanto não resultou provado que tivesse atuado com o propósito de afetar a dignidade da assistente, ou seja, que tivesse atuado com a intenção de a humilhar, diminuir, perpetando agressões sexuais ou actuando para lhe infligir maus tratos psíquicos e físicos.
Conforme ficou supra referido, o Tribunal a quo deu como provado que o arguido:
- vivia com a sua mulher, BB, as duas filhas menores do casal no domicílio comum e uma filha da ofendida, EE;
- ao longo do período compreendido entre os anos de 2017 e 2021, em múltiplas ocasiões, de número não apurado, no domicílio comum, por vezes na presença das filhas menores comuns e de EE, o arguido desferiu empurrões e murros nos braços de BB, causando-lhe dores e sofrimento;
- chamou BB para ir ter consigo à casa de banho, tendo posteriormente agarrado a mesma por trás, puxado as calças daquela para baixo e tentado penetrá-la no ânus, causando-lhe dores e sofrimento;
- por diversas vezes tentou penetrar BB no ânus, a qual se queixava de dores, enquanto o arguido lhe dizia «é normal doer, mas vais gostar», causando-lhe dores e sofrimento;
- numa ocasião, após ter consumido bebidas alcoólicas, espetou uma faca na mesa da cozinha, enfrentou BB com o olhar e disse-lhe, num tom de voz grave e sério: «eu sou …. Acontece-te a ti e acontece-me a mim» e «olha que eu tenho uma pistola, vê lá o que andas a fazer», atirando em seguida as cadeiras da cozinha para o chão;
- ligou para BB e disse-lhe «vai para o caralho, foste ter com o teu amante. És uma puta, és uma vaca. Eu já sabia. Por isso é que tu não queres ir para a cama comigo. Logo à noite em casa tens de me provar que não tens amantes. Vou-te tirar as meninas, nunca mais vês as meninas»;
- antes do dia 15 de junho de 2022, o arguido, não se conformando com o pedido de divórcio, disse a um colega de BB que se ia matar mas que não ia sozinho, referindo-se à mesma, facto de que a ofendida teve conhecimento;
- no dia 11 de junho de 2022 dirigiu a BB as seguintes expressões: «és uma puta», «és uma ordinária» e «andas-me a meter os cornos há não sei quantos anos» e agarrou o braço de BB com força e beijou-a contra a sua vontade, causando-lhe dores e sofrimento, tudo na presença de uma das filhas menores do casal;
- no dia 11 de junho de 2022, pelas 21h00, após consumir bebidas alcoólicas, AA dirigiu-se junto à habitação de BB, para entregar as filhas de ambos, e, na via pública, iniciou uma discussão com a mesma, tendo-lhe dirigido as seguintes expressões: «és uma puta» e «andas com metade dos homens do …».
- nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido empurrou BB nos ombros, o que ocorreu um número indeterminado de vezes, mas pelo menos duas, tudo na presença das filhas menores e da filha de BB;
- no dia 25 de setembro de 2022 desferiu uma pancada de mão aberta no braço direito de BB, causando-lhe dores;
- no dia 6 de outubro de 2022 o arguido ligou a BB e dirigiu-lhe as seguintes expressões: «oh sua grande puta, onde é que tu estás? Estou à porta de tua casa e tu andas aí com esse burgesso, eu vou pegar nas minhas filhas e vou-me embora»;
- quando chegou à residência, dirigiu-lhe as seguintes expressões: «puta do caralho, sua filha da puta, não vales nada, vou-te tirar as filhas»;
- após desferiu uma pancada de mão aberta na face direita de BB, tendo esta batido com a cabeça no seu carro, o que ocorreu na presença das filhas menores e da filha de BB;
- no dia 2 de janeiro de 2023, no interior do pavilhão gimno-desportivo «…», dirigiu a BB as seguintes expressões: «olha lá, vais arranjar a carrinha que eu tenho um comprador para ela, a carrinha não é para andar com gordos lá dentro, nem com este nem com aquele»;
- após empurrou BB, que se encontrava agachada a vestir a sua filha, fazendo-a desequilibrar-se e disse-lhe, num tom de voz grave e sério: «esta palhaçada vai acabar, se não fizeres o que te estou a mandar vais ter uma surpresa, um dia vais a andar e já não voltas»;
- BB ficou com receio que o arguido atentasse contra a sua vida;
- no dia 19 de janeiro de 2023, na Escola …, no …, dirigiu-se à vítima empunhando o seu telemóvel na mão, apontando-o à mesma, e dirigiu-lhe as seguintes expressões: «vou-te tirar as filhas» e «tu não vais ficar para ver»;
- BB ficou com receio que o arguido atentasse contra a sua vida;
- agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de molestar o corpo e prejudicar a saúde psíquica e emocional de BB, sabendo que as suas condutas eram aptas a tal;
- agiu com o propósito concretizado de ofender BB na sua honra e consideração, coartar a liberdade de movimentos, limitar a autodeterminação sexual e incutir receio a BB, sabendo que as suas condutas eram idóneas a atingir o sentimento de segurança daquela e a causar-lhe temor pela prática futura de ato que atentasse contra a sua vida;
- ao atuar nos termos por que o fez, quis afetar BB na sua dignidade enquanto pessoa humana, no seu equilíbrio social e psicoemocional e no seu bem-estar físico, provocando-lhe dores, angústia e sofrimento permanente, sabendo que as condutas supracitadas eram aptas a tal, o que logrou alcançar;
- agiu sabendo que tinha contraído matrimónio com BB, mãe das suas filhas, bem sabendo que lhe devia respeito e consideração, não se coibindo de o fazer dentro da habitação em que ambos residiam e na presença das filhas menores de ambos e de EE;
- sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal;
- humilhou, durante anos, a demandante ao injuriar a mesma com expressões atentatórias da sua dignidade, como sejam “puta”, “és uma ordinária”, “andas-me a meter os cornos há não sei quantos anos”, “andas com metade dos homens do …”, “puta do caralho, sua filha da puta, não vales nada, vou-te tirar as filhas”;
- a assistente viveu anos de vergonha, encobrindo o comportamento do arguido, não partilhando a sua situação de vida com ninguém;
- ameaçou a demandante, que a matava e que lhe retirava as filhas;
- não se coibiu de maltratar a demandante na presença das filhas;
- tornou a demandante numa pessoa receosa, amedrontada, medrosa, quebrando totalmente a sua autonomia e respeito próprio;
- foi o medo pelo que o arguido pudesse fazer que impediu a assistente de reagir e de pôr termo à relação mais cedo;
- a demandante vivia, e ainda vive, num acentuado estado de ansiedade e de nervos, o que reflete no seu dia-a-dia, na sua capacidade de ter um comportamento livre e natural, mesmo após o divórcio, levando-a a mudar de residência para ….
Ora, em face desta factualidade dúvidas não restam de que se mostra, efectivamente preenchido o elemento objectivo do tipo legal da violência doméstica, previsto no art.º 152º, nºs 1 e 2 do Cód. Penal, pois os comportamentos do arguido, ao longo de um período temporal de cinco anos e meio, traduziram-se em inúmeras e reiteradas agressões físicas, psicológicas e sexuais e em humilhações e vexames, lesivos da saúde, física e psíquica, e da honra da sua mulher, mãe das suas filhas, na presença destas últimas e de terceiros e também no domicílio familiar.
Em face disto, dúvidas não podem haver de que tais comportamentos do arguido provocaram necessariamente danos psicológicos na ofendida, que vivia num ambiente familiar pouco securizante, com um marido que era suposto respeitá-la e às suas filhas, mas que a qualquer momento a podia sujeitar a sofrer actos de violência física, sexual e verbal, por vezes na frente das menores e sem para tal demonstrar qualquer inibição, levando a que a ofendida tivesse chegado a temer pela sua vida e pela possibilidade de ficar sem as suas filhas.
Mostra-se igualmente preenchido o elemento subjectivo deste tipo legal de crime, uma vez que resultou provado que o arguido actuou em livre manifestação de vontade, no propósito concretizado de atingir a ofendida, sua companheira e mãe das suas filhas, na sua honra e consideração e de atingir e molestar a sua integridade moral e física, na presença das filhas, apercebendo-se do prejuízo que lhe causava e querendo fazê-lo, tendo, por isso, agido com dolo directo, nos termos do art.º 14º, nº 1 do Cód. Penal.
Finalmente, é também de considerar que há lugar à agravação prevista no art.º 152º, nº 2, alínea a) do Cód. Penal, porquanto resultou provado que alguns dos factos foram praticados na presença de menores e no domicílio comum.
Conclui-se, assim, que não merece censura o enquadramento jurídico-penal dos factos efectuado na decisão recorrida, devendo o recurso improceder também nesta parte.
F) Medida da pena
O tribunal a quo condenou o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea a) do Código Penal:
- na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, mediante subordinação a regime de prova, a acompanhar pelos Serviços da Direcção-Geral de Reinserção Social, que vocacionado para a prevenção da reincidência, e que deverá incluir a obrigação de frequência do PAVD – Programa para Agressores de Violência Doméstica, nos termos dos artigos 50.º, 52.º, n.º 1, al. b), 53.º e 54.º, todos do Código Penal e artigo 34.º-B, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro.
- nas penas acessórias de:
(i) proibição de contacto com a vítima BB, incluindo o afastamento da residência e do local de trabalho da mesma, mediante fiscalização através de vigilância eletrónica fixando-se como raio de segurança a distância de 500 metros;
(ii) proibição de uso e porte de armas, ambas pelo período de 3 (três) anos, nos termos dos artigos 152.º, n.º 4 e 5 do Código Penal, artigos 35.º e 36.º, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro.
Entende o recorrente que a pena concreta de prisão que lhe foi aplicada é exagerada, devendo ser aplicada uma pena no mínimo legal e suspensa na sua execução.
Quanto à pena acessória de proibição de contacto com a vítima BB, incluindo o afastamento da residência e do local de trabalho da mesma, mediante fiscalização através de vigilância eletrónica fixando-se como raio de segurança a distância de 500 metros, entende o recorrente que é desproporcional o recurso a fiscalização através da vigilância eletrónica, uma vez que não tem qualquer contacto com a assistente e quando a assistente lhe permitia estar com as suas filhas, ela dirigia-se junto à residência do arguido para ir buscar as suas filhas, sendo as mesmas entregues pela sua companheira UU.
Mais alega que tem o direito de ser pai, de visitar as suas filhas na escola ou em qualquer evento e que, com a vigilância eletrónica, ficará impedido de estar com as suas filhas quando tais circunstâncias o permitirem.
Defende ainda que é desproporcional a proibição do uso e porte de armas, pois só utiliza arma quando é necessário no exercício das suas funções, dentro do ….
Vejamos se lhe assiste razão.
O crime pelo qual o arguido foi condenado é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
Quanto à determinação da medida da pena, esta deve ser apurada em função dos critérios enunciados no art.º 71º do Cód. Penal, que são os seguintes: “ Artigo 71.º - Determinação da medida da pena
1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.”
Estes critérios devem ser relacionados com os fins das penas previstos no art.º 40º do mesmo diploma, onde se estabelece no seu nº 1 que: “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, e no seu nº 2 que: “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. Tais elementos e critérios contribuem não só para determinar a medida da pena adequada à finalidade de prevenção geral, consoante a natureza e o grau de ilicitude do facto tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação de valores, como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial, em função das circunstâncias pessoais do agente, idade, confissão e arrependimento e permitem também apreciar e avaliar a culpa do agente. Em síntese, pode dizer-se que toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (cf. Figueiredo Dias, in “ Direito Penal, Parte Geral “, Tomo I, 3ª Edição, 2019, Gestlegal, pág. 96). Na mesma linha, Anabela Miranda Rodrigues, no seu texto “ O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, Abril-Junho de 2002, págs. 181 e 182), apresenta as seguintes proposições que devem ser observadas na escolha da pena: «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.»
Ainda segundo Figueiredo Dias, in “ Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 2ª reimpressão, 2009, págs. 196 e 197, § 255, é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação da medida concreta da pena, bem como o desconhecimento ou a errónea aplicação pelo tribunal a quo dos princípios gerais de determinação da pena, a falta de indicação de factores relevantes para aquela ou a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda que está plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção e a determinação do quantum exacto de pena, o qual será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.
Importa, assim, ter em conta que só em caso de desproporcionalidade manifesta na fixação da pena ou de necessidade de correcção dos critérios da sua determinação, atenta a culpa e as circunstâncias do caso concreto, é que o Tribunal de 2ª Instância deve alterar a espécie e o quantum da pena, pois, mostrando-se respeitados todos os princípios e normas legais aplicáveis e respeitado o limite da culpa, nada há a alterar.
Neste sentido decidiu o Acórdão do TRL de 11/12/19, proferido no processo nº 4695/15.2T9PRT.L1-9, em que foi relator Abrunhosa de Carvalho, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que: “ A intervenção dos tribunais de 2ª instância na apreciação das penas fixadas, ou mantidas, pela 1ª instância deve ser parcimoniosa e cingir-se à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, à questão do limite da moldura da culpa, bem como a situação económica do agente, mas já não deve sindicar a determinação, dentro daqueles parâmetros da medida concreta da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, a desproporção da quantificação efectuada, ou o afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares.”
Também no mesmo sentido se pronunciou José Souto de Moura, in “ A Jurisprudência do S.T.J. sobre Fundamentação e Critérios da Escolha e Medida da Pena”, 26 de Abril de 2010, consultável em www.dgsi.pt, onde defende que: “ Sempre que o procedimento adoptado se tenha mostrado correcto, se tenham eleito os factores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar tenha sido feita, e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, sempre que nada disto seja objecto de crítica, então o “quantum” concreto de pena já escolhido deve manter-se intocado.”
Voltando ao caso dos autos, a sentença recorrida fundamentou a aplicação ao arguido das penas em apreço pela seguinte forma:
“(…) Ora, percorrendo o elenco do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, importa notar:
- Alínea a): quanto ao grau de ilicitude do facto, é o mesmo elevado, revelando-se na gravidade das ofensas sexuais, injúrias, ameaças, humilhações e pressões psicológicas e ofensas à integridade física perpetradas pelo arguido à pessoa da sua cônjuge e mãe de duas filhas em comum, perpetradas no domicílio comum, alguns dos quais na presença das menores de idade;
- Alínea b): no que tange à intensidade do dolo, esta afigura-se elevada, uma vez que, conforme supra exposto, o arguido agiu com a intenção de ofender a honra e consideração da ofendida, criando sentimentos de vergonha, humilhação, diminuição, frustração e bem assim medo e inquietação pela sua vida, perpetrando agressões sexuais e atingindo a sua integridade física, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei;
- Alínea c): relativamente aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, denota a matéria de facto dada como provada que à conduta do arguido subjaz um sentimento de superioridade em relação à pessoa da ofendida, desconsiderando em absoluto a sua dignidade pessoal, não se vislumbrando qualquer motivo ponderoso que justifique tal atuação;
- Alínea d): a propósito das condições pessoais do agente e da sua situação económica, o arguido está empregado, encontra-se socialmente inserido e não apresenta antecedentes criminais;
- Alínea e): no que concerne à conduta anterior ao facto e a posterior a este, de notar que o arguido apresentou uma postura exculpatória, alegando intuito persecutório da assistente de modo a impedir de estar com as filhas em comum do ex-casal.
- Alínea f): não obstante o carácter reiterado dos maus tratos, julga-se que, com o devido apoio, o arguido estará em condições manter uma conduta conforme ao direito.
Em face do exposto, elevando-se as exigências associadas às finalidades de prevenção geral e especial, julga-se adequada a aplicação, no caso concreto, de uma pena de 3 (três) anos de prisão, cf. artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, 41.º e 71.º do Código Penal. (…)
Da aplicação de penas acessórias
O Ministério Público requer na sua acusação a aplicação de penas acessórias.
Nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 4, do Código Penal, nas situações de violência doméstica podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, acrescentando o n.º 5 que a pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
Esta pena acessória não reveste carácter automático, devendo a sua necessidade ser apurada com referência às especificidades do caso concreto.
No caso em apreço, tendo em conta o período de tempo em que os factos ocorreram e a necessidade de alteração de comportamentos por parte do arguido, suscitam a necessidade de que o mesmo seja sujeito às referidas penas acessórias, de modo a que a ofendida possa alcançar a necessária tranquilidade.
Com efeito, como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 16.03.2011 (processo n.º 607/09.0PPPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt), «O impacto dos números deste tipo de criminalidade e a gravidade de certos atos facilitados pela proximidade do agressor em relação à vítima, justificam uma abordagem punitiva alargada [“um tratamento holístico – transversal e integrado” nas palavras da exposição de motivos do III Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (2007-2009)] que procure garantir não só a segurança, a tranquilidade e o restabelecimento da vítima mas, também, a recuperação física e psicológica do agressor, através de adequado tratamento e acompanhamento médicos».
Ora, é precisamente esta necessidade de garantir o restabelecimento da vítima e simultaneamente do arguido que se assumem como elemento decisivo no sentido da opção pela aplicação destas penas acessórias.
Em face do que se deixou dito, julgo ajustado aplicar ao arguido as penas acessórias de proibição de contactos com a vítima e de proibição de uso e porte de armas pelo período de 3 (três) anos.
Por outro lado, em consonância com o disposto nos artigos 152.º, n.º 5 e 35.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, a proibição de contactos com a vítima inclui o afastamento da residência e do local de trabalho da mesma, e deve ser sujeita a vigilância eletrónica, com vista a alcançar a sua adequada proteção, conforme já determinado previamente em sede de aplicação de medida de coação, pese embora o arguido se encontre presentemente a viver noutra localidade uma vez que se entende que de outra forma não se consegue salvaguardar a posição da vítima, não sendo necessário o consentimento do arguido quando se mostre imprescindível para proteção da vítima, nos termos do artigo 36.º, n.º 1 e 7, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro (entre outros, veja-se o Acórdão da Relação de Évora, de 22.09.2015), em face da atitude de desresponsabilização do arguido e que este pratica os factos indiferente a quem está presente, designadamente uma criança, e, sobretudo, ao respeito pela vítima.
Assim, a pena acessória de proibição de contactos será fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância, fixando-se como raio de segurança a distância de 500 metros.
Por último, face ao já determinado ao nível do regime de prova, entende-se despicienda a aplicação autónoma da pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica. (…)”
Analisada a decisão, verifica-se que o Tribunal recorrido aplicou correctamente os princípios gerais de determinação da medida da pena, não ultrapassou os limites da moldura da culpa e teve em conta os fins das penas nos quadros da prevenção geral e especial.
Relativamente às necessidades de prevenção geral, estas revelam-se efectivamente elevadas, dado que existe uma necessidade bastante premente de proteção dos bens jurídicos tutelados por este ilícito criminal, máxime, o respeito pela dignidade da pessoa humana, relevando aqui o facto de o crime de violência doméstica ser um crime que, pelas suas consequências e frequência, provoca forte alarme social.
O arguido foi condenado numa pena abaixo do ponto médio da moldura abstrata, o que apenas se compreende face à sua ausência de antecedentes criminais.
Esta pena foi suspensa na sua execução, não tendo o arguido questionado esta circunstância, nem as condições a que a mesma foi sujeita. Em face da matéria de facto apurada, entendemos que a quantificação da pena de prisão não se mostra desproporcionada, nem se mostram violadas as regras da experiência comum, estando as circunstâncias atenuantes e agravantes bem ponderadas, pelo que não se justifica a alteração da pena concretamente aplicada ao recorrente, a qual se mantém.
No que concerne às penas acessórias o recorrente não questionou a aplicação da pena de proibição de contactos, nem o seu raio de acção, mas apenas considera desproporcional o recurso a fiscalização através de vigilância eletrónica.
Sucede, porém, que a fiscalização da pena de proibição de contactos através de vigilância eletrónica é uma consequência legal da aplicação desta pena, conforme o previsto no art.º 152º, nºs 4 e 5 do Cód. Penal. Ora, não tendo o recorrente questionado a aplicação desta pena acessória, nada se pode alterar quanto ao seu controlo através de vigilância eletrónica, uma vez que a mesma é imposta por lei.
Relativamente à aplicação da pena acessória de proibição de uso e porte de armas, a mesma foi devidamente justificada pelo Tribunal a quo, não tendo o recorrente apresentado qualquer argumento que justifique a desproporção que invocou, pelo que nada há a alterar também neste tocante.
G) Impugnação do quantum indemnizatório relativo aos danos não patrimoniais
Por último, entende o recorrente que o pedido de €30.000,00 (trinta mil euros), a título de indemnização civil é manifestamente desproporcional, sendo o valor da indemnização fixada bastante elevado, face aos factos provados, que consequentemente, nos termos do art.º 483º do Cód. Civil, obrigam o arguido a indemnizar a assistente.
Considerando os danos não patrimoniais sofridos pela assistente, entende o recorrente que o valor de indemnização não deve ser superior a €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
Vejamos se lhe assiste razão.
De acordo com o disposto no art.º 129º do Cód. Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.
Quanto à responsabilidade civil por factos ilícitos, dispõem os arts.º 483º, nº 1, 486º e 563º do Cód. Civil que tem a mesma os seguintes pressupostos:
a) o facto ilícito, enquanto acção voluntária, ou omissão, violadora de bens jurídicos patrimoniais ou pessoais de terceiros;
b) o nexo de imputação do facto ao lesante;
c) a existência de um dano ou prejuízo causado pelo facto ilícito;
d) o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima.
Segundo o disposto no art.º 496º, nº 1 do mesmo diploma, na fixação da indemnização por danos não patrimoniais deve-se atender aos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Ainda segundo o previsto no art.º 562º do Cód. Civil, a obrigação de indemnizar tem em vista a reconstituição da situação que existiria na esfera patrimonial do lesado se não tivesse ocorrido o facto causador da lesão.
A indemnização por danos morais, visando uma compensação do lesado pelo sofrimento, é fixada segundo critérios de equidade, nos termos previstos nos arts.º 496º, nº 4 e 566º, nº 3 do Cód. Civil, e actualizada ao momento do julgamento ( cf., neste sentido, Ac. STJ de 14/3/91, in BMJ 405, pág. 443 ).
Importa, no entanto, determinar quais são os danos não patrimoniais indemnizáveis.
Conforme é hoje unanimemente entendido, a gravidade do dano não patrimonial mede-se por um padrão objetivo, consoante as circunstâncias do caso concreto, devendo ser afastados fatores suscetíveis de traduzir uma sensibilidade exacerbada ou requintada do lesado (cf., neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª Edição, Coimbra Editora, 1987, pág. 499, nota 1).
O dano indemnizável deve ser assim um dano de tal modo grave que mereça a tutela do direito e justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado, não relevando para efeitos de indemnização os simples incómodos ou contrariedades (cf., neste sentido, Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 6ª edição, pág. 576).
A gravidade do dano deve, pois, aferir-se com recurso a critérios objectivos, como sejam a dignidade e o valor intrínseco do bem ou interesse jurídico violado.
Não é, no entanto, possível estabelecer um paralelismo absoluto entre a gravidade do dano e a dignidade do bem jurídico violado, havendo outros factores que podem conferir gravidade ao dano, como por exemplo a intensidade da lesão, quer em termos temporais, quer em termos de afectação do bem ou interesse em causa, e a censurabilidade da conduta do agente, apta a justificar a qualificação como grave de um dano que pelos critérios da dignidade e da intensidade poderia ficar sem protecção.
Na determinação dos danos não patrimoniais indemnizáveis cabem ainda os decorrentes de uma especial sensibilidade do lesado, como sejam a doença, a idade e a maior vulnerabilidade ou fragilidade emocionais.
Não são, no entanto, atendíveis os meros incómodos e pequenas contrariedades, que na perspectiva do lesado mereceriam a tutela do direito, mas que não passam no crivo de uma avaliação objectiva ou de mero bom senso.
Quanto à definição de quais sejam os danos não patrimoniais indemnizáveis, destaca-se o dano moral em sentido próprio ou subjectivo, ou seja, a humilhação, a angústia, a vergonha e a ansiedade, nele se incluindo também a própria dor, que no direito português abrange quer a dor física, quer o sofrimento moral.
É ainda possível a ofensa de bens de carácter imaterial, desprovidos de conteúdo económico e insuscetíveis de avaliação pecuniária, como sejam a integridade física, a saúde, a correcção estética, a liberdade, a honra ou a reputação.
A ofensa objectiva destes bens tem, em regra, um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou moral ( cf. neste sentido, Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 6ª Edição, Coimbra Editora, 1989, pág. 375).
Também Antunes Varela identifica os danos não patrimoniais com os prejuízos, como as dores físicas, os desgosto morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação e os complexos de ordem estética, que não são susceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome, pelo que não integram o património do lesado e apenas podem ser compensados pecuniariamente (in “Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª edição, Almedina, 2003, pág. 571 e seguintes).
Na senda da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tem-se vindo também a autonomizar do dano moral em sentido estrito, o dano não patrimonial derivado da lesão da dignidade humana, decorrendo esta autonomização do reconhecimento de que os actos atentatórias da dignidade humana provocam angústia, amargura e desespero ( cf. neste sentido “Danos Não Patrimoniais”, in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, FDUC, Vol. III, Direito das Obrigações, 2007, págs. 505 a 512). No entanto, como sustenta Vaz Serra, in BMJ, vol. 83º, pág. 85: “ (…) a satisfação ou compensação dos danos morais não é uma verdadeira indemnização no sentido equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão; trata-se de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo apenas moral, não é susceptível de avaliação”.
Assim sendo, uma vez que o ressarcimento dos danos não patrimoniais deriva da violação de direitos fundamentais, deve-se abandonar um critério miserabilista no que respeita à fixação dos respetivos montantes indemnizatórios.
Feito este enquadramento legal e doutrinário, voltemos ao caso concreto.
A ofendida peticionou uma indemnização no valor de 30.000,00 euros, que lhe foi concedida, referindo que tal indemnização se reporta a danos patrimoniais e não patrimoniais.
Porém, analisando o pedido cível que a mesma fez nos autos, verifica-se que apenas pretende ser indemnizada por danos não patrimoniais, não obstante a qualificação que fez dos mesmos.
Por seu turno, o recorrente insurge-se contra a indemnização atribuída à ofendida, defendendo que não se deram como provados os factos descritos no ponto 40) dos factos provados, pressuposto este que, como vimos, não se verificou.
Voltemos a analisar os seguintes factos provados:
- entre os anos de 2017 e 2021, quando viviam juntos, o arguido, por diversas vezes, desferiu empurrões e murros nos braços de BB, causando-lhe dores e sofrimento, algumas vezes na presença das filhas menores;
- entre os anos de 2017 e 2021, quando viviam juntos, o arguido agarrou a ofendida por trás, puxado as calças desta para baixo e tentado penetrá-la no ânus, causando-lhe dores e sofrimento;
- entre os anos de 2017 e 2021, quando viviam juntos, o arguido, por diversas vezes, tentou penetrar BB no ânus, que se queixava de dores enquanto aquele lhe dizia «é normal doer, mas vais gostar», causando-lhe dores e sofrimento;
- o arguido, no domicílio comum, alcoolizado e na presença das filhas menores, espetou uma faca na mesa da cozinha, enfrentou BB com o olhar e disse-lhe, num tom de voz grave e sério: «eu sou …. Acontece-te a ti e acontece-me a mim» e «olha que eu tenho uma pistola, vê lá o que andas a fazer», atirando em seguida as cadeiras da cozinha para o chão;
- o arguido ligou para BB e disse-lhe «vai para o caralho, foste ter com o teu amante. És uma puta, és uma vaca. Eu já sabia. Por isso é que tu não queres ir para a cama comigo. Logo à noite em casa tens de me provar que não tens amantes. Vou-te tirar as meninas, nunca mais vês as meninas»;
- antes do dia 15 de junho de 2022, o arguido, não se conformando com o pedido de divórcio, disse a um colega de BB que se ia matar mas que não ia sozinho, referindo-se à mesma, facto de que a ofendida teve conhecimento;
- no dia 11 de junho de 2022 dirigiu a BB as seguintes expressões: «és uma puta», «és uma ordinária» e «andas-me a meter os cornos há não sei quantos anos» e agarrou o braço de BB com força e beijou-a contra a sua vontade, causando-lhe dores e sofrimento, tudo na presença de uma das filhas menores do casal;
- no dia 11 de junho de 2022, pelas 21h00, após consumir bebidas alcoólicas, o arguido dirigiu-se junto à habitação de BB para entregar as filhas de ambos, e, na via pública, iniciou uma discussão com a mesma, tendo-lhe dirigido as seguintes expressões: «és uma puta» e «andas com metade dos homens do …».
- após empurrou BB nos ombros, o que ocorreu um número indeterminado de vezes, mas pelo menos duas, tudo na presença das filhas menores e da filha de BB;
- no dia 25 de setembro de 2022 desferiu uma pancada de mão aberta no braço direito de BB, causando-lhe dores;
- no dia 6 de outubro de 2022 o arguido ligou a BB e dirigiu-lhe as seguintes expressões: «oh sua grande puta, onde é que tu estás? Estou à porta de tua casa e tu andas aí com esse burgesso, eu vou pegar nas minhas filhas e vou-me embora»;
- quando chegou à residência, dirigiu-lhe as seguintes expressões: «puta do caralho, sua filha da puta, não vales nada, vou-te tirar as filhas»;
- após desferiu uma pancada de mão aberta na face direita de BB, tendo esta batido com a cabeça no seu carro, o que ocorreu na presença das filhas menores e da filha de BB;
- no dia 2 de janeiro de 2023, no interior do pavilhão gimno-desportivo «…», o arguido dirigiu a BB as seguintes expressões: «olha lá, vais arranjar a carrinha que eu tenho um comprador para ela, a carrinha não é para andar com gordos lá dentro, nem com este nem com aquele»;
- após empurrou BB, que se encontrava agachada a vestir a sua filha, fazendo-a desequilibrar-se e disse-lhe, num tom de voz grave e sério: «esta palhaçada vai acabar, se não fizeres o que te estou a mandar vais ter uma surpresa, um dia vais a andar e já não voltas»;
- BB ficou com receio que o arguido atentasse contra a sua vida;
- no dia 19 de janeiro de 2023, na Escola …, no …, dirigiu-se à vítima empunhando o seu telemóvel na mão, apontando-o à mesma, e dirigiu-lhe as seguintes expressões: «vou-te tirar as filhas» e «tu não vais ficar para ver»;
- BB ficou com receio que o arguido atentasse contra a sua vida;
- o arguido humilhou, durante anos, a demandante ao injuriar a mesma com expressões atentatórias da sua dignidade, como sejam “puta”, “és uma ordinária”, “andas-me a meter os cornos há não sei quantos anos”, “andas com metade dos homens do …”, “puta do caralho, sua filha da puta, não vales nada, vou-te tirar as filhas”;
- a assistente viveu anos de vergonha, encobrindo o comportamento do arguido, não partilhando a sua situação de vida com ninguém;
- o arguido ameaçou a demandante, que a matava e que lhe retirava as filhas;
- não se coibiu de maltratar a demandante na presença das filhas;
- tornou a demandante numa pessoa receosa, amedrontada, medrosa, quebrando totalmente a sua autonomia e respeito próprio;
- foi o medo pelo que o arguido pudesse fazer que impediu a assistente de reagir e de pôr termo à relação mais cedo;
- a demandante vivia, e ainda vive, num acentuado estado de ansiedade e de nervos, o que reflete no seu dia-a-dia, na sua capacidade de ter um comportamento livre e natural, mesmo após o divórcio, levando-a a mudar de residência para ….
Face a esta factualidade, verifica-se que no caso em apreço está verificada a prática de actos voluntários e ilícitos pelo arguido, actos estes que foram directamente causais de vários danos físicos e morais sofridos pela demandante.
Devido à actuação do arguido, protelada ao longo de cinco anos e meio, a demandante:
- sentiu dores, mal-estar, medo, sofrimento, humilhação, insegurança, vexame, angústia, pânico, ansiedade, nervosismo;
- foi ameaçada de morte por quatro vezes e sentiu receio pela própria vida e por perder o contacto com as suas filhas e ser privada de acompanhar o seu crescimento;
- foi constrangida, por várias vezes, a ter relações sexuais anais contra a sua vontade e com sofrimento físico e moral;
- foi batida, ameaçada e injuriada, por diversas vezes, inclusive na frente das filhas e de terceiros;
- viveu num clima de medo e terror que a impediu durante vários anos de pôr termo à relação conjugal com o arguido;
- sofreu represálias por parte do arguido por este não se conformar com o pedido de divórcio;
- já após o pedido de divórcio, foi beijada pelo arguido contra a sua vontade, em público e na frente das filhas menores;
- as alterações provocadas pela atitude do arguido na auto-estima e nos comportamentos da demandante levaram-na a mudar de residência para outra cidade.
Constata-se, assim, que a conduta do arguido é muito grave, sobretudo porquanto o mesmo, tendo em conta as suas funções profissionais de …, tinha obrigação de saber controlar os seus impulsos e de não fazer uso de uma arma, cuja utilização lhe foi atribuída no exercício da sua profissão, para com ela ameaçar a sua mulher e mãe das suas filhas, numa clara atitude de prepotência, humilhante, inibitória e vexatória, deixando a vítima numa situação de quase impossibilidade de reacção.
Os danos morais sofridos pela demandante, tendo em conta a sua duração e intensidade, são de tal modo graves que merecem, efectivamente, a tutela do direito, impondo-se atribuir-lhe uma indemnização compensatória pelo sofrimento dos mesmos. Uma vez que não existe a possibilidade de quantificar os danos morais, a sua ressarcibilidade tem que ser feita com recurso à equidade, ou seja, através de um critério de razoabilidade, ditado pelo bom senso. Face aos danos de natureza não patrimonial em apreço há que ter em conta que a indemnização deve ser significativa de modo a representar uma efetiva compensação pelos prejuízos sofridos, mas sem representar um enriquecimento injustificado do lesado à custa do lesante.
A decisão recorrida, analisando a factualidade apurada, considerou justo e proporcional condenar o arguido a pagar à demandante a quantia de 30.000,00 euros. No caso concreto, face a tudo quanto antecede, à luz da equidade, entende-se que tal quantia é justa, adequada e proporcional, mostrando-se, de acordo com as especificidades do caso, perfeitamente consentânea, com os valores atribuídos e os critérios seguidos pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores em casos que com este têm alguma similitude, sendo, por isso, de manter.
*
4. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram esta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o presente recurso, interposto por AA e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s.
Évora, 3 de Junho de 2025
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
Carla Francisco
(Relatora)
Laura Goulart Maurício
Manuel Soares
(Adjuntos)