Como resulta expressamente do teor do o art. 73º, nº1, do RGCO, o direito de recurso consagrado no nº1, refere-se apenas às sentenças ou despachos proferidos nos termos do art. 64º (quando a decisão é proferida por simples despacho, sem precedência de audiência de julgamento), não existindo relativamente a outras decisões, designadamente decisões interlocutórias. E, o nº2, do mesmo artigo refere-se apenas às sentenças.
Tal opção legislativa é coerente com o próprio regime e a natureza do direito contraordenacional que se pretende simples e célere e onde vigora o princípio da irrecorribilidade, apenas sendo recorríveis as decisões que se encontrem nas situações expressamente previstas na lei – exatamente ao contrário do que ocorre no âmbito do processo penal em que a regra é a recorribilidade das decisões.
Saliente-se que tal posição se mostra totalmente conforme os princípios constitucionais uma vez que, em sede contraordenacional, apenas são garantidos os direitos de audiência e defesa e já não o direito de recurso, como ocorre no processo criminal – art. 32º, nºs 1 e 10, da CRP. Não existe por isso, e ao contrário do que é invocado, qualquer violação do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional.
No caso concreto a decisão recorrida não se mostra contemplada em nenhuma das alíneas do citado art. 73º. Com efeito, a decisão recorrida é um despacho e não uma sentença. E, esse despacho não é aquele que é proferido nos termos do art. 64º, sendo até posterior à sentença proferida.
Salienta-se ainda que o recurso às normas previstas no Cód. Proc. Penal, por remissão do art. 41º, do RGCO, pressupõe que a situação concreta não se mostre regulada e em sentido contrário ao aqui previsto. Ora, no caso concreto, não só o sistema de recursos se mostra regulado no RGCO, como também, por opção legislativa, o princípio estabelecido é o da não recorribilidade de todas as decisões, mas apenas das legalmente previstas. Não é por isso aplicável o regime de recursos previsto no Cód. Proc. Penal.
Por requerimento de janeiro de 2025, “AA.”, arguida nos autos, requereu o conhecimento da prescrição do procedimento contraordenacional.
Sobre tal pretensão foi proferido o seguinte despacho:
«Os presentes autos foram remetidos ao Tribunal da Relação de Évora em 13.06.2024, para apreciação do recurso interposto pela recorrente.
Os autos ainda não baixaram à primeira instância.
Em face do exposto, não pode este Tribunal pronunciar-se sobre o exposto pela recorrente no requerimento em referência, pelo que se indefere o requerido.
Notifique.»
Não conformada com tal decisão, a arguida interpôs recurso de cujas motivações extraiu as seguintes conclusões (transcrição):
« A - A prescrição não necessita de ser invocada por quem dela possa aproveitar, sendo de conhecimento oficioso.
B - A apreciação da prescrição incumbe ao Tribunal de Primeira Instância.
C - O facto de os Autos não terem baixado à primeira instância não é fundamento válido para indeferir o requerido.
D - Sob pena da questão da prescrição (que não pode, nem deve, ser apreciado pelo Tribunal Constitucional) ficar sem “julgar”.
E - No modesto entender da Recorrente deveria ter sido proferido despacho sobre a questão arguida (a prescrição) OU caso assim se não entende-se deveria ter sido proferido despacho a aguardar a baixa do processo para aí sim se proferir decisão.
F - Ao decidir como decidiu a douta sentença violou ou fez errada interpretação dos artigos 119 DO C.P.
Nestes termos e nos doutamente supridos deverá o douto despacho ser revogada e em consequência:
- Ser declarada a prescrição;
- Ou caso assim se não entenda sejam os Autos remetidos à primeira instância para ser decidida a prescrição»
O Ministério Público apresentou resposta, com as seguintes conclusões:
1.À data da apresentação do Requerimento da arguida, os autos não se encontravam no âmbito jurisdicional do Tribunal a quo (1.ª Instância), uma vez que tinham sido remetidos ao Tribunal da Relação de Évora, para apreciação do recurso interposto pela arguida/recorrente.
2.Efectivamente a prescrição do procedimento contraordenacional é de conhecimento oficioso.
3.Mas tendo em consideração que a questão da prescrição do procedimento contraordenacional, foi uma das questões colocadas em causa, no recurso interposto pela Recorrente da decisão final proferida pelo Tribunal a quo, cabia ao Tribunal da Relação, tomar posição sobre a mesma, e não ao Tribunal a quo, por não se encontrar no seu poder jurisdicional.
3.A questão da prescrição do procedimento contraordenacional não ficou por julgar, na medida em que após recurso da decisão final, o Tribunal da Relação de Évora, pronunciou-se sobre a mesma.
4.Não podem, concomitantemente, duas instâncias estarem a decidir sobre a mesma questão, tendo o Tribunal a quo sujeitar-se à decisão que venha a ser proferida por aquela Relação, designadamente, de conceder ou não provimento ao recurso apresentado pela recorrente, quanto à questão da prescrição, também invocada.
5.“A douta sentença”, não violou qualquer norma, princípio de direito, uma vez que estamos perante um Despacho proferido pelo Tribunal a quo, e não perante uma Sentença.
6. Também, aquele despacho não violou o art. 119.º do Código Penal ou qualquer outro preceito legal.
A Exma. Procuradora Geral Adjunta junto deste Tribunal da Relação apôs visto.
Ao abrigo do disposto no art. 417º, nº6, al.a), do Cód. Proc. Penal, foi proferida decisão sumária de inadmissibilidade do recurso interposto.
Não concordando com tal decisão, recorrente veio agora reclamar para a conferência, invocando, no essencial, e relativamente à admissibilidade do recurso – única matéria apreciada em sede de decisão sumária - (resumo nosso):
- a interpretação feita é restritiva e violadora do princípio da tutela jurisdicional consagrado no art. 20º, da CRP;
- nos termos do art. 41º, do RGCO, são subsidiariamente aplicáveis ao processo de contraordenação as normas do Cód. Proc. Penal, com as necessárias adaptações, salvo disposição em contrário;
- tratando-se o despacho recorrido uma decisão interlocutória com potencial decisão final, ao indeferir uma exceção de conhecimento oficioso como é a prescrição, deve ser considerado recorrível por aplicação do artigo 399.º e 400.º do Cód. Proc. Penal;
- O indeferimento impediu o conhecimento de uma questão fundamental e substancial para a arguida.
Atento o disposto no art. 417º, nº8, do Cód. Proc. Penal, cabe decidir em conferência.
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2 – O Direito
A questão a decidir nestes autos de recurso é a de saber se cabe ao tribunal recorrido apreciar a prescrição na fase processual em que tal questão foi suscitada.
Porém, antes de mais, importará decidir sobra a admissibilidade do recurso, o que consubstancia uma questão prévia.
Tal questão foi, como já se deixou dito, apreciada em sede de decisão sumária. Os argumentos apresentados pela reclamante não afastam, na nossa perspetiva, e com o devido respeito, o entendimento que ali se deixou expresso e que, por esse mesmo motivo, aqui serão reproduzidos.
Apreciando.
No que concerne à matéria de admissibilidade do recurso no processo de contraordenação, estipula o art. 73º, nº1, do RGCO:
“1 - Pode recorrer-se para a Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64.º quando:
a) For aplicada ao arguido uma coima superior a (euro) 249,40;
b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias;
c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a (euro) 249,40 ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
d) A impugnação judicial for rejeitada;
e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal.”
“2 - Para além dos casos enunciados no número anterior, poderá a relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência”.
Como resulta expressamente do teor do preceito em análise, o direito de recurso consagrado no nº1, refere-se apenas às sentenças ou despachos proferidos nos termos do art. 64º (quando a decisão é proferida por simples despacho, sem precedência de audiência de julgamento), não existindo relativamente a outras decisões, designadamente decisões interlocutórias. E, o nº2, do mesmo artigo refere-se apenas às sentenças.
Tal opção legislativa é coerente com o próprio regime e a natureza do direito contraordenacional que se pretende simples e célere e onde vigora o princípio da irrecorribilidade, apenas sendo recorríveis as decisões que se encontrem nas situações expressamente previstas na lei – exatamente ao contrário do que ocorre no âmbito do processo penal em que a regra é a recorribilidade das decisões.
Saliente-se que tal posição se mostra totalmente conforme os princípios constitucionais uma vez que, em sede contraordenacional, apenas são garantidos os direitos de audiência e defesa e já não o direito de recurso, como ocorre no processo criminal – art. 32º, nºs 1 e 10, da CRP. Não existe por isso, e ao contrário do que é invocado, qualquer violação do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional.
No caso concreto a decisão recorrida não se mostra contemplada em nenhuma das alíneas do citado art. 73º. Com efeito, a decisão recorrida é um despacho e não uma sentença. E, esse despacho não é aquele que é proferido nos termos do art. 64º, sendo até posterior à sentença proferida.
Salienta-se ainda que o recurso às normas previstas no Cód. Proc. Penal, por remissão do art. 41º, do RGCO, pressupõe que a situação concreta não se mostre regulada e em sentido contrário ao aqui previsto. Ora, no caso concreto, não só o sistema de recursos se mostra regulado no RGCO, como também, por opção legislativa, o princípio estabelecido é o da não recorribilidade de todas as decisões, mas apenas das legalmente previstas. Não é por isso aplicável o regime de recursos previsto no Cód. Proc. Penal.
Acresce que, e pese embora o teor da presente decisão, sempre se dirá que, ao contrário do sustentado pela reclamante, a questão da prescrição não ficou por apreciar nos presentes autos. Pelo contrário, essa matéria foi conhecida pelo tribunal recorrido aquando da prolação da decisão final e, sendo objeto do recurso interposto, foi também apreciada no Acórdão proferido por este Tribunal da Relação.
Por último, embora a prescrição seja de conhecimento oficioso, a sua apreciação não poderá ter lugar no âmbito de recurso que é rejeitado por se tratar de decisão irrecorrível.
Assim, e por força de tudo o que se deixa dito, o recurso não se mostra legalmente admissível.
3. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar inadmissível o recurso interposto.
Custas a cargo da reclamante, fixando-se a Taxa de Justiça em 3 UC.
*
Évora, 3 de junho de 2024
Carla Oliveira (Relatora)
Mafalda Sequinho dos Santos (1ºAdjunto)
Manuel Soares (2ºAdjunto)