Estabelece-se no artigo 61º, nº 1, alínea b), do CPP, que o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as exceções da lei, do direito de ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete.
Este direito a uma audição prévia é concretização da tutela constitucional das garantias de defesa em processo criminal, onde se inclui o princípio do contraditório, plasmados no artigo 32º, nºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, respetivamente, estando em causa, também, o direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e no artigo 20º, nº 4, da nossa Constituição.
E, revestindo uma questão suscitada pelo Ministério Público numa promoção natureza inovatória para o arguido/condenado, impõe-se, para satisfazer essas garantias, que lhe seja dado prévio (antes de ser proferida decisão, entenda-se) conhecimento do promovido e respetivos fundamentos, para sobre eles se pronunciar, querendo.
A violação das garantias de defesa do arguido/condenado, onde se engloba o direito fundamental ao exercício do contraditório, com dimensão constitucional como referido, porque o processo criminal tem de se configurar-se como um due process of law, reveste gravidade muito intensa, pelo menos equiparável à das nulidades elencadas como insanáveis.
1. No Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … - Juiz …, Proc. com o nº 9/13.4GBVRS, foi proferido despacho, aos 21/04/2023, em que se determinou que o arguido AA cumprisse em regime contínuo a pena em que foi condenado de 1 ano de prisão, a cumprir por dias livres em 72 períodos de 36 horas cada.
2.Inconformado com o teor do referido despacho, dele interpôs recurso o arguido, para o que formulou as seguintes conclusões (transcrição):
1. O presente recurso incide sobre o Douto Despacho proferido em 21/04/2023 com a refª …, pois que
2. Tanto o arguido como o seu mandatário, como decorre e se alcança na plataforma Citius, não foram notificados da douta Promoção do Digno Magistrado do MP, de 21/03/2023 com a refª … e para, querendo, exercer o contraditório. Donde,
3. Impediu-se o arguido, ou o seu mandatário, de poder exercer, validamente, o contraditório.
4. É que “A audição dos sujeitos processuais consiste na sua notificação ou dos respectivos advogados para se pronunciarem sobre a questão.”1
5. Nesta conformidade, deve ser declarado nulo o Despacho recorrido, e referido em 1ª, por preterição legal de formalismo, in casu, ausência do arguido ou do seu defensor em que a lei exige a sua comparência ou participação, por efeitos da alínea c) do artº 119 o CPP, o que acarreta a violação do Princípio do Contraditório e em especial o nº 5 do artº 32º da CRP, sem embargo e prejuízo do disposto nas alíneas b) e c) do artº 61º do CPP.
Nestes termos entende-se que, para boa Justiça, dever-se-á dar provimento ao presente recurso e dai declarar-se nulo e de nenhum efeito o Despacho recorrido.
3. O recurso foi admitido por despacho de 20/02/2025, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
4. O Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta à motivação de recurso, elencando as seguintes conclusões (transcrição):
1.ª – O arguido AA recorre do douto despacho proferido pelo Mm.º Juiz do Tribunal «a quo», datado de 21-04-2023, com a referência Citius n.º …, que determinou que o arguido cumprisse, em regime contínuo, a pena de prisão de um ano a que havia sido condenado a cumprir em 72 períodos de 36 horas cada (prisão por dias livres);
2.ª – Invoca que, em tal despacho, o douto Tribunal «quo» violou o princípio do contraditório, previsto no art.º 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e no art.º 119.º, al. c) do Código de Processo Penal, por não ter, previamente à sua prolação, notificado o arguido e o seu Ilustre Defensor do teor da promoção do Ministério Público datada de 21-03-2023, com a ref.ª Citius n.º …, na qual o Ministério Público se pronunciou no mesmo sentido daquele que veio a ser a decisão proferida no douto despacho recorrido
3.ª – O Recorrente extrai da motivação de recurso que apresentou, as seguintes conclusões que delimitam objectivamente o recurso (por transcrição):
«(…) 1. O presente recurso incide sobre o Douto Despacho proferido em 21/04/2023 com a refª …, pois que
2. Tanto o arguido como o seu mandatário, como decorre e se alcança na plataforma Citius, não foram notificados da douta Promoção do Digno Magistrado do MP, de 21/03/2023 com a refª … e para, querendo, exercer o contraditório. Donde,
3. Impediu-se o arguido, ou o seu mandatário, de poder exercer, validamente, o contraditório.
4. É que “A audição dos sujeitos processuais consiste na sua notificação ou dos respectivos advogados para se pronunciarem sobre a questão.”(…)
5. Nesta conformidade, deve ser declarado nulo o Despacho recorrido, e referido em 1ª, por preterição legal de formalismo, in casu, ausência do arguido ou do seu defensor em que a lei exige a sua comparência ou participação, por efeitos da alínea c) do artº 119 do CPP, o que acarreta a violação do Princípio do Contraditório e em especial o nº 5 do artº 32º da CRP, sem embargo e prejuízo do disposto nas alíneas b) e c) do artº 61º do CPP.
Nestes termos entende-se que, para boa Justiça, dever-se-á dar provimento ao presente recurso e dai declarar-se nulo e de nenhum efeito o Despacho recorrido. (…)».
4.º - O douto despacho em crise, decidiu nos seguintes termos (por transcrição):
«O arguido AA foi condenado, por sentença transitada em julgado, em pena de prisão de 1 ano, a cumprir em 72 períodos de 36 horas cada (prisão por dias livres).
O arguido foi regularmente notificado para os efeitos e nos termos do disposto no art.º 12.º, n.º 1 da Lei n.º 94/2017, de 23-08. Porém, não requereu a reabertura da audiência de julgamento para aplicação de pena não privativa de liberdade ou para cumprimento da pena em regime de permanência na habitação. Tal pena não se mostra prescrita e não foi cumprida (total ou parcialmente).
Ora, assim sendo, determina-se que o arguido cumpra a pena de prisão de 1 ano em regime contínuo.
Notifique, expedindo-se carta rogatória em conformidade.
Após trânsito apreciar-se-á o restante teor da antecedente promoção».
E,
A promoção do Ministério Público de 21-03-2023, com a ref.ª Citius n.º …, é a seguinte (por transcrição):
«Uma vez que o arguido, regularmente notificado para o efeito e nos termos do disposto no art.º 12.º, n.º 1 da Lei n.º 94/2017, de 23-08, não requereu a reabertura da audiência de julgamento para aplicação de pena não privativa de liberdade ou para cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, e uma vez que a pena não se encontra prescrita nos termos constantes da promoção apresentada pelo Ministério Público através do requerimento a que deu entrada no processo no dia 16-12-2021, ref.ª …, o Ministério Público promove que:
1 – o tempo de prisão por dias livres a que o arguido foi condenando seja convertido em prisão contínua;
2 – tal decisão seja comunicada ao Tribunal de Execução de Penas de …, solicitando-se que informe qual o Estabelecimento Prisional no qual o arguido se deverá apresentar para cumprir a prisão contínua;
3 - o arguido seja notificado para comparecer no Estabelecimento Prisional que vier a ser indicado a fim de cumprir o tempo de prisão contínuo que resulte da conversão da prisão por dias livres a que foi condenado pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03- 12-2013;
4 – que seja comunicado ao Processo C. Colectivo n.º 1767/13.1… do Juízo Central Criminal de … o teor do douto despacho que recair sobre esta promoção».
5.ª – Compulsados os autos constata-se que, à data da prolação do despacho em crise, o arguido ainda não havia sido confrontado com a consequência de ter de cumprir uma pena de prisão contínua caso não viesse a requerer a reabertura da audiência de julgamento, como – efectivamente – não veio.
Tal circunstância alcança-se do teor da carta rogatória que foi expedida no dia 17-06-2022, com a referência «Citius» n.º …;
6.ª – Consequentemente, e salvo melhor entendimento de V. Exas., o douto despacho do Tribunal «a quo» tem por objecto uma questão jurídica processual penal que altera o modo de execução ou cumprimento da pena de prisão a que o recorrente foi condenado e com a qual ele ainda não havia sido confrontado.
7.ª - A doutrina e jurisprudência nacionais são unânimes em reconhecer que o princípio do contraditório está previsto no art.º 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e constitui um princípio estrutural do processo penal.
No ensinamento do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 08-12- 2023 e proferido no Processo n.º 168/19.2GTLRA.C1, publicado na web, nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ:
«I - O princípio do contraditório, com assento no art. 32º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, tem no moderno processo penal o sentido e o conteúdo das máximas audiatur et altera pars (que seja ouvida, igualmente, a outra parte) e nemo potest inauditus damnari (ninguém deve ser condenado sem ser ouvido) e impõe que seja dada a oportunidade a todo o participante processual de ser ouvido, de expressar as suas razões antes de ser tomada qualquer decisão que o afecte e de influir na decisão através da sua audição pelo tribunal no decurso do processo.
II - O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem considerado o contraditório um elemento integrante do princípio do processo equitativo, inscrito como direito fundamental no artigo 6º, § 1º, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
(…)
V - O tribunal, na medida do possível, deve estruturar um processo justo e igualitário de forma a que as partes não sejam surpreendidas com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração.
(…)»
E, o douto Tribunal da Relação de Évora veio a proferir o douto Acórdão datado de 23-04- 2024, no Processo n.º 8/22.5GECUB-C.E1, publicado na web, nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, no qual apreciou o âmbito de aplicação do princípio do contraditório em processo penal e, decidiu que:
«I - Não é legalmente exigível a notificação ao arguido da resposta do Ministério Público a requerimento por si apresentado, até porque o arguido pode ter conhecimento dessa mesma resposta pela simples consulta dos autos.
II - A pronúncia cuja omissão determina a nulidade de uma decisão judicial respeita a questões (aos problemas suscitados) e não às razões alegadas ou aos argumentos invocados pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista.
(…)».
8.º - Sempre reconhecendo o melhor entendimento de V. Exas., afigura-se que o douto despacho recorrido ao condenar o arguido no cumprimento de uma pena de prisão continua em substituição de uma pena de prisão por dias livres que era a pena a que havia sido condenado na douta sentença condenatória transitada em julgado e, tendo-o feito como consequência da decisão do arguido de não requerer a reabertura da audiência de julgamento e, ainda, sem que, previamente, o tivesse esclarecido dessa consequência da sua conduta, proferiu uma decisão surpresa relativamente à qual não foi dada a possibilidade ao recorrente de exercer o contraditório e de, querendo, apresentar os argumentos que tivesse em sua defesa e que a poderiam invalidar;
9.ª – Assim, entende-se que assiste razão ao recorrente quando à invocada nulidade do despacho em crise do douto Tribunal «a quo» por violação do art.º 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e art.º 119.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal, porquanto o mesmo tem por objecto uma questão jurídica processual penal que altera o modo de execução da pena de prisão a que o mesmo foi condenado e com a qual ele ainda não havia sido confrontado em nenhum momento do processo.
Consequentemente, quer fosse através da notificação da promoção do Ministério Público identificada pelo recorrente no seu recurso, quer fosse através de despacho judicial elucidativo da questão nova que se propunha vir a conhecer, deveria o arguido ter sido notificado da questão a apreciar em futuro despacho decisório e da possibilidade de se pronunciar sobre tal questão, querendo e em prazo.
10.º - Pelo exposto, afigura-se que assiste razão ao recorrente e que o douto despacho recorrido deve ser substituído por outro que ordene a notificação do arguido da pretensão do Tribunal «a quo» vir a conhecer da alteração do modo de execução ou cumprimento da pena de prisão por dias livres a que o arguido foi condenado, por pena de prisão contínua de igual duração.
5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ao recurso ser dado provimento, louvando-se no teor da resposta apresentada na 1ª instância.
6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.
7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
1. Âmbito do Recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.
No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as da nulidade do despacho recorrido, nos termos do artigo 119º, alínea c), do CPP e violação do princípio do contraditório.
2. Elementos relevantes para a decisão
2.1 Por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03/12/2013, transitado em julgado aos 22/01/2014, foi o arguido condenado, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 03/01, na pena de 1 ano de prisão, a cumprir por dias livres, em 72 períodos de 36 horas. Não veio a cumprir dia algum de prisão.
2.2 Por despacho de 07/05/2021, na sequência de promoção do Ministério Público, foi determinada a notificação do condenado (e seu defensor) para requerer, querendo, a aplicação do regime previsto no artigo 12º, nº 1, da Lei nº 94/2017, de 23/08, que foi efectuada.
2.3 Aos 21/03/2023, porquanto o condenado não requereu a reabertura da audiência para aplicação de pena não privativa da liberdade ou para cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, o Ministério Público promoveu que o tempo de prisão por dias livres fosse convertido em prisão contínua.
2.4 A decisão recorrida, lavrada aos 21/04/2023, apresenta o seguinte teor (transcrição):
O arguido AA foi condenado, por sentença transitada em julgado, em pena de prisão de 1 ano, a cumprir em 72 períodos de 36 horas cada (prisão por dias livres).
O arguido foi regularmente notificado para os efeitos e nos termos do disposto no art.º 12º, nº 1 da Lei n.º 94/2017, de 23-08. Porém, não requereu a reabertura da audiência de julgamento para aplicação de pena não privativa da liberdade ou para cumprimento da pena em regime de permanência na habitação.
Tal pena não se mostra prescrita e não foi cumprida (total ou parcialmente).
Ora, assim sendo, determina-se que o arguido cumpra a pena de prisão de 1 ano em regime contínuo.
Notifique, expedindo-se carta rogatória em conformidade.
Após trânsito apreciar-se-á o restante da antecedente promoção.
Apreciemos.
Sustenta o recorrente que. o despacho de 21/04/2023 que converteu a pena de 1 ano de prisão a cumprir por dias livres em regime contínuo enferma de nulidade, por violação do princípio do contraditório, concretamente a norma ínsita no artigo 32º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, bem assim prevista no artigo 119º, alínea c), do CPP, fundando-se em que a promoção do Ministério Público de 21/03/2023 nesse sentido não foi notificada ao condenado, nem ao seu mandatário.
Ora, estabelece-se no artigo 61º, nº 1, alínea b), do CPP, que o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, do direito de ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte.
Este direito a uma audição prévia é concretização da tutela constitucional das garantias de defesa em processo criminal, onde se inclui o princípio do contraditório, plasmados no artigo 32º, nºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, respectivamente, estando em causa, também, o direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e no artigo 20º, nº 4, da nossa Constituição.
E, vero é que a questão suscitada pelo Ministério Público na dita promoção reveste natureza inovatória para o arguido/condenado, pelo que se impunha, para satisfazer essas garantias, lhe fosse dado prévio (antes de ser proferida a decisão recorrida, entenda-se) conhecimento do promovido e respectivos fundamentos, para sobre eles se pronunciar, querendo, o que não foi feito.
E, o exercício do contraditório poderia ser realizado, até – se assim fosse entendido -, através da notificação do respectivo defensor (in casu, o Ilustre mandatário constituído) para o efeito, uma vez que norma alguma impõe a audição pessoal e presencial do arguido/condenado ou mesmo que tenha este também de ser notificado para tanto (mormente não se inclui na ressalva legal contida no nº 10, do artigo 113º, do CPP). Notificação também não determinada pelo tribunal a quo, como dito.
Como assinala Henriques Gaspar, em Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 212, “o direito do arguido a ser ouvido significa direito a pronunciar-se antes de ser tomada uma decisão que direta e pessoalmente o afete; não tem de consistir sempre numa audição ou audiência pessoal e oral; a possibilidade de se pronunciar por escrito através de intervenção processual do defensor satisfaz, por regra, o direito a ser ouvido para exercer o contraditório.”
Porém, esta omissão não se enquadra na nulidade elencada no artigo 119º, alínea c), do CPP (“a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência”)
Com efeito, para a compreensão desta “ausência” importa ter em conta o estabelecido no referido artigo 61º, do CPP, que claramente diferencia o direito de presença aos actos processuais - enunciado na alínea a) -, do direito à audição prévia – a que alude a alínea b). Esse direito de presença deve ser, pois, entendido como de presença física, não incluindo o direito de audição, pelo que, no caso em apreço, não se verifica a nulidade insanável prevista no artigo 119º, alínea c), do CPP, nem, aliás, em qualquer das outras alíneas.
Mas, assim sendo, sabendo-se que regime das nulidades se apresenta sujeito aos princípios da legalidade e tipicidade, como resulta do artigo 118º, nº 1, do CPP, constituindo apenas nulidades insanáveis as que no artigo 119º, do mesmo se mostram elencadas ou as que como tal, são cominadas em outras disposições legais e sendo impossível integrar a omissão de audição prévia, quer nas nulidades previstas no artigo 119º, quer nas nulidades dependentes de arguição – do artigo 120º -, não existindo também norma que a configure como tal, teremos de a considerar como uma mera irregularidade, com o regime de arguição previsto no artigo 123º, nº 1, do CPP?
A resposta não pode deixar de ser negativa.
É que a violação das garantias de defesa do arguido/condenado, onde se engloba o direito fundamental ao exercício do contraditório, com dimensão constitucional como referido, porque o processo criminal tem de se configurar-se como um due process of law, reveste gravidade muito intensa, pelo menos equiparável à das nulidades elencadas como insanáveis.
De onde, cumpre conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido.
III - DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelo condenado AA e revogar a decisão recorrida, por padecer de nulidade, que deve ser substituída por outra que determine a notificação deste - eventualmente na pessoa do seu defensor (mandatário) - para, querendo, se pronunciar, sobre a promoção do Ministério Público de 21/03/2023, após o que deverá ser proferida a pertinente decisão.
Sem tributação.
Évora, 3 de Junho de 2025
(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário)
________________________________________
(Artur Vargues)
_______________________________________
(Mafalda Sequinho dos Santos)
_______________________________________
(Laura Goulart Maurício)
.............................................................................................................
1 Acórdão do TRP de 28/10/2009 em CJ XXXIV, tomo 4, pág. 228