A falta de uma adequada interiorização crítica da sua conduta criminosa e suas consequências e da necessidade de cumprimento da pena, adequadamente conjugada com um percurso de ressocialização/reaproximação ao meio livre a carecer de consolidação, e com a existência de antecedentes criminais e penitenciários, constituem-se como fatores de risco de recidiva criminal por parte do recluso, risco esse que não é socialmente sustentável e impede a sua libertação condicional.
Tendo, pois, em conta que não se mostram verificados os pressupostos materiais/ substanciais previstos no artigo 61 º n º2 al. a) do CP, não é legalmente admissível a concessão da liberdade condicional.
Inconformado, veio o recluso interpor recurso daquela decisão, formulando as seguintes conclusões:
«I. O presente recurso tem como objecto toda a matéria da douta Sentença que determinou não conceder a liberdade condicional ao recorrente e todos os argumentos que levaram a essa decisão.
II. Não pode o recorrente conformar-se com o facto de não lhe ter sido concedido a liberdade condicional, pela análise dos autos onde foi proferida a sentença recorrida.
III. Resulta igualmente evidente, sempre com a devida vénia por entendimento diverso, que não foi devidamente tido em linha de conta o bom comportamento do recorrente em meio prisional a ausência de processo disciplinares e a cooperação que o recorrente teve ao logo de todo o processo, sentindo ser possível a sua reintegração na vida social e no exterior, tendo inclusive interiorizado que agiu mal ao praticar o crime de que vem acusado.
IV. Mais entende o Recorrente que foi claramente aplicado o disposto no artigo 61.º do Código Penal, quanto aos pressupostos formais de concessão da liberdade condicional.
V. Resulta igualmente evidente que não foi tido em linha de conta a cooperação e o comportamento que o recorrente tem enquanto recluso no cumprimento da pena de prisão no Estabelecimento Prisional de …, sem embargo pelos relatórios Técnicos e do Ministério Público, no sentido de que ainda não estão reunidas condições para que seja concedida ao recluso, neste momento, a liberdade condicional.
VI. Recluído desde 7/2/2021, perfez metade da soma da em 7/12/2023, os 2/3 em 17/11/2024, prevendo-se o seu termo para 7/10/2026;
VII. Conforme previsto resulta pois que o recorrente declarou aceitar a liberdade condicional, bem como compreender o seu significado;
VIII. Independentemente de tudo o mais é consabido que o Conselho Técnico emitiu (por unanimidade dos seus elementos) parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional;
IX. E, bem como, também o Mº Pº foi desfavorável a tal;
X. Ora, não obstante, entende o Recorrente que foi claramente esquecido o exposto no ponto 7. e 8. dos factos provados, porquanto o mesmo tem um comportamento prisional adequado e sem registo disciplinar;
XI. Sendo fundadamente, de esperar, atentas as circunstâncias do caso, e a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes; e não como prevê e antecipa o Tribunal recorrido
XII. Pelo que sempre seria de esperar que a sua libertação se revelasse compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social, requisito que não se mostra necessário para os casos de liberdade condicional aquando dos 2/3 da pena, conforme resulta expressamente do disposto no n.º 3 do preceito em causa.
XIII. Concluiu bem o Tribunal recorrido quando refere que: “ Vale isto por dizer que, alcançados os dois terços da pena, com um mínimo absoluto de seis meses, e obtido o consentimento do recluso, como é o caso, o legislador abranda as exigências de defesa da ordem e paz social e prescinde do requisito de prevenção geral, considerando que o condenado já cumpriu uma parte significativa de prisão e que, por conseguinte, tais exigências já estarão minimamente garantidas.”
XIV. Acompanhamos igualmente o raciocínio do Tribunal recorrido quanto ao facto, de que no que concerne aos dois terços da pena, ser este o único requisito material a expectativa de que o condenado, em liberdade, conduzirá a sua vida responsavelmente e sem cometer crimes,
XV. E bem assim, que, importa que se atente na prevenção especial na perspetiva de ressocialização (positiva) e prevenção da reincidência (negativa).
XVI. Sendo certo que, no que respeita aos fins das penas, subsiste apenas a finalidade de ajuda ao recluso na mudança e regeneração e na prevenção de cometimento de novos crimes.
XVII. É pois possível, que na avaliação da prevenção especial, o julgador tem de elaborar um juízo de prognose sobre o que irá ser a conduta do recluso no que respeita a reiteração criminosa e ao seu comportamento futuro, bem como a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena.
XVIII. Destarte, não pode o recorrente conformar-se com o facto de o Tribunal recorrido que, se os referidos pressupostos formais se mostram verificados, o mesmo não se pode dizer quanto aos requisitos de natureza substancial.
XIX. Sempre com a devida vénia entende o recorrido que não se deveria simplesmente, concluir-se que desde a última apreciação da concessão de liberdade condicional o percurso prisional do recluso pautou-se por não possuir enquadramento laboral (comprovado) em meio livre; Nem tão pouco associar que apesar de o recorrente ter o apoio da sua companheira, que esse apoio não ser suficiente, porquanto evocar-se para o efeito que foi a mesma, co-arguida na prática do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual o recluso cumpre pena;
XX. No entanto e apesar do recorrente apresentar alguma consciência crítica relativamente ao crime praticado e suas consequências, segundo está vertido na douta sentença recorrida, o que no nosso entendimento não é de facto, alguma consciência critica mas efetivamente estar devidamente consciente da sua situação e do que pretende para o futuro não mais querendo enveredar pelos crimes por si cometidos.
XXI. É pois sobejamente importante o facto de encontrar-se em RAI e não ter incidentes disciplinares atuais registados. Pelo que não entende o recorrente que se diga que: “ atendendo ao facto de o recluso ainda apresentar défices ao nível da interiorização crítica da sua conduta criminosa e suas consequências, à necessidade de consolidar o seu percurso de ressocialização/reaproximação ao meio livre, conjugado com o seu passado criminal e penitenciário e bem assim com a falta de um projeto consistente de vida futura, fazem concluir pela existência de um elevado risco de recidiva criminal.
XXII. Até porque o recorrente em liberdade sempre optaria por levar um estilo de vida à margem do percurso criminal que já conheceu tentado revitalizar o seu estilo de vida afastando tal situação. E neste sentido sempre quereria optar por consolidar o seu percurso de ressocialização/reaproximação ao meio livre, afastando o seu passado criminal e penitenciário e bem assim conceber um projeto consistente de vida futura, fazendo assim concluir pela inexistência de um elevado risco de recidiva criminal.
XXIII. Assim, deveria efetivamente no nosso entendimento considerar o tribunal recorrido ter ocorrido bastante evolução positiva que concedesse com solidez necessária, a libertação do recorrente.
XXIV. Ora, mesmo tendo em consideração os factos relevantes atrás descritos e ainda que relevando minimamente os pareceres desfavoráveis do Conselho Técnico e do Ministério Público, não seria de concluir-se que ainda não se mostram verificados os pressupostos materiais que fundamentam a concessão da liberdade condicional, isto sobretudo porque no entendimento do Tribunal recorrido ainda não se vislumbrar, a realização de um juízo de prognose favorável, na medida em que o recorrente e a forma como tem encarado a sua reclusão, revelam não estarem cumpridas as finalidades da pena de prisão, Situação essa que o recorrente não pode pois conformar-se com semelhante decisão.
XXV. E encontra-se recentemente em RAI e trabalha na portaria do EP;
XXVI. Que quanto ao ponto 9. este já beneficiou do gozo de uma LSJ e de uma LSCD que decorreram com normalidade; Resulta ainda do ponto 11. da douta sentença recorrida e no que em favor e abono do recorrente deve ser dito que o recorrente tem apoio familiar por parte da sua companheira com quem irá viver (independentemente do avançado pelo Tribunal recorrido no sentido de considerar um apoio não contentor, porquanto foi a companheira deste foi co-arguida na prática do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual o recluso cumpre pena).
XXVII. E ainda quanto ao facto de no ponto 12. da sentença recorrida se ter considerado que o recorrente assume desde logo a prática do crime pelo qual foi condenado, demonstrando no entendimento do Tribunal recorrido, alguma consciência crítica.
XXVIII. Em abono do recorrente entende o mesmo que não foi tido em consideração: O facto de grande parte da pena do recorrente já se encontrar cumprida, o mesmo já interiorizou que a conduta que empreendeu na prática do crime de que veio acusado, não mais pode voltar a suceder demonstrando arrependimento do crime por si praticado; Olvidando-se no entanto o Tribunal recorrido, da sempre presente cooperação e bom comportamento no estabelecimento prisional do recorrente. E o arrependimento demonstrado ao longo de todo o processo por parte do recorrente.
XXIX. Da desproporcionalidade da decisão que determinou não lhe conceder a liberdade condicional. Bem como, em face de tudo quanto foi exposto e que no nosso entendimento deveria ter sido melhor ponderado, para que fosse possível a concretização da almejada liberdade condicional.
XXX. Até porque o recorrente em liberdade sempre optaria por levar um estilo de vida à margem do percurso criminal que já conheceu tentado revitalizar o seu estilo de vida afastando tal situação. E neste sentido sempre quereria optar por consolidar o seu percurso de ressocialização/reaproximação ao meio livre, afastando o seu passado criminal e penitenciário e bem assim conceber um projeto consistente de vida futura, fazendo assim concluir pela inexistência de um elevado risco de recidiva criminal.
XXXI. Assim, deveria efetivamente no nosso entendimento considerar o tribunal recorrido ter ocorrido bastante evolução positiva que conceda a solidez necessária a uma libertação do recorrente. Ora, mesmo tendo em consideração os factos relevantes atrás descritos e ainda que relevando minimamente os pareceres desfavoráveis do Conselho Técnico e do Ministério Público, não seria de concluir-se que ainda não se mostram verificados os pressupostos materiais que fundamentam a concessão da liberdade condicional,
XXXII. Isto sobretudo porque no entendimento do Tribunal recorrido ainda não se vislumbrar, a realização de um juízo de prognose favorável, na medida em que o recorrente e a forma como tem encarado a sua reclusão, revelam não estarem cumpridas as finalidades da pena de prisão, Situação essa que o recorrente não pode pois conformar-se com semelhante decisão.
XXXIII. Sem embargo pela decisão do Ministério Público, como os elementos do Conselho Técnico terem sido desfavoráveis à sua aplicação, e que dai tenha que decorrer que se evidencia a impossibilidade de nesta altura formular o referido juízo.
XXXIV. Sempre com a devida vénia, por opinião diversa, não deveria, pois, cingir-se o Tribunal recorrido, somente ao perecer Técnico e do Ministério Público, no sentido de que ainda não estão reunidas condições para que seja concedida ao recluso, neste momento, a liberdade condicional. Tendo em conta que já decorreu mais de 2/3 da pena aplicada ao recorrente, o que seria espectável, e é, no entendimento do recorrente, é que este já teve tempo suficiente para interiorizar que não mais deve incorrer em condutas criminosas, e que assumiu a culpa do que fez e não deveria ter feito.
XXXV. Em suma o seu arrependimento é bem patente. Ora, com base no acima alegado pelo recorrente não deveria nunca ter sido negado a possibilidade de este usufruir da sua liberdade condicional. Pelo que face a tudo o se expôs, deveria o Tribunal recorrido ter concedido a liberdade condicional a AA, o que se requer a V. Exas.
XXXVI. Pelo que se requer a V. Exas., seja o sentença recorrida revogada e revista a decisão de concessão de liberdade condicional, no sentido de ser mesma concedida ao recorrente, por reunir os pressupostos fundamentais parra o efeito.»
Admitido o recurso, o MINISTÉRIO PÚBLICO respondeu, sustentando a improcedência do mesmo e concluindo do seguinte modo:
«1 – Por sentença proferida no âmbito dos autos à margem referenciados, não foi concedida a liberdade condicional a AA, tendo este atingido o marco temporal dos 2/3 da pena de cinco anos e oito meses de prisão, que lhe foi aplicada no processo n º 4353/18.6… da Instância Central de … – Secção Criminal – J… – da Comarca de …, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes.
2 – Atentos os elementos constantes dos autos, designadamente os referenciados nos relatórios da Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (serviço de educação/tratamento penitenciário e serviço de reinserção social), as declarações do condenado, o seu registo criminal e respectiva ficha biográfica, conclui-se que não é possível nem razoável efectuar um juízo de prognose positivo de que este uma vez em liberdade adopte um comportamento conforme à Lei Penal.
3 – Tais elementos foram valorados pelo julgador à luz do princípio da livre apreciação da prova, não estando este sequer vinculado a qualquer tipo de parecer emitido pela administração penitenciária.
4 – Na verdade, a falta de uma adequada interiorização crítica da sua conduta criminosa e suas consequências e da necessidade de cumprimento da pena, adequadamente conjugada com um percurso de ressocialização/reaproximação ao meio livre a carecer de consolidação, e com a existência de antecedentes criminais e penitenciários, constituem-se como factores de risco de recidiva criminal por parte do recluso, risco esse que não é socialmente sustentável e impede a sua libertação condicional.
5 –Tendo, pois, em conta que não se mostram verificados os pressupostos materiais/ substanciais previstos no artigo 61 º n ºs 1, 2 al. a) e 3 do CP, não é legalmente admissível a concessão da liberdade condicional.
6 – Por essa razão, quer o Conselho Técnico (por unanimidade dos seus membros) quer o Ministério Público emitiram pareceres desfavoráveis à concessão da liberdade condicional.
7 – Consequentemente, bem andou o Tribunal “a quo” ao não conceder a liberdade condicional ao recorrente, tendo sido efectuada uma correcta e adequada ponderação dos factos e aplicação do direito, sendo certo que a decisão “sub judice” encontra-se devidamente fundamentada, não merecendo qualquer censura.»
Neste Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto apresentou parecer, aderindo às considerações e conclusões vertidas na resposta ao recurso apresentada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO junto do Juízo de Execução de Penas, pugnando pela improcedência do recurso em atenção ao anterior percurso do arguido/recorrente, mormente o seu passado criminal e penitenciário e a ausência de um projeto de vida estruturado no exterior, pelo que se terá de concluir pela existência de um elevado risco de recidiva criminal.
Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta.
Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
II. QUESTÕES A DECIDIR
Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso.
Atentas as conclusões apresentadas (demasiado prolixas e repetitivas, não cumprindo devidamente a sua função, mas de que, benevolentemente, procuramos extrair a necessária delimitação recursiva) cumpre apreciar se a decisão recorrida merece censura ao não conceder a liberdade condicional ao recorrente, nesta fase do cumprimento da pena.
*
III. DA DECISÃO RECORRIDA
(transcrição)
«I - RELATÓRIO
Os autos reportam-se a AA (já identificado nos autos), a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional de ….
Para apreciação dos pressupostos da liberdade condicional aos 2/3 da pena que cumpre, foram juntos os relatórios previstos no art.º 173 n.º 1 do Código de Execução das Penas.
O Conselho Técnico reuniu, emitindo o respetivo parecer, e foi ouvido o recluso.
Também o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o parecer que antecede.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A – OS FACTOS
Julgo provados os seguintes factos com relevância para a causa:
1. Por decisão proferida no Proc. n.º 4353/18.6… da Secção Criminal (Juiz …) da Instância Central de …, o recluso foi condenado na pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes;
2. Recluído desde 7/2/2021, perfez metade da soma da em 7/12/2023, os 2/3 em 17/11/2024, prevendo-se o seu termo para 7/10/2026;
3. O recluso regista ainda condenações pela prática dos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez (9), detenção de arma proibida, tráfico de armas e desobediência, sendo a terceira vez que cumpre pena de prisão (uma das penas em prisão por dias livres, depois convertida em regime de permanência na habitação);
4. O recluso declarou aceitar a liberdade condicional, bem como compreender o seu significado;
5. O Conselho Técnico emitiu (por unanimidade dos seus elementos) parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional;
6. Também o MºPº foi desfavorável a tal;
**
7. Tem comportamento prisional adequado e sem registo disciplinar;
8. Encontra-se recentemente em RAI e trabalha na portaria do EP;
9. Beneficiou do gozo de uma LSJ e de uma LSCD que decorreram com normalidade;
10. Não possui enquadramento laboral em meio livre (que se mostre documentado nos autos ou confirmado pelos serviços);
11. Tem apoio familiar por parte da sua companheira com quem irá viver (apoio não contentor, porquanto foi co-arguida na prática do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual o recluso cumpre pena).
12. Assume a prática do crime, demonstrando alguma consciência crítica.
B – CONVICÇÃO DO TRIBUNAL
Para prova dos factos descritos o tribunal atendeu aos seguintes elementos constantes dos autos, analisados de forma objetiva e criteriosa:
a) Certidão da decisão condenatória e liquidação da pena;
b) Certificado do Registo Criminal;
c) Relatório dos serviços de reinserção social;
d) Relatório dos serviços de educação e ficha biográfica do recluso;
e) Esclarecimentos obtidos em reunião do Conselho Técnico, realizado no dia 19-02-2025.
f) Declarações do recluso, ouvido no dia 19-02-2025.
C. DA ANÁLISE DOS FACTOS E DA APLICAÇÃO DO DIREITO:
“A liberdade condicional tem como escopo criar um período de transição entre a reclusão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, de forma equilibrada, não brusca, recobrar o sentido de orientação social necessariamente enfraquecido por efeito do afastamento da vida em meio livre e, nesta medida, a sua finalidade primária é a reinserção social do cidadão recluso, sendo certo que, até serem atingidos os dois terços da pena, esta finalidade está limitada pela exigência geral preventiva de defesa da sociedade” (cfr. Rodrigues, Anabela, “A Fase de Execução das Penas e Medidas de Segurança no Direito Português”, BMJ, 380, pág. 26).
De acordo com o disposto no artigo 61.º do Código Penal, são pressupostos formais de concessão da liberdade condicional:
a) que o recluso tenha cumprido (i) metade da pena e, no mínimo, 6 meses de prisão; ou (ii) dois terços da pena e, no mínimo, 6 meses de prisão, ou ainda (iii) 5/6 da pena, para os casos de penas superiores a 6 anos; e
b) que aceite ser libertado condicionalmente.
São, por outro lado, requisitos substanciais necessários:
a) Que, fundadamente, seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes; e
b) Que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social, requisito que não se mostra necessário para os casos de liberdade condicional aquando dos 2/3 da pena, conforme resulta expressamente do disposto no n.º 3 do preceito em causa.
Vale isto por dizer que, alcançados os dois terços da pena, com um mínimo absoluto de seis meses, e obtido o consentimento do recluso, como é o caso, o legislador abranda as exigências de defesa da ordem e paz social e prescinde do requisito de prevenção geral, considerando que o condenado já cumpriu uma parte significativa de prisão e que, por conseguinte, tais exigências já estarão minimamente garantidas.
Como tal, aos dois terços da pena, é único requisito material a expectativa de que o condenado, em liberdade, conduzirá a sua vida responsavelmente e sem cometer crimes, ou seja, importa que se atente na prevenção especial na perspetiva de ressocialização (positiva) e prevenção da reincidência (negativa). Pelo que, no que respeita aos fins das penas, subsiste apenas a finalidade de ajuda ao recluso na mudança e regeneração e na prevenção de cometimento de novos crimes.
Na avaliação da prevenção especial, o julgador tem de elaborar um juízo de prognose sobre o que irá ser a conduta do recluso no que respeita a reiteração criminosa e ao seu comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena.
Ora, se os referidos pressupostos formais se mostram verificados, o mesmo não se pode dizer quanto aos requisitos de natureza substancial.
Com efeito, conclui-se que desde a última apreciação da concessão de liberdade condicional o percurso prisional do recluso pautou-se pelo seguinte: não possui enquadramento laboral (comprovado) em meio livre; tem apoio da sua companheira, apoio esse não contentor porquanto foi co-arguida na prática do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual o recluso cumpre pena; apresenta alguma consciência crítica relativamente ao crimes praticado e suas consequências, encontra-se em RAI e não tem incidentes disciplinares atuais registados.
Com efeito, atendendo ao facto de o recluso ainda apresentar défices ao nível da interiorização crítica da sua conduta criminosa e suas consequências, à necessidade de consolidar o seu percurso de ressocialização/reaproximação ao meio livre, conjugado com o seu passado criminal e penitenciário e bem assim com a falta de um projeto consistente de vida futura, fazem concluir pela existência de um elevado risco de recidiva criminal.
Assim, não considera o tribunal ter ocorrido bastante evolução positiva que conceda a solidez necessária a uma libertação do recluso.
Ora, tendo em consideração os factos relevantes atrás descritos e os pareceres desfavoráveis do Conselho Técnico e do Ministério Público, conclui-se que ainda não se mostram verificados os pressupostos materiais que fundamentam a concessão da liberdade condicional, isto porque não se vislumbra ainda a realização de um juízo de prognose favorável, na medida em que o recluso e a forma como tem encarado a sua reclusão, revelam não estarem cumpridas as finalidades da pena de prisão.
Para além disso, tanto o Ministério Público como os elementos do Conselho Técnico são desfavoráveis à sua aplicação, o que bem evidencia a impossibilidade de nesta altura formular o referido juízo.
Técnico e do Ministério Público, no sentido de que ainda não estão reunidas condições para que seja concedida ao recluso, neste momento, a liberdade condicional.
III – DECISÃO
Face a tudo o se expôs, não concedo a liberdade condicional a AA.
*
Renovação da instância decorridos 12 meses sobre a presente data (isto é, 03/03/2026).(…)»
*
IV – FUNDAMENTAÇÃO
Como assinalámos, importa ponderar se o Tribunal recorrido errou ao entender como não verificados os requisitos para a concessão da liberdade condicional ao recorrente por referência aos dois terços da pena, ou seja, analisar se estão reunidos os pressupostos previstos no art. 61.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, do Código Penal.
A liberdade condicional configura-se, no nosso sistema penal, como um incidente de execução da pena de prisão e visa facilitar a reintegração do condenado na sociedade, isto é, proporcionar a adequada transição entre a vida em meio prisional e em liberdade, tendo em conta as finalidades da pena consagradas no artigo 40.º do Código Penal.
De acordo com os arts. 42.º do Código Penal e 2.º, n.º 1 do Código Execução das Penas e Medidas Privativas da liberdade (CEPMPL), a execução da pena de prisão deve servir o duplo propósito de defesa da sociedade e proteção de bens jurídicos, a par da prevenção da prática de crimes, orientando-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem delinquir.
O instituto da liberdade condicional, alicerçado nas finalidades preventivas gerais de tutela de bens jurídicos e preventivas especiais de reintegração do agente na sociedade, traduz-se na ponderação, durante o período de execução da pena, da subsistência da necessidade de execução daquela em meio fechado, como forma de combate ao efeito criminógeno que possa advir das penas detentivas.
Os requisitos necessários à concessão da liberdade condicional variam em face dos marcos temporais de cumprimento de pena.
A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado (art. 61.º, n.º 1 do Código Penal).
O art. 61.º, n.º 2 do Código Penal estabelece nas suas als. a) e b) dois requisitos cumulativos (para a apreciação na metade da pena), intimamente conexionados com as finalidades de prevenção especial e geral que a imposição e execução da pena devem garantir.
Mas estando já cumpridos dois terços da pena (e no mínimo seis meses), o legislador basta-se com o preenchimento do requisito previsto na al. a) do n.º 2 do art. 61.º, do Código Penal.
Presumindo o legislador que as necessidades de prevenção geral (a que alude a al. b) do n.º 2 do art. 61.º, do Código Penal) já se encontram salvaguardadas pelo cumprimento de, pelo menos, dois terços da pena em concreto aplicada, importa apenas ponderar as finalidades preventivas de reintegração, que assim se privilegiam.
Por isso, para a concessão da liberdade condicional é necessário que existam elementos que permitam prever que o condenado, uma vez em liberdade, irá conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer novos crimes. Para se alcançar este juízo de prognose favorável, a lei manda atender às circunstâncias do caso, sendo estas as relativas ao crime cometido e à pena imposta, à vida anterior do condenado, à sua personalidade e à evolução dessa personalidade durante a execução da pena.
Se, ponderados tais critérios, for possível concluir, em termos de fundadamente ser expectável que, uma vez em liberdade, o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, será formulado juízo de prognose favorável e, consequentemente, a liberdade condicional poderá ser concedida, o que não acontecerá na situação inversa – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08.09.20211.
Porém, como refere JOAQUIM BOAVIDA2: «Na dúvida, a liberdade condicional não será concedida. É sabido que na fase de julgamento, a dúvida sobre a realidade de um facto é resolvida a favor do arguido, em decorrência do princípio in dubio pro reo. Na fase de execução da pena de prisão e da consequente apreciação da liberdade condicional esse princípio não tem aplicação. A lei exige, na alínea a) do nº 2 do artigo 61º do Código Penal, para que o condenado seja colocado em liberdade, que seja possível concluir por um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro sem reincidência, ou seja, exige um juízo positivo e só nesse caso a medida será aplicada. Portanto, em caso de dúvida séria, que não possa ser ultrapassada, sobre o caráter favorável da prognose, o juízo deve ser desfavorável e a liberdade condicional negada.»
Cumpre assegurar, fundamentalmente, que a suspensão antecipada do cumprimento efetivo da pena de prisão não irá frustrar a finalidade de reintegração social do agente, afirmada no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, garantindo-se o êxito dos fins de prevenção especial positiva – condução da vida com responsabilidade social – e de prevenção especial negativa – abstenção de novos comportamentos delituosos.
Independentemente destes marcos temporais de apreciação da concessão da liberdade condicional (ou da respetiva reapreciação anual, em renovação da instância), no caso de condenação em penas de prisão superiores a 6 anos, o recluso é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena (art. 61.º, n.º 4 do Código Penal). Estando em causa penas de prisão de longa duração, pretende-se, com este regime usualmente denominado de liberdade condicional obrigatória3, assegurar um período de transição entre a vida na prisão e em liberdade, exatamente quando as preocupações de reintegração do agente na sociedade são mais prementes (reconhecendo-se que períodos longos de encarceramento aportam maior incidência dos efeitos dessocializadores)4.
No caso concreto, de concessão de liberdade condicional facultativa, vemos que os pressupostos formais estão assegurados: o condenado consente na liberdade condicional e estão cumpridos 2/3 da pena única de 5 anos e 8 meses de prisão.
A decisão recorrida, em síntese, entendeu não ser ainda possível formular um juízo de prognose favorável, atendendo a que o recorrente não possui enquadramento laboral em meio livre, tem o apoio da sua companheira, mas que não é contentor porquanto a mesma foi coarguida e cumpriu pena de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual o recorrente está recluso, apresentando défices ao nível da interiorização crítica da conduta criminosa e das respetivas consequências, pelo que se mostra necessário consolidar o seu percurso de ressocialização/reaproximação ao meio livre, tudo conjugado com o seu passado criminal e penitenciário.
A concessão da liberdade condicional não exige (nem poderia exigir) um juízo de certeza sobre o comportamento futuro do recluso, mas um juízo de fundada probabilidade, que por mais ponderado e cuidadoso que seja, não deixa de coexistir com o risco de reincidência. No entanto, quando reduzido, este risco é claramente assumido pelo sistema penal, ao prever a possibilidade de libertação a partir do meio e dos dois terços da pena, independentemente do tipo de crime em causa, em atenção às finalidades ou objetivos de reintegração social que prossegue.
O recorrente insurge-se contra a decisão recorrida, porquanto já cumpriu grande parte da pena, já interiorizou o desvalor da sua conduta, estando arrependido, já beneficiou de licenças de saída que decorreram com normalidade, tem apoio familiar e mantem bom comportamento no estabelecimento prisional.
Mas, ponderadas todos as circunstâncias efetivamente evidenciadas nos autos, não podemos deixar de concordar com o Tribunal recorrido e concluir pela prematuridade de um juízo de prognose favorável.
Na avaliação dos fatores de prevenção especial, quando se decide sobre a concessão de liberdade condicional, não podemos deixar de ponderar o relevante percurso criminal do recorrente e o anterior cumprimento de penas restritivas da liberdade.
Não escamoteando a existência de uma evolução favorável do percurso prisional do recluso, pois usufruiu, entretanto, de licenças de saídas, sem que tenham ocorrido quaisquer incidentes, refere o Tribunal recorrido importar consolidar o processo de reaproximação ao meio livre, com o que concordamos.
Sendo recente a sua aproximação à liberdade, importa consolidar a assunção de competências em meio livre e ensaiar de modo mais consistente a sua capacidade de readaptação, não esquecendo o seu passado dedicado à prática de ilícitos diversificados.
O seu entorno familiar não é securizante, pois que a companheira foi quem o auxiliou na prática do delito pelo qual cumpre pena de prisão.
Não apresenta perspetivas laborais pois, referindo ter assegurado emprego na unidade hoteleira onde a companheira labora, não comprovou tal circunstância, sendo que os serviços de reinserção social também não conseguiram qualquer contacto com os respetivos responsáveis.
Não se mostra evidente o apontado arrependimento (que o recorrente invoca como fator desconsiderado na decisão), que não se basta com a sua singela proclamação ou reconhecimento da prática dos factos, sendo que a assunção de comportamento prisional conforme às regras não é mais do que o expetável de qualquer recluso.
Resta-nos, por isso, concordar com o Tribunal recorrido quanto ao juízo negativo de prognose acerca do comportamento futuro do recluso.
A evolução que até ao momento o recluso regista não oferece ainda suficiente segurança, tendo em conta o seu comportamento anterior, para sustentar juízo de prognose favorável acerca da sua capacidade – objetiva – para no futuro, em meio livre, conseguir pautar o seu comportamento de modo socialmente responsável e sem reiterar a prática de crimes.
Neste momento não podemos senão concordar que o recorrente não se encontra ainda munido de relevantes inibidores endógenos, que nos permitam, com a segurança possível, acreditar que irá conformar a sua atuação, em meio livre, ainda que controlado, em consonância com a norma e, que, por isso é reduzido o risco de recidiva. Não é, assim, sustentável um juízo de prognose favorável em relação ao recorrente.
Por conseguinte, concluímos não estarem verificados os pressupostos da concessão da liberdade condicional, nomeadamente o previsto na alínea a) do n.º 2, do artigo 61.º do Código Penal, pelo que se mantem a decisão de não concessão da liberdade condicional ao recorrente.
Improcede, pois, o recurso.
*
V – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso apresentado por AA.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC.
Notifique.
*
Évora, 3 de junho de 2025
Mafalda Sequinho dos Santos
Carla Oliveira
Carla Francisco
..............................................................................................................
1 No processo nº 480/20.0TXEVR-C.E1, Relatora FÁTIMA BERNARDES, em www.dgsi.pt.
2 A Flexibilização da Prisão, Almedina, 2018, pág. 137.
3 Sem que se prescinda do consentimento do condenado.
4 Como se refere o STJ no AUJ n.º 3/2006, esta previsão normativa «…visa responder às situações de desabituação à vida em liberdade e que, ocasionadas pela aplicação de penas muito longas, exigem um período de adaptação (cf. Acta da Comissão Revisora do Código Penal, n.º 7, pp. 62 e 69). E essa longa duração foi fixada pelo referido n.º 5 em mais de 6 anos de prisão, tendo-se, seguramente, presente que, de acordo com estudos criminológicos realizados, a clausura acima dos 5 anos «possui efeitos perversos dissocializadores e até mesmo criminógenos» (cf. Sandra Oliveira e Silva, A Liberdade Condicional no Direito Português: Breves Notas, pp. 384 e segs.). A liberdade condicional denominada, como se viu, de «obrigatória» ou «necessária», visa criar uma fase de transição entre a prisão e a liberdade, destinada a permitir ao condenado integrar-se de modo definitivo na comunidade após um período de afastamento motivado pela prisão, tendo como justificação acrescida a circunstância de esse afastamento da comunidade ser particularmente prolongado no caso dos condenados a pena de prisão superior a 6 anos. Mas visa, ao mesmo tempo, facilitar a reintegração social do agente e bem assim permitir o exercício de um certo controlo sobre a sua inicial inserção na comunidade (cf. MAIA GONÇALVES, Código Penal Anotado, 15.a ed., 2002, pp. 220 e segs.).»