A gravação e reprodução de imagens sem o consentimento do visado constitui um crime e um método proibido de prova, excepto se a sua utilização for o único meio de proceder contra o agente do crime que, sem essa captação de imagem, ficaria impune.
O exame crítico da prova tem como objecto apenas os factos essenciais para a qualificação jurídico-criminal do ilícito, para a definição das circunstâncias relevantes da sua ocorrência e para a determinação da responsabilidade do agente.
Há insuficiência da matéria de facto para a decisão quando os factos dados como assentes na decisão são insuficientes para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição do agente.
O erro notório é aquele que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade e que ressalta do teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum e com as regras da experiência.
Não impugna correctamente a matéria de facto o recorrente que não individualizou os concretos pontos de facto que considera terem sido mal julgados, que se limitou a interpretar de forma diferente o que resulta do depoimento das testemunhas, que não indicou quais as provas que impunham decisão diversa, nem quais os depoimentos é que o Tribunal de recurso deveria ouvir ou que documentos deveria apreciar, nem referiu qual a versão dos factos que, no seu entender, deveria ter sido considerada provada.
Quando não puder se averiguado o valor exacto dos danos, a indemnização é fixada segundo critérios de equidade, nos termos previstos no art.º 566º, nº 3 do Cód. Civil, e actualizada ao momento do julgamento.
No processo nº 120/23.3PBBJA do Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo Local Criminal de …, por sentença datada de 23/10/2024, foi a arguida AA condenada pela prática, como autora material, na forma consumada, de um crime de dano, p. e p. pelo art.º 212º, nº 1 do Cód. Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, o que perfaz o quantitativo global de 600,00 €, e a pagar a BB o montante de 900,00 €, acrescido de juros, à taxa legal para os juros civis, a contar da data da notificação da sentença até efetivo e integral pagamento, a título de indemnização.
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Inconformada com a decisão condenatória, veio a arguida interpor recurso, pedindo a sua absolvição e formulando as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Juízo Local Criminal do Tribunal da Comarca de … no processo nº120/23.3PBBJA que condenou a recorrente pela prática de 1 crime de dano do artigo 212º, nº1 do CP na pena de €600,00 e no pedido de indemnização civil no montante de €900,00.
2. Sempre com a devida vénia por diverso entendimento, da prova produzida em audiência de julgamento e demais elementos/documentação constantes dos autos, justificam que a ora recorrente, seja absolvida.
3. A recorrente vem impugnar a decisão sobre matéria de facto e de direito, pondo em causa a valoração desadequada que o tribunal fez da prova e da sua subsunção ao Direito, face à factualidade dada como provada.
4. As filmagens captadas resultaram de uma câmara de vídeo vigilância colocada pela ofendida (não tendo a câmara captado, apenas, as imagens relativas ao lugar de estacionamento do seu veículo), tendo sido efetuadas contra a vontade da pessoa visada (que as desconhecia) e dos outros condóminos, não se encontrando nos autos qualquer autorização de consentimento do condomínio.
5. Tais comportamentos, pelos artigos 32º, nº8 da Constituição da República Portuguesa e 126º, nº3 do CPP, cominam em nulidade (por abusiva intromissão na vida privada e no domicílio) que, não se encontrando sanada, aqui se requer para os devidos efeitos legais, nos termos do artigo 410, nº3 do CPP.
6. O tribunal para condenar esta arguida, alterou de tal forma a (falecida) acusação, transformando-a numa (revigorada) nova acusação, violando, incessantemente, o princípio da “presunção de inocência”, desde a alteração do local dos riscos na viatura e do orçamento apresentado até às conclusões dedutivas com que baseou a sua insuficiente e fragilizada sentença.
7. Na verdade, nos presentes autos foram apresentadas duas versões dos factos: a veiculada pela ofendida e pelo seu marido; e a apresentada pela arguida e pelo seu marido.
8. A arguida negou as imputações que lhe foram feitas, uma vez que não riscou o carro da ofendida, tendo justificado (confirmado pelo seu marido e como se transcreve supra) a aproximação ao veículo desta, apenas, para apanhar um brinco (redondo) que lhe caiu e rolou para baixo da traseira do veículo da ofendida, quando ia com o seu marido.
9. Como resulta das transcrições, existem diversas contradições que denotam que a ofendida e o marido estão, notória e claramente, a mentir, nomeadamente: pelas imagens (que ambos visualizaram), onde a ofendida viu a arguida riscar o tejadilho do seu veículo e diz que levaram 15 minutos a chegar à garagem; e o marido não viu a arguida riscar o tejadilho e diz que levaram 1 hora a lá chegar.
10. Estes depoimentos são, nitidamente, contraditórios, revelando-se imprecisos, vagos, pouco espontâneos, titubeantes e, claramente, descomprometidos com a verdade.
11. O tribunal até chegou à conclusão que o objeto que riscou o carro era pontiagudo, realizando um raciocínio a contrario, ou seja, vai da consequência para a causa, quando deveria ter partido da causa para a consequência, isto é, identificar o dito objeto (“pontiagudo”) e, só depois, chegar à conclusão que aquele objeto poderia ter danificado o carro.
12. Como afirma o marido da arguida (que esteve sempre presente no local, na companhia da esposa), na realidade, esta não tinha qualquer objeto na mão – como supra se transcreve – afirmando, também, conforme transcrição supra, que não viu a sua mulher riscar o carro da ofendida.
13. Não há qualquer testemunha que tenha visto este (pseudo) objeto, pela simples razão da inexistência do mesmo, sendo o dito “objeto pontiagudo” inventado pelo tribunal.
14. É necessário que se indiquem não só os meios concretos de prova, mas também as razões ou motivos por que eles revelaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador, não satisfazendo a mera referência genérica aos meios de prova produzidos, sem referência concreta a cada um deles, de forma a garantir a identificação deles com a fonte de cada resposta.
15. O tribunal, na motivação, não tem que dizer o que a testemunha disse, mas dizer/apresentar as razões por que acreditou ou não no que a testemunha disse, o que é coisa diferente, não sendo, no caso concreto, de modo algum inteligíveis as razões pelas quais os meios de prova indicados serviram para formar a referida convicção.
16. Poder-se-á estar, assim, perante uma insuficiência intolerável da motivação, pois a recorrente entende que a valorização dos depoimentos das testemunhas e da ofendida não tiveram um critério equitativo de análise.
17. Existe uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, uma lacuna no apuramento da matéria de facto, indispensável para a decisão de Direito, que ocorre quando se conclui que com os factos considerados como provados não era possível atingir-se a decisão de Direito a que se chegou, havendo, assim, um iato que é preciso preencher.
18. Faltando a fundamentação, o tribunal limitou-se, em quase toda a sentença, a fazer um raciocínio conclusivo-especulativo, não existindo, claramente, prova suficiente para que, com o mínimo de segurança, se possa condenar a arguida.
19. Inexiste qualquer movimento da arguida que possa conduzir à prática de qualquer crime, pois há uma forte vaguidade, ambiguidade, imprecisão da fundamentação – à luz de um critério de “homem médio” – face aos depoimentos e documentação existentes, que não permitem ajuizar pelo preenchimento dos elementos objetivos em causa e, correlativamente, dos elementos subjetivos, concluindo-se, pois, pela impossibilidade da imputação e, consequentemente, pela absolvição da arguida.
20. O que temos nos autos é um PIC com um “orçamento global”, efetuado em 08.03.2024, algum tempo depois da suposta prática dos factos (16.02.2024), onde poucas são as partes do veículo que não são contempladas e o tribunal – qual perito – segundo o “recurso à equidade” atribui um valor para a reparação, desprovido de qualquer conhecimento técnico para apurar o valor dos (putativos) danos fixando o valor de €400,00 pelos danos patrimoniais.
21. A demandada, ora recorrente, não praticou qualquer facto ilícito, não existindo nenhum prejuízo e nexo de causalidade entre o facto e os danos existentes no veículo automóvel da demandante, não estando verificados os pressupostos da responsabilidade extracontratual, de forma a poder afirmar-se que a demandante tem direito a ser indemnizada.
22. O tribunal não pode andar à procura dos factos, minuciosamente, com a mera preocupação em condenar a arguida; pelo contrário, deve analisar e ponderar a prova existente e factual, segura e suficiente, por forma a não ter dúvidas e decidir em conformidade, respeitando a “presunção de inocência”.
23. Podemos estar aqui, desde logo, perante a violação do princípio in dubio pro reo, na determinação da norma aplicável, pois a dúvida sobre os pressupostos da decisão a proferir deveriam ter sido valorados a favor da pessoa visada – artigo 32º, nº2, da Constituição da República Portuguesa – pois tal condenação não assenta em qualquer facto seguro.
24. Pelas imagens e fotografias dos autos, não se vislumbra qualquer ato da arguida que possa ter danificado o veículo, nomeadamente, pelas fotografias “26” e “27” de fls. 65 dos autos, que não são da mesma realidade temporal.
25. Mas, claro, que, como se refere na sentença, a fls. 12, “a situação não gera nenhuma dúvida, sendo a versão apresentada pela arguida e respetivo marido, no contexto da prova produzida, uma tentativa da arguida se furtar, de fugir à responsabilidade inerente da sua conduta; sendo o teor do depoimento do marido da arguida compreensível, face à solidariedade (e expectável amor oblativo) inerente ao casamento que os une”.
26. E a ofendida e a testemunha CC (também casados entre si!) não são revestidos pelo designado espírito de “solidariedade” entre eles e não são nutridos pelo fulgurante “amor oblativo”? Esse amor que cresce, que se manifesta e se entrega, sem condições, que até permite a mentira?
27. Nessa sequência, deve funcionar o princípio in dubio pro reo, isto é, acreditar na justificação – visto que não há matéria probatória suficiente e segura que nos indique o contrário – que a verdade dos factos é transmitida pela arguida.
28. À semelhança do que supra ficou dito e inexistindo forma de ultrapassar as dúvidas criadas em face de versões distintas, ao tribunal apenas restará considerar provados aqueles factos que foram admitidos pela arguida (confirmados pelo seu marido); considerando não provados os demais.
29. O tribunal ignorou, por completo, o Relatório Final elaborado, a fls. 70, pelo investigador, agente principal DD: “Visionadas as imagens provenientes da câmara de vigilância colocada no local pela denunciante, verifica-se que efetivamente os suspeitos se aproximam da viatura várias vezes, contudo e face ao local de colocação da câmara, não é possível verificar com clareza a prática dos danos referidos na viatura, apenas é possível visionar a colocação de uma pastilha elástica em cima do capôt da mesma e os danos no pavimento, provocados pela arguida AA. Pelo exposto e face à inexistência de outros elementos de investigação, junto se envia o presente inquérito a V. Exª para fins tidos por convenientes”.
30. A arguida, ora recorrente, que não tem quaisquer antecedentes criminais, negou a prática do crime e a quase totalidade dos factos constantes da acusação e, querendo falar, colaborou e (tentou!!!) ajudar o Tribunal na descoberta da verdade.
31. Como afirmou a testemunha EE (supra transcrito) e que o tribunal não valorou suficientemente, mas que aqui se invoca: “É uma pessoa muito íntegra, muito amiga dos seus amigos, uma pessoa incapaz de fazer mal a alguém, uma pessoa que zela sempre pelo bem estar dos outros e das pessoas que estão à volta dela... é uma pessoa totalmente íntegra”.
32. Sobre a convicção a que o tribunal chegou, a recorrente, respeitando o princípio da livre apreciação da prova – consagrado no artigo 127º do CPP – pretende apenas, abalar sim, não apenas o raciocínio conclusivo, com base na factualidade considerada como provada, a que o tribunal, efetivamente, chegou; mas, sobretudo, os pressupostos lógico-dedutivos desse raciocínio.
33. O tribunal não fez uma apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa de toda a matéria constante dos autos, porém, o que o julgador deveria ter feito, e acrescentando às razões já expostas em sede desse recurso, ao apreciar livremente a prova, tendo como finalidade atingir um grau seguro na formação do juízo de valoração, é atingir tal objetivo não de uma forma subjetiva e emotiva, mas fundamentada, racionalmente objetivada e logicamente motivada, de forma a suscetibilizar controlo.
34. O tribunal a quo não descreveu com rigor o iter que seguiu para chegar à convicção de prova sobre os factos, não explicitando de forma fundada e consistente as opções de prova tomadas, concluindo-se que o mencionado iter não traduz um correto entendimento do “princípio da livre apreciação da prova”, nos termos recortados pelo artigo 127º do CPP.
35. E os factos conduzem, por tudo o supra exposto, nomeadamente, nos depoimentos transcritos e impugnados e que se consideram incorretamente julgados, claramente, à absolvição da arguida do crime a que foi condenada e do pedido de indemnização civil peticionado.
36. Pois não se pode concluir, de forma alguma, que a arguida tenha cometido o ilícito do artigo 212º, nº1 do CP, não integrando o preenchimento dos respetivos elementos do tipo legal de crime, objetivos e subjetivos, em face de toda a factualidade supra descrita, sendo antes uma consequência de uma construção, aparentemente, lógico-dedutiva contrária à factualidade apurada,
37. tendo a sentença, ora objeto de recurso, uma conclusão probatória formulada repelida pelo conteúdo da própria prova produzida em audiência, existindo uma insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada e um erro notório na apreciação da prova, existindo concretos pontos de facto incorretamente julgados de prova que impõem decisão diversa da recorrida – tendo, assim, o tribunal violado os artigos 410º, nº2 e nº3 e 412º, nº3 e 4, ambos do CPP e, também, a violação das garantias de defesa em processo penal previstas no artigo 32º da CRP.
38. Devemos ter por base uma política administrativa de segurança mas, sobretudo, uma política criminal de justiça, uma vez que “é objetivo supremo em processo penal a busca da verdade material, ainda que à custa ou passando por cima de meras considerações formais, desde que respeitados os direitos fundamentais de defesa, de modo a conseguir a justiça e a evitar que o desenlace da causa se fique por mera decisão de forma” – Ac.TRP, de 16-4-1997 –
39. pois estamos perante uma situação onde dever-se-á ter por base critérios equitativos de análise e de adequação axiológica para uma situação singular, tendo em atenção as peculiares características do caso e os valores mais elevados do Direito.
40. Por tudo o supra exposto, a arguida, ora recorrente, faz suas as “palavras da sentença” quanto a esta [sentença]: mostra-se vaga, pouco espontânea, titubeante e claramente descomprometida com a verdade.”
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O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção da decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões:
“1 - A arguida ora recorrente foi condenada, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º/1, do CP, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, o que perfaz o quantitativo global de 600,00 €; e ainda condenada a pagar à demandante BB, o montante de 900,00 € acrescido de juros, à taxa legal para os juros civis, a contar da data da notificação da sentença até efetivo e integral pagamento.
2 – Inconformada, a recorrente recorre da Douta Sentença, afirmando que devia ter sido absolvida, aponta que houve uma valoração desadequada da prova e uma subsunção errada ao Direito.
3 – Salvo melhor entendimento, não assiste razão à recorrente, não merecendo censura a Douta Sentença, e, consequentemente, o recurso está condenado à improcedência.
4 - Os vícios do artigo 410º/2 do CPP, nomeadamente o erro notório na apreciação da prova, não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal da recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o Tribunal a quo formou sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do CPP.
5 - Tal princípio assume uma crucial importância na fase de julgamento e não se confunde com arbitrariedade, apesar de admitir uma dimensão subjetiva e emocional do julgador.
6 - O erro notório na apreciação da prova só se verifica quando o conteúdo da decisão, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, imponha, segundo os padrões valorativos do homem médio, uma decisão contrária à que foi proferida, resultando tal circunstância, de forma evidente, do próprio texto da decisão.
7 - Pelo que é nosso entendimento de que a Douta Sentença não padece do vício do erro notório na apreciação da prova.
8 - E ainda se dirá que a recorrente não deu cumprimento ao disposto no artigo 412º/3 do CPP. A recorrente não indicou as provas, que, no seu entender, devem ser renovadas, violando deste passo, o disposto no artigo 412º/3 al. c) do CPP.
9 – A recorrente impugna a valoração das imagens por não ter havido concordância na instalação da câmara.
10 – Ora, a aludida câmara estava virada para o lugar de estacionamento da demandante, sendo que não se depreende qualquer violação de privacidade – só os utilizadores do veiculo automóvel da demandante é que devem e podem se dirigir àquele lugar, mais se dirá que a instalação da camara era o único meio possível de obtenção de prova naquele local. Pelo que andou bem o Tribunal a quo em decidir como decidiu.
11 - O recurso de facto para a Relação não é uma nova apreciação dos factos indiciados em que a segunda instância aprecia toda a prova produzida a título indiciário e documentada em primeira instância, como se aquela apreciação ali realizada não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram erros.
12 - Por isso, o princípio da imediação da prova deve conduzir a que o Tribunal da Relação - sem que busque uma nova convicção da matéria de facto, aceite como correta a decisão da primeira instância, não sendo esta arbitrária, correspondendo a uma das soluções possíveis
13 - No caso em apreço, a convicção do Tribunal a quo - justificada à saciedade na Douta Sentença, pela forma como procedeu ao exame crítico das provas, não sendo arbitrária, encontra-se fundamentada na prova produzida em sede de audiência de julgamento, conjugada com a prova documental e as regras da experiência comum, não havendo motivo que justifique a alteração da matéria de facto posta em causa.
14 - De qualquer modo, não se vê razão para que se considere superior ou melhor fundada a convicção da recorrente, essencialmente baseada na sua interpretação das provas e nas ilações que delas tira.
15 - Assim bem andou o Tribunal a quo na factualidade assente bem como bem andou na subsunção dos factos ao Direito.
16 - No respeitante ao pedido cível, o Tribunal a quo indagou a verificação da responsabilidade civil extracontratual.
17 – Verificada a responsabilidade civil, o Tribunal a quo ficou o montante indemnizatório recorrendo à equidade porquanto os valores dos danos patrimoniais e não patrimoniais porquanto os seus valores concretos não foram apurados.
18 - Assim, o Tribunal a quo fixou a indemnização no valor de €900,00, acrescida dos respetivos juros à taxa legal para os juros civis, a contar da data da notificação da sentença até efetivo e integral pagamento, o que se considera justo in casu.”
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Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer, acompanhando a posição assumida na primeira instância e considerando que o recurso não merece provimento.
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Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, não tendo a recorrente nada acrescentado ao anteriormente alegado.
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Proferido despacho liminar, teve lugar a conferência.
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2 – Objecto do Recurso
Conforme o previsto no art.º 412º do Cód. Proc. Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam as questões a apreciar pelo tribunal ad quem, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 5.12.2007, no Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt).
Assim sendo, as questões a apreciar no presente recurso consistem em saber se houve:
- valoração de prova proibida;
- falta de exame crítico da prova;
- verificação dos vícios previstos no art.º 410º, nº 2, alíneas a) e c) do Cód. Proc. Penal;
- erro de julgamento;
- violação do princípio in dubio pro reo;
- errada qualificação jurídica dos factos;
- excesso no montante indemnizatório arbitrado.
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3- Fundamentação:
3.1. – Fundamentação de Facto
A decisão recorrida considerou provados e não provados os seguintes factos e com a seguinte motivação:
“ á Factos Provados.
Da audiência de julgamento e com relevo para a boa decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
Da Acusação em Especial.
1. No dia 16.02.2023, cerca das 17:30h, no lugar de estacionamento afeto ao …., da garagem do prédio urbano sito na Rua …, n.º…, em …, a arguida AA munida de um objeto de caraterísticas não concretamente apuradas, mas seguramente pontiagudo, e utilizando o mesmo riscou a pintura do para choques traseiro do veículo automóvel com a matrícula …, da marca …, modelo …, de cor …, que ali se encontrava e de que é proprietária a ofendida BB.
2. Com a conduta descrita a arguida tornou a pintura da viatura não utilizável para o fim a que se destina, causou-lhe estragos na pintura do referido veículo, cuja reparação ascende a valor concretamente não apurado (mas inferior a 50 unidades de conta- UC).
3. A arguida sabia que ao riscar a pintura do veículo estava a produzir estragos numa coisa que não lhe pertencia, que causava prejuízo à sua proprietária, não obstante, quis causar estragos e agiu com esse propósito.
4. A arguida agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Das Condições Socioeconómicas e Antecedentes Criminais da Arguida em Especial.
5. A arguida AA, natural de … (…), nasceu a … de 1958 e está casada.
6. Tem um filho maior já economicamente independente.
7. Como habilitações literárias tem o 12.º ano de escolaridade completo.
8. No passado foi …, estando atualmente aposentada desse ofício.
9. Aufere pensão mensal de reforma de cerca de 690,00 €.
10. Possui trabalho em regime de tempo parcial/ “part-time” ….
11. Por esse seu trabalho aufere cerca de 439,00 € por mês.
12. A arguida reside com o seu marido em apartamento sito na Rua …, …
13. Em água, luz e telefone gasta por mês uma média de 150,00 €.
14. A arguida juntamente com o seu marido contraiu empréstimo bancário (no valor de 100.000,00 €) para aquisição de uma habitação.
15. Para amortização desse empréstimo a arguida paga mensalmente a quantia de 290,00 €, faltando ainda liquidar cerca de 30.000,00 €.
16. O marido da arguida (FF) é ….
17. A arguida não regista antecedentes criminais averbados no seu Certificado de Registo Criminal (doravante CRC).
Do Pedido de Indemnização Civil (PIC) em Especial.
18. A reparação dos danos apesentados pelo veículo automóvel com a matrícula … compreende os seguintes trabalhos:
a) reparação do para choques traseiro;
b) a pintura do para choques traseiro.
19. A remoção e instalação de barras tejadilho e a reparação mencionada na al. a) do ponto 18) dos Factos Provados, mais mão de obra, ascendem a 427,00 €, a que acresce IVA à taxa de 23 %.
20. A pintura do tejadilho, a pintura do guarda lamas frente esquerdo e a pintura mencionada na al. b) do ponto 18) dos Factos Provados, mais mão de obra, ascendem a 488,00 €, a que acresce IVA à taxa de 23 %.
21. O lugar de estacionamento afeto ao …, referido no ponto 1) dos Factos Provados, encontra-se devidamente assinalado, pintado no piso em cor contrastante com a restante.
22. A arguida sabia que o veículo estacionado no referido lugar é propriedade de BB.
23. BB sofreu por ver o seu veículo danificado, e, por ter que circular nele no estado desfigurado em que a arguida o colocou.
24. Com a descrita atuação da arguida esta causou a BB preocupações, vexame e revolta por ter sido danificado o seu veículo, adquirido em 2017.
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â Factos não Provados.
Com relevância para a boa decisão da causa, não se provou que:
A. No circunstancialismo em causa no ponto 1), a arguida riscou a lateral esquerda do para choques traseiro, bem como o tejadilho.
B. A reparação do veículo ascende ao valor de 1.125.45 € (mil, cento e vinte e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos).
C. A reparação dos estragos causados no veículo pela arguida compreende, além dos trabalhos mencionados em 18), a remoção e instalação de barras tejadilho, a pintura do tejadilho e a pintura do guarda lamas frente esquerdo.
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ã Fundamentação da Matéria de Facto e Exame Crítico da Prova.
A convicção do Tribunal (A valoração da prova constitui uma das operações mais importantes e difíceis em todo o processo judicial. Pressuposto indispensável da decisão, a qual se impõe ao julgador como uma tarefa inarredável.) assentou na análise crítica da prova produzida, que consistiu: i) nas declarações prestadas pela arguida/demandada AA; ii) nas declarações prestadas pela demandante BB (… de profissão, vizinha da arguida em prédio urbano sito na Rua …, sendo residente juntamente com o seu cônjuge CC e os seus filhos da fração/apartamento correspondente ao … desse prédio); iii) no depoimento prestado pelas testemunhas CC (… de profissão, vizinho da arguida em prédio urbano sito na Rua …, sendo residente juntamente com a sua mulher BB – aqui demandante – e os seus filhos da fração/apartamento correspondente ao … desse prédio), GG (… de profissão, amiga da demandante, com quem convive bastante, nomeadamente depois e antes de missa de domingo que ambas frequentam, assim como da circunstância das duas atualmente serem colegas no …, que nada tem contra a pessoa da arguida), FF (… de profissão, marido da arguida, residente com esta em fração/apartamento correspondente ao … de prédio urbano sito na Rua …, que nada tem contra a pessoa da arguida) e EE (… de profissão, amiga de longa data da arguida, que nada tem contra esta); iv) bem como no teor do conspecto documental constante dos autos [do qual se salienta: Auto Denúncia (de fls. 34 e 34 verso); Compact disc (doravante, CD) (junto ao processo a fl. 42); Orçamento (de fl. 45); Auto de Visionamento de Imagens (de fls. 55 a 68); Informação (documento junto com o pedido de indemnização civil); Documento Único Automóvel (documento junto com o pedido de indemnização civil); bem como CRC atual da arguida junto ao processo]; sobre os quais todas as dúvidas foram esclarecidas em audiência, tudo devidamente apreciado com base nas regras da experiência comum e da normalidade da vida [cfr. artigo 127.º, do Código de Processo Penal (doravante CPP)].
A convicção do Tribunal formou-se de forma algo previsível e evidente, perante toda a prova produzida em julgamento, afigurando-se de elementar evidência que os factos tenham sido dados como provados (e não provados) nos moldes consignados supra, razão pela qual se não aborda a temática da motivação da matéria de facto de forma exaustiva e/ou minuciosa, pronunciando-se o Tribunal outrossim em moldes mais genéricos.
Vejamos.
Relativamente às declarações prestadas pela arguida, numa ótica descritiva, por esta foi adiantado, desde logo, que genericamente nega as imputações que lhe são feitas.
Com efeito, menciona a arguida que a situação em causa neste processo ontologicamente ocorreu em termos distintos da acusação que lhe é movida.
Assim, informa a arguida que no dia 16 de fevereiro de 2023, na garagem do prédio que habita com o seu marido, sito na Rua …, por volta das 17:30h, realmente se aproximou do carro de BB estacionado no lugar afeto à fração que esta habita nesse mesmo prédio (mormente a fração relativo ao …). Contudo, sublinha, que não riscou o carro de BB, tendo apenas se aproximado deste para apanhar um brinco (“rectius”, uma bola branca) que lhe caiu enquanto passava por ali próxima (num dia que ia sair com o seu marido).
Refere que o brinco caiu porque se desequilibrou; alude, neste contexto a um problema no seu joelho; assim como à circunstância de que o brinco, quando caiu, ficou por baixo do carro de BB.
Menciona que o seu marido negoceia …, tendo a dada altura existido uma queixa (para entidade que não identifica) na qual foi alegado que ele guardava esses produtos na garagem que possuem no prédio que habitam na Rua …. Adianta que a queixa foi infrutífera, desconhecendo quem foi o seu autor.
Não obstante, frisa que as relações de vizinhança com a demandante e as demais pessoas que com ela habitam o apartamento sito Rua … não são as melhores. Neste contexto refere que viu um dos filhos de BB (que chamou de HH) atirar rolo de cozinha com terra para junto da sua fração. Diz que devido ao sucedido abordou o marido de BB (de nome CC), tendo este adiantado que os seus filhos não fizeram nada. Alude, que tal a incomodou.
Efetivamente, das declarações prestadas pela arguida (mas agora não numa ótica descritiva, mas sim crítica), cabe referir que esta, com a sua “explicação” do sucedido, encetou uma vã tentativa de se desresponsabilizar e de se furtar à responsabilidade criminal inerente aos factos que se vieram a dar como provados; adiantando versão não verídica, com exceção da componente tempo-espacial dos factos, bem como dos sujeitos e automóvel envolvidos no caso em apreço.
Senão vejamos.
A demandante BB (com a razão de ciência suprarreferida) adiantou, em primeira linha, que porque a dado momento começou a ver o seu carro vandalizado com riscos e outras marcas achou por bem colocar uma câmara na garagem do prédio que habita (desde que casou) direcionada para o seu lugar de garagem. Frisou que o fez, pois desejava saber quem lhe provocava aqueles danos na sua viatura (um veículo automóvel, da marca …, modelo …, de cor …, que comprou em 2017 ou em 2018).
Informa que o dispositivo que colocou além de apenas estar direcionado para o seu lugar de garagem, apenas filma quando capta movimento nesse espaço. Adianta, igualmente, que quando a câmara que colocou deteta algo manda uma mensagem para o seu telemóvel, no qual pode ver imediatamente o que a câmara filmou.
Salienta que foi vendo ao longo de um período considerável de tempo a arguida e o marido desta procederem voluntariamente a danos na sua viatura, nas bicicletas dos seus filhos (mormente, nos pipos destas), assim como no seu próprio lugar de garagem no prédio que habita na Rua ….
Diz que julga que o motivo catalisador/“leitmotiv” das atitudes desses dois vizinhos se prende com a circunstância destes provavelmente acharem que foi ela que fez queixa (para entidade que não identifica) de que o marido da arguida guarda produtos … na garagem que possui na Rua …. Sublinha, que não fez queixa nenhuma, contudo reconhece que o cheiro a incomoda e se sente por todo o prédio (nomeadamente, junto da sua fração), sendo um cheiro intenso, pelo que já o disse várias vezes em reuniões de condomínio do prédio que habita. Informa que apareceram papeis com urina no tapete da sua porta de casa.
Com efeito, diz que no ano de 2023 (em dia e mês que não sabe precisar) recebeu notificação no seu telemóvel da câmara de filmar (que colocou na garagem do prédio que habita). Diz que dessa vez observou pelo seu telemóvel a arguida a baixar-se junto do seu automóvel de maneira estranha. Informa que dado o ângulo da câmara que filma diretamente o lado esquerdo do seu veículo não viu concretamente a atuação da arguida sobre o seu carro, pois esta atuou sobre este do lado direito.
Não obstante, (nesse mesmo dia do ano de 2023 que não sabe precisar) pouco tempo depois de ter visto a notificação e visualizado o vídeo (“rectius”, cerca de 15 minutos) deslocou-se junto do seu veículo no seu lugar de garagem tendo constatado riscos no lado direito do para-choques traseiro e tejadilho.
Diz que nunca procedeu a nenhuma reparação ao seu veículo em virtude dos riscos do dia em causa nos autos, assim como de outros riscos a que também se referiu.
Informa que por ver o seu veículo riscado naquela ocasião, e, por ter que andar com ele naquele estado ficou triste. Alude que a situação lhe causa preocupação, vexame e revolta, sendo frequente comentar com pessoas próximas esta situação, bem como toda dinâmica do prédio em que vive, no qual segundo informa os vizinhos estão com medo da arguida e do marido desta.
Saliente-se que as declarações prestadas pela demandante possuíram nível de detalhe significativo, correspondência em traços essenciais com documentação junta ao processo, bem como uma genuinidade revelada em expressões e emoções consentâneas com o tipo de episódio narrado, dentro dos limites normais da memória humana (resquício derradeiro das suas experiências sensoriais)( Naturalmente limitada pela seletividade da memória. Efetivamente a memória humana entre as suas várias caraterísticas é seletiva, na medida em que filtra e seleciona as experiências que devem ser armazenadas (nomeadamente nas recordações de longo prazo). Note-se que este processo não pode ser controlado, estando a retenção seletiva da memória relacionada ao processo de atenção e perceção), pelo que se sublinhe que tem de ser considerada pelo Tribunal, que nela acreditou no essencial.
CC (com a razão de ciência suprarreferida) de maneira pormenorizada, objetiva, com emoções consentâneas com o tipo de episódio narrado e no essencial coincidente com documentação junta ao processo [dentro dos limites normais da memória humana (resquício derradeiro das suas experiências sensoriais)] refere em traços gerais o adiantado pela sua mulher (aqui demandante) nas suas declarações supra resumidas. Naturalmente, a testemunha focou-se mais neste ou naquele aspeto de modo distinto da demandante, contudo, em traços gerais trata-se de um depoimento similar e no mesmo sentido, sobre a mesma realidade em discussão, não relevando algumas incongruências porque consideradas menores/irrelevantes para o Tribunal.
No entanto, sublinhe-se que a testemunha adiantou que viu também a gravação da câmara que foi colocada para captar o lugar de garagem da fração que habita na Rua …, pelo que cerca de uma hora depois de ter visto a gravação (no próprio dia) deslocou-se à garagem do prédio tendo constatado riscos no lado direito do para-choques traseiro. Diz que não viu riscos no tejadilho. Informa que o veículo em causa foi adquirido em 2017.
Frisou, com importância, que a sua senhora devido ao sucedido ficou triste, tendo de aumentar a dose de antidepressivos que já tomava. Alude que a sua mulher pelo ocorrido dorme mal, fala constantemente daquele tema e sente mal-estar geral.
GG (com a razão de ciência suprarreferida) de maneira pormenorizada, objetiva, com emoções consentâneas com o tipo de episódio narrado e no essencial coincidente com documentação junta ao processo [dentro dos limites normais da memória humana (resquício derradeiro das suas experiências sensoriais)] adiantou que a sua amiga pelo sucedido tem estado triste, transtornada, mostrando-se nitidamente afetada, necessitando de tomar medicação para lidar com a situação. Alude que a sua amiga (aqui demandante) lhe comentou que tem insónias pelo sucedido.
EE (com a razão de ciência suprarreferida) refere em traços gerais o adiantado pela sua mulher (aqui arguida) nas suas declarações supra resumidas. Naturalmente, a testemunha focou-se mais neste ou naquele aspeto de modo distinto da arguida, contudo, em traços gerais trata-se de narração similar e no mesmo sentido, sobre a mesma realidade em discussão.
Já, EE (com a razão de ciência suprarreferida) depõe exclusivamente sobre aspetos relativos às condições sociais e económicas da arguida. Informando que esta é sua amiga, que a conhece desde a escola primária, que já trabalhou com ela, tratando-se de pessoa de bem, que procura o bem-estar dos outros.
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Se é certo que é patente que a demandante e o seu marido não simpatizam com a arguida, o certo é que estes foram genuinamente convincentes, com estados de espírito adequados à situação, revelado pelas suas expressões faciais, tom de voz, demais manifestações corporais e escolha de palavras (Em súmula expressiva, o “como foi dito” é, na perspetiva deste Tribunal, essencial para avaliar “o que foi dito”. Sendo, no fundo, isso a essência da imediação do julgador), encontrando-se as suas narrações suportadas por outros elementos probatórios juntos ao processo (que infra já se mencionarão), não sendo de olvidar também o testemunho da amiga da demandante.
Principalmente das declarações da demandante e do depoimento do seu marido resulta que a ocorrência em causa foi a gota de água numa situação em que o copo já se encontrava totalmente cheio, daí ser perfeitamente compreensível e justificada a revolta e tristeza sentida por estes, nomeadamente pela demandante (pessoa já fragilizada por situação anterior – não explorada nos autos, porque irrelevante, não decisiva –, que viu o seu estado depressivo se agravar ainda mais).
Note-se que junto ao processo se encontra decisivo elemento probatório, mormente CD (junto ao processo a fl. 42), no qual se encontra gravado ficheiro com o nome “riscos_16.02.2023” (ficheiro MP4 de 976 KB), com a duração de 11 segundos.
Efetivamente, dessa gravação feita pela câmara referida pela demandante e testemunha seu marido, pode o Tribunal visualizar precisamente o mesmo que a demandante e o seu marido viram e narraram, sendo para lá de suspeitos os movimentos executados pela arguida nesse filme, sem justificação. O que a conjugar com a demais prova produzida aponta claramente na direção de que a arguida, no dia 16.02.2023, cerca das 17:30h, no lugar de estacionamento afeto ao …., da garagem do prédio urbano sito na Rua …, munida de um objeto de caraterísticas não concretamente apuradas, mas seguramente pontiagudo, e utilizando o mesmo, riscou a pintura do para choques traseiro do veículo automóvel com a matrícula …, da marca …, modelo …, de cor …, que ali se encontrava e de que é proprietária a ofendida BB.
Não sendo de olvidar, também, o Auto de Visionamento de Imagens (de fls. 55 a 68), bem como os demais elementos contidos no referido CD.
Desconsideram-se os riscos aludidos pela demandante no tejadilho, nas suas declarações, porque o seu marido não os mencionou, bem como (e principalmente) pela circunstância de que da gravação não se observa nenhum comportamento da arguida nessa área em concreto do veículo em questão. Também, claramente não está em causa o lado esquerdo do veículo na situação em apreço, desde logo pelo adiantado pela demandante e pelo seu marido (relativamente aos danos feitos no dia em questão), não olvidando a circunstância da aludida gravação apenas se verificar uma atuação da arguida no lado direito do veículo.
Destas conclusões decorrem consequências a nível do valor da reparação do veículo em causa, que não poderá ser necessariamente de 1.125.45 €, tal como se reporta o Orçamento (de fl. 45), uma vez que este se refere a muitos outros danos, para além daqueles que se apuraram ser da autoria da arguida.
Efetivamente, no caso em apreço apenas está em causa a reparação do para-choques traseiro, bem como a pintura do para-choques traseiro.
Sendo de apontar, que dos elementos juntos ao processo, mormente do aludido CD e Auto de Visionamento de Imagens (de fls. 55 a 68), resulta claro que o lugar de estacionamento afeto ao … encontra-se devidamente assinalado, pintado no piso em cor contrastante com a restante.
Não existindo também dúvida, que dos elementos juntos ao processo, nomeadamente de Informação (documento junto com o pedido de indemnização civil) e Documento Único Automóvel (documento junto com o pedido de indemnização civil), resulta que o automóvel em causa é de BB e que a propriedade deste foi registada a favor desta em 2017.
Não se enquadrando a situação no princípio “in dubio pro reo” [postulado do princípio da presunção de inocência consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP)] que impõe a absolvição sempre que a prova não permite resolver a dúvida acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da atuação do acusado, tendo em consideração o adiantado supra.
É que, repare-se, a situação não gera nenhuma dúvida (nos termos e pelas razões já supra explicadas), sendo a versão apresentada pela arguida e respetivo marido, no contexto da prova produzida, uma tentativa da arguida se furtar, de fugir à responsabilidade inerente da sua conduta; sendo o teor do depoimento do marido da arguida compreensível, face à solidariedade (e expectável amor oblativo) inerente ao casamento que os une.
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Assim, da prova acabada de descrever e analisar não restaram dúvidas ao Tribunal sobre a factualidade descrita nos pontos 1), 2) e 18) a 24), motivo pelo qual se dão esses factos como provados [e também pelas mesmas razões se dão como Não Provados os pontos A) a C)].
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Por sua vez, resulta do circunstancialismo apurado e lido à luz das regras da experiência comum e da normalidade da vida (desde logo atento o caráter inequívoco de tais condutas, insuscetíveis de permitir se vislumbre quaisquer outros intuitos que não os descritos) que a arguida sabia que ao riscar a pintura do veículo de BB estava a produzir estragos numa coisa que não lhe pertencia, que causava prejuízo à sua proprietária, não obstante, quis causar estragos e agiu com esse propósito; a arguida agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal; razão pela qual se tem por demonstrada a matéria de facto contida nos pontos 3) e 4) dos Factos Provados.
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Relativamente às condições socioeconómicas e aos antecedentes criminais da arguida, consignados nos pontos 5) a 17) dos Factos Provados, a sua comprovação resultou da conjugação das regras da experiência e normalidade da vida com: as declarações prestadas pela arguida em sede de audiência de julgamento, que nesses pontos e contrariamente ao demais surgiram de forma muito espontânea e coerente e mereceram credibilidade; o teor da prova documental carreada para os autos (“vide”, CRC supramencionado); bem como com o depoimento da testemunha EE, que demonstrou conhecer bem a arguida, por com ela conviver, tendo deposto sobre a sua integração e comportamento habitual.
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Já quanto aos Factos dados como Não Provados, a convicção negativa do Tribunal assentou na prova do seu contrário, ressalva a quando no ponto A) se alude “bem como o tejadilho” em que a convicção não positiva do Tribunal se ficou a dever à insuficiência da prova produzida.”
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3.2.- Mérito do recurso
A) Nulidade da decisão por se fundamentar em prova proibida
Como primeiro fundamento do seu recurso vem a recorrente alegar que a decisão recorrida é nula, por se fundamentar em prova proibida, em violação do disposto nos arts.º 126º, nº 3 e 410º, nº 3 do Cód. Proc. Penal e art.º 32º, nº 8 da CRP.
Fundamenta a sua pretensão no facto de terem sido utilizadas como meio de prova pelo Tribunal a quo filmagens captadas por uma câmara de vídeo vigilância colocada pela ofendida, sem a autorização do condomínio, no seu lugar de garagem, que integra as partes comuns do prédio, sendo que a câmara não captou apenas as imagens relativas ao lugar de estacionamento do veículo da ofendida, não tendo a arguida autorizado a captação da sua imagem.
Mais alega que tais comportamentos configuram uma intromissão abusiva na vida privada e no domicílio e tornam a decisão nula.
Vejamos se lhe assiste razão.
Em matéria de prova, prevê-se no art.º 32º, nº 8 da CRP que: “8. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.”
Na sequência desta proibição constitucional, o Cód. Proc. Penal, no seu art.º 167º, nº 1, prevê que: “1 - As reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electrónico e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal.”
Por seu turno o Cód. Penal, no seu art.º 199º estabelece que:
“1 - Quem, sem consentimento:
a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas;
é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem, contra vontade:
a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 197.º e 198.º.”
A este respeito, importa também atentar no art.º 126º, nºs 1, 3 e 4 do Cód. Proc. Penal, onde se prevê que: “1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.(…) 3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular. 4 - Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos neste artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo.”
Ou seja, o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127º, admite todos os meios de prova, desde que não sejam proibidos por lei, nos termos dos arts.º 125º e 126º todos do Cód. Proc. Penal.
Da análise conjugada de todas estas normas resulta que a captação de gravação e reprodução de imagens sem o consentimento do visado constitui um crime e um método proibido de prova, excepto se a sua utilização tiver como fim exclusivo proceder contra o agente do crime.
Na verdade, uma prova proibida não é admissível pelo ordenamento jurídico, não pode ser utilizada no processo, essa inadmissibilidade perdura para além do trânsito em julgado da decisão que a tiver valorado, é cognoscível a todo o tempo e constituí fundamento de recurso extraordinário de revisão, nos termos do art.º 449º, nº 1, al. e) do Cód. Proc. Penal, não se sanando, nem podendo ser repetida.
Como se viu, no art.º 199º, nº 2 do Cód. Penal protegem-se as imagens de uma pessoa, independentemente do conteúdo favorável ou desfavorável das gravações para a própria, e tutelam-se os direitos dessa pessoa a não ver captada e divulgada a sua imagem perante terceiros sem o seu consentimento, em consonância com a proteção do direito à imagem dada pelo art.º 79º, nº 1 do Cód. Civil e com a consagração deste direito como um direito fundamental de personalidade pelo art.º 26º, nº 1 da CRP.
Sucede, porém, que o direito à imagem não é um direito absoluto, estando sujeito às restrições que estiverem expressamente previstas na Constituição e que se mostrem indispensáveis à salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, como se refere no art.º 18º, nº 2 da CRP.
Da ponderação do previsto no art.º 167º do Cód. Proc. Penal e no art.º 199º do Cód. Penal decorre que a gravação que não é crime, é admissível como meio de prova.
Pode dizer-se que a gravação não consentida não é crime quando a captação da imagem corresponde à defesa de um interesse protegido, numa situação de direito de necessidade, o que acontecerá sempre que a gravação constitua o único meio prático e eficaz de garantir ao ofendido o seu direito de protecção contra a vitimização pela prática de crimes que, não fora essa captação de imagem, ficariam impunes.
Nestes casos as gravações não serão meios proibidos de prova, devendo ser valorados à luz do princípio da livre apreciação da prova previsto no art.º 127º do Cód. Proc. Penal.
É admissível concluir que a elaboração de gravação áudio ou vídeo destinada a demonstrar factos com relevância criminal não configura a prática de um crime, na medida em que o autor da gravação actua ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude, nomeadamente o estado de necessidade, previsto no art.º 34º do Cód. Penal.
Estabelece este preceito legal que:
“Não é ilícito o facto praticado como meio adequado para afastar um perigo actual que ameace interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, quando se verificarem os seguintes requisitos:
a) Não ter sido voluntariamente criada pelo agente a situação de perigo, salvo tratando-se de proteger o interesse de terceiro;
b) Haver sensível superioridade do interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado; e
c) Ser razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse em atenção à natureza ou ao valor do interesse ameaçado.”
Verifica-se, assim, que não é ilícita a actuação do agente que conhece a situação de conflito de interesses e actua com a consciência de salvaguardar o interesse preponderante, sendo razoável a imposição ao lesado do sacrifício do seu interesse em função da natureza ou valor do interesse colocado em risco.
Dito por outras palavras, é razoável impor ao agente da prática de um crime a lesão do seu direito à imagem quando a captação da sua imagem é o único meio de prova da prática do crime, sendo legítimo sacrificar o direito à imagem do agente em prol da defesa do direito à justiça e ao exercício do ius puniendi por parte do Estado, como única forma de salvaguardar os interesses público e da vítima na descoberta do crime, a eficiência penal, a segurança, a pacificação social e a justiça.
Esta ponderação dos interesses conflituantes deve ser feita caso a caso, e não em termos genéricos, devendo os direitos de personalidade dos particulares ceder em prol dos interesses públicos apenas quando haja para tal uma causa de justificação, como sucede no caso dos presentes autos.
(cf. neste sentido os acórdãos do TRC datado de 26/01/11, proferido no processo nº 68/10.1PBLRA.C1, em que foi relatora Brízida Martins, do TRE datado de 29/03/16, proferido no processo nº 558/13.4GBLLE.E1, em que foi relator António João Latas, do STJ datado de 28/04/22, proferido no processo nº 397/21.9GBABF.S1, em que foi relatora Adelaide Magalhães Sequeira, do TRL datado de 23/05/23, proferido no processo nº 924/20.9PBCSC.L1-5, em que foi relator Jorge Gonçalves, do TRC datado de 25/10/23, proferido no processo nº 303/22.6GCTND.C1, em que foi relatora Alexandra Guiné, do TRL datado de 24/01/24, proferido no processo nº 449/20.2PBSCR.L1-3, em que foi relatora Cristina Almeida e Sousa, do TRL datado de 6/02/24, proferido no processo nº 1280/19.3PBBRR.L1-5, em que foi relator Manuel Advínculo Sequeira, do TRE datado de 5/03/24, proferido no processo nº 122/21.4GDPTM.E1, em que foi relator Moreira das Neves, do TRC datado de 25/10/24, proferido no processo nº 273/23.0GCPBL-B.C1, em que foi relator João Abrunhosa, todos in www.dgsi.pt).
Em face de tudo o exposto, considera-se que não existe a nulidade de prova apontada pela recorrente, improcedendo nesta parte o recurso.
B) Nulidade da sentença recorrida por falta de exame crítico da prova
Nos presentes autos vem a recorrente alegar que o Tribunal a quo fez uma valoração errada da prova e da sua subsunção ao Direito, ao condená-la, e que na sentença recorrida, ao declarar a sua convicção quanto aos factos que julgou provados, deveria:
- ter indicado expressamente quais os factos provados que cada testemunha revelou conhecer;
- explicar quais os elementos que dos mesmos permitem inferir a interpretação e conclusão a que o Tribunal chegou;
- explicar por que razão julgou relevante ou irrelevante a prova produzida em audiência;
- ter indicado não só os meios concretos de prova, mas também as razões ou motivos por que eles revelaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador;
- ter apresentado as razões por que acreditou ou não no que cada testemunha disse, não sendo inteligíveis as razões pelas quais os meios de prova indicados serviram para formar a referida convicção;
- ter descrito com rigor o iter que seguiu para chegar à convicção de prova sobre os factos, não tendo explicitado de forma fundada e consistente as opções de prova tomadas.
Conclui que há uma insuficiência intolerável da motivação, pois a valorização dos depoimentos das testemunhas e da ofendida não tiveram um critério equitativo de análise, não tendo sido feito um correto entendimento do “princípio da livre apreciação da prova”, nos termos recortados pelo art.º 127º do Cód. Proc. Penal.
Apreciemos a sua pretensão.
Quanto aos requisitos da sentença, dispõe o art.º 374º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Penal o seguinte: “1 - A sentença começa por um relatório, que contém: a) As indicações tendentes à identificação do arguido; b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis; c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido; d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada. 2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. (…)”
A fundamentação da sentença penal é, assim, composta por dois grandes segmentos: - Um, que consiste na enumeração dos factos provados e não provados; - Outro, que consiste na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal. O dever de fundamentação das decisões judiciais é um imperativo constitucional, previsto no art.º 205º, nº 1 da CRP, onde se estabelece que as decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. A fundamentação deve revelar as razões da bondade da decisão, permitindo que ela se imponha dentro e fora do processo, sendo uma exigência da sua total transparência, já que é através dela que se permite que os respectivos destinatários, e a comunidade em geral, compreendam os juízos de valor levados a cabo pelo julgador na apreciação da prova. É também através da fundamentação da sentença que é viabilizado o controlo da actividade decisória pelo Tribunal de recurso, designadamente no que respeita à validade da prova, à sua valoração e à impugnação da matéria de facto.
O dever de fundamentação encontra-se igualmente consagrado no art.º 97º, nº 5 do Cód. Proc. Penal, onde se prevê que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. Em consequência, nos termos previstos no art.º 379º, nº 1, alíneas a) do mesmo diploma, é nula a sentença penal quando não contenha as menções previstas no nº 2 do art.º 374º.
Quanto ao conteúdo do dever de fundamentação da sentença ou do acórdão, escreveu-se no Ac. do TRL datado de 18/01/2011, proferido no processo nº 1670/07.4TAFUN-A.L1-5, em que foi relator Vasques Osório, in www.dgsi.pt, em moldes que subscrevemos: “(…) A enumeração dos factos provados e dos factos não provados, mais não é do que a narração de forma metódica, dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, com referência aos que constavam da acusação ou da pronúncia, da contestação, e do pedido de indemnização, e ainda dos factos provados que, com relevo para a decisão, e não constando de nenhuma daquelas peças processuais, resultaram da discussão da causa. É esta enumeração de factos que permite concluir se o tribunal conheceu ou não, de todas as questões de facto que constituíam o objecto do processo. A exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão deve ser completa mas tem que ser concisa, contendo e enunciação das provas que serviram para fundar a convicção alcançada pelo tribunal – o que não exige, relativamente à prova por declarações, a realização de assentadas tendo por objecto os depoimentos produzidos em audiência – bem como a análise crítica de tais provas. Esta análise crítica deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada.(…)”
Os motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados, nem os meios de prova, mas os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência ( neste sentido cf. , por exemplo, o Ac. do TRP datado de 15/07/2009, proferido no processo nº 1090/04.2JAPRT.P1, in www.dgsi.pt ).
Ora, não dizendo a lei em que é que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que lhe serviu de suporte (cfr. Acs. STJ de 12.04.2000, Proc. 141/2000, in SASTJ nº 40, 48, de 11.10.2000, Proc. 2253/2000 – 3ª, in SASTJ nº 44, 70, de 26.10.2000, Proc. 2528/2000 – 5ª, SASTJ nº 44, 91 e de 07.02.2001, Proc. 3998/00 – 3ª, SASTJ nº 48, 50).
O exame crítico da prova tem como objecto apenas os factos essenciais para a qualificação jurídico-criminal do ilícito, para a definição do seu circunstancialismo relevante e para a determinação da responsabilidade do agente, não tendo a fundamentação da sentença, na parte que respeita à indicação e exame crítico das provas, de ser uma espécie de “assentada” em que o Tribunal reproduz todos os meios de prova e, nomeadamente, os depoimentos das testemunhas ouvidas, sob pena de se violar o princípio da oralidade que rege o julgamento. Como se refere, de forma clara, no Ac. do STJ de 30/01/02, proferido no processo nº 3063/01 – 3ª, SASTJ nº 57, 69: “(…) A disposição do artigo 374º-2 do CPP sobre o exame crítico das provas não obriga os julgadores a uma escalpelização de todas as provas que foram produzidas e, muito menos, a uma reprodução do tipo gravação magnetofónica dos depoimentos prestados na audiência, o que levaria a uma tarefa incomportável com sadias regras de trabalho e eficiência, e ao risco de falta de controlo pelos intervenientes processuais da transposição feita para o acórdão. A partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este enuncia as razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não por outra das versões apresentadas, se as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (…)”. Esse exame crítico das provas corresponde, no fundo, à indicação dos motivos que determinaram a que o Tribunal formasse a sua convicção quanto à prova num determinado sentido, aceitando um meio de prova e afastando outro, e porque é que certas provas são mais credíveis do que outras. Ora, analisando a fundamentação de facto da decisão recorrida, nos moldes supra transcritos, verifica-se que da mesma consta não só a indicação de todos os elementos de prova, testemunhais e documentais, que alicerçaram a convicção do julgador, como o exame crítico de todas as provas e a explicação, através dos elementos probatórios, do entendimento a que o Tribunal a quo chegou quanto aos factos provados e não provados, em conformidade com as regras da lógica e da experiência comum. Na verdade, o art.º 374º, nº 2 do Cód. Proc. Penal não exige que se autonomize e se escalpelize a razão de decidir sobre cada facto, nem exige que em relação a cada meio de prova se descreva a dinâmica da sua produção em audiência, sob pena de se transformar o acto de decidir numa tarefa impossível.
No entanto, a decisão recorrida faz referência a todos os documentos e depoimentos que considerou pertinentes para o apuramento de cada um dos factos provados, explicando as razões pelas quais concedeu maior credibilidade aos depoimentos da ofendida e do seu marido em detrimento do depoimento da arguida e do marido desta, tendo em conta as regras da lógica e da experiência comum, sendo que a credibilidade conferida àqueles depoimentos se fundamentou também na análise da prova documental junta aos autos, sobretudo nas imagens captadas pela câmara de videovigilância instalada pela ofendida no seu lugar de parqueamento e pelo orçamento dos danos verificados no seu veículo automóvel. Quanto aos factos não provados foi igualmente referido que a ausência de prova dos mesmos se ficou a dever a insuficiência dos meios de prova para tal produzidos em audiência. Constata-se, assim, que a decisão recorrida individualizou os elementos de prova relevantes para a formação da convicção, analisou-os e relacionou-os entre si, explicando de uma forma lógica, racional e completa o processo de apuramento dos factos, explicação essa que, relacionada com as regras da lógica e da experiência comum, permite compreender como os factos ocorreram, bem como permite sindicar a formação dessa convicção. O julgador goza de ampla liberdade de movimentos ao eleger, de entre a globalidade da prova produzida, os meios de que se serve para fixar os factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção e da apreciação da prova. Por isso mesmo, pode suportar o seu juízo num determinado conjunto de provas e preterir outras por não lhes reconhecer credibilidade.
Conforme se decidiu no acórdão do STJ de 15/11/2005, proferido no processo nº 05A3168, em que foi relator Fernandes Magalhães, in www.dgsi.pt: “ (…) A “convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e das lacunas, das contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, olhares, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos". Elementos que a transcrição não fornece e de que a reapreciação em sede de recurso não dispõe (…)”.
Verifica-se, assim, que não assiste razão à recorrente quando alega que o Tribunal a quo não procedeu ao exame crítico da prova relativamente aos factos provados. Compreende-se que a decisão recorrida não seja do agrado da recorrente, porém, o que resulta da análise da mesma é que de todos os elementos de prova produzidos, elencados e apreciados criticamente, resultaram provados factos dos quais decorre o preenchimento pela arguida dos elementos objectivos do crime em apreço. Do preenchimento do elemento objectivo dessa infração, conjugado com as regras da lógica e da experiência comum, decorre o preenchimento do elemento subjectivo do mesmo ilícito, como consequência lógica e necessária.
Impõe-se, assim, concluir que a decisão recorrida se acha suficientemente fundamentada, não assistindo, neste tocante, razão à recorrente.
C) Nulidade da sentença recorrida por verificação dos vícios previstos no art.º 410º, nº 2, alíneas a) e c) do Cód. Proc. Penal
Alega também a recorrente que a decisão recorrida padece dos vícios de insuficiência da matéria de facto para a decisão e de erro notório na apreciação da prova.
Quanto a estas questões, estabelece o art.º 410º, nº 2 do Cód. Proc. Penal que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do Tribunal a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) O erro notório na apreciação da prova.
Tratam-se de vícios da decisão sobre a matéria de facto que são vícios da própria decisão, como peça autónoma, e não vícios de julgamento, que não se confundem com a errada apreciação e valoração das provas ou a insuficiência destas para a decisão de facto proferida, nem com o erro na aplicação do direito aos factos.
Estes vícios são também de conhecimento oficioso, pois têm a ver com a perfeição formal da decisão da matéria de facto e decorrem do próprio texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de recurso a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo constantes do processo (cfr., neste sentido, Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal Anotado”, 16ª ed., pág. 873; Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª ed., pág. 339; Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 6ª ed., 2007, pág. 77 e seg.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, pág. 121).
Há insuficiência da matéria de facto para a decisão quando os factos dados como assentes na decisão são insuficientes para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição, ou seja, são insuficientes para a aplicação do direito ao caso concreto.
No entanto, tal insuficiência só ocorre quando existe uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para a decisão de direito, porque não se apurou o que é evidente e que se podia ter apurado ou porque o Tribunal não investigou a totalidade da matéria de facto com relevo para a decisão da causa, podendo fazê-lo.
Esta insuficiência da matéria de facto tem de existir internamente, no âmbito da decisão e resultar do texto da mesma.
Neste sentido decidiu o STJ no Ac. de 5/12/2007, proferido no processo nº 07P3406, em que foi relator Raúl Borges, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que: “Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando esta se mostra exígua para fundamentar a solução de direito encontrada, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição. Ou, como se diz no acórdão deste STJ de 25-03-1998, BMJ 475.º/502, quando, após o julgamento, os factos colhidos não consentem, quer na sua objectividade, quer na sua subjectividade, dar o ilícito como provado; ou ainda, na formulação do acórdão do mesmo Tribunal de 20-12-2006, no Proc. 3379/06 - 3.ª, o vício consiste numa carência de factos que permitam suportar uma decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis e que impede que sobre a matéria de facto seja proferida uma decisão de direito segura.”
No mesmo sentido se decidiu no Ac. do TRC de 12/09/18, proferido no processo nº 28/16.9PTCTB.C1, em que foi relator Orlando Gonçalves, in www.dgsi.pt, onde se escreveu que: “ O art.410.º n.º 2 do Código de Processo Penal, estatui que «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter por fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou c) O erro notório na apreciação da prova.». Como resulta expressamente mencionado nesta norma, os vícios nela referidos têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente a segmentos de declarações ou depoimentos prestados oralmente em audiência de julgamento e que se não mostram consignados no texto da decisão recorrida. O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito. Existirá insuficiência para a decisão da matéria de facto se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa. – Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 7/04/2010 (proc. n.º 83/03.1TALLE.E1.S1, 3ª Secção, in www.dgsi.pt) de 6-4-2000 (BMJ n.º 496 , pág. 169) e de 13-1-1999 (BMJ n.º 483 , pág. 49) e os Cons. Leal- Henriques e Simas Santos , in “Código de Processo Penal anotado”, vol. 2.º, 2ª ed., pág.s 737 a 739.” Veja-se ainda, a título de exemplo, o Ac. do TRL datado de 22/09/20, proferido no processo nº 3773/12.4TDLSB.L1-5, em que foi relator Jorge Gonçalves, in www.dgsi.pt, onde se decidiu que: “ Estabelece o artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P. que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. Trata-se de vícios da decisão sobre a matéria de facto - vícios da decisão e não de julgamento, não confundíveis nem com o erro na aplicação do direito aos factos, nem com a errada apreciação e valoração das provas ou a insuficiência destas para a decisão de facto proferida -, de conhecimento oficioso, que, como já se adiantou, hão-de derivar do texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo que constem do processo, sendo os referidos vícios intrínsecos à decisão como peça autónoma. Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal, podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto relevante, acarretando a normal consequência de uma decisão de direito viciada por falta de suficiente base factual, ou seja, os factos dados como provados não permitem, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do julgador. Dito de outra forma, este vício ocorre quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto contida no objecto do processo e com relevo para a decisão, cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos …, 6.ª ed., 2007, p. 69; Acórdão da Relação de Lisboa, de 11.11.2009, processo 346/08.0ECLSB.L1-3, em http://www.dgsi.pt).
No que concerne ao erro notório na apreciação da prova, segundo o disposto no art.º 410º, nº 2, alínea c) do Cód. Proc. Penal, o mesmo releva como fundamento de recurso desde que resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.
Pese embora a lei não o defina, o «Erro notório» tem sido entendido como aquele que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade e que ressalta do teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, só podendo relevar se for ostensivo, inquestionável e percetível pelo comum dos observadores ou pelas faculdades de apreciação do «homem médio».
Há «erro notório» quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum e ainda quando determinado facto provado é incompatível, inconciliável ou contraditório com outro facto, positivo ou negativo, contido no texto da decisão recorrida (cf. neste sentido, LEAL-HENRIQUES e SIMAS SANTOS, in “Código de Processo Penal anotado”, II volume, 2ª edição, 2000, Rei dos Livros, pág. 740).
Este é um vício do raciocínio na apreciação das provas, de que nos apercebemos apenas pela leitura do texto da decisão, o qual, por ser tão evidente, salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental, em que as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu uma ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial (cf. entre muitos outros, Acs. do TRC de 09.03.2018, proferido no processo nº 628/16.7T8LMG.C1, em que foi relatora Paula Roberto, e de 14.01.2015, proferido no processo nº 72/11.2GDSRT.C1, em que foi relator Fernando Chaves, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Quanto ao que se deva entender por erro notório na apreciação da prova, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 410º, nº 2, alínea c) do Cód. Proc. Civil, discorreu largamente o STJ, no seu Ac. de 7/07/21, proferido no processo nº 128/19.3JAFAR.E1.S1, em que foi relator Nuno Gonçalves, in www.dgsi.pt, onde cita vária jurisprudência e onde se pode ler: “ (…) A decisão de julgar provado um acontecimento da vida na convicção de que foi demonstrado por uma versão que é manifestamente ilógica, contrariada pelas regras da física e ao mesmo tempo pelas máximas da experiência, padece do vício que o legislador consagrou no art.º 410º n.º 2 al.ª c) do CPP. Este é, como os demais aí previstos, um defeito da decisão em matéria de facto. Não devendo confundir-se nem com a errada aplicação do direito aos factos, nem com a escassez da prova para suportar o julgado. A sua deteção ou verificação não permite o recurso a elementos externos ao texto da decisão recorrida. Não assim, evidentemente, ao que constar da motivação do julgamento da matéria de facto. Se é certo que um determinado facto ou acontecimento da vida, simplesmente pelo modo como vem narrado, pode apresentar-se visivelmente irracional, notoriamente impossível, manifestamente desconforme às regras da experiência comum, todavia, mais comumente o erro notório na apreciação da prova deteta-se pela motivação do julgamento da facticidade, designadamente pelo exame critico dos elementos de prova.
Como sustenta Pereira Madeira, no erro notório “estão incluídas, evidentemente, as hipóteses de erro evidente, escancarado, de que qualquer homem médio se dá conta. Porém, a ser assim, com um alcance tão restrito, o preceito acabaria por perder grande parte do seu interesse prático, acabando afinal por deixar encobertas situações de erro clamoroso, ainda que porventura não acessíveis ao cidadão comum. Impor-se-à, assim, uma leitura algo mais abrangente que não acoberte situações de julgamento erróneo (…) que numa visão jurídica consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista e, naturalmente, ao tribunal de recurso, assegurar sem margem para dúvidas que a prova foi erroneamente apreciada. Certo que o erro tem de ser «notório». Mas basta para assegurar essa notoriedade que ela ressalte do texto da decisão recorrida, ainda que, para tanto tenha de ser devidamente escrutinada (…) e sopesada à luz das regras da experiência, Ponto é que, no fim, não reste qualquer dúvida sobre a existência do vício e que a sua existência fique devidamente demonstrada pelo tribunal ad quem.” ( in Código de Processo Penal comentado, 3ª ed. Revista, Almedina, 2021, pag. 1293/1294.) (…).”
Nos presentes autos, alega a recorrente que existe insuficiência da matéria de facto para a decisão, porquanto, no seu entender, não se provaram factos bastantes para a sua condenação pela prática de um crime de dano e no pedido de indemnização civil daí decorrente.
Porém, não se verifica este vício na decisão recorrida, pois da leitura da decisão, apenas em si mesma considerada e conjugada com as regras da experiência, constatamos que foram dados como provados factos que integram a prática pela arguida dos elementos objectivo e subjectivo do tipo legal de crime em apreço, bem como factos bastantes e suficientes para a determinação da pena a aplicar e da indemnização a atribuir à ofendida.
Já quanto ao erro notório na apreciação da prova, a recorrente limita-se a invocar este vício, sem indicar as partes da decisão em que o mesmo se verifica.
Na verdade, o que decorre da argumentação da recorrente, nesta sede, é que a mesma invoca os vícios constantes do art.º 410º, nº 2, alíneas a) e c) do Cód. Proc. Penal, porquanto não se conforma que se tenha dado como provado o preenchimento quanto a si dos elementos objectivo e subjectivo do crime de dano, pretendendo ser absolvida e limitando-se a discordar da apreciação da prova feita pelo Tribunal a quo.
Ora, analisada a decisão recorrida, não decorre da mesma a verificação de nenhum dos vícios invocados, pois os factos estão descritos de forma clara e perceptível, não existe qualquer contradição entre a matéria de facto provada e não provada, todos os factos se mostram fundamentados, de forma lógica, e a decisão do Tribunal funda-se na prova produzida, estando em conformidade com a mesma.
Não se tendo apurado a existência de um qualquer vício de raciocínio evidente para um observador médio ou uma qualquer desconformidade intrínseca e evidente no raciocínio exposto na decisão do Tribunal recorrido, o que também não foi alegado pela recorrente, impõe-se julgar o recurso improcedente quanto a estes fundamentos, sem necessidade de mais considerandos.
D) Erro de julgamento
Alega a recorrente que houve na decisão em apreço um erro de julgamento, porquanto o Tribunal a quo não podia ter dado como provada toda a factualidade que deu, uma vez que a prova desses factos não resulta das suas declarações e das da testemunha FF, seu marido.
Mais alega, que o Tribunal a quo acreditou na versão dos factos apresentada pela ofendida BB e pela testemunha CC, seu marido, mas erradamente, porquanto os depoimentos destas testemunhas registaram várias imprecisões e contradições entre si, para além do que o Tribunal não conferiu qualquer valor ao relatório policial junto aos autos por DD, quando o deveria ter feito.
Vejamos se lhe assiste razão.
A reapreciação da matéria de facto poderá ser feita no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no art.º 410º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, onde, como vimos, a verificação desses vícios tem que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, mas sem recurso a quaisquer elementos exteriores, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, feita nos termos do art.º 412º, nos 3, 4 e 6 do mesmo diploma, caso em que a apreciação se estende à prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente. A impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto destina-se a despistar e corrigir determinados erros in judicando ou in procedendo, razão pela qual o art.º 412º, nº 3 do Cód. Proc. Penal impõe ao recorrente a obrigação de indicar: “ a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.” A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados. A especificação das «concretas provas» implica a indicação do conteúdo do meio de prova ou de obtenção de prova e a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Por seu turno, a especificação das provas que devem ser renovadas impõe a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda e das razões para crer que aquela renovação permitirá evitar o reenvio do processo previsto no art.º 430º do mesmo diploma. Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência. Havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao que tiver sido consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens das gravações em que fundamenta a impugnação, não bastando a simples remissão para a totalidade de um ou de vários depoimentos, pois são essas passagens concretas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo Tribunal de recurso, como é exigido pelo art.º 412º, nºs 4 e 6 do Cód. Proc. Penal. A este respeito, importa ter em atenção a jurisprudência já fixada pelo STJ, no seu Ac. nº 3/2012, publicado no DR, 1ª série, nº 77, de 18/04/12, no seguinte sentido: «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».
Na verdade, o poder de apreciação da prova da 2ª instância não é o mesmo que o atribuído ao juiz do julgamento, não podendo a sua convicção ser arbitrariamente alterada apenas porque um dos intervenientes processuais expressa o seu desacordo quanto à mesma, pois o poder de apreciação da prova do tribunal de recurso não é absoluto, nem se reconduz à realização integral de um novo julgamento da matéria de facto, em substituição do já realizado em 1ª instância.
A reapreciação da prova só determinará uma alteração à matéria de facto provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa da recorrida.
Neste último caso, havendo duas, ou mais, possíveis soluções de facto, face à prova produzida, se a decisão da primeira instância se mostrar devidamente fundamentada e couber dentro de uma das possíveis soluções, face às regras da experiência comum, é esta que deve prevalecer, mantendo-se intocável e inatacável, porquanto foi proferida em obediência ao previsto nos art.ºs 127º e 374º, nº 2 do Cód. Proc. Penal ( cf., entre outros, o Ac. do TRL de 2/11/21, proferido no processo nº 477/20.8PDAMD.L1-5, em que foi relator Jorge Gonçalves, in www.dgsi.pt.).
Segundo o previsto no art.º 127º do Cód. Proc. Penal, o Tribunal deve fixar a matéria de facto de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador, desde que não se esteja perante prova vinculada ou tarifada.
Pese embora o ato de julgar tenha sempre, necessariamente, um lado subjetivo, as regras da experiência, complementadas pelo disposto no art.º 374º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, determinam que aquele acto não possa ser um acto arbitrário ou discricionário.
Verifica-se, pois, que a livre convicção não se confunde com a íntima convicção do julgador, dado que a lei lhe impõe que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, devendo a avaliação da prova ser efectuada com sentido de responsabilidade e bom senso.
Em consequência, sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve-se acolher a opção do julgador da 1ª instância, sobretudo porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova ( cf., neste sentido, Ac. do STJ de 13/02/08, proferido no processo nº 07P4729, em que foi relator Pires da Graça, in www.dgsi.pt ).
A lei não considera relevante a convicção pessoal de cada um dos intervenientes processuais, no sentido de a mesma se sobrepor à convicção do Tribunal, até porque, se assim fosse, não seria possível existir qualquer decisão final.
O que a lei permite é que, quem entenda que ocorreu um erro de apreciação da prova, o invoque, fundamentadamente, em sede de recurso, para que tal questão possa ser reapreciada por uma nova instância jurisdicional.
Para além de a lei determinar a forma como tal reapreciação deve ser pedida, estabelece também os limites da mesma, ou seja, os poderes de cognição do Tribunal de recurso. Para esse efeito, deve o Tribunal de recurso verificar se os concretos pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa.
Na verdade, como se refere no Ac. do TRL, datado de 26/10/21, proferido no processo nº 510/19.6S5LSB.L1-5, em que foi relator Manuel Advínculo Sequeira, in www.dgsi.pt: «apenas séria discrepância entre o que motivou o tribunal de 1ª instância e aquilo que resulta da prova por declarações prestada, no seu todo e à luz de regras de experiência comum, pode ser de molde a inverter aquela factualidade, impondo, nas palavras da lei, outra decisão (…). As declarações são ainda indissociáveis da atitude e postura de quem as presta, olhares, trejeitos, hesitações, pausas e demais reacções comportamentais às diversas perguntas e questões abordadas, isoladas ou entre si combinadas, bem como a regras de experiência e senso comuns à luz da normalidade dos comportamentos humanos.(…)”
A razão de ser desta forma de funcionamento do instituto do recurso, quanto à reapreciação de matéria de facto, decorre também do princípio da oralidade, o qual implica uma imediação, um contacto direto, pessoal e presencial entre o julgador e os elementos de prova (sejam eles pessoas, coisas, lugares, sons, cheiros, timbre e entoação), que facilita a formação da livre convicção do julgador e que só existe na primeira instância.
A imediação permite que o julgador tenha uma perceção dos elementos de prova muito mais próxima da realidade do que qualquer apreciação posterior, a realizar pelo Tribunal de recurso, mesmo que este se socorra da documentação dos atos da audiência.
A imediação revela-se também de importância fulcral para aferir da credibilidade de um depoimento, pois o seu desenrolar, a posição corporal, os gestos, as hesitações, o tom de voz, o olhar, o embaraço ou o desembaraço e todas as componentes pessoais ligadas ao ato de depor são insuscetíveis de serem registadas, mas ficam na memória de quem realizou o julgamento, são importantes na formação da convicção do julgador e são objetiváveis na fundamentação da decisão, mas não são suscetíveis de documentação para reapreciação em sede de recurso.
Impõe-se, assim, concluir que, nesta matéria, cabe apenas ao Tribunal de recurso verificar se o Tribunal a quo, ao formar a sua convicção, fez um bom uso do princípio de livre apreciação da prova, aferindo da legalidade do caminho prosseguido até se chegar à matéria fáctica dada como provada e não provada, devendo tal apreciação ser feita com base na motivação elaborada pelo Tribunal de primeira instância e na fundamentação da sua escolha, ou seja, no cumprimento do disposto no art.º 374º, nº 2 do Cód. de Proc. Penal.
Para este efeito, como se escreveu no Ac. do TRL datado de 11/03/2021 ( proferido no processo nº 179/19.8JDLSB.L1-9, em que foi relator Abrunhosa de Carvalho, in www.dgsi.pt. ): «O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado».
E convém referir que quando o tribunal recorrido forma a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquelas que formulem os recorrentes.
Normalmente, os erros de julgamento capazes de conduzir à modificação da matéria de facto pelo tribunal de recurso consistem no seguinte: dar-se como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto; dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo; dar-se como provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem razão de ciência da mesma que permita a referida prova; dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal; dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido ou o declarante não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram; dar-se como provado um facto com base num documento do qual não consta o que se deu como provado; dar-se como provado um facto com recurso à presunção judicial fora das condições em que esta podia operar.»
Sucede que: «O recorrente não impugna de modo processualmente válido a decisão proferida sobre matéria de facto se se limita a procurar abalar a convicção assumida pelo tribunal recorrido, questionando a relevância dada aos depoimentos prestados em audiência.» ( cf. Ac. do TRP datado de 6/10/2010, proferido no processo nº 463/09.9JELSB.P1, em que foi relatora Eduarda Lobo, in www.dgsi.pt).
Em suma, o recorrente que invoca a existência de um erro de julgamento tem que apontar na decisão recorrida os segmentos que impugna e colocá-los em relação com as provas, concretizando as partes da prova gravada que pretende que sejam ouvidas e que sustentam uma decisão diversa, se for o caso, quais os documentos que pretende que sejam reexaminados, bem como quais os outros elementos probatórios que pretende ver reproduzidos, demonstrando a verificação do erro judiciário a que alude.
Foi o que a recorrente não fez no recurso em apreço.
Desde logo não individualizou os concretos pontos de facto que considera terem sido mal julgados, tendo efectuado a sua impugnação relativamente a toda a matéria de facto provada.
Por outro lado, o que decorre das suas alegações é que se limita a interpretar de forma diferente o que resulta do depoimento da ofendida e da testemunha CC, dizendo que o Tribunal a quo não devia ter dado como provados os factos que deu com fundamento nos mesmos.
Porém, não indicou quais as provas que impunham decisão diversa, nem quais os depoimentos é que este Tribunal de recurso deveria ouvir ou que documentos deveria apreciar, nem qual a versão dos factos que, no seu entender, deveria ter sido considerada provada, em desobediência ao exigido pelo art.º 412º, nºs 3 e 4 do Cód. Proc. Penal.
Como se viu, a análise da impugnação tem que ser feita por referência à matéria de facto efectivamente provada ou não provada e não àquela outra que o recorrente, colocado numa perspectiva subjectiva, tem para si como sendo a boa solução dos factos e entende que devia ter sido provada, como faz esta recorrente.
No caso sub judice, o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão quanto à factualidade julgada provada e não provada nos termos supra transcritos, procedendo a uma análise do depoimento prestado pela arguida, pela ofendida e pelas testemunhas inquiridas, articulando-o com os restantes meios de prova juntos aos autos, sobretudo documentais, esclarecendo em que medida é que os mesmos foram ou não considerados credíveis, expondo de forma clara as razões que levaram a que se convencesse da veracidade de uns relatos em detrimento de outros e fazendo, para o efeito, apelo às regras da razoabilidade e da experiência comum.
Todos os meios de prova produzidos foram avaliados de acordo com o principio da livre apreciação da prova, plasmado no art.º 127º do Cód. Proc. Penal, tendo sido explicada a formação da convicação do Tribunal a quo relativamente a cada um deles, não havendo qualquer prova vinculada ou tarifada a ser considerada.
Também as incongruências ou incompatibilidades registadas entre os depoimentos das testemunhas inquiridas foram devidamente ponderadas e desconsideradas, mais uma vez de acordo com as regras da experiência comum, nos moldes exlicitados na motivação de facto da decisão recorrida, sobretudo tendo em conta o lapso de tempo decorrido entre a data da prática dos factos e a data da audiência de julgamento, sendo que as divergências registadas foram apenas relativas a pormenores.
No entanto, independentemente de se saber se o Tribunal a quo foi ou não objectivo na apreciação da prova, a verdade é que a recorrente não fez uma correcta impugnação da matéria de facto em moldes a permitir a este Tribunal de recurso reapreciar a prova produzida.
Por tudo o exposto, improcede este fundamento do recurso.
E) Violação do princípio in dubio pro reo
Alega também a recorrente que no caso em apreço se mostra violado o princípio in dubio pro reo, porquanto não existe prova suficiente que motive validamente a sua condenação, devendo ser absolvida.
Segundo este princípio, quando o Tribunal fica na dúvida quanto à ocorrência de determinado facto, deve daí retirar a consequência jurídica que mais beneficie o arguido.
Como refere Figueiredo Dias, in “ Direito Processual Penal “, I, pág. 205, a dúvida relevante para este efeito tem que ser uma dúvida razoável, fundada em razões adequadas e não uma qualquer dúvida.
No mesmo sentido se decidiu no Ac. STJ de 5/07/07, proferido no processo nº 07P2279, em que foi relator Simas Santos, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que: “Na verdade, o princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos, mas é antes uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.”
Verifica-se, assim, que o princípio in dubio pro reo só impede a formação da convicção em caso de dúvida séria e razoável, não relevando perante uma dúvida ligeira, meramente possível ou hipotética.
A dúvida séria deve ser fundamentada, coerente e razoável, impondo a escolha da perspetiva probatória que favorece o acusado, mas apenas quando se mostrem esgotadas todas as operações de análise de toda a prova produzida, apreciada conjugadamente e em conformidade com as máximas da experiência e da lógica, e ainda assim subsista mais do que uma possibilidade de igual verosimilhança e razoabilidade no espírito do julgador.
Para que haja violação do princípio do in dubio pro reo é preciso que, perante uma dúvida inultrapassável sobre factos essenciais para a decisão da causa, o julgador decida em desfavor do arguido.
Sucede que, no caso dos presentes autos tal situação não ocorreu.
Desde logo importa reforçar que não se procedeu a qualquer alteração da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo.
Como se viu, a factualidade apurada fundamentou-se na prova produzida em julgamento e está conforme à mesma, não resultando dessa factualidade qualquer dúvida quanto à responsabilidade criminal ou civil da arguida.
Assim sendo, não se tendo apurado a existência de um qualquer erro de julgamento ou da violação do princípio in dubio pro reo, improcede também neste tocante o recurso.
F) Qualificação jurídica dos factos
Alega a recorrente que não praticou um crime de dano, devendo ser absolvida.
Quanto à qualificação jurídica dos factos provados o Tribunal a quo decidiu que:
“ (…) A arguida vem acusada da prática, dolosa, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de dano, p. e p. pelos artigos 212.º, n.º 1, 14.º, n.º 1 e 26.º, todos do CP.
O aludido artigo 212.º, do CP, sob a epígrafe “dano”, dispõe:
“1 - Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa ou animal alheios, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
2 - A tentativa é punível.
3 - O procedimento criminal depende de queixa.
4 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 206.º e 207.º” (Negrito nosso.)
O bem jurídico protegido pela incriminação é a propriedade.
O tipo objetivo consiste na destruição, danificação, desfiguramento ou inutilização de coisa alheia.
O tipo subjetivo admite qualquer modalidade de dolo.
*
Vertendo as considerações supra expendidas ao caso dos autos, entende este Tribunal como tendo a arguida preenchido, com a sua apurada conduta, os elementos objetivo e subjetivo do tipo de ilícito que lhe estava imputado.
Considera-se igualmente que a conduta da arguida é ilícita, porque contrária à ordem jurídica, e culposa, pois, nas concretas circunstâncias em que a arguida estava inserida, era-lhe exigível a adoção de outra conduta possível e não lesiva dos bens jurídicos tutelados por este tipo de crime. Inexistem, assim, quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou de desculpação.
*
Pelo exposto, praticou a arguida, em autoria material, 1 (um) crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1, do CP, merecendo a sua atuação, consequentemente, a emissão de um juízo de censura penal.(…)”
Uma vez que não se procedeu a qualquer alteração da matéria de facto fixada na decisão recorrida, constatamos que a arguida, ao riscar deliberadamente o veículo automóvel da ofendida, sabendo o que estava a fazer e querendo agir como agiu, praticou efectivamente um crime de dano, com dolo directo, pelo que não nos merece qualquer censura a subsunção dos factos ao direito feita pelo Tribunal recorrido, impondo-se julgar improcedente também neste tocante o recurso.
G) Valor da indemnização
Por último vem a recorrente impugnar o valor da indemnização atribuída pelo Tribunal recorrido é demandante, a título de danos patrimoniais, alegando que:
“(…) O Tribunal deu como provado, no Ponto 2, que os estragos na pintura da viatura, a reparação “ascende a valor concretamente não apurado”.
Mas, depois, comportando-se como um verdeiro perito, fixa o valor de €400,00 pelos danos patrimoniais.
De facto, o que temos nos autos é um PIC com um “orçamento global”, efetuado em 08.03.2024, algum tempo depois da suposta prática dos factos (16.02.2024).
Um orçamento em que, incrivelmente, poucas são as partes do veículo que não são contempladas.
E o tribunal – qual perito – segundo o “recurso à equidade” atribui um valor para a reparação, desprovido de qualquer conhecimento técnico para apurar o valor dos (putativos) danos, dando vontade de perguntar “para que servem os peritos”?
Já agora, além de perito, o tribunal, também, se comportou como um verdadeiro contabilista, calculando, desde logo, o valor do IVA (ponto 20 da sentença).
A demandada, ora recorrente, não praticou qualquer facto ilícito, não existindo nenhum prejuízo e nexo de causalidade entre o facto e os danos existentes no veículo automóvel da demandante, não estando verificados os pressupostos da responsabilidade extracontratual, de forma a poder afirmar-se que a demandante tem direito a ser indemnizada (…).”
Relativamente aos montantes indemnizatórios em causa nos autos decidiu o Tribunal recorrido que:
“(…) A prática de uma infração penal implica, com frequência, a lesão de direitos patrimoniais ou não patrimoniais de terceiros. O ressarcimento de tais lesões dever ser, em consequência do princípio da adesão consagrado no artigo 71.º, do CPP, deduzido no processo penal. Dispõe, nesta sede o artigo 129.º, do CP, que “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”. Assim, conclui-se que a reparação de perdas e danos assume natureza civil, pese embora o facto de o pedido cível dever ser deduzido na ação penal. Em reforço deste entendimento, temos ainda o artigo 74.º, n.º 1, do CPP, que obriga a que o pedido de indemnização civil no processo penal seja formulado como no processo civil, e o artigo 84.º do mesmo diploma legal, que confere eficácia de caso julgado à decisão penal nos mesmos moldes em que a lei confere tal eficácia às decisões civis. Temos assim que, embora por força do princípio da adesão, a indemnização por perdas e danos emergentes da prática de um crime tenha, regra geral, de ser deduzida no processo penal e regulada nos seus termos, lhe são aplicáveis as regras da lei civil, quando ao seu quantitativo e aos seus pressupostos. Dever-se-á, por conseguinte, aplicar as regras constantes dos artigos 483.º, 562.º, 563.º e 566.º, todos do Código Civil (doravante CC). Estabelece o artigo 483.º, do CC que: “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Terá assim a demandante para poder ser ressarcida, que mostrar preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, genericamente enunciados no artigo 483.º, do CC, os quais são: i) a existência de um facto (controlável pela vontade do homem), ii) ilícito, iii) imputável ao lesante, iv) que cause um dano, v) e que seja possível estabelecer um nexo de causalidade entre o facto e o dano.
[O facto controlável pela vontade do homem pode ser uma ação ou uma omissão (cfr. artigo 486.º, do CC).
A ilicitude trata-se de um juízo de censura sobre o facto de um ângulo objetivo, por ele consistir na infração de um dever jurídico, seja este a violação de um direito subjetivo de outrem, seja a violação de uma norma destinada a proteger interesses alheios.
A culpa é um juízo de censura sobre o próprio sujeito de um ângulo subjetivo, por ter praticado o ato ou omitido a ação da qual resultou o dano, apesar de lhe ter sido possível evitá-lo. Há reprovação da ordem jurídica porque ele podia e devia ter agido de outra forma. A culpa pode ter a forma de dolo (quando houve a intenção de praticar o facto danoso), ou negligência (quando esta intenção não existiu). A distinção entre a culpa intencional ou dolo e a culpa por negligência não tem no direito civil uma importância tão fundamental como no direito criminal já que a mera culpa ou negligência gera em regra o dever de indemnizar. Todavia, ela releva para efeitos de o “judex” poder fixar a indemnização em montante inferior ao dano (cfr. artigo 494.º, do CC).
O dano é, nas palavras de Menezes Leitão, a “frustração de uma utilidade que era objeto de tutela jurídica”.( “In” Menezes Leitão, Luís Manuel Teles de, Direito das Obrigações, vol. I, 2016, 13.ª Edição, Almedina, pág. 297.)
O dano pode ser patrimonial ou não patrimonial, conforme seja ou não suscetível de avaliação pecuniária. Dentro do dano patrimonial cabe não só o dano emergente (Por dano emergente entende-se o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão), como o lucro cessante (Por lucro cessante entende-se o benefício que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito à data da lesão) (cfr. art. 564.º, n.º 1, do CC).
O dano patrimonial mede-se, em princípio, por uma diferença: a diferença entre a situação real atual do lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse a lesão, no mesmo momento (cfr. art. 566.º, n.º 2, do CC).
Quanto ao dano não patrimonial “vide”, o artigo 496.º, do CC.
Por fim, resta o nexo de causalidade entre o facto e o dano que determina que o facto deve ser uma causa adequada do dano e não uma causa qualquer. O critério, maioritariamente seguido pela doutrina e pela jurisprudência para o estabelecimento do nexo de causalidade é a teoria da causalidade adequada [elaborada pelo alemão Johannes von Kries (1853-1928)]. Tal critério está subjacente ao artigo 563.º, do CC. No que respeita aos pedidos de indemnização cíveis deduzido, importa ainda transcrever o disposto no artigo 496.º, n.º 1, do CC: “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.” Com efeito, nesta sede, o artigo 496.º, n.º 1, do CC, limita-se a fornecer um critério com alguma elasticidade, mas inspirado numa razão objetiva, sobre a qual há-de assentar o juízo de equidade. Nessa perspetiva objetiva, apenas são atendíveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Ora, um dano grave é aquele que sai da mediania, que ultrapassa a fronteira da banalidade. É um dano considerável que, no seu mínimo, espelha a intensidade duma dor, duma angústia, um sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom sendo, se torna exigível em termos de resignação. Para a dor moral ou psíquica é impossível estabelecer escalas perentórias: dentro do critério da gravidade, seguir-se-ão os ensinamentos da experiência humana, em termos, de efetividade e sentimento, segundo um prudente arbítrio de indemnização.]
Feito este enquadramento, importa, desta feita, indagar se no caso em apreço se encontram verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual ou aquilina supra elencados, de forma a poder afirmar-se que a demandante tem o direito a ser indemnizada e a demandada a correlativa obrigação de indemnizar.
*
Revertendo ao caso em apreço, refira-se não existir dúvidas ao Tribunal relativamente ao preenchimento dos pressupostos do esquema da responsabilidade civil, devendo, por isso, a arguida ser condenada no pagamento de uma indemnização à demandante.
Assim, deverá condenar-se a demandada, porquanto os danos (materiais e morais) foram consequência de conduta ilícita e culposa perpetrada pela própria.
Não obstante, não sendo apurado o concreto valor do dano material provocado há que o fixar com recurso à equidade. Sendo também com recurso à equidade que se fixa a indemnização pelos danos morais (“rectius”, não patrimoniais) sofridos pela demandante.
Pelo que, não olvidando, naturalmente, a condição económica da arguida, se tem por justa, adequada e proporcional a fixação uma indemnização no valor de 400,00 € por danos patrimoniais e de uma indemnização no valor de 500,00 € por danos não patrimoniais, sendo ambas as indemnizações a suportar pela arguida/demandada, absolvendo-se a mesma do demais peticionado.
Uma vez que as duas indemnizações foram calculadas com recurso à equidade sobre a soma dessas duas indemnizações são devidos juros civis (Atualmente computados em 4 %, nos termos da Portaria n.º 291/2003, publicada no Diário da República n.º 83/2003, Série I-B de 2003.04.08), contados desde a data da notificação da presente decisão até efetivo e integral pagamento (e não a partir da data da notificação da demandada do pedido).
[Aliás, neste sentido, e para casos como o presente (em que tendo a indemnização sido fixada com recurso à equidade, encontram-se já reportadas à data atual) foi já proferido o acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 09.05.2002, publicado no DR nº 146, I-A, de 26.02.2002, onde se decidiu que “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do nº2 do art. 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos arts. 805º, n.º3 (interpretado restritivamente), e 806º, n.º1, também do Código Civil, a partir da sentença em primeira instância, e não a partir da citação”.]
Nesta conformidade, e sem necessidade de se expender outras considerações a respeito, deve concluir-se que o pedido de indemnização cível deduzido nos presentes autos deverá proceder parcialmente, condenando-se a arguida/demandada no pagamento de uma indemnização no valor de 900,00 € à demandante, acrescida dos respetivos juros à taxa legal para os juros civis, a contar da data da notificação da sentença até efetivo e integral pagamento, absolvendo-se do demais peticionado.(…)”
Ora, de acordo com o disposto no art.º 129º do Cód. Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é efectivamente regulada pela lei civil.
Quanto à responsabilidade civil por factos ilícitos, dispõem os arts.º 483º, nº 1, 486º e 563º do Cód. Civil que tem a mesma os seguintes pressupostos:
a) o facto ilícito, enquanto acção voluntária, ou omissão, violadora de bens jurídicos patrimoniais ou pessoais de terceiros;
b) o nexo de imputação do facto ao lesante;
c) a existência de um dano ou prejuízo causado pelo facto ilícito;
d) o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima.
Segundo o disposto no art.º 562º do Cód. Civil, a obrigação de indemnizar tem em vista a reconstituição da situação que existiria na esfera patrimonial do lesado se não tivesse ocorrido o facto causador da lesão.
Quando não puder se averiguado o valor exacto dos danos, a indemnização é fixada segundo critérios de equidade, nos termos previstos no art.º 566º, nº 3 do Cód. Civil, e actualizada ao momento do julgamento.
No caso dos autos, no que concerne aos danos verificados no seu veículo automóvel, a demandante peticionou uma indemnização no valor de 1.124,45 €, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal supletiva em vigor, contados desde 16.02.2023 até integral e efetivo pagamento.
Porém, não se provou que todos os danos verificados no veículo da demandante, e constantes do orçamento de reparação junto aos autos, se tivessem ficado a dever ao comportamento da arguida.
Como se referiu na sentença recorrida, no caso em apreço apenas está em causa a reparação e pintura do pára-choques traseiro do veículo da arguida e não também a reparação de danos verificados nas restantes partes do veículo.
O que se provou foi que:
“1. No dia 16.02.2023, cerca das 17:30h, no lugar de estacionamento afeto ao …., da garagem do prédio urbano sito na Rua …, a arguida AA munida de um objeto de caraterísticas não concretamente apuradas, mas seguramente pontiagudo, e utilizando o mesmo riscou a pintura do para choques traseiro do veículo automóvel com a matrícula …, da marca …, modelo …, de cor …, que ali se encontrava e de que é proprietária a ofendida BB.
2. Com a conduta descrita a arguida tornou a pintura da viatura não utilizável para o fim a que se destina, causou-lhe estragos na pintura do referido veículo, cuja reparação ascende a valor concretamente não apurado (mas inferior a 50 unidades de conta- UC).
18. A reparação dos danos apesentados pelo veículo automóvel com a matrícula … compreende os seguintes trabalhos:
a) reparação do para choques traseiro;
b) a pintura do para choques traseiro.
19. A remoção e instalação de barras tejadilho e a reparação mencionada na al. a) do ponto 18) dos Factos Provados, mais mão de obra, ascendem a 427,00 €, a que acresce IVA à taxa de 23 %.
20. A pintura do tejadilho, a pintura do guarda lamas frente esquerdo e a pintura mencionada na al. b) do ponto 18) dos Factos Provados, mais mão de obra, ascendem a 488,00 €, a que acresce IVA à taxa de 23 %.”
Não tendo sido efectuada qualquer alteração à matéria de facto fixada na decisão recorrida, verificamos que a arguida danificou apenas o pára-choques traseiro do veículo automóvel da ofendida.
Porém, no orçamento de reparação apresentado nos autos, efectuado pouco tempo após a ocorrência dos danos em apreço, não foi descriminado o valor da reparação de cada um dos danos, não se sabendo o valor exacto da reparação dos danos verificados no pára-choques traseiro do veículo.
Por outro lado, o julgamento foi realizado em final de Outubro de 2024, ou seja, mais de um ano e meio após a ocorrência dos danos.
Face a esta dilação temporal, seria de todo ineficaz a realização de uma peritagem ao veículo da ofendida, o qual poderia registar outros danos decorrentes da sua utilização normal, para além dos provocados pelo comportamento da arguida.
Em face disto, o que o Tribunal a quo fez foi recorrer à equidade e considerar que a reparação dos danos causados pela arguida no veículo automóvel da ofendida equivaleria a um pouco menos de metade do valor global constante do orçamento de reparação, porquanto não foram atribuídos ao comportamento da arguida os danos registados no tejadilho do veículo.
Assim sendo, não nos merece reparo a decisão recorrida também neste tocante, afigurando-se o valor da indemnização ajustado face à extensão e ao tipo de danos a indemnizar, atentas as regras da experiência comum.
Por todo o exposto, impõe-se julgar totalmente improcedente o recurso, não se considerando violadas as normas legais e inconstitucionais invocadas pela recorrente.
*
4. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram esta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso apresentado por AA, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s.
Évora, 3 de Junho de 2025
(texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto pela relatora)
Carla Francisco
(Relatora)
J. F. Moreira das Neves
Mafalda Sequinho dos Santos
(Adjuntos)