O extraditando, em sede de oposição, invoca como razão para obstar à extradição a estabilidade da sua vida, e do seu agregado familiar, em Portugal. E, lateralmente, sem qualquer alegação concreta, e sem daí extrair qualquer conclusão, afirma ter reais e fundadas dúvidas que o mandado e consequente processo lhe digam respeito.
Quanto a esta última parte, afirma-se desde já que não se suscitam quaisquer dúvidas nos autos que o mandado diz respeito à pessoa do extraditando. Não existe qualquer distinção entre a identificação da pessoa a que respeita o presente pedido e a identificação do extraditando, incluindo os factos relacionados com a sua (também) nacionalidade italiana. Acresce que se existisse algum erro de identidade, caberia ao extraditando invoca-lo, descrevendo os factos concretos que o sustentassem e apresentando a respetiva prova. Tal não foi feito e, a alegação “casual” a que nos referimos, não passa de isso mesmo, um mero comentário, desprovido de natureza jurídica e sem qualquer relevo ou efeito processual.
Por outro lado, as razões pessoais em que sustenta a sua oposição ao pedido não constituem fundamento admissível de recusa no âmbito de pedidos de extradição entre Países da CPLP, subscritores da mencionada Convenção – como é o caso do Brasil e Portugal.
É que, de acordo com a CECPLP, os únicos fundamentos que permitem a recusa são os constantes nos seus arts. 3º, 4º, e 22º - trata-se de enumeração taxativa, não permitindo por isso a inclusão de quaisquer outros.
E o fundamento aqui invocado, não consta de tal elenco.
O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação promoveu, ao abrigo da Convenção de Extradição entre Estados membros da CPLP e da Lei n° 144/99, de 31 de Agosto, a extradição, para o Brasil, de AA, nascido a …/…/1960, em …, … – Brasil, filho de BB e de CC, cidadão de nacionalidade brasileira e italiana, e residente, antes de detido na Rua …, ….
Fundamenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:
- As autoridades judiciais da República Federativa do Brasil dirigiram a Portugal um pedido de extradição para cumprimento de pena de 16 anos e 11 meses de prisão em que foi condenado, por decisão transitada em julgado em 21/9/21, pela prática, entre 2009 e 2013, de um crime de estupro de vulnerável previsto e punido pelo artigo 217-A c/c artigo 226, II na forma do artigo 71 do Código Penal do Brasil e no âmbito da Lei 11.340/06.
- Tais factos são punidos na Lei Portuguesa nos termos dos artigos 171.º, n.ºs. 1 e 2, e 172.º, n.º 1, do Código Penal, com penas máximas abstratamente aplicáveis de 10 e 8 anos de prisão.
- Segundo a Lei do país emissor do mandado (artigos 109.º e 110.º do Código Penal do Brasil) e segundo a Lei Portuguesa (artigo 122.º, n.ºs. 1, al. a), e 2, do Código Penal) a pena de prisão não prescreveu.
- Não se verifica qualquer causa de recusa da extradição.
- O extraditando está detido em Portugal desde 17 de março de 2025;
- O facto de o requerido ter igualmente nacionalidade italiana não é impeditivo da extradição para o Brasil.
- Pela Exma. Ministra da Justiça foi proferido despacho (nº…/MJ/2025) que declarou admissível o pedido de extradição formulado.
*
O extraditando deduziu oposição invocando, no essencial:
- Tem trabalho estável e toda a sua vida organizada em Portugal, onde vive com a mulher e dois filhos menores que dependem financeiramente dos seus rendimentos, o que é motivo que deve obstar ao deferimento do pedido;
- Nunca escondeu a sua identidade ou o seu paradeiro, vivendo normalmente em Portugal. Já após ser proferida a sentença que sustenta o presente pedido viajou para o Brasil e regressou à Europa, sem se ocultar, desconhecendo que as autoridades brasileiras o procuravam e que havia sofrido qualquer condenação. Tem por isso dúvidas que o mandado e o respetivo processo lhe digam respeito.
- É cidadão italiano pelo que teria de ser dada a possibilidade ao Estado Italiano de proceder criminalmente conta o mesmo por atos praticados fora do respetivo território, ou pelo menos pronunciar-se sobre a corrente demanda, o que não ocorreu no caso ora em apreço.
*
O Exmo. Procurador Geral Adjunto apresentou resposta na qual, em síntese, afirmou encontrarem-se reunidos os pressupostos de que depende a procedência do pedido. Acresce que factos alegados na oposição deduzida não constituem fundamento que obste à extradição.
*
Tendo em conta que o extraditando é igualmente cidadão italiano (além de brasileiro) foram notificadas as autoridades judiciárias italianas para, querendo, no prazo de 10 dias, informarem se pretendem emitir MDE relativo ao requerido.
Nesse prazo nada foi dito ou requerido.
*
2. Fundamentação de facto
Factos Provados
Resultam provados os seguintes factos:
- O extraditado nasceu em …/…/1960, em … – Brasil, e tem nacionalidade brasileira e italiana;
- Foi julgado, e condenado, por decisão transitada em julgado, pela prática, de 2009 a 2013, de um crime de estupro de vulnerável previsto e punido pelo artigo 217-A c/c artigo 226, II na forma do artigo 71 do Código Penal do Brasil e no âmbito da Lei 11.340/06, na pena de 16 anos e 11 meses de prisão, tendo estado preso preventivamente de 30/01/2013 a 17/03/2013.
- As autoridades judiciais da República Federativa do Brasil difundiram pela Interpol um pedido de procura e detenção, com vista à extradição para aquele país do arguido para efeitos de cumprimento de pena de prisão, inserido no Sistema de Informação da Interpol, com o n.º 2025/… (Red Notice).
- O extraditando foi detido pelas autoridades portuguesas em 17/3/25.
- Foi formalizado o pedido de extradição através do Departamento de Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça da República Federativa do Brasil, dirigido à Procuradoria Geral da República portuguesa.
- Através do Despacho n.º …/MJ/2025, a Senhora Ministra da Justiça declarou admissível o pedido de extradição apresentado pela República Federativa do Brasil.
- Até à data da sua detenção à ordem destes autos residia com a mulher e dois filhos, um deles nascido no Brasil em …/…/21 e o outro em Portugal, em …/…/24, na Rua …, em ….
- Tem contrato de trabalho sem termo com a empresa …, com sede em … e recebe o vencimento mensal de 2.649,67 €.
*
Factos Não Provados
Dos invocados pelo extraditando, não resultaram provados os seguintes factos:
- que desde que vive em Portugal, viajou para o Brasil, designadamente em março de 2023, e regressou à Europa, sem conhecimento de que estava a ser procurado pelas autoridades brasileiras;
- que nunca esteve presente em tribunal e desconhecia ter sido condenado no âmbito do processo que deu causa ao presente pedido.
*
Motivação de facto
Os factos provados resultaram da prova documental junta aos autos, designadamente documentos emitidos pelas autoridades judiciárias do Brasil e constantes do pedido de extradição formulado a Portugal e, também, de documentos apresentados pelo extraditando e que não foram impugnados pelo Ministério Público.
No que concerne aos factos que não resultaram provados, cumpre consignar que o Ministério Público os impugnou e, por outro lado, os documentos apresentados pelo extraditando não são aptos a demostrar, por si só, a sua realidade. Em concreto, uma foto de uma carta de condução não permite a conclusão inequívoca que alguém esteve efetivamente no Brasil. Acresce que, no que respeita especificamente ao último dos factos aqui mencionados, dos documentos juntos com o pedido de extradição decorre precisamente o contrário, ou seja, que o extraditando esteve presente em Tribunal, teve conhecimento da decisão que aí foi proferida e, além do mais, esteve sujeito a prisão preventiva à ordem do processo em questão.
*
3. Fundamentação De Direito
No presente pedido de extradição é Estado requerente a República Federativa do Brasil e Estado requerido, a República Portuguesa. Desta forma, o regime legal aqui aplicável é o estabelecido na Convenção de Extradição Entre os Países da CPLP, o qual afasta a aplicação das normas previstas na Lei nº144/99, de 31 de agosto, que regulem a mesma matéria. Também o Tratado de Extradição entre Portugal e Brasil, celebrado em 7 de maio de 1991 é afastado pelo regime previsto na mencionada Convenção (art. 25º, nº1, desta última).
De acordo com o disposto no art. 1º da CECPLP, os Estados Contratantes obrigam-se a entregar, reciprocamente, segundo as regras e as condições estabelecidas na Convenção, as pessoas que se encontrem nos seus respetivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou para cumprimento de pena privativa da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente. E, estabelece o art. 2º, que dão causa dão causa à extradição os factos tipificados como crime segundo as leis do Estado requerente e do Estado requerido, independentemente da denominação dada ao crime, os quais sejam puníveis em ambos os Estados com pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a um ano. Exige-se ainda que, sendo a extradição requerida para o cumprimento de pena privativa de liberdade que a parte da pena por cumprir não seja inferiora a 6 meses (art. 3º).
Tais pressupostos verificam-se no caso concreto.
Acresce que não ocorre nenhuma das condições de inadmissibilidade de extradição ou de recusa facultativa de extradição previstas, respetivamente, nos arts. 3º, nº1, e 4º, da CECPLP. Também não se verificam razões de segurança, ordem pública ou outros interesses fundamentais de Portugal que justifiquem a recusa da extradição.
Por outro lado, os autos mostram-se devidamente instruídos, constando deles todos os documentos exigíveis. Cumprem também todos os formalismos legais.
O extraditando, em sede de oposição, invoca como razão para obstar à extradição a estabilidade da sua vida, e do seu agregado familiar, em Portugal. E, lateralmente, sem qualquer alegação concreta, e sem daí extrair qualquer conclusão, afirma ter reais e fundadas dúvidas que o mandado e consequente processo lhe digam respeito.
Quanto a esta última parte, afirma-se desde já que não se suscitam quaisquer dúvidas nos autos que o mandado diz respeito à pessoa do extraditando. Não existe qualquer distinção entre a identificação da pessoa a que respeita o presente pedido e a identificação do extraditando, incluindo os factos relacionados com a sua (também) nacionalidade italiana. Acresce que se existisse algum erro de identidade, caberia ao extraditando invoca-lo, descrevendo os factos concretos que o sustentassem e apresentando a respetiva prova. Tal não foi feito e, a alegação “casual” a que nos referimos, não passa de isso mesmo, um mero comentário, desprovido de natureza jurídica e sem qualquer relevo ou efeito processual.
Por outro lado, as razões pessoais em que sustenta a sua oposição ao pedido não constituem fundamento admissível de recusa no âmbito de pedidos de extradição entre Países da CPLP, subscritores da mencionada Convenção – como é o caso do Brasil e Portugal.
É que, de acordo com a CECPLP, os únicos fundamentos que permitem a recusa são os constantes nos seus arts. 3º, 4º, e 22º - trata-se de enumeração taxativa, não permitindo por isso a inclusão de quaisquer outros.
E o fundamento aqui invocado, não consta de tal elenco.
Deste modo, verificando-se todos os pressupostos formais e substantivos, o pedido tem que proceder.
*
4 – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Évora, em julgar a oposição improcedente e, consequentemente, em determinar o cumprimento do pedido de extradição, devendo proceder-se à entrega do extraditando imediatamente após o trânsito em julgado da presente decisão.
Sem custas.
Notifique.
Évora, 3 de junho de 2025
Carla Oliveira (Relatora)
Moreira das Neves (1ºAdjunto)
Manuel Soares (2º Adjunto)