PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA
PRESSUPOSTOS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E DE PROVA
Sumário

I - Se analisarmos os arts. 362.º, nº 1 (providência cautelar não especificada ou procedimento cautelar comum), 377.º (restituição provisória de posse) e 397.º, nº 1 (embargo de obra nova), todos do CPC, verificamos que o primeiro dos requisitos para que possa ser decretado um dos procedimentos cautelares aí previstos, é a prova, ainda que meramente indiciária, da existência de um direito do requerente, seja de propriedade, de outro direito real ou pessoal de gozo ou da posse, exigindo-se, assim, a prova da probabilidade séria da existência do direito invocado.
II - A existência do alegado direito de propriedade ou da posse da requerente/recorrente não se pode considerar verificada, ainda que indiciariamente, apenas pela alegação (subjetiva) de que a requerida está a praticar atos no local onde os dois prédios confinam entre si, quando as respetivas áreas e, assim, o local da divisão, se mostram litigiosos, e não existe prova, ainda que indiciária, mais favorável à versão da requerente, já que os documentos que constam dos autos, nomeadamente certidões de registo predial, não fazem prova de que as áreas que do registo constam correspondem às áreas reais.

Texto Integral

Apelação 2989/18.4T8VFR-E.P1

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
Por apenso à ação declarativa n.º 2989/18.4T8VFR, veio AA, interveniente principal do lado ativo na referida ação, instaurar procedimento cautelar contra A..., Lda., demandada na mesma ação (após habilitação como cessionária), por via do qual, requer:
1º - O embargo de todas as obras e manobras que a Requerida A..., Lda. está a levar a cabo, não só nas áreas em discussão nos autos principais como para além dessas áreas, quer no interior quer no exterior das construções anexas ao edifício da “fábrica”, único que efetivamente constitui o artigo urbano ...... de ...;
2º Descrevendo-se com fidelidade e precisão, no auto respetivo, o estado e natureza das obras e serviços em curso, sua localização exata, respetivas medidas e extensão, bem como correspondentes registos fotográficos;
3º Ordenando que a Requerida pare e se abstenha de toda e qualquer intervenção, de qualquer natureza, nas referidas áreas até decisão final da ação principal, sob a cominação de condenação em sanção pecuniária compulsória de valor igual ao da ação e condenação em crime de desobediência;
4º Sejam as referidas áreas delimitadas e restituídas à posse e domínio do prédio rústico omisso na matriz, registado na conservatória do registo predial, com área de 20.897 m2, em nome de BB e descrito na competente conservatória em ficha sob o nº ... de que a Requerente é co-herdeira.
Sem prescindir, quando assim se não entenda:
5º Sempre o procedimento cautelar supra deverá ser convolado em procedimento cautelar comum para o efeito de ser decretada uma providência que trave de imediato as ações da Requerida nas áreas acima identificadas, ordenando-lhe que se abstenha de toda e qualquer intervenção, seja de que natureza for, nas referidas áreas até decisão final da ação principal e assim evite o agravo dos pesados prejuízos que a Requerida já causou e está a causar à Requerente e outros herdeiros, uma vez que, por força dos atos supra descritos, estão impedidos de aceder aos seus terrenos e propriedade e deles fazerem o uso a que têm direito por deles serem titulares.
Mais:
6º Receando que haja dificuldade no cumprimento do mandado de restituição da posse e/ou demais diligencias que venham a ser ordenadas, desde já se Requer se oficie o Sr. Comandante da GNR local a fim de ordenar que sejam destacados os agentes necessários para auxílio na execução da mesma diligencia, indicando-se o dia, hora e local em que deve registar-se.
Alega, para o efeito, e em síntese, que a Requerida está a realizar obras em áreas que permanecem litigiosas (uma vez que na ação principal, o A. considera que, tendo o prédio dos herdeiros de BB a área de 20.987 m2, a área do prédio da Ré e aqui Requerida é de 4.300 m2, enquanto esta afirma que a área ascende a 7.721 m2) e está a invadir o prédio descrito sob o n.º ..., pertencente aos herdeiros de BB. Tal esbulho é violento. Tendo tomado conhecimento dos trabalhos e da invasão em março, quando interpelou os trabalhadores, foi insultada e ameaçada. Tem, ainda, receio de ver a sua habitação devassada ou invadida por intrusos e estranhos.

Tendo sido dispensada a audiência prévia da requerida, procedeu-se à produção de prova e, a final, foi proferida sentença que julgou improcedente o procedimento cautelar.

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Não se conformando com o assim decidido, veio a requerente interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir de imediato, nos autos e com efeito suspensivo.

Formulou, a recorrente, as seguintes conclusões:
“1º Por economia de tempo e espaço, e para todos os efeitos legais, dão-se aqui por integralmente reproduzidas as alegações supra expendidas.
2º Nos autos Principais de que este incidente é Apenso, estão em confronto, a delimitação do direito de propriedade, área, descrição, composição e confrontações do prédio rústico omisso na matriz, registado na conservatória do registo predial, com área de 20.897 m2, em nome de BB e descrito na competente conservatória em ficha sob o nº ... e a delimitação da propriedade, área, descrição, composição e confrontações do prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o ..., daquele desanexado, e correspondentes áreas coberta e descoberta.
3º Artº Urbano nº ... de ... que é constituído por casa térrea destinada a indústria, com a área total de 4.300 m2, sendo 2.750m2 de área coberta e 1.550 m2 de área descoberta (logradouro) - conforme docs. juntos aos autos, nomeadamente os acima referidos.
4º Construção que se encontra destruída e em estado de ruína há já vários anos (vide Sentença recorrida e registos de imagem juntos à P.I)
5º Na situação em apreço, está assente na Decisão de que se recorre que “é certo que a Requerida está a realizar obras em áreas que permanecem litigiosas (uma vez que na acção principal, o A. considera que, tendo o prédio dos herdeiros de BB a área de 20.987 m2, a área do prédio da Ré e aqui Requerida é de 4.300 m2, enquanto esta afirma que a área ascende a 7.721 m2)”. –Pag. 13 da Decisão de que se recorre (sic).
6º Para o efeito a Requerida afixou um “Aviso” de Pedido de Licenciamento Camarário para “Alteração e Restauração de Armazém” (Proc. Nº ...),
7º O que fez precisamente no local, e para uma das áreas que permanece em litígio.
8º Está assente que as referidas obras não estão licenciadas,
9º E que, não obstante, são de vulto e prosseguem diariamente, a um ritmo acelerado.
10º Obras e acções que são promovidas e levadas a cabo pela Requerida e que se encontram melhor descritas e documentadas na P.I., para a qual se remete e que, em termos fácticos, aqui se tem por integralmente reproduzida.
11º Invadindo dessa forma o prédio descrito sob o n.º ... (Reg. Pred);
12º Tal comportamento da Requerida constitui um claro, ilegítimo e abusivo uso da estratégia “do facto consumado”, a fim de, com manifesta má-fé, lograr obter a legalização/regularização de construções não licenciadas e por si não adquiridas, e fazê-las “integrar” no referido artº 860º, expandindo ilegal, ilícita e ilegitimamente a área real e efectiva daquele artº matricial.
13º A situação descrita consubstancia assim, logicamente, uma ameaça grave, atual e concreta ao direito de propriedade da Requerente, sendo evidente o perigo da demora na tutela jurisdicional, com danos graves e dificilmente reparáveis, caso não seja decretada a, ou as providências requeridas e adequada a pôr fim à referida ameaça.
14º No caso sub judice, ambos os requisitos previstos no Artº 368º do C.P.C. se mostram manifestamente preenchidos, como resulta da matéria de facto provada e dos documentos juntos aos autos.
15º Assim, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, verifica-se preenchido o fumus boni iuris e o periculum in mora, requisitos legais imprescindíveis para o decretamento da providência cautelar, nos termos dos artigos 362.º e seguintes do Código de Processo Civil.
16º Assim não o tendo entendido, a Sentença recorrida padece de erro de julgamento na apreciação da prova, erro notório na ponderação e valoração dos factos, e, consequentemente, erro na interpretação e aplicação do Direito, impondo-se a sua revogação. - Artigo 607.º, n.º 4 e 5 do C.P.C.
17º De igual modo, não cuida a referida Decisão da adequada protecção do direito de propriedade invocado pela Requerente, o que se impõe, mesmo que a título cautelar, em violação do previsto no artº 1305º do C.C.
18º Nem protege a Requerente na sua posse contra actos de esbulho e turbação violentos, independentemente da discussão do direito de propriedade, considerando que a Requerente, com elevado grau de probabilidade, detém a posse legítima sobre o prédio em causa, por si, contitulares e antepossuidores –art.º 1314º do C.C.
19º Direito e Posse que se evidenciam como uma probabilidade muito séria de existirem na esfera jurídica da Requerente e que, de todo, não podem ser despiciendos, sob pena de se permitir a consolidação de uma situação de facto ilícita, lesiva dos direitos de propriedade e posse, em manifesta violação dos princípios consagrados nos artigos 1305.º e 1314.º do Código Civil e do artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa, bem como de se frustrar a finalidade própria das providências cautelares prevista nos artigos 362.º e seguintes do Código de Processo Civil.
A douta Decisão/Sentença recorrida violou e ou interpretou e aplicou incorrectamente as seguintes normas e princípios jurídicos:
- Os artigos 362.º, 368º e 607º, nº 4 e 5 do Código de Processo Civil; Os artigos 1305º e 1314.º do Código Civil; O artigo 62.º da C.R.P. que consagra o direito fundamental à propriedade privada e à sua proteção, o qual deve ser eficazmente tutelado pelos Tribunais.
Nestes termos,
E nos mais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência deve:
a) Ser revogada a douta decisão recorrida;
b) Ser decretada a providência cautelar requerida, com a imediata cessação das obras e de quaisquer atos de esbulho ou turbação do prédio descrito sob o n.º ..., quer no interior quer no exterior das construções aí existentes (nomeadamente a sul da fábrica em ruínas) sob pena de multa diária a fixar;
c) Descrevendo-se, para o efeito, com fidelidade e precisão, no auto respectivo, o estado e natureza das obras e serviços em curso, sua localização exacta, respectivas medidas e extensão, bem como colhidos os correspondentes registos fotográficos.
d) Ser restituída à Requerente e demais herdeiros a posse plena e pacífica do imóvel, com o reconhecimento da séria probabilidade da existência do direito invocado;
e) E ser ordenado o reforço da proteção cautelar, impedindo a prática de novos atos ilícitos enquanto não transitar em julgado a decisão da ação principal, nomeadamente ordenando a delimitação das áreas em crise e sua restituição ao domínio do prédio descrito sob o n.º ....”.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DO MÉRITO DO RECURSO
1. Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, a questão a apreciar prende-se com saber se se mostram indiciariamente provados os pressupostos necessários ao decretamento de algum dos procedimentos cautelares de embargo de obra nova, restituição provisória da posse, ou, do procedimento cautelar comum e, consequentemente, deve ser decretado o procedimento cautelar requerido.
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2. Fundamentação de facto
O tribunal de 1ª instância, na decisão recorrida, considerou indiciariamente provada a seguinte matéria de facto, (a qual não foi impugnada):
1. BB era proprietário dos seguintes prédios rústicos:
- parcela de terreno, sita na ..., freguesia ..., descrita e registada no Registo Predial a favor de BB sob o nº ..., inscrito na matriz inicialmente sob os artigos ... e ... e que fazia parte e foi desanexado do prédio descrito sob o nº ..., a fls. 141, do Livro ..., que adquiriu por escritura de compra e venda de 1966 junta à p.i. da acção principal;
- parcela de terreno (que foi anexado ao prédio supra com o nº ...), descrita sob o nº ..., a fls. 108, do Livro ..., destacada do prédio inscrito na matriz sob o artigo ..., que adquiriu por escritura de compra de 23/01/1975 junta à p.i. da acção principal;
2. Esses prédios passaram a formar um só prédio;
3. O qual foi inscrito e descrito no registo predial em nome de BB, sob o nº ..., pela Ap. nº 2 de 07/10/1966;
4. BB faleceu em 23/08/1991, deixando como herdeiros o Autor e Intervenientes principais da acção principal, incluindo a aqui Requerente;
5. Desse prédio foram desanexadas duas parcelas de terreno:
- Uma parcela para formar o prédio nº ... do Registo predial e inscrita na matriz sob o artigo ...;
– Uma parcela para formar o prédio nº ..., registado na Conservatória pela Apresentação nº 4, de 28/01/1985, inscrito na matriz, a sua parte urbana, sob o artigo ...;
6. A parte restante do prédio do BB foi descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o nº ..., ficando omissa na matriz;
7. Foi registada a desanexação do art.º ... em 1993;
8. A Requerida adquiriu o prédio inscrito na matriz sob o art.º ... e descrito na Conservatória sob o n.º ..., por compra, em 6 de Outubro de 2022, à “B... Lda.”;
9. A “B... Lda.” adquiriu o prédio inscrito na matriz sob o art.º ... e descrito na Conservatória sob o n.º ..., por compra, em 17 de Março de 2010, à sociedade C..., S.A.;
10. A C..., S.A. adquiriu tal prédio à “D..., Lda.”, por compra, em 20/03/2007;
11. A “D..., Lda.” adquiriu esse prédio à “E... – Sociedade de Locação Financeira, S.A.”, por compra, em 10/01/2002;
12. No art.º 860.º está implantado um edifício destinado a indústria, que se encontra há alguns anos, que em concreto não foi possível precisar, em estado de ruína;
13. As restantes construções estão em situação ilegal, por não disporem de, pelo menos, licença ou alvará de utilização;
14. A R. afixou ou fez afixar às suas ordens, um “Aviso” de Pedido de Licenciamento Camarário para “Alteração e Restauração de Armazém”, numa parte que excede a Sul, os 4.300m2 invocados pelos AA. como sendo a área do art.º 860.º;
15. Aviso do qual a Requerente teve conhecimento no dia 09 de Março de 2025;
16. A Requerente tentou obter da Câmara Municipal ... (CM...), explicações sobre o mesmo, o que não conseguiu;
17. Apesar de tal pedido de licenciamento ainda se encontrar em análise, já a Requerida iniciou e dá continuidade diária a obras e manobras no local em litígio, quer no interior quer no exterior das construções anexas à fábrica, nas áreas descobertas limítrofes;
18. Aí entrando e saindo com trabalhadores, máquinas, equipamentos, viaturas e materiais;
19. Derrubando portões de entrada e saída e alterando a sua localização;
20. Procedendo a obras diversas nos edifícios/construções cujo direito de propriedade, áreas, descrição, composição e confrontações se encontram em discussão na indicada acção principal; isto é, na construção contígua a sul da fábrica, e ainda nos espaços exteriores adjacentes (a poente, nascente e sul dos edifícios);
21. Destruindo e terraplanando o piso;
22. Desmatando as áreas confinantes, derrubando e apropriando-se de árvores;
23. Depositando a lenha derrubada e enormes quantidades de lixo e entulho provenientes das ditas obras, demolições e abates;
24. O que está a acontecer, neste momento e em concreto, a sul da fábrica e na parte traseira das construções que aí se encontram;
25. O que também já fez a norte do limite da fábrica, onde desmatou parte do terreno;
26. Em 20/03/2025, a Requerente interpelou os trabalhadores que ali se encontravam a operar, para saber o que estavam a fazer e a mando de quem, pedindo-lhes para abandonarem o local, foi por um deles (que julga chamar-se CC) insultada e ameaçada, com expressões como “digo-te o caralho, que queres daqui minha puta de merda, vai mas é para casa, vai para o caralho, vai mandar no corno do teu marido, não vou nada embora, era o que faltava, anda aqui que eu fodo-te” ao mesmo tempo que fazia marcha atrás em direcção à Requerente, com a máquina de triturar madeira que conduzia, fazendo tenção de a atingir com a projecção de toros e resíduos de madeira;
27. A Requerente saiu dali à pressa, receando pela sua integridade física e teme lá voltar com receio das reacções e ameaças de que foi vítima Chamou a GNR ao local para dar conta destas ocorrências, mas embora se tivessem deslocado ao local 2 brigadas, nada fizeram e, quando 2ª brigada aí chegou, os referidos trabalhadores tinham acabado de abandonar o espaço e o Sr. Agente disse que não ia atrás deles e que não podia fazer nada – acrescentando que tudo não passava de uma questão de heranças. – 20 de Março de 2025;
28. O art.º 860.º confronta nascente com o prédio descrito sob o n.º ...;
29. Na acção principal, o A. considera que, tendo o prédio dos herdeiros de BB a área de 20.987 m2, a área do prédio da Ré e aqui Requerida é de 4.300 m2, enquanto esta afirma que a área do seu prédio ascende a 7.721 m2.

E deu como não provada a factualidade seguinte:
a) O prédio do BB tinha a área de 30.000 m2;
b) As parcelas que foram desanexadas tinham a área de 4.821 m2, correspondente ao prédio nº ... do registo predial, e de 4.300 m2 respeitante ao prédio nº ... do registo predial, correspondente ao art. ... da matriz predial;
c) Com estas duas desanexações o prédio rústico, hoje inscrito e descrito na conservatória em ficha com o nº ..., ficou com a área total de 20.897 m2;
d) O A. e Intervenientes na acção principal, por si e antepossuidores, há mais de dez, vinte e trinta anos, usam e fruem do prédio com essa área de 20.897 m2, de forma contínua, sem qualquer oposição, à vista de todos, na convicção de exercer o direito de propriedade sobre esse mesmo prédio;
e) A Requerida invadiu uma parte dos 20.879 m2 do prédio rústico da Requerente, alterando propositadamente a linha divisória do lado nascente e poente onde se situa a propriedade dos herdeiros de BB;
f) A área total do art.º 860º é de 4.300 m2;
g) Sendo 2.750m2 de área coberta e 1.550 m2 de área descoberta (logradouro);
h) As construções anexas à fábrica não integram o art.º 860.º, antes integrando o prédio descrito sob o n.º ...;
i) Nunca tendo as construções anexas à fábrica e aludidas em 13., nem o terreno a norte da mesma, sido incluídos em qualquer contrato de compra e venda ou qualquer transacção respeitante àquela propriedade, já que não faz parte do referido artº matricial 806.º e excede notoriamente a sua área, como alegado pelos AA. nos autos principais;
j) Sendo, isso sim, parte do prédio descrito em 4.b) deste articulado – inscrito no Registo Predial sob o nº ..., actual ficha nº ..., com a área total de 20.897 m2, e omisso na Matriz, conforme reclamam os AA na acção principal;
k) As obras e manobras ocorrem para lá das áreas que se encontram em discussão e confronto nos autos principais;
l) Invadindo o prédio descrito sob o n.º ...;
m) Para o que, inclusive, derrubou parte de um muro que dá livre acesso ao prédio descrito sob o n.º ...;
n) Aí entrando e saindo com trabalhadores, máquinas, equipamentos, viaturas e materiais;
o) Mais instalando no art.º 1606.º andaimes, construindo e derrubando muros e outras estruturas a seu bel-prazer;
p) Os actos praticados pela Requerida foram e estão praticados para além da área do prédio do art.º 860.º;
q) E, estão a ser praticados no prédio descrito sob o n.º ...;
r) A R. invade o prédio descrito sob o n.º ...;
s) Ficando inclusive a residência da Requerente (a nascente), desprotegida e susceptível a ser invadida por quem quer que decida por aí passar;
t) O que lhe causa medo e insegurança, por si e pela sua mãe que aí também reside, e sério e justificado receio de ver a sua habitação devassada ou invadida por intrusos e estranhos;
u) As exactas estremas dos prédios, na parte em que confrontam entre si;
v) Para além do referido em 28., o art.º 860.º tem as demais confrontações e tem as delimitações assinaladas na planta topográfica junta com a p.i. da acção principal como doc. 36.
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3. Motivação de direito
a) Da alteração da decisão sobre a matéria de facto
Nas suas alegações de recurso, a apelante, aceitando a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, refere que “terão, igualmente que ser dados como provados, com base na prova produzida em audiência e nos documentos carreados para o processo principal e para este procedimento, pelo menos a título de probabilidade muito séria que: (…)”, enunciando, de seguida, os factos que na sentença impugnada foram dados como não provados e que entende deverem considerar-se provados.
Ora, o art. 640.º do CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O mencionado regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão de facto, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, o qual terá que apresentar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Recai, assim, sobre o recorrente, o ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar os concretos pontos da decisão que pretende questionar, ou seja, delimitar o objeto do recurso, motivar o seu recurso através da indicação dos concretos meios de prova documental e/ou da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto, a fundamentação, e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pelo Tribunal da Relação.
No caso concreto, o julgamento foi realizado com gravação dos depoimentos prestados em audiência, sendo que a apelante, embora referindo os factos que entende deverem ser acrescentados aos factos provados, não indica os meios de prova concretos a reapreciar, limitando-se a mencionar que “têm-se aqui por integralmente reproduzidas a P.I e docs anexos e a douta Decisão/Sentença de que se recorre. Bem como todas as peças processuais e documentos constantes dos autos principais de que este é apenso”, o que faz no corpo das alegações, nada mencionando nas respetivas conclusões.
Ou seja, a recorrente não menciona um único meio de prova concreto que possa ser reapreciado com vista a alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, mencionando genericamente a “vasta documentação inserta da ação principal, pelos AA, nomeadamente na P.I., para a qual se remete e aqui se tem por integralmente reproduzida”, “as sucessivas escrituras de compra e venda, registos prediais e inscrições matriciais, entre outros…”.
E se não refere os meios de prova a reapreciar nas alegações, muito menos o faz nas respetivas conclusões, onde não existe qualquer referência à matéria de facto a alterar.
Ora, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser concretizado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, nomeadamente por os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, imporem uma conclusão diferente.
Sucede que, para demonstrar a existência de erro na apreciação da matéria de facto, o recorrente tem de contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo (v.g. a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário), apresentando as razões objetivas pelas quais se pode verificar que a mesma foi incorretamente realizada, não bastando para o sucesso da sua pretensão a mera indicação, ou reprodução, dos meios de prova antes produzidos e ponderados na decisão recorrida (neste sentido, Ac. do TRG, de 19-12-2023, processo 1526/22.0T8VRL.G1, disponível em dgsi.pt).
Posto isto, sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos do recurso, invocados nas alegações, mas também o que define o objeto do recurso e o âmbito do conhecimento pelo Tribunal da Relação, no caso de impugnação da matéria de facto, deve o recorrente cumprir as exigências previstas no nº 1 do art. 640.º do CPC, não podendo o tribunal substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso.
Considerando que a recorrente não menciona sequer a impugnação da matéria de facto nas conclusões das suas alegações, entende-se que falta a especificação dos requisitos enunciados no nº 1, alíneas a), b) e c) do art. 640.º referido, o que implica a rejeição do recurso, na parte da reapreciação da decisão de facto.
Nestes termos, não se admite o recurso quanto à impugnação da matéria de facto.
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b) Da alteração da decisão de direito
Analisada a decisão recorrida, constata-se que o Tribunal a quo, após fazer uma análise dos requisitos exigidos para que seja decretado algum dos procedimentos cautelares invocados pela requerente/recorrente, como sejam a restituição provisória da posse, o embargo de obra nova e o procedimento cautelar comum, não decretou nenhum dos procedimentos cautelares invocados, por ter considerado que não ficou demonstrada a probabilidade do direito de propriedade sobre a área em discussão nos autos principais, nem a ofensa do direito de propriedade sobre o prédio descrito sob o n.º ....
Nada temos a censurar à decisão recorrida quando se pronuncia sobre os requisitos exigidos para o decretamento de cada um dos procedimentos cautelares em causa, pelo que passamos a reproduzir o que na sentença recorrida se refere:
“No elenco dos procedimentos cautelares conta-se o procedimento cautelar de restituição provisória da posse, previsto no art.º 377.º do CPC.
A restituição provisória constitui um meio de defesa da posse, previsto no art.º 1279.º do CC, ao serviço do possuidor, contra actos de esbulho violento.
Como refere Abrantes Geraldes (Geraldes, António S. Abrantes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, IV Volume, Almedina, 2001, pág. 29), primeiro pressuposto desta medida cautelar é a qualidade de possuidor decorrente do exercício de poderes de facto sobre uma coisa por forma decorrente do exercício de poderes de facto sobre uma coisa por forma correspondente ao direito de propriedade ou a outro qualquer direito real de gozo (art.º 1251.º do Cód. Civil).
A tutela possessória assenta num juízo provisório no que concerne à aferição do direito, condicionada à não sobreposição de uma situação jurídica invocada pela parte contrária, correspondente à titularidade de um direito real de gozo ou a melhor posse.
Os casos paradigmáticos da tutela possessória relacionam-se com o exercício de poderes de facto sobre coisas susceptíveis de constituírem objecto de direitos reais de gozo: os direitos de propriedade, de usufruto, de servidão predial, de superfície, de uso e habitação ou de habitação.
Mas, ainda que falte a titularidade de qualquer desses direitos reais, a simples prova dos poderes de facto que normalmente correspondem à sua exteriorização é suficiente para motivar a procedência da pretensão cautelar.
Nada obsta a que se alegue, como integrante da causa de pedir da providência restituitória, a situação de composse, nos termos do art.º 1286.º do Cód. Civil.
Os direitos reais de garantia, embora não sejam susceptíveis de posse (art.º 1287.º do Cód. Civil), acabam por beneficiar da tutela possessória as situações em que a titularidade do direito é acompanhada da detenção material dos bens (art.ºs 661.º, al. b), 679.º, al. a), 758.º e 759.º, n.º 3, todos do Cód. Civil).
Além dos possuidores, no verdadeiro sentido do termo, podem ainda aceder aos meios de defesa da posse os titulares de outros direitos sem natureza real, mas que, de acordo com a lei, foram considerados merecedores dessa tutela (v.g. 1037.º, n.º 2, do CC).
A tutela possessória foi ainda especialmente estendida aos direitos pessoais de gozo derivados dos contratos de comodato, quando o respectivo titular se veja impedido de exercer sobre os bens os poderes inerentes à respectiva qualidade, nos termos dos art.ºs 1133.º e 1188.º, n.º 2, do Cód. Civil.
Como segundo requisito da providência exige-se o esbulho. Como refere Manuel Rodrigues, “há esbulho sempre que alguém foi privado do exercício da retenção ou fruição do objecto possuído, ou da possibilidade de o continuar” (Rodrigues, Manuel, in “A Posse”, ed. 1981, pág. 363). O esbulho abarca os actos que impliquem a parda da posse, ao passo que os actos de turbação, embora situados para além das simples ameaças dirigidas ao possuidor, não assumem proporções que impeçam a sua conservação.
Finalmente, como terceiro requisito exige-se a violência. Sendo o esbulho uma das formas através das quais se pode adquirir a posse, a sua qualificação como violento deve ser o resultado da aplicação do art.º 1261.º do CC, com o que somos transportados, por expressa vontade do legislador, para o disposto no art.º 255.º do CC, norma que integra na actuação violenta tanto aquela que se dirige directamente à pessoa do possuidor como a que é feita através do ataque aos seus bens (cfr. Geraldes, António Santos Abrantes, in obra citada).
E, também, temos o embargo de obra nova.
Dispõe o art.º 397.º CPC que:
“1 - Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente.
2 - O interessado pode também fazer diretamente o embargo por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar.
3 - O embargo previsto no número anterior fica, porém, sem efeito se, dentro de cinco dias, não for requerida a ratificação judicial.”
Como refere Abrantes Geraldes, por um lado, para que seja deferido o procedimento, necessário se torna que pelo requerente seja invocada a violação ou o perigo de violação de um direito subjectivo (nomeadamente para defesa da propriedade, situações de contitularidade que se reconduzam às regras da compropriedade ou ao regime da propriedade horizontal, bem como restante direitos de gozo - excluindo o credor hipotecário -, posse, direitos pessoais de gozo, interessado de acordo com o Regulamento Geral do Ruído). O procedimento já não pode ser requerido quando os actos praticados, mesmo que ilícitos, só afectem o interessado na esfera dos seus direitos de personalidade. Por outro lado, a lei dirige-se à sustação de obras, trabalhos ou serviços, nos quais se inserem actos como a construção, a demolição, a escavação, a plantação ou o corte de árvores (actos não inócuos no contexto das relações patrimoniais e que não se mostrem concluídos nos seus aspectos fundamentais à data da apresentação do requerimento inicial), relevantes, que já tenham ofendido o direito (não bastando uma mera ofensa potencial), sendo indiferente que os mesmos tenham sido autorizados por autoridade pública (cfr. Geraldes, António Santos Abrantes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, IV Volume, Almedina, Março 2001, págs. 221 e segs.).
Supõe-se, pois, a existência do direito e situação de periculum in mora.
Temos, ainda, o procedimento cautelar comum.
Dispõe o art.º 362.º do CPC que:
“1 - Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
2 - O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor.
3 - Não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas no capítulo seguinte.
4 - Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado.”.
E, segundo os n.ºs 1 e 2 do art.º 368.º do CPC:
“1 - A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.
2 - A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.”.
Conforme se decidiu no Ac. Rel. Évora de 16/5/91, publicado in Col. Jur., tomo III, pág. 287, a providência não especificada depende da concorrência dos seguintes pressupostos: a) Probabilidade séria da existência do direito invocado; b) Fundado receio de que outrem, antes da acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito; c) Adequação da providência à situação de lesão iminente; d) Não ser o prejuízo resultante da providência superior ao dano que com ela se pretende evitar; e) Não existência de providência específica que acautele aquele direito.”
Após tecidas estas considerações gerais, acabou o Tribunal a quo por entender que:
“Na situação em apreço, é certo que a Requerida está a realizar obras em áreas que permanecem litigiosas (uma vez que na acção principal, o A. considera que, tendo o prédio dos herdeiros de BB a área de 20.987 m2, a área do prédio da Ré e aqui Requerida é de 4.300 m2, enquanto esta afirma que a área ascende a 7.721 m2).
Porém, a Requerente não demonstra a probabilidade do direito de propriedade invocado, não tendo, pois, resultado indiciariamente provado que a área onde a Requerida está a realizar as obras não pertence ao prédio desta, antes pertencendo ao prédio dos herdeiros de BB, onde se inclui a Requerente.
E, também não ficou provado que a Requerida tenha realizado obras ou praticado quaisquer actos sobre o prédio pertencente aos herdeiros de BB, mais concretamente, não se apurou que a Requerida tenha invadido este prédio, para além da área em discussão nos autos principais, e aí realizado obras ou praticado quaisquer actos.
Em síntese, não tendo ficado demonstrada a probabilidade do direito de propriedade sobre a área em discussão nos autos principais, nem a ofensa do direito de propriedade sobre o prédio descrito sob o n.º ..., impõe-se o naufrágio do procedimento e o indeferimento das providências requeridas.”.
Vejamos.
Se analisarmos os arts. 362.º, nº 1 (providência cautelar não especificada ou procedimento cautelar comum), 377.º (restituição provisória de posse) e 397.º, nº 1 (embargo de obra nova), todos do CPC, verificamos que o primeiro dos requisitos para que possa ser decretado um dos procedimentos cautelares aí previstos, é a prova, ainda que meramente indiciária, da existência de um direito do requerente, seja de propriedade, de outro direito real ou pessoal de gozo ou da posse, exigindo-se, assim, a prova, ainda que meramente indiciária, repetimos, da probabilidade séria da existência do direito invocado.
A pretensão da requerente/recorrente versa sobre uma parcela que os autores/intervenientes da ação principal dizem integrar o prédio que será propriedade da herança da qual se dizem herdeiros, ao passo que a ré na dita ação (após habilitação de cessionário) diz que tal parcela faz parte integrante do prédio registado a seu favor.
Da factualidade dada como provada resulta que o conflito em discussão na ação principal diz respeito precisamente a essa parcela, pelo que se mostram controvertidas as áreas de cada um dos prédios em causa.
Ora, a matéria relativa às áreas reais de cada um dos prédios em questão, não foi dada como provada, como resulta da decisão da matéria de facto transcrita, sendo certo que o recurso, na parte da impugnação da matéria de facto, não foi admitido, pelos motivos que constam supra.
Posto isto, e tal como se decidiu na sentença recorrida, a requerente não logrou fazer prova do primeiro dos requisitos exigidos para o decretamento de algum dos procedimentos cautelares invocados.
Sendo a ré/requerida quem tem vindo a praticar atos matérias sobre a parcela em litígio, ainda que indevidamente, segundo a requerente, nenhum facto consta da factualidade provada no sentido de que a requerente tinha a posse de tal parcela, por integrar o prédio que diz ser propriedade da Herança na qual é interessada, com vista a que se possa considerar que era titular da posse, da qual teria sido esbulhada de forma violenta.
Por sua vez, também nenhum facto se mostra provado que permita concluir, ainda que, e sempre, de forma indiciária, que a requerente/recorrente tenha sido ofendida num seu direto de propriedade sobre a parcela em causa, seja singular ou comum, ou em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo.
E, finalmente, também não se mostra provado que a requerente/recorrente tenha algum direito sobre a parcela em discussão, que permita que se considere que existe um fundado receio de que a requerida cause lesão grave e dificilmente reparável a esse direito.
Ou seja, o decretamento de qualquer um dos procedimentos cautelares invocados pela requerente/recorrente, exigia, antes de mais, que a mesma tivesse feito a prova indiciária de um direito ou da posse sobre a parcela em litígio, prova que não logrou fazer.
Na verdade, não se vê como é que face à factualidade provada, se poderia concluir pela ofensa do direito de propriedade ou da posse da requerente.
Não pode considerar-se como indiciariamente provado que exista tal direito, apenas porque a requerente assim o invoca e pretende que seja mantida a situação até se determinar na ação principal quais os concretos limites dos prédios (embora fosse ideal que assim acontecesse).
Em conclusão, a existência do alegado direito de propriedade ou da posse da requerente/recorrente não se pode considerar verificada, ainda que indiciariamente, apenas pela alegação (subjetiva) de que a requerida está a praticar atos no local onde os dois prédios confinam entre si, quando as respetivas áreas e, assim, o local da divisão, se mostram litigiosos, e não existe prova, ainda que indiciária, mais favorável à versão da requerente, já que os documentos que constam dos autos, nomeadamente certidões de registo predial, não fazem prova de que as áreas que do registo constam correspondem às áreas reais. A força probatória material dos documentos autênticos cinge-se às perceções da entidade documentadora, razão pela qual a jurisprudência dos nossos tribunais superiores se tem pronunciado pela negação da presunção a que se refere o art. 7.º do CRgP relativamente às áreas e confrontações.
Face ao exposto, nada sendo de apontar à decisão recorrida que recusou o decretamento do procedimento cautelar, deve a mesma manter-se, improcedendo o recurso.
*
III- DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação improcedente, e, em consequência, manter a decisão recorrida que julgou improcedente o procedimento cautelar instaurado pela recorrente.
Custas pela Recorrente.

Porto, 2025-06-04
Manuela Machado
Ana Luísa Loureiro
Paulo Dias da Silva