CONCORRÊNCIA DESLEAL
REQUISITOS
Sumário

I - Nos termos do artigo 311.º do Código da Propriedade Industrial são requisitos da Concorrência Desleal: (I) a existência de uma relação de concorrência; (II) a deslealdade (contrariedade às normas ou usos honestos da atividade económica; (III) a culpa.
II - (I) O que seja concorrência apela ao conhecimento de duas das posições mais sustentáveis: (a) uma concepção intermédia para a qual é suficiente a possibilidade factual de desvio de clientela, admitindo-se concorrência não só entre produtos ou serviços substitutos, mas também entre aqueles que se encontrem em relação de complementaridade desde que as necessidades que se visam satisfazer se insiram no mesmo mercado; (b) uma concepção restrita que exige disputa concreta da mesma clientela.
III - O que está em jogo na relação de concorrência é a disputa da mesma clientela, na expressão de Carlos Olavo, são próximas as actividades quando se revelam idênticas ou afins.
IV - É ajustado o recurso a certos critérios típicos do direito das marcas para se aferir o que sejam produtos (e serviços) afins para efeito do referido no ponto anterior, concretamente os critérios a propósito dos requisitos quanto à proibição da reprodução ou imitação de marca que, nos seus requisitos, exige a sintonia de produtos ou serviços (identidade e afinidade) – art.º 232.º, n.º 1, al.a e b) do CPI.
V - Deve entender-se como tal os produtos ou serviços que apresentam entre si um grau de semelhança ou proximidade suficiente para permitir, ainda que parcialmente, uma procura conjunta, para satisfação de idênticas necessidades dos consumidores.
VI - (II) «..a concorrência desleal visa obstar a atos contrários aos usos honestos do comércio, repudiados pela boa consciência dos agentes do mercado e capazes de causar prejuízos a concorrentes, que se assomam como ilegítimos, injustificados, resultantes não das competências próprias, mas do aproveitamento, usurpação ou clonagem de competências alheias.»
VII - (III) A culpa é apreciada em abstrato com recurso à figura do homem médio (art.º487.º, n.º2.º, do CC), devendo esse padrão ser adaptado, na CD, ao concorrente médio do sector onde intervêm os concorrentes.

Texto Integral

Apelação 3155/23.2T8AVR.P1

I.[1]

Pâtisserie A... com sede em ... Paris, França, inscrita no Registo Comercial e Comercial ...40, intentou ação declarativa, sob a forma comum, contra B..., Lda.”, com sede na Rua ..., ..., Aveiro e NIPC ...05, na qual peticionou que a ré fosse condenada a:

i. alterar e abster-se de utilizar as cores rosa-pálido, verde-pálido e azul-pálido nas caixas de embalagem dos seus produtos de confeitaria;

ii. alterar e abster-se de voltar a usar o tom de verde-pálido, rosa-pálido e azul-pálido usado pela autora na pintura do mobiliário de loja;

iii. alterar e abster-se de voltar a utilizar a inicial “P” num círculo nos seus balcões, em cópia do “L” num círculo dos balcões da autora, tal como consta da página principal do website da Ré;

iv. promover as alterações requeridas na presente ação em todo o marketing, websites, vestuário, publicidade e futuras referências à autora como fonte que serviu de referência na remodelação, pelo grupo “C...” que detém a ré.

v. proceder às alterações necessárias nas suas lojas para cumprimento do peticionados nos pontos i., ii. iii. e iv., no prazo máximo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, bem como, nos termos do artigo 829.º-A do CC, ser condenada em sanção pecuniária compulsória de 100,00 € (cem euros) por cada dia de atraso no respetivo cumprimento.

Mais requereu que fosse oficiosamente extraída certidão dos presentes autos para instauração do processo de contraordenação pela prática suprarreferida, que consubstancia contraordenação muito grave, nos termos do artigo 18.º do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas, por remissão do artigo 330.º do Código da Propriedade Industrial.

Para o efeito, alegou, em síntese, que:

- se dedica à produção de confeção de pastelaria, da qual se destacam os “macarons” e que se trata de uma marca de projeção internacional, presente em muitos países e reconhecida, designadamente, pelos consumidores;

- é igualmente conhecida pela disposição interna dos seus produtos e pelo layout dos seus estabelecimentos, em conjunto com a utilização de cores específicas que a demarcam da concorrência e que são uma alusão à decoração interna dos palácios franceses do tempo do Rei Luís XIV;

- a ré é a sociedade proprietária e gestora da denominada “Confeitaria D...”, uma confeitaria antiga situada em Aveiro, conhecida pela venda de doçaria, destacando-se os seus ovos-moles e que foi objeto de uma profunda e total renovação, tendo reaberto ao público a 8-08-2018;

- a renovação do interior da loja da ré em Aveiro apresenta uma inequívoca semelhança com o padrão por si utilizado, desde a utilização das cores cor-de-rosa pálido, o verde-pálido, azul-pálido, à disposição das caixas, à utilização da primeira letra do nome, neste caso “P” nos balcões, a própria cor do balcão, exatamente da mesma forma e disposição encontrada nos seus balcões;

- a ré abriu uma loja no Aeroporto de Lisboa, onde se torna mais patente a cópia dos seus estabelecimentos e que é vista por milhares e milhares de turistas estrangeiros que passam por este aeroporto;

- solicitou à ré que cessasse a utilização da cor verde no mobiliário de loja, na montra e no logótipo e a alteração das cores utilizadas nas caixas, contudo, esta não atendeu ao seu pedido;

- várias notícias, websites e comentários fazem alusão à cópia de toda a estética das suas confeitarias;

- a utilização, inequivocamente propositada, dos layouts, de cores com códigos iguais às cores por si utilizadas, do conceito das caixas e da disposição interna e externa dos produtos em loja, a imitação do logótipo nos balcões, constitui conduta suscetível de criar confusão com a sua empresa, o seu estabelecimento e os seus produtos;

- apesar da sua loja de Lisboa ter sido fechada, tem intenção de voltar a ter um ou mais estabelecimentos em Portugal;


*

A ré, B..., Lda. deduziu contestação defendendo-se: por excepção, alegando a incompetência absoluta deste Tribunal, por entender que a mesma pertence ao tribunal da propriedade industrial e por impugnação, invocando, em suma, que:

- não tem atividade em nenhum dos países em que a autora está presente, e esta não tem atividade em Portugal, pelo que os consumidores não tem a possibilidade de adquirirem os mesmos produtos no estabelecimento de uma ou de outra, nem os seus estabelecimentos se apresentam como alternativa aos da autora e não disputam a mesma clientela, inexistindo concorrência entre ambas;

- os estabelecimentos estão devidamente identificados com nomes diferentes, vendem produtos diferentes e apresentam igualmente características inconfundíveis;

- ainda que os estabelecimentos em causa partilhassem alguma característica comum, esta diria respeito a elementos que podem ser usados livremente por qualquer comerciante, na medida em que não podem ser objeto de apropriação exclusiva pela autora;

- a Confeitaria D... é um estabelecimento fundado em 1856, que se dedica exclusivamente ao fabrico e comercialização de doçaria regional aveirense, nomeadamente os ovos-moles;

- a remodelação da Confeitaria D... pretendeu obter uma ligação entre o espaço comercial e a história através da decoração do espaço que procurou evocar o estilo Arte Nova e mediante a exibição, à entrada da loja, de um raro exemplar da primeira edição d'Os Maias, de Eça de Queiroz;

- apenas o estabelecimento de Aveiro, por razões técnicas, que resultam do facto de o balcão de atendimento se localizar num corredor estreito, tem o “P” de “D...” nas almofadas do mesmo;

- a letra “P” usada é gráfica e foneticamente totalmente distinta da letra “L” usada pela autora nos seus estabelecimentos e trata-se da sigla de “D...”;

- os seus estabelecimentos têm em grande destaque anunciado o principal produto comercializado e a sua especialidade: “OVOS MOLES DE AVEIRO”;

- apenas comercializa nos seus estabelecimentos doces tradicionais de Aveiro, não comercializando macarons;

- o seu estabelecimento é antigo, bem conhecido do público consumidor, não havendo qualquer possibilidade de os consumidores se dirigirem a este estabelecimento convencidos de que se trata de um estabelecimento da autora;

- a autora não tem nenhum monopólio sobre a utilização de cores, nem sobre a letra “L” ou do uso de letras individuais.


*

Dispensou-se a realização de audiência prévia, definiu-se o valor da causa, e foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a exceção de incompetência absoluta do Tribunal invocada pela ré e se fixou o objeto do litígio e se enunciaram os temas da prova.


*

Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, decidindo-se a final:

« Face ao exposto, julga-se totalmente improcedente a presente ação e, em conformidade, decide-se, ABSOLVER a ré dos pedidos formulados pela autora


*

Do assim decidido interpôs a A. recurso de apelação oferecendo alegações e formulando as seguintes CONCLUSÕES:

1. A Recorrente pugna pela revogação da sentença recorrida, por entender que o Tribunal a quo apreciou incorretamente a matéria de facto e de direito.

2. Os factos A) e B) da Sentença recorrida deverão constar da factualidade dada como provada.

3. Relativamente ao facto A), a partir dos factos provados, é evidente que a Confeitaria D..., após ter integrado o grupo “C...” em 2018, copiou a identidade visual da marca Ladurée, tanto em termos de decoração como de apresentação dos seus produtos.

4. O próprio presidente do grupo, AA, admitiu publicamente a intenção de replicar o modus operandi da Ladurée, fazendo uma comparação direta entre os dois estabelecimentos, antes sequer de se dar a reabertura da Confeitaria D... ao público.

5. Apesar disso, o Tribunal a quo não reconheceu a existência de uma intenção de copiar a imagem da Recorrente, baseando-se em testemunhos contraditórios.

6. As evidências apresentadas – como a semelhança nos elementos decorativas cores e o layout dos estabelecimentos – evidenciam claramente uma tentativa de usurpação da imagem da Recorrente, configurando um caso de "parasitismo", onde a Recorrida beneficia, indevidamente, do prestígio da Recorrente.

7. Antes da renovação, os códigos de cores da Confeitaria D... assentavam em tons de castanho e bege, como se vê nas imagens juntas com a Petição Inicial, diferenciando-se completamente dos tons usados desde a aquisição da Recorrida, o que apenas acentua a vontade de copiar a identidade e a imagem da Recorrente, ao invés de continuar a sua própria história.

8.A imagem e reconhecimento internacional da Ladurée foi devidamente testemunhada em Tribunal pela testemunha BB, por depoimento prestado na sessão de Discussão e Julgamento da Causa de dia 31.05.2024, gravado em sistema Habilus, como supra transcrito, para além da prova documental junta aos autos.

9. Esta óbvia semelhança foi confirmada pelo Tribunal a quo, tendo, no entanto, falhado esse Tribunal em extrair a conclusão que se impunha dessa manifesta semelhança.

10. Entende a Recorrente que da factualidade dada como demonstrada, resulta claro e evidente para qualquer homem médio que foi efetivamente copiada pela Recorrida a imagem pela qual a Recorrente é internacionalmente reconhecida – vide factos provados 2, 6, 8, 9 e 12.

11. Sempre se poderá recorrer in casu à presunção judicial para dar como demonstrada a matéria constante deste ponto dos factos.

12. Resulta à saciedade que o presidente do grupo que adquiriu a Recorrida tinha a intenção expressamente e publicamente confessada de aplicar nas lojas da Recorrida o conceito e imagem da Ladurée e o resultado dessa mudança de imagem é demonstrativo do sucesso desse desígnio.

13. Portanto, é questionável a decisão do Tribunal, que não considerou suficientemente estas provas, favorecendo uma interpretação que minimiza a evidência de cópia e do consequente aproveitamento da projeção internacional da Recorrente.

14. Termos em que se requer seja alterada a resposta dada pelo Tribunal a quo ao facto não provadoA), passando o mesmo a ter a resposta de provado.

15. Relativamente ao facto B), relevam igualmente as declarações do presidente do grupo“C...”, queassumiuaintenção de imitar a A..., oque demonstra claramente que a estratégia de renovação visava atrair clientes através das semelhanças com a referida marca, o que induz em confusão o consumidor.

16. Esse fenómeno de imitação, configurando um "parasitismo", foi ratificado por diversos artigos e comentários que associaram a Confeitaria D... à Ladurée.

17. A prova produzida, incluindo o facto 15) da sentença, revela que os consumidores associam a Recorrida à marca francesa.

18. Para além disso, atente-se ainda ao testemunhado pela testemunha BB, por depoimento prestado na sessão de Discussão e Julgamento da Causa de dia 31.05.2024, gravado em sistema Habilus, como supra indicado.

19. Note-se que até uma funcionária da Recorrida, a testemunha CC, filha dos anteriores proprietários da confeitaria D..., confirmou ter tido clientes que fizeram a comparação entre a Ladurée e o estabelecimento da Recorrida, conforme excerto de depoimento prestado na sessão de Julgamento de dia 20.06.20224 e gravado em sistema Habilus, como supra referido.

20. Resulta dos factos já provados e dos depoimentos das testemunhas indicados, que mal andou o Tribunal a quo ao dar como não provado facto B), o qual deverá passar a ter a resposta de provado.

21. Considera a Recorrente que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação de vários pontos da factualidade dada como provada.

22. Ainda que a Recorrida tenha alegado que o seu estabelecimento é antigo, a data a ser tida em conta deverá ser sempre o ano de 2018, ano este em que a Confeitaria D... foi adquirida pelo grupo “C...” a qual, após uma renovação total, reabriu ao público em agosto desse mesmo ano.

23. Embora a Confeitaria D... seja anterior à Ladurée, a renovação recente e a imitação clara da imagem de uma marca internacionalmente famosa evidenciam um aproveitamento desleal da sua projeção, configurando uma prática desleal e desonesta.

24. Quanto à discussão que o Tribunal a quo destaca sobre as letras “L” e “P”, cabe-nos referir que o pedido da Recorrente na Petição Inicial visava a proibição do uso da letra "P" em círculo nos balcões da Recorrida, de forma semelhante à letra "L" dos balcões da Recorrente.

25. O Tribunal a quo focou-se indevidamente nas diferenças gráficas e fonéticas entre as letras, quando o que estava em causa era a identidade na utilização da letra inicial de cada marca, e na identidade visual como um todo;

26. Isto é, ambos os estabelecimentos utilizam uma letra – que corresponde à inicial do sinal da respetiva marca – dourada em círculos dourados, dentro de linhas retas douradas, em balcões verde-pálidos, criando uma semelhança clara na sua identidade visual.

27. A questão não é a fonética das letras, mas a cópia da identidade visual da Recorrente, configurando uma imitação desleal.

28. Quanto à associação do conjunto de símbolos da Ladurée pela Confeitaria D..., o Tribunal a quo cometeu um erro ao analisar de forma fragmentada os elementos imitados pela Recorrida, quando a avaliação deveria ser feita de forma holística, considerando a "impressão de conjunto", como preconizado pela doutrina e jurisprudência.

29. A Recorrida copiou claramente a identidade visual da Recorrente, uma vez que são vários os elementos que aquela usurpou: as letras iniciais da denominação das marcas (Ladurée e D...) que está, em maiúscula, inserida num círculo dourado, que está por sua vez entre linhas retas douradas, num balcão verde-pálido; os produtos concorrentes que são mignardises, apresentando-se como congéneres, substituíveis e intercambiáveis; ambas serem marcas de monoproduto; as caixas de embalamento terem exactamente as mesmas cores cor-de-rosa, verde e azul pálidos, sendo que o elemento que mais sobressai é a própria cor da caixa; a exposição das caixas coloridas por detrás do balcão; a utilização das cores cor-de-rosa pálido, verde-pálido e azul- pálido na decoração do estabelecimento; o uso do verde-pálido no balcão; e os candeeiros do balcão que são demasiado semelhantes aos da Recorrente.

30. A Recorrente é amplamente conhecida pelo seu layout único – como consta da factualidade provada –, que foi indevidamente usurpado pela Recorrida, configurando um ato de concorrência parasitária.

31. Toda a factualidade apurada nestes autos e dada como provada, aliada aos factos por cuja resposta de provado se pugnou supra, não se pode aceitar a decisão de Direito alcançada pelo Tribunal a quo, a qual é manifestamente incorreta.

32. Especialmente quando este conclui que a Recorrente e a Recorrida não podem ser consideradas como concorrentes.

33. Relativamente à suposta não concorrência, foi dado como provado o facto de a Ladurée e a Confeitaria D... visarem a mesma clientela, i.e., turistas.

34. Turistas esses que passam logicamente pelo Aeroporto de Lisboa.

35. Como invocado nos Artigos 79º e ss. da Petição Inicial, os países de onde viajaram mais passageiros para Portugal, no primeiro semestre de 2022, foram o Reino Unido, a França e a Alemanha,

36. Países nos quais existem lojas Ladurée, pelo que os clientes da Recorrida conhecerão, com grande probabilidade, a marca da Recorrente, até porque a Ladurée é uma marca notória.

37.Não se pode, então, deixar de concluir que a clientela da Recorrida é a mesma

da Recorrente, contrariamente ao que o Tribunal a quo entendeu, como aliás foi dado como provado nos factos 7), 18) e 19) da Sentença.

38. E dada a globalização e o aumento do turismo, não pode, mais uma vez, a Recorrente concordar com o facto 20) da Sentença.

39. O Tribunal a quo desconsiderou que, mesmo que a Recorrida não tenha atividade em outros países, a competição entre as marcas é clara e ocorre no mesmo mercado e, dado o renome da marca da Recorrente, tal agrava ainda mais o risco de confusão.

40. Adicionalmente, ainda que se chegasse a outra conclusão, o que se rejeita e por mera cautela de patrocínio se equaciona, foi dado como provado, no facto 17), que a Recorrente voltará a ter estabelecimentos em Portugal.

41. Assim o Direito não pode permitir que a Recorrente e a Recorrida dispute entre si e no mesmo espaço territorial a mesma clientela.

42. Os produtos da Recorrente e da Recorrida são da mesma categoria, i.e., são produtos de doçaria em pequeno formato ou miniatura, muito doces, usualmente ambos designados como mignardises, sendo notório que os macarons e os ovos-moles em hóstias têm um formato, em termos de dimensão, muito idêntico.

43. Ambos os produtos cumprem a mesma função e satisfazem a mesma necessidade ou a mesma conveniência do consumidor, pelo que os macarons e os ovos-moles em hóstias da Recorrida são congéneres, substituíveis e intercambiáveis, ou seja, são produtos concorrentes.

44. A Recorrida beneficia indevidamente do prestígio da marca Ladurée, um fenómeno configurado como parasitismo.

45. A legislação de concorrência desleal, tanto nacional quanto internacional, protege contra a imitação do "trade dress" ou a aparência visual de produtos e estabelecimentos, sendo que tal imitação pode gerar confusão no consumidor, o que configura uma situação de concorrência desleal, nos termos do Artigo 311º nº1 a) do CPI.

46. A Doutrina e a jurisprudência – nacional e europeia –, supra invocadas sustentam, igualmente, a mesma posição.

47. Basta o mero perigo de confusão para se concluir como concorrência desleal.

48. Não pode a Recorrente concordar com o Tribunal a quo, quando o mesmo considera que a Recorrida não se aproveitou indevidamente do prestígio da marca da Recorrente.

49. A imitação do “trade dress” da Ladurée pela Confeitaria D... configura um ato de aproveitamento, ou “free riding”, que visa beneficiar da reputação e prestígio da Recorrente, sem os custos e o esforço que a marca original investiu ao longo dos anos.

50. Mesmo que não se verifique confusão – o que ainda não se concebe –, a utilização não autorizada de elementos distintivos da Ladurée é um ato de concorrência desleal, conforme o Artigo 311º nº1 alínea c) do CPI, configurando parasitismo.

51. A jurisprudência europeia sustenta que tal aproveitamento, sem mérito próprio, é desleal, pois explora indevidamente a imagem construída pela outra marca.

52. A concorrência desleal, ao aproveitar indevidamente a reputação e o prestígio de outro, prejudica não só a marca original, mas também os concorrentes que agem de forma honesta.

53. Aceitar a sentença proferida pelo Tribunal a quo é abrir um precedente para que mais marcas procedam à imitação servil de outras – como faz a Recorrida in casu –, num puro ato de parasitismo, uma vez que se apercebem que saem impunes de tal comportamento não-ético, desleal e desonesto, comportamento esse que o Direito não pode tolerar.

54. Uma vez que improcederam os pedidos de condenação da Recorrida, crê a Recorrente que, por parte do Tribunal a quo sempre deveriam ter sido tidas em conta as normas previstas e contempladas nos Artigos 311º e 330º do CPI.

55. A Recorrida, ao praticar atos de concorrência desleal, ao usurpar o "trade dress" da Recorrente, cometeu uma contraordenação económica muito grave, que deve ser punida nos termos do regime jurídico aplicável.

56. Assim, deve ser ordenada à Recorrida a cessação imediata do uso indevido das cores nas caixas de embalagem dos seus produtos e no mobiliário da loja; do uso indevido da inicial P num círculo dourado nos seus balcões, em cópia do L num círculo dourado dos balcões da Recorrente; promover as alterações requeridas na presente ação em todo o marketing, websites, vestuário, publicidade e futuras referências à Recorrente como fonte que serviu de referência na remodelação, pela Recorrida; além de ser condenada a realizar as alterações necessárias nas suas lojas no prazo máximo de 30 diasa contar do trânsito em julgado da sentença, sob pena de sanção pecuniária compulsóriade € 100,00 (cem euros) por cada dia de atraso no respetivo cumprimento, nos termos doArtigo 828º-A do CC.

57. A Sentença recorrida faz uma errada e não fundamentada aplicação do direito, violando o disposto nos Artigos 311º nº1 alíneas a) e c) e 330º do CPI.

58. Por todo o supra exposto, não pode a Recorrente aceitar o entendimento do Tribunal a quo, pelo que terá de ser revogada a Sentença recorrida, e substituída por outra que condene a Ré nos termos supra requeridos.


*

A R. contra-alegou, subsidiariamente, apenas na eventualidade de as questões suscitadas pela Recorrente terem provimento, requerendo a ampliação do objecto de recurso nos termos do art.º 636.º n.º 2, do Cód. Proc. Civil.

Conclui nos seguinte termos:

A. A sentença proferida pelo Juiz 2 Local Cível do Tribunal Judicial de Aveiro que julgou totalmente improcedente a acção intentada pela Recorrente não merece qualquer censura, tendo procedido à correta aplicação da doutrina, jurisprudência e do Direito ao caso concreto.

B. Contrariamente ao pretendido pela Recorrida, os factos A e B da matéria de facto não provada devem manter-se como não provados, verificando-se correcta aplicação do Direito à matéria de facto provada.

C. O facto A deve manter-se como não provado, porquanto não só não existiu qualquer cópia da Recorrida em relação à Ré, como, logicamente, nenhuma intenção de copiar a imagem ou qualquer elemento da Recorrente.

D. A Recorrente não explica porque é que os meios de prova que fundamentaram a decisão do Tribunal devem ser descartados, ou que contrariedade existe, não cumprindo o ónus da especificação que sob ela impende.

E. Em todo o caso, resulta dos factos provados que inexiste cópia dos estabelecimentos da Recorrente, até porque nem estes são idênticos entre si, mas também porque ficou provado que são projectos distintos, com inspirações arquitectónicas distintas (Luís XIV, da parte da Recorrente, Arte Nova de Aveiro, da parte da Recorrida), que resultaram em diferenças entre os estabelecimentos das diferentes partes.

F. Sempre inexistiria qualquer intenção de cópia, porquanto a Recorrida adotou um projeto de inspiração arquitectónica na Arte Nova de Aveiro, com elementos decorativos próprios (como a ilustração nas caixas e parede), tendo algumas das opções decorativas sido ditados por questões espaciais e técnicas.

G. Não existe qualquer intenção de aproveitamento de qualquer projecção internacional (não provada) que a Recorrente pudesse ter, considerando que a Recorrida comercializa um produto totalmente distinto que é tradicional de um local específico de Portugal (ovos-moles de Aveiro), fazendo-o com recurso a elementos nacionais, produto esse que a Recorrente não comercializa.

H. Inexistiu qualquer assunção de intenção de cópia dos estabelecimentos da Recorrente por parte de AA na entrevista editada que a Recorrida apresentou como meio de prova, não só porque não correspondem a declarações, como também da frase selecionada não surge qualquer manifestação de cópia de estabelecimento ou decoração, nem comparação com outrem, mas antes a intenção de focar e elevar um produto a níveis de excelência, tal como já feito nos restantes estabelecimentos do Grupo.

I. Esta visão é corroborada e explicada pelo testemunho de DD: Diligencia_3155-23.2T8AVR_2024-05-31_16-30-05 00:01:51, 00:01:58 a 00:02:11, 00:02:22, 00:02:28 a 00:02:38, 00:12:40, 00:12:49 a 00:12:59, 00:13:58 a 00:14:13, 00:14:22 a 00:14:28, 00:14:38 a 00:14:51, 00:15:01 a 00:15:18.

J. O facto B deve também manter-se na matéria de facto não provada, porquanto não resulta de nenhum depoimento ou documento que tenha ocorrido confusão ou suscetibilidade de confusão entre estabelecimentos e/ou produtos, nem qualquer escolha feita por um consumidor do estabelecimento da Recorrida por causa de qualquer decoração de estabelecimento, muito menos da Recorrente.

K. Os comentários e artigos juntos pela Recorrente demonstram que os intervenientes distinguem bem ambas as entidades, procurando de antemão a Recorrida pelos ovos-moles e não demonstrando qualquer atracção pela Recorrida por outro motivo que não seja esse.

L. A Recorrente não especifica como é que o testemunho de BB deve sustentar a não inclusão deste facto na matéria não provada, incumprindo o ónus de especificação; em todo o caso o mesmo não se revela credível, atendendo a que não visitou os locais, nem sabe quantos estabelecimentos são operados pela Recorrida (Diligencia_3155-23.2T8AVR_2024-05-31_13-55-01, 00:27:46, 00:28:21 a 02:28:22, 00:29:08 a 00:29:10).

M. As referências nas notícias juntas como prova são a parisiense ou à Arte Nova de Aveiro o que, conjugado com os restantes depoimentos e documentos, firmou correctamente a convicção do Tribunal.

N. Do testemunho de CC, não resulta qualquer confusão ou associação entre as entidades por parte dos clientes, nem qualquer decisão de compra destes por causa da Recorrente.

O. Contrariamente ao defendido pela Recorrente, o Tribunal aplicou corretamente a doutrina, Direito e jurisprudência ao caso concreto.

P. A teoria da impressão de conjunto invocada pela Recorrente não se aplica ao caso concreto, mas a marcas e sinais distintivos registados, cujos elementos se encontram determinados e sendo o exclusivo dos mesmos balizado pela publicação dos sinais distintivos.

Q. Relativamente aos elementos das letras P e L, o Tribunal não afirmou apenas a diferença fonética, mas igualmente a óbvia diferença gráfica e visual, seja das próprias letras em si, seja da forma estilizada com que são representadas, distinta e inconfundível.

R. O Tribunal também julgou correctamente que existe justificação legítima para o uso da letra P no caso da Recorrida, inexistindo exclusivo da Recorrente em usar uma inicial de um nome num local de comércio.

S. No que diz respeito à cor verde, a Recorrida escolheu uma cor de um catálogo de tintas de uma empresa (verde Calke green da E...) e a Recorrente afirma usar um verde único o qual, apesar de não ter sido definido pela Recorrente, tem necessariamente de ser diferente.

T. O Tribunal aplicou correctamente a jurisprudência Europeia que determina a incapacidade de ligação entre uma cor e uma entidade empresarial, obstando ao monopólio de uma cor através de uma marca registada e, por maioria de razão, por qualquer outra via como a do instituto da concorrência desleal.

U. Inexiste o elemento “exposição das caixas coloridas por detrás do balcão” por parte da Recorrente, nem qualquer cópia por parte da Recorrida, porquanto nenhuma das imagens escolhidas pela Recorrente demonstra qualquer disposição semelhante à adoptada pela Recorrida.

V. A Recorrente usa outras cores nas caixas dos seus produtos, não sendo titular de qualquer exclusivo sobre as caixas e/ou sobre as cores das caixas, sendo visível o nome de cada uma das entidades por extenso.

W. Nenhum dos estabelecimentos da Recorrente é idêntico entre si ou repete os mesmos elementos, nem o estabelecimento que se encontrou aberto em Lisboa da Recorrente é semelhante aos restantes.

X. Não existe concorrência entre as partes, porquanto a Recorrente não tem qualquer actividade em Portugal e não provou qualquer plano ou preparativo sério de entrada no mercado, nem que voltará a ter qualquer estabelecimento.

Y. Também não existe concorrência entre as partes, porquanto a concorrência não é abstracta e existe em relação a um produto concreto, sendo que os produtos de cada uma das partes são completamente distintos, na medida em que os ovos-moles são de uma região de Portugal e não fornecidos ou associados à Recorrente, encontrando-se devidamente identificados por extenso na loja do aeroporto.

Z. Nenhuma notoriedade ou alegada reputação da Recorrente ficou provada, pelo que deve ser desconsiderada no caso em apreço, sendo que a jurisprudência e doutrina invocadas pela Recorrente são apenas aplicáveis a marcas registadas, que são realidades distintas das que se encontram em discussão.

AA. A Recorrida é já conhecida e procurada por um produto que não é fornecido nem associado à Recorrente.

BB. A Recorrente baseia a sua alegada projecção internacional em elementos históricos distintos dos da Recorrida e que, ou são do domínio público, ou de que não é titular exclusiva.

CC. A Recorrente não provou que qualquer consumidor tenha escolhido a Recorrida ou o seu produto por causa de qualquer elemento da Recorrente.

DD. Inexiste qualquer parasitismo da Recorrida ou aproveitamento por parte da Recorrida.

EE. A doutrina portuguesa aplicável acima identificada permite concluir que a concorrência desleal deve ser intolerável, e que nem toda a imitação deve ser reprimida ou sancionada, relevando apenas a confusão juridicamente relevante, sob pena de se impossibilitar qualquer concorrência. No caso concreto não se verifica a existência de qualquer concorrência ou imitação, muito menos intolerável ou qualquer confusão juridicamente relevante.

FF. Também permite concluir que aquilo que é do domínio público não pode ser protegido, muito menos pela via da concorrência desleal, pelo que aquilo a que a Recorrente se arroga como titular não merece uma protecção eterna ou exclusiva a seu favor.

GG. A proibição da evocação não se aplica na concorrência desleal, pelo que nunca se aplicaria, caso se verificasse no caso concreto.

HH. A Recorrente pretende um exclusivo sem ser titular de um direito privativo (nem podendo sê-lo) e que se encontra no domínio público, não merecendo a protecção do instituto da concorrência desleal.

II. Os modelos de negócio não têm tutela por via da concorrência desleal, nem a utilização de projetos técnicos que não se encontrem titulados por um direito exclusivo, pelo que muito menos no caso em apreço mereceria acolhimento, na medida em que existiu um projecto específico distinto encomendado com dispêndio de meios e esforços.

JJ. A regra é a da liberdade de imitação e da livre iniciativa, que não pode ser coartada injustificadamente sem a existência de qualquer direito privativo ou tutela exclusiva.

KK. Nenhuma das pretensões da Recorrente merece a tutela da concorrência desleal, seja porque falham os pressupostos no caso concreto, seja porque não merece a sua protecção.

LL. Inexistindo acto de concorrência desleal, também não se verifica a prática da contraordenação respectiva, falhando o preenchimento de todos os pressupostos.

MM. Deve a sentença da primeira instância ser totalmente confirmada.

NN. A Recorrida requer, subsidiariamente, a ampliação do objecto de recurso nos termos do art.º 636.º n.º 2 do CPC, pretendendo impugnar pontos da matéria de facto não impugnados pela Recorrente e na eventualidade de as questões suscitadas por esta procederem.

OO.A Recorrida impugna o ponto 3 da matéria de facto provada, requerendo a sua exclusão dos factos provados.

PP. O reconhecimento internacional é provado documentalmente com estudos de mercado, decisões de Tribunais, auditorias, ou outros elementos documentais imparciais e não apenas por depoimento testemunhal.

QQ. Das imagens dos estabelecimentos da Recorrente não resulta corroborado o depoimento da testemunha, na medida em que nem todos os estabelecimentos são iguais, nem reproduzem todos os elementos dos pontos 3.1, 3.2 e 3.3, ditando as regras da experiência e da lógica que o consumidor não identificaria imediatamente uma entidade por aqueles elementos, a não ser que fossem sempre idênticos.

RR. A Recorrente impugna o ponto 8.4 da matéria de facto, devendo passar a ler-se “A cor Calke Green, n.º 34 do catálogo da E...”, o que resulta do depoimento de EE (00:21:45 e 00:21:57 a 00:22:20) conjugado com o documento n.º 3 junto com a Contestação.

SS. A redacção do facto A da matéria de facto não provada deve ser alterada, passando a ler-se: “A renovação mencionada em 8) tenha sido efetuada com o intuito de copiar e aproveitar da imagem da autora”, eliminando-se a referência a projecção internacional, porquanto a Recorrente não provou a mesma com recurso a documentos aptos para tal prova (como estudos de mercado, prémios e reconhecimentos, ou decisões).

TT. Deverá ser incluído no elenco dos factos provados o seguinte facto: “Constitui política comercial do grupo C... a valorização e diferenciação das suas marcas e estabelecimentos, tendo sempre em consideração a história, a cultura e o património português procurando, desta forma, conciliar a história e a tradição de cada marca e estabelecimento com a ousadia, a criatividade e a inovação.”, com fundamento no testemunho de DD (Diligencia_3155-23.2T8AVR_2024-05-31_16-30-05, 00:01:51, 00:01:58 00:02:20, 00:02:22, 00:02:28 a 00:03:10, 00:03:40 a 00:03:56, 00:04:13 a 00:04:42, 00:11:26 a 00:16:08), conjugado com o documento mencionado no ponto 12 da matéria de facto e correspondente à entrevista do Diário de Notícias.


*

A A. respondeu à ampliação do objecto de recurso nos termos do art.º 636.º n.º 2, do Cód. Proc. Civil., concluindo:

1. A Recorrida impugna subsidiariamente alguns pontos da matéria de facto considerados provados, ampliando o âmbito do recurso, por precaução face à eventual procedência do recurso da Recorrente.

2. Aimpugnação da Recorrida baseia-se em três aspetos: (i) a discordância quanto à prova dos factos 3 e 8.4; (ii) a redação atribuída ao facto A) na lista de factos não provados; e (iii) a omissão de um parágrafo sobre a alegada política comercial do grupo “C...”.

3. A Recorrente, no exercício do contraditório, contesta a impugnação da Recorrida, visando, a final, que seja nestes pontos mantida a decisão proferida em primeira instância.

4. Relativamente ao facto 3) da matéria de facto provada, o reconhecimento e projeção internacionais da marca Ladurée são factos notórios, pelo que não carecem de prova, nos termos do Artigo 412º nº 1 do CPC.

5. A Ladurée é uma marca de grande prestígio reconhecida mundialmente, com presença em diversos países e aeroportos – locais de grande afluência turística –, facto amplamente conhecido e aceite.

6. Nomeadamente no Canadá, Estados Unidos da América, Irlanda, Inglaterra, França,Alemanha, Luxemburgo, Suíça, Egito, Azerbaijão, Qatar, Mónaco, China, Omã, Kuwait, Índia,Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.

7. É igualmente facto notório que a Ladurée é uma marca de grande prestígio, prestígio esse que nutre desde a sua fundação, em França, no ano de 1862.

8. O prestígio da Ladurée é tal que o presidente do grupo “C...” demonstrou intenção de replicá-la, conforme consta dos factos provados 3) e 8) e da sua própria declaração de 3 de julho de 2018.

9. A jurisprudência nacional – supra mencionada – confirma que marcas de prestígio são aquelas com excecional notoriedade e atratividade junto do consumidor, requisitos que a Ladurée cumpre inequivocamente.

10. Mesmo que se não considerasse a notoriedade da Ladurée como facto notório (o que se rejeita), foram juntos aos autos diversos meios de prova válidos, nomeadamente: depoimentos testemunhais (ex. BB e CC); notícias, artigos e entrevistas nacionais e internacionais; entre outros.

11.Ainda que o próprio website do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia refira que “esta lista não reflete a sua importância relativa ou valor probatório”, estão verificados nos autos dois meios de prova referidos por aquela entidade: os depoimentos de testemunhas e artigos na imprensa especializada, ambos dados como provados pelo Tribunal.

12. Acresce que, ao contrário do alegado pela Recorrida, tanto a Ladurée como a Confeitaria D... têm, nas suas lojas, todos os elementos essenciais e distintivos que constam do facto 3) da matéria de facto provada,

13. Pois, como vimos, a Confeitaria D... faz uma cópia exata e assumida do conjunto de elementos de identidade da marca Ladurée,

14. Elementos esses que são usurpados pela Recorrida, sendo que o Direito não pode nunca permitir tal ato de parasitismo.

15. Tão pouco faz sentido a pretensa existência de outras cores, porquanto mesmo que possam existir pontualmente “outras cores” nos estabelecimentos – não sendo isso que está aqui em causa –, a verdade é que as cores visivelmente predominantes são o cor-de-rosa pálido, o verde-pálido e o azul-pálido, conforme se constata nas imagens constantes dos factos provados.

16. A semelhança visual e conceptual entre os espaços comerciais da Recorrente e da Recorrida é evidente, desde a escolha das cores, à disposição das caixas, até ao uso estilizado de letras nos balcões.

17. A tentativa da Recorrida de desvalorizar estes elementos ignora o princípio da "impressão de conjunto", amplamente reconhecido na jurisprudência – supra referida – para a análise de imitação de marcas.

18. Por fim, a notoriedade da Ladurée em Portugal também está demonstrada, através da presença anterior – e futura – no país e do reconhecimento por parte do público, e até do próprio presidente da Recorrida.

19. Por todo o exposto, deverá ser mantido, sem qualquer alteração, o facto 3) da matéria de facto provada, porquanto reflete a realidade amplamente comprovada da notoriedade, identidade visual e prestígio da marca Ladurée.

20. Relativamente ao facto 8.4) da matéria de facto provada, a Recorrida pretende substituir a expressão "verde-pálido" por “calke green”, mas tal alteração é irrelevante e desnecessária, pois não acrescenta clareza nem altera a essência do facto provado.

21. O que está em causa não é a designação técnica da cor, mas sim a perceção visual da mesma, tal como observada nos estabelecimentos da Recorrente e da Recorrida, sendo visivelmente iguais.

22. A utilização do verde-pálido pela Recorrida (bem como das cores cor-de-rosa pálido e azul-pálido) está amplamente documentada nos autos, através de provas fotográficas e testemunhais.

23. Para além disso, a cor "calke green" é irrelevante para a identificação visual e distinção das marcas, até porque os consumidores não sabem, nem precisam de saber, qual é a designação de catálogo de tintas do verde utilizado no mobiliário da Confeitaria D....

24. O que os consumidores veem, palpável e concretamente, é que o mobiliário da Confeitaria D... é verde-pálido, igual ao da Ladurée.

25. Assim, a expressão "verde-pálido" é adequada e suficiente para descrever o tom utilizado pela Recorrida, quer no mobiliário quer nas caixas de embalamento, correspondendo ao tom associado à identidade visual da Ladurée.

26. E, mais uma vez, o Direito não pode permitir tal ato de parasitismo.

27. Visa-se ainda salientar que a Recorrida não impugnou o ponto 8.1 da matéria de facto provada, onde igualmente se refere a cor “verde-pálido”, pelo que a sua impugnação ao ponto 8.4 se revela incoerente e infundada.

28. A cor verde-pálido corresponde à perceção real e visual do mobiliário e embalamento da Recorrida, sendo irrelevante a referência técnica ao tom “calke green”, pelo que a impugnação da Recorrida relativa ao ponto 8.4 da matéria de facto provada deve ser julgada improcedente.

29. Relativamente A) da matéria não provada, a expressão “projeção internacional” da Recorrente é suficientemente clara, precisa e adequada para descrever a realidade da sua notoriedade global, pelo que não deve ser eliminada do facto A).

30. O reconhecimento e a projeção internacionais da marca Ladurée constituem factos notórios, pelo que dispensam prova e alegação adicionais, nos termos do Artigo 412º nº 1 do CPC.

31. A Ladurée, marca de prestígio, encontra-se presente em diversos países e aeroportos à escala mundial, como reconhecido no facto 2) damatéria de facto provada, demonstrando inequivocamente a sua projeção internacional.

32. Mesmo que se exigisse prova adicional – o que se rejeita –, esta foi amplamente produzida nos autos, através de provas testemunhais válidas e credíveis, e de notícias, artigos e entrevistas (vide artigos 23.º a 37.º da Petição Inicial).

33. Ou seja, o reconhecimento e a projeção internacionais da Ladurée são tão evidentes que a imprensa, clientes e websites nacionais e internacionais destacam as evidentes semelhanças (para não dizer manifestas cópias…).

34. Assim, a menção a “projeção internacional” não só deve manter-se, como o próprio facto A) deve ser considerado provado, conforme sustentado nas alegações anteriormente apresentadas, para as quais se remete.

35. Por fim, a Recorrida pretende que seja aditado à matéria de facto provada o parágrafo referente à suposta “política comercial do grupo C...”, com enfoque na valorização da história, cultura e património português.

36. Tal aditamento deve ser recusado, desde logo porque não foi produzida prova suficiente para sustentar com objetividade o teor da afirmação; e porque o conteúdo proposto não corresponde à verdade factual demonstrada nos autos.

37. Para além disso, a suposta política invocada não se reflete na prática, nomeadamente na renovação visual da Confeitaria D..., a qual mais se aproxima do estilo da Ladurée do que de qualquer elemento cultural ou histórico português.

38. O depoimento da testemunha DD não permite concluir, com o rigor necessário, que a política descrita seja efetivamente praticada nem que se traduzanos elementosvisíveis nadecoração eidentidade visual da loja aqui em análise.

39. A própria imprensa (cf. facto 12) provado), indica antes uma tendência para o pastiche, sendo o presidente do grupo acusado publicamente de replicar conceitos alheios, em vez de criar propostas genuinamente enraizadas na cultura nacional.

40. Não se identificam elementos concretos da cultura ou tradição locais deAveiro – ou de Portugal – na nova imagem da Confeitaria D... (nem na loja de Aveiro, nem na do aeroporto de Lisboa).

41. Pelo contrário, os elementos visuais remetem inequivocamente para o estilo francês associado à Ladurée.

42. Adicionalmente, oparágrafo propostoé irrelevante para adecisão dacausa, pois não afeta os factos essenciais relacionados com o litígio – nomeadamente, a concorrência desleal por imitação da identidade visual da Recorrente.

43. A pretensão da Recorrida de aditar à matéria de facto provada o parágrafo relativo à política comercial do grupo “C...” deve ser rejeitada, por não provada, irrelevante e não refletir a realidade factual apurada nos autos.

44. A impugnação deve, portanto, ser julgada improcedente.


*

O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.


*

II.

O tribunal a quo julgou provada a seguinte factualidade:

1. A autora é uma empresa fundada em França no ano de 1862, por FF, que se dedica à produção de confeção de pastelaria, designadamente, “macarons”, com a seguinte configuração:


(cf. imagem constante da notícia junto como documento n.º 8, pela autora no requerimento de 12-02-2024).

2. A autora está presente, através dos seus pontos de venda, no Canadá, Estados Unidos da América, Irlanda, Inglaterra, França, Alemanha, Luxemburgo, Suíça, Egito, Azerbaijão, Qatar, Mónaco, China, Omã, Kuwait, Índia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.

3. A autora é internacionalmente conhecida pela disposição interna dos seus produtos e pelo layout dos seus estabelecimentos, em conjunto com a utilização de cores específicas, nomeadamente:

3.1. a utilização da letra “L” nos balcões;

3.2. a utilização do cor-de-rosa pálido, o verde-pálido e azul-pálido,

3.3. a exposição de várias caixas de embalamento dos produtos por detrás do balcão;

tendo a seguinte configuração:


(Cf. imagens da petição inicial – artigo 8.º).


(cf. imagens constantes do documento n.º 1 da petição inicial)

4. A decoração interna aludida em 3) é uma alusão à decoração interna dos palácios franceses do tempo do Rei Luís XIV.

5. As caixas de embalamento utilizadas pela autora para os “macarons” têm a seguinte configuração:

6. A ré é a sociedade que explora a “Confeitaria D...”, situada em Aveiro e fundada em 1856, que se dedica exclusivamente ao fabrico e comercialização de doçaria regional aveirense, nomeadamente, ovos-moles, com a seguinte aparência:


(Cf. documento n.º 10 da contestação).

7. Em 22 de fevereiro de 2018, a Confeitaria D... passou a integrar o grupo “C...”, que explora estabelecimentos de produtos alimentares, em vários centros com importância turística em Portugal, a maioria dos quais dirigidos, sobretudo, aos turistas estrangeiros.

8. Após o aludido em 7), a Confeitaria D... procedeu a uma renovação do seu espaço, tendo reaberto ao público a 8 de agosto de 2018 e passado a utilizar:

8.1. as cores cor-de-rosa pálido, o verde-pálido, azul-pálido na decoração do estabelecimento e nas caixas de embalamento;

8.2. a disposição das caixas por detrás do balcão;

8.3. a primeira letra do nome, neste caso, “P” nos balcões;

8.4. a cor verde-pálido no balcão;

com a seguinte aparência:

 

(Cf. imagem da petição inicial – artigo 14.º)

(cf. imagem constante do documento n.º 1 da petição inicial).

9. As caixas da ré têm a seguinte configuração:


(Cf. imagens da petição inicial – artigo 14.º)



(Cf. documentos n.ºs 5 a 7 e 10 da contestação).

10. A Confeitaria D... abriu uma loja no Aeroporto de Lisboa, com a seguinte configuração:

(Cf. imagens da petição inicial – artigo 14.º).

11. No dia 23 de agosto de 2018, o jornal “Público” publicou uma notícia, com o título «A centenária D... tornou-se très chic», com o seguinte teor:

«Já era afamada por causa da sua longevidade e qualidade dos seus ovos-moles e

outros doces. Agora, fez um restyle e está a espalhar charme com o seu ar parisiense.

Aos 162 anos de vida, a Confeitaria D... rejuvenesceu. Aquela que se apresenta como sendo a mais antiga casa de ovos-moles de Aveiro – será a que tem mais anos a confeccionar e vender este doce – vive, agora, numa aura de glamour, transpondo os seus clientes e visitantes para o ambiente das mais requintadas confeitarias parisienses. Muito ao estilo da Ladurée, só que em vez de macarons servem-se ovos-moles. (…) Mantendo a localização de sempre, no número ... da Rua ... (junto aos paços do concelho), a D... ganhou uma nova vida, que se evidencia a todos quantos passam à sua porta.

(…)

A família de GG foi responsável pelos últimos 45 anos de história da confeitaria criada em 1856 por HH – daí o nome da casa – e continua a ser presença assídua naquele espaço. “A D. II acabou de me dar uma aula de como apreciar um ‘ovo-mole’, o que o distingue”, repara JJ, ainda antes de GG se gabar que foi graças à dedicação e engenho da sua esposa que nasceram receitas como as dos ninhos, das delícias e das cornucópias. “No fundo, o que nós fizemos foi aproveitar todo este saber, esta paixão, pegar neste produto e reposicioná-lo”, nota JJ.

(…)

Uma montra sem igual

O charme que é anunciado a partir do exterior confirma-se dentro de portas. A decoração aposta em tons suaves – com predominância do verde-água e do rosa – e em alguns elementos mais requintados, como é o caso do enorme candeeiro de tecto. Atrás do balcão, há um armário que se estende até ao piso superior e no qual estão agora impecavelmente arrumadas as caixas de ovos-moles – em cada divisória, uma cor. E esqueça aquela imagem das típicas caixas de ovos-moles (de papel branco). Na “nova” D... o doce conventual aveirense é comercializado em caixas elegantes – de tom rosa, verde-água ou azul-claro –, e aparece embrulhado num “papel” comestível (hóstia, como aquela que é usada para dar a forma de peixes, barricas ou conchas, ao doce de gema). Estampado na caixa vem também um excerto da obra Os Maias, de Eça de Queirós, com a alusão a esse “dôce muito célebre” e “chic”. É verdade que Eça era suspeito – viveu parte da sua infância em Aveiro –, mas a classificação até cai bem ao doce nascido, por volta de 1500, no Convento de Jesus.

Na montra que está colocada em cima do balcão, exibem-se as grandes estrelas da casa e outras tantas mais – além das já referenciadas, na D... também se vendem bombons de ovos-moles, pão-de-ló e suspiros de ovos-moles. E para quem quiser degustar estas delícias ali mesmo, há agora duas áreas com mesas – na anterior confeitaria não havia espaço para serviço de mesas –, uma no primeiro piso e outra no segundo piso.

Duas novas áreas que funcionam, de alguma forma, como uma espécie de museu. Ao longo das paredes estão expostos textos e documentos que abordam a história da casa e do próprio doce conventual. Também ali está retratado o Monumento aos Ovos-Moles de Aveiro (escultura da autoria de KK), entre outras curiosidades alusivas ao doce aveirense – incluindo a própria receita dos ovos-moles de Aveiro.

GG está feliz com a transformação que fizeram no seu antigo negócio. “Como podia não estar? Ainda para mais, conseguiram fazer algo que eu sempre quis e não consegui: criar uma área de salão de chá”, avalia. Muito “ao estilo das confeitarias de Paris, é verdade, com um toque Arte Nova, que está tão presente em Aveiro”, realça, por seu turno, JJ. Se Eça de Queirós tiver razão, então, na D... os ovos-moles são servidos e confeccionados de uma forma très chic.»

12. No dia 3 de julho de 2018, o “Diário de Notícias” publicou uma entrevista a AA, presidente do grupo referido em 7), intitulada “O homem que mudou a Baixa”, na qual se lê:

“(…)

A cidade será, pela mão dele, uma "montra" do que Portugal tem de único - o próximo projeto é o de trazer os ovos-moles de Aveiro para o Chiado, numa loja que abre neste verão. "Queremos fazer com eles o que a Ladurée fez com os macarons", anuncia.”

13. No website “Week-ends à 2 Travel Tips”, foi publicada uma notícia com o título “Uma viagem a Aveiro”, que na secção destinada à Confeitaria D... refere: “Fundada em 1856, esta pastelaria com um falso ar de Ladurée (…)”

14. No website “BUSSOLA PT”, um cliente intitulado LL, comentou o seguinte:

Cliente há mais de 3 décadas, ficámos desagradavelmente surpreendidos com os preços praticados desde que a loja foi renovada: o preço dos Ovos Moles praticamente duplicou (36 euros o quilo só de gema de ovo e açúcar!!!). É certo que estamos a pagar a nova decoração, o pessoal extra para a sala de chá e as bonitas caixas ao estilo Ladurée, mas continua a ser um preço proibitivo para Aveiro. Uma nova armadilha para turistas, o que é uma pena!”.

15. No website da “Il Prezzemolo Tritato” foi publicada uma notícia com o título “Aveiro: A Veneza portuguesa”, que na secção “Onde desanuviar e merendar” diz que:

No mapa que tem na secção ''lojas gourmet'' deixo-lhe as duas melhores confeitarias para os comer. Uma é a tradicional no Rossio, no canal central e a outra é a incrivelmente parisiense O D.... Sem dúvida evoca a Ladurée em todo o seu esplendor (…)”

16. A autora abriu em 2018 uma loja na Avenida ..., que foi fechada, não dispondo, atualmente, de qualquer estabelecimento em Portugal e que tinha a seguinte configuração:

(Cf. imagem da notícia junta como documento n.º 7 pela autora no requerimento de 12-02-2024).

17. A autora tem intenção de voltar a ter um ou mais estabelecimentos em Portugal.

18. Parte da clientela da autora são turistas, designadamente, oriundos dos países onde tem estabelecimentos.

19. No aeroporto de Lisboa, onde se encontra o estabelecimento da ré referido em 10), passam, todos os dias, milhares de turistas, incluindo oriundos dos países onde a autora tem estabelecimentos.


*

20. A ré não tem atividade em nenhum dos países referidos em 2) e só tem os estabelecimentos mencionados em 6) e 10).

21. A renovação aludida em 8) procurou conciliar a tradição da Confeitaria D... e a história da cidade de Aveiro:

21.1. através da decoração do espaço com inspiração na Arte Nova, nomeadamente, no uso de cores e tonalidade idênticas às presentes na arquitetura e elementos decorativos de edifícios Arte Nova existentes da cidade de Aveiro; e

21.2. com a exibição à entrada da loja, de um raro exemplar da primeira edição de “Os Maias”, de Eça de Queiroz, que expõe o seguinte excerto que celebra os Ovos Moles de Aveiro, «São seis barrilinhos de ovos moles de Aveiro. É um doce muito célebre, mesmo lá fora. Só o de Aveiro é que tem chic».

22. Aveiro foi uma das principais cidades portuguesas onde houve uma disseminação da Arte Nova.

23. Os estabelecimentos da ré referidos em 6) e 10) estão identificados com a denominação “CONFEITARIA D...®”,

24. Por causa do balcão de atendimento do estabelecimento da ré mencionado em 8), se localizar num corredor estreito, apenas foi colocado o “P” de “D...” nas almofadas do balcão, porquanto a denominação completa do estabelecimento – CONFEITARIA D... - não seria facilmente visível e lida pelos consumidores devido à falta de largura do espaço.

25. Além do aludido em 5), a autora faz edições especiais das suas caixas, com a seguinte aparência:

(cf. documento 11 da contestação).

26. A letra “P” usada pela ré é gráfica e foneticamente distinta da letra “L”.

27. Os ovos-moles de Aveiro são um doce tradicional português, com formas de conchas, búzios ou peixes e compostos por uma hóstia recheada com doce de ovos.

28. Os “macarons” são um doce típico francês, composto por duas conchas redondas reunidas, recheadas no meio com compota ou ganache de chocolate.

29. A ré não comercializa “macarons”.


*

E considerou não provado:

A. A renovação mencionada em 8) tenha sido efetuada com o intuito de copiar e aproveitar a projeção internacional da autora.

B. Com a renovação aludida em 8) e a utilização das caixas referidas em 9), a ré tivesse criado confusão em diversas pessoas e entidades.


*

III.

É consabido que resulta dos art.635.º, n.ºs 3 a 5 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, que o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das respetivas alegações[2], sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.

Assim, em síntese, do que resulta das conclusões, igualmente das questões suscitadas pela apelada, caberá apreciar as seguintes questões:

a) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Pela A.

a.1- factos que se pretendem provados:

- matéria constante das als. A e B dos não provados.

«A. A renovação mencionada em 8) tenha sido efetuada com o intuito de copiar e aproveitar a projeção internacional da autora.

B. Com a renovação aludida em 8) e a utilização das caixas referidas em 9), a ré tivesse criado confusão em diversas pessoas e entidades.»

Pela R.

a.2 - factos que a R. pretende subsidariamente apreciados e alterados nos termos art.º 636.º n.º 2 do CPC e a proceder a impugnação operada pela A.:

a.2.1 - a dar como não provado

- matéria constante do art.3 dos provados

«3. - A autora é internacionalmente conhecida pela disposição interna dos seus produtos e pelo layout dos seus estabelecimentos, em conjunto com a utilização de cores específicas, nomeadamente:

3.1. - a utilização da letra “L” nos balcões;

3.2. - a utilização do cor-de-rosa pálido, o verde-pálido e azul-pálido,

3.3. - a exposição de várias caixas de embalamento dos produtos por detrás do balcão;

tendo a seguinte configuração:

  

(Cf. imagens da petição inicial – artigo 8.º).

- matéria constante do art.8.4 dos provados

Após o aludido em 7), a Confeitaria D... procedeu a uma renovação do seu espaço (….) passando a utilizar

8.4 a cor verde-pálido no balcão[3];

com a seguinte aparência:

 

(Cf. imagem da petição inicial – artigo 14.º)


(cf. imagem constante do documento n.º 1 da petição inicial).


(cf. imagens constantes do documento n.º 1 da petição inicial)

a.2.2 - alteração da redacção

facto constante da al.A dos não provados e por forma a que conste:

“A renovação mencionada em 8) tenha sido efetuada com o intuito de copiar e aproveitar da imagem da autora.”

a.2.3 - aditados aos provados

«Constitui política comercial do grupo C... a valorização e diferenciação das suas marcas e estabelecimentos, tendo sempre em consideração a história, a cultura e o património português procurando, desta forma, conciliar a história e a tradição de cada marca e estabelecimento com a ousadia, a criatividade e a inovação.”

b) Subsunção jurídica: concorrência desleal


* *

a) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Antes de mais, importa algum enquadramento dos termos em que se deve laborar na impugnação da matéria de facto e os moldes em que a mesma é atendível e decidida.

Acompanhando o que se afirmou no acórdão da Relação do Porto de 5.12.24 e proferido no processo 245/22.2T8PRD-C.P1[4], diremos:

«O presente recurso versa sobre o sentido da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida.

Os termos em que a Relação pode conhecer da matéria de facto impugnada em sede de recurso constam, no essencial, do art.º 662.º do Código de Processo Civil.

De acordo com o disposto no n.º 1 deste preceito, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por seu turno, nos termos do n.º 2, a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:

a) ordenar a renovação da produção da prova quando houve dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;

b) ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;

c) anular a decisão proferida na 1.ª Instância quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração proferida sobre a decisão da matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;

d) determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1º instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.

Da leitura de tais dispositivos legais resulta que à Relação é, em sede de recurso em que esteja em causa a impugnação da matéria de facto, conferido um grau de autonomia especialmente relevante.

Na realidade, se, confrontada com a prova globalmente produzida, o seu juízo decisório for diverso do da 1.ª Instância, à Relação incumbe hoje, não a faculdade ou a simples possibilidade, mas um verdadeiro dever de introduzir as alterações que tenha por convenientes ou acertadas.

Por outro lado, se, confrontada com essa mesma prova, reputá-la insuficiente ou mesmo inconsistente, deverá, mesmo sem impulso das partes nesse sentido, o mesmo é dizer oficiosamente, ordenar a renovação de prova já produzida ou mesmo a produção de novos meios de prova.

Em sede de reapreciação da matéria de facto, cabe à Relação, por conseguinte, formar a sua própria convicção quanto à prova produzida, convicção essa que, caso divirja da firmada em 1.ª instância, prevalecerá sobre esta.

Ou seja, e como refere António Santos Abrantes Geraldes, a Relação atua nesta sede com “autonomia decisória” e “como verdadeiro tribunal de instância”, ao qual compete “introduzir na decisão da matéria de facto impugnada as modificações que se justificarem, desde que, dentro dos poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal” (in Recursos em Processo Civil, Almedina, 2022, p. 334).

A posição que a Relação deve adotar quando confrontada com um recurso em matéria de facto deve, pois, ser a mesma da 1.ª Instância aquando da apreciação da prova após o julgamento, valendo para ambos o princípio da livre apreciação da prova, conforme resulta, aliás, do disposto nos art. ºs 607.º, n.º 5 e 663.º, n.º 2 do CPC.

O mesmo é dizer, com Remédio Marques, que a “Relação tem o poder-dever de formar a sua convicção própria sobre a prova produzida e sobre a correção do julgamento da matéria de facto, não se devendo escusar a fazê-lo com base no princípio da livre convicção do julgador da 1.ª instância” (in Acção declarativa à luz do Código revisto, p. 637-638, apud José Lebre de Feitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º, p. 172).

Só assim se garantirá, de resto, a efetiva sindicância, por parte da Relação, do julgamento da matéria de facto levado a cabo em 1.ª instância e, com isso, o princípio fundamental do duplo grau de jurisdição (v., neste sentido, e entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-09-2013, de 26-05-2021 e de 04-11-2021, todos disponíveis na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt).

A autonomia decisória com que a Relação deve encarar a reapreciação da matéria de facto não pode implicar, contudo, a consideração genérica e indiscriminada de todos os factos e meios de prova já tidos em conta pela 1.ª Instância, como se aquela reapreciação impusesse a realização de um novo julgamento.

Dispõe, com efeito, o art.º 640.º, n.º 1 do CPC que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

.- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (alínea a);

.- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida (alínea b);

.- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c).

Por outro lado, de acordo com a alínea a) do n.º 2, sempre que os meios de prova que, nos termos da alínea b) do n.º 1 devem ser especificados, tenham sido gravados, incumbe ao recorrente indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

Resulta de tais normativos legais que sobre o recorrente que pretenda ver sindicado pela Relação o julgamento da matéria de facto feito em 1.ª instância recai o ónus de, não só circunscrever e delimitar a concreta matéria de facto de cujo julgamento discorda, como o de enunciar os meios de prova que deveriam ter conduzido a decisão diversa - apontando, neste caso, em se tratando de depoimentos gravados, as passagens da gravação ou procedendo à transcrição dos excertos relevantes - e, ainda, o de indicar o sentido da decisão que, na sua perspetiva, deve ser proferida.

O sistema adotado pelo legislador quanto ao julgamento da matéria de facto pela Relação, ao invés de uma solução pautada pela simples “repetição dos julgamentos” e “pela admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto”, consiste, pois, num sistema caracterizado “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, como corolário do “princípio do dispositivo que se revela através da delimitação do objeto do recurso (da matéria de facto) através das alegações” (v., neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, in ob. cit., p. 195 e 341).

Isto, aliás, com reflexos na aferição da própria admissibilidade do recurso em matéria de facto, já que, como decorre expressamente do corpo do preceito que acaba de ser transcrito, o ónus que recai sobre o recorrente deve ser cumprido sob pena de rejeição do próprio recurso.

Do sistema assim concebido pelo legislador podemos entrever, em suma, e como se referiu no Acórdão do STJ de 29-10-2015, um “ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação”, bem como de “um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes” (sublinhados nossos; Acórdão disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt).

Sublinhe-se, ainda, que com a impugnação da decisão da matéria de facto proferida em 1.ª instância pretende-se, passe a redundância, alterar o julgamento feito quanto aos factos que, por via da impugnação, se reputam mal julgados.

Isto, contudo, não como fim em si mesmo, mas como meio ou instrumento de, mediante a alteração do julgamento dos factos impugnados, se poder concluir que - afinal - existe o direito que em 1.ª instância não foi reconhecido ou, pelo contrário, que não existe o direito que o foi; o mesmo é dizer, como meio de provocar um diverso enquadramento jurídico dos factos do levado a cabo em 1.ª instância e, com isso, obter uma decisão diversa da nele proferida quanto ao fundo da causa.

A impugnação da decisão da matéria de facto tem, por conseguinte, como referido no Acórdão da Relação de Guimarães de 15-12-2016, “carácter instrumental”, “não se justifica(ndo) a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo um carácter instrumental face à mesma” (Acórdão proferido no processo n.º 86/14.0T8AMR.G1, disponível na internet, no local já antes citado).

O seu fim último é, assim, como também referido no Acórdão da Relação de Coimbra de 24-04-2012, naquele citado, “conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada”, não com esse único intuito, mas sim “de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante”.

Por este motivo, o tribunal de recurso não deve conhecer a impugnação da matéria de facto sempre que, como se escreveu no Acórdão da Relação de Coimbra de 27-05-2014, também citado naqueloutro, “o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente” (sublinhado nosso).»

A benefício da decisão que se impõe, importa também afirmar o seguinte, transcrevendo o escrito no Ac. da Relação de Guimarães de 2.11.17[5]:

«(…) o âmbito de apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).

Importa, porém, não esquecer - porque (como se referiu supra) se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609).

Por fim chamar à colação o referido no Ac. da R.P. de 6.3.25[6]:

«Note-se que a construção da realidade fáctica submetida à discussão não se poderá efectuar de forma parcelar e desconexa, atendendo apenas a determinado meio de prova, ou a parte dele, e ignorando todos os demais, ainda que expressem realidade distinta, a menos que razões de credibilidade desacreditem estes.

Ou seja: nessa tarefa não pode o julgador conformar-se com a análise parcelar e parcial transmitida pelos litigantes, mas antes submetê-la a uma ponderação dialéctica, avaliando a força probatória do conjunto dos meios de prova destinados à demonstração da realidade submetida a debate.

Assinale-se que a construção – ou, melhor dizendo, a reconstrução, pois que é dela que se deve falar quando se procede à ponderação dos factos que por outros foram apreendidos e transmitidos com o filtro da interpretação própria de quem processa essa apreensão – da realidade fáctica não pode efectuar-se de forma parcelar e desconexa, antes reclamando o contributo conjunto de todos os elementos que a integram.

Quer isto dizer que a realidade surge de um conjunto coeso de factos, entre si ligados por elos de interdependência lógica e de coerência.

A realidade não se constrói apenas a partir de um depoimento isolado ou de um conjunto disperso de documentos, ainda que confirmadores de uma determinada versão factual, antes se deve conformar com um património fáctico consolidado de forma sólida, coerente, transmitido por elementos probatórios com idoneidade e aptidão suficientes a conferir-lhe indiscutível credibilidade


**

Vejamos então por estar o recurso quanto à impugnação da matéria de facto em condições legais de ser apreciado.

Pela A.

a.1- factos que se pretendem provados:

- matéria constante das als. A e B) dos não provados.

São os seguintes os factos que se pretendem provados e constantes do elenco dos não provados:

«A. A renovação mencionada em 8) tenha sido efetuada com o intuito de copiar e aproveitar a projeção internacional da autora.

B. Com a renovação aludida em 8) e a utilização das caixas referidas em 9), a ré tivesse criado confusão em diversas pessoas e entidades.»

Fundamentou o tribunal a quo quanto a estes factos:

«No que concerne o facto não provado A, o mesmo foi infirmado pelos depoimentos das testemunhas da ré (DD, JJ, EE e MM), que indicaram qual foi a fonte de inspiração da renovação e da nova imagem da Confeitaria D..., tendo todas negado qualquer indicação ou propósito de copiar a imagem da autora. Além disso, nenhuma prova foi produzida no sentido de dar como demonstrado este intuito de copiar ou de se aproveitar da imagem internacional da autora.

Por seu turno, o facto não provado B – não obstante as notícias, artigos e comentários constantes dos factos n.ºs 11 a 15 -, e de nos mesmos os clientes da ré terem aludido à autora e ao estilo desta, nenhum deles referiu que, por causa deste estilo “Ladurée”, tenha sido levado a adquirir bens da ré a pensar que eram da autora, ou que, por engano, tenha pretendido comprar produtos vendidos pela autora, nomeadamente, “macarons”, e tenha adquirido, ao invés, ovos-moles. Aliás, nem sequer foi alegada, quanto mais demonstrada, qualquer situação concreta em que tivesse efetivamente ocorrido essa confusão. O que resulta destas notícias, artigos e comentários é, tão só, que houve uma associação/ inspiração na renovação da ré, no estilo da autora.

Ademais, JJ asseverou desconhecer qualquer situação de confusão, dizendo que quem se dirige à Confeitaria D... vai para comprar ovos-moles. Em igual sentido, depôs CC, que afirmou que os clientes quando os procuram já conhecem os produtos, por indicação dos hotéis e dos barcos, e “vêm muito certos do que querem comprar”, negando que alguém tenha alguma vez entrado ao engano. »

Dizer antes de mais que quanto ao que consta da al. B não tem o mesmo sequer de ser objecto de selecção.

Na verdade não estamos perante um facto.

Ao invés.

Do que se pretende provado retira-se uma expressiva conclusão do que através de factos provados se deve chegar, assim dispensando, se assente, parte da necessária especulação jurídica na fase da subsunção jurídica ao factos.

Parte da necessária especulação jurídica, parte da decisão estaria «ditada» por se incluir na resposta selecionada dos factos alegados uma conclusão que, densificada ou concretizada factualmente é erigido pela lei como elemento padrão, destarte tendo por vocação servir de «atalho» para o destino onde o interprete-aplicador pretende chegar[7], ou seja ao acto desleal[8] de concorrência, elemento-requisito da CD além da relação de concorrência e da culpa, os três previstos na cláusula geral constante do art.º311.º do CPI: «Constitui concorrência desleal todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica, nomeadamente: (….).»[9]

Falamos do elemento padrão constante da al.a) do citado preceito:

a) Os atos suscetíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue»

O que releva para a selecção é o facto susceptível de criar confusão, devidamente concretizado, e não a conclusão que dele se retira.

O lugar próprio para este juízo, conclusão, é a decisão final, o enquadramento jurídico dos factos anteriormente apurados.

Em sede de selecção do facto releva, além dos que infra se convocarão, o que consta das al.8 e 9 dos factos dados como provados e na medida que deles se retira o citado elemento padrão que permita chegar à deslealdade.

Em face disto não conheceremos da impugnação quanto ao que consta da al.B dos não provados.

Relativamente ao facto constante da al.A[10] dos não assentes dizer antes que tudo que estamos no plano de facto cuja prova apela relevantemente à convocação do que se possa retirar de factualidade apurada, através de um juízo de normalidade, no caso apelando a uma abordagem que releve de forma mais leonina o que de semelhante se retire do conjunto dos elementos em confronto e menos pelas dissemelhanças que poderiam oferecer os diversos pormenores, considerados isolados e separadamente.

Referimos, pois, a juízo próprio e subjacente às presunções judiciais que nos é lícito utilizar nesta sede.

Como se refere em Ac. do STJ de 19.1.2017 «[a] presunção traduz-se e concretiza-se num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência, sendo admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351º do Cód. Civil).

(….) face à competência alargada da Relação em sede da impugnação da decisão de facto (art.º 662º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil), é lícito à 2ª instância, com base na prova produzida constante dos autos, reequacionar a avaliação probatória feita pela 1ª instância, nomeadamente no domínio das presunções judiciais, nos termos do n.º 4 do art.º 607º, aplicável por via do art.º 663º, n.º 2, ambos do Cód. Proc. Civil.»[11]

Deste modo, se a semelhança de conjunto[12], entre os elementos em confronto (semelhança nos elementos decorativos, as cores e o layout dos estabelecimentos da A. e R), sem consideração para além do razoável dos pormenores diferenciadores, gerar a possibilidade relevante de associação entre os estabelecimentos da A. e R., com relativa facilidade se chegará à conclusão de que com a renovação mencionada em 8) se teve o intuito (aspecto de natureza psicológico) de copiar e aproveitar a projeção internacional da autora.

Dizer ainda que a R., em relação ao facto constante da al.A dos não provados, pretende que surja como tal, não provado, mas com a seguinte redacção: “A renovação mencionada em 8) tenha sido efetuada com o intuito de copiar e aproveitar da imagem da autora.”

Não logramos atingir qual o efeito útil que se pretende.

De facto que utilidade tem um facto não provado desta natureza quando, de acordo com o critério de decisão em que se substancia o ónus da prova[13]/ [14], na sua ausência, a decisão, e na medida que tal facto seja relevante, surgirá contra quem tinha de o provar?

Nenhum.

Acresce que, como atrás se enquadrou os parâmetros a seguir quanto à impugnação da matéria de facto, « o tribunal de recurso não deve conhecer a impugnação da matéria de facto sempre que, (…) “o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente”.

A importância jurídica (decisiva ou irrelevante, não interessa) quanto ao facto que se referencia só surge se provado, jamais se se encontrar na «prateleira» dos não provados.

Por assim ser não conheceremos da pretensão da R. quanto ao que deseja como não provado e constante da al. A dos não assentes, e na conformação desejada.

A A. convoca com vista a assentar o que consta da al. A dos factos dados como não provados os que constam como provados nos artigos 7, 12, 3 e 8[15]:

- 3. - A autora é internacionalmente conhecida pela disposição interna dos seus produtos e pelo layout dos seus estabelecimentos, em conjunto com a utilização de cores específicas, nomeadamente:

3.1.a utilização da letra “L” nos balcões;

3.2. a utilização do cor-de-rosa pálido, o verde-pálido e azul-pálido,

3.3. a exposição de várias caixas de embalamento dos produtos por detrás do balcão;

tendo a seguinte configuração (…)»

- 7.- «Em 22 de fevereiro de 2018, a Confeitaria D... passou a integrar o grupo “C...”, que explora estabelecimentos de produtos alimentares, em vários centros com importância turística em Portugal, a maioria dos quais dirigidos, sobretudo, aos turistas estrangeiros.

- 8. - «Após o aludido em 7), a Confeitaria D... procedeu a uma renovação do seu espaço, tendo reaberto ao público a 8 de agosto de 2018 e passado a utilizar:

8.1. as cores cor-de-rosa pálido, o verde-pálido, azul-pálido na decoração do estabelecimento e nas caixas de embalamento;

8.2.a disposição das caixas por detrás do balcão;

8.3. a primeira letra do nome, neste caso, “P” nos balcões;

8.4. a cor verde-pálido no balcão;

com a seguinte aparência: (…)»

- 12. «No dia 3 de julho de 2018, o “Diário de Notícias” publicou uma entrevista a AA, presidente do grupo referido em 7), intitulada “O homem que mudou a Baixa”, na qual se lê:

“(…)

A cidade será, pela mão dele, uma "montra" do que Portugal tem de único - o próximo projeto é o de trazer os ovos-moles de Aveiro para o Chiado, numa loja que abre neste verão. "Queremos fazer com eles o que a Ladurée fez com os macarons", anuncia.”[16]

Convoca-se o que provado está e plasmado na matéria de facto, incluindo com fotografias, relativo à «conformação estilística» dos estabelecimentos em confronto, igualmente da cartonagem utilizada na comercialização dos produtos do fabrico da A. e R..

Tendo por referência o que se referiu a propósito da inferência a fazer, cremos que facilmente se projecta qual foi o propósito da R. ao dar a roupagem que deu ao seu estabelecimento, ao conformar a cartonagem como a conformou, ao adoptar o estilo e cores que adoptou, e para tanto bastará a análise que um consumidor mediano faça, relevando as semelhanças que se retira da análise de conjunto.

Pretendeu-se copiar e aproveitar a imagem da A. no mercado e na medida que se trata de um reputado «estabelecimento» que se encontra por todas essas «capitais do mundo»[17], possuindo uma imagem nada trivial porque original, com cores e disposição física do espaço, conformação de «logo» ((L)) e cartonagem que notoriamente a distinguem.

Veja-se a leitura que, em passagens, os «média» fizeram, ou seja, uma leitura que o cidadão médio sempre faria:

- No dia 23 de agosto de 2018, o jornal “Público” publicou uma notícia, com o título «A centenária D... tornou-se très chic», com o seguinte teor (além do mais):

«Já era afamada por causa da sua longevidade e qualidade dos seus ovos-moles e outros doces. Agora, fez um restyle e está a espalhar charme com o seu ar parisiense.

(…) vive, agora, numa aura de glamour, transpondo os seus clientes e visitantes para o ambiente das mais requintadas confeitarias parisienses. Muito ao estilo da Ladurée, só que em vez de macarons servem-se ovos-moles. (…)

(….) Na “nova” D... o doce conventual aveirense é comercializado em caixas elegantes – de tom rosa, verde-água ou azul-claro –, e aparece embrulhado num “papel” comestível (hóstia, como aquela que é usada para dar a forma de peixes, barricas ou conchas, ao doce de gema). Estampado na caixa vem também um excerto da obra Os Maias, de Eça de Queirós, com a alusão a esse “dôce muito célebre” e “chic”. É verdade que Eça era suspeito – viveu parte da sua infância em Aveiro –, mas a classificação até cai bem ao doce nascido, por volta de 1500, no Convento de Jesus.

(…)

No dia 3 de julho de 2018, o “Diário de Notícias” (…):

“(…) A cidade será, pela mão dele, uma "montra" do que Portugal tem de único - o próximo projeto é o de trazer os ovos-moles de Aveiro para o Chiado, numa loja que abre neste verão. "Queremos fazer com eles o que a Ladurée fez com os macarons" (…)”

No website “Week-ends à 2 Travel Tips”, foi publicada uma notícia com o título “Uma viagem a Aveiro”, que na secção destinada à Confeitaria D... refere: “Fundada em 1856, esta pastelaria com um falso ar de Ladurée (…)”

No website da “Il Prezzemolo Tritato” foi publicada uma notícia com o título “Aveiro: A Veneza portuguesa”, que na secção “Onde desanuviar e merendar” diz que: “No mapa que tem na secção ''lojas gourmet'' deixo-lhe as duas melhores confeitarias para os comer. Uma é a tradicional no Rossio, no canal central e a outra é a incrivelmente parisiense O D.... Sem dúvida evoca a Ladurée em todo o seu esplendor (…)”

Mas também na website se retira auxílios para a presunção judicial que se opera:

Na “BUSSOLA PT”, um cliente intitulado LL, comentou o seguinte: “Cliente há mais de 3 décadas, ficámos desagradavelmente surpreendidos com os preços praticados desde que a loja foi renovada: o preço dos Ovos Moles praticamente duplicou (36 euros o quilo só de gema de ovo e açúcar!!!). É certo que estamos a pagar a nova decoração, o pessoal extra para a sala de chá e as bonitas caixas ao estilo Ladurée, mas continua a ser um preço proibitivo para Aveiro. Uma nova armadilha para turistas, o que é uma pena!”.

Mais que os depoimentos utilizados pelo tribunal a quo para dar como não provado o facto em crise, de resto tudo pessoas ligadas à R. ou ao seu projecto, releva o que não é dito mas está inquestionado: os aspectos de natureza objectiva atrás referenciados que, além do mais, permitem julgar o rigor do declarado.

A semelhança que das imagens dadas por assente se retira quando à proximidade dos estabelecimentos em causa é de resto assumida pelo tribunal a quo na sua fundamentação jurídica, ao referir que «das mesmas resulta que existem similitudes entre os estabelecimentos da autora e da ré, sobretudo no que diz respeito às cores utilizadas e no balcão, em que em ambas apresentam uma tonalidade de verde-pálido semelhante. Todavia, se no estabelecimento da ré de Aveiro se verifica a utilização da letra “P” (….)»

Impõe-se, pois, fazer migrar o facto em causa para os provados, passando a deles constar como facto 8 A. e com o seguinte conteúdo «A renovação mencionada em 8) foi efetuada com o intuito de copiar e aproveitar a projeção internacional da autora.»

Dizer a finalizar que a este assentamento não se opõe o que está provado no facto 21 por conciliável com a intenção aqui referida da cópia da imagem do «estabelecimento» da A e aproveitamento da sua reputação internacional (digamos, estamos perante um «dois em um»).


*

Pela R.

a.2 - factos que a R. pretende subsidariamente apreciados e alterados nos termos art.º 636.º n.º 2 do CPC e a proceder a impugnação operada pela A.:

a.2.1 - a dar como não provado

- matéria constante do art.3 dos provados

«3. - A autora é internacionalmente conhecida pela disposição interna dos seus produtos e pelo layout dos seus estabelecimentos, em conjunto com a utilização de cores específicas, nomeadamente:

3.1. - a utilização da letra “L” nos balcões;

3.2. - a utilização do cor-de-rosa pálido, o verde-pálido e azul-pálido,

3.3. - a exposição de várias caixas de embalamento dos produtos por detrás do balcão;

tendo a seguinte configuração (….)

Pretende a recorrida que seja dado como não provado a projecção internacional da A. e que seja conhecida pela utilização de cor-de-rosa-pálido, verde-pálido e azul-pálido.

A notoriedade daquele facto é um dado.

O comum das pessoas, em especial as que viajam, conhecem a A., seus estabelecimentos, produtos, projecção esta de resto evidenciada pelo que consta provado do facto 2.

Mais não fosse a A. fez «eco» dessa notoriedade com os documentos que vai indicando nos artigos 23º a 37º da p.i., alguns dados por provados e atrás convocados.

Igualmente suportou a prova do facto em causa com um depoimento ajuramentado, cuja credibilidade não foi posta em crise e que conjuga com o que dos citados documentos e facto 2 resulta assente. Falamos do depoimento BB já referenciado.

Quanto aqueloutro facto, a utilização das citadas cores e demais mencionado no facto em crise, é ele também um dado conhecido e está documentado nos autos pelas fotos constantes do doc.1 junto com a p.i., corroboradas por aquele depoimento.

Fundamentou o tribunal a quo a propósito: «No que respeita, aos factos n.ºs 1), 3) a 5), 17), 18), 25) e 28), atendeu-se ao depoimento prestado por BB, diretora de criação da autora, que de forma coerente e espontânea, esclareceu os serviços e produtos que a autora comercializa, o reconhecimento internacional desta, onde possui estabelecimentos e quais as intenções da autora acerca de voltar a ter estabelecimentos em Portugal. Além disso, apontou os sinais distintivos da autora, a sua imagem gráfica, as cores utilizadas, a forma dos balcões, o layout utilizado, a arquitetura e estilo dos estabelecimentos, as embalagens utilizadas e respetivas cores, as edições limitadas que realizam, bem como qual foi a fonte de inspiração.

Ademais, aludiu à principal clientela da autora, começando por referir pessoas de “alta gama”, mas, igualmente, turistas. (…)»

Não temos como reverter o juízo feito quanto ao facto em crise.

Improcede a pretensão da apelada.


*

- matéria constante do art.8.4 dos provados

Após o aludido em 7), a Confeitaria D... procedeu a uma renovação do seu espaço (….) passando a utilizar

8.4 a cor verde-pálido no balcão;

com a seguinte aparência: (…)

Pretende a apelada que em vez de cor verde-pálido no balcão passe a constar do facto «a cor cake green, nº34, do catálogo da E...»

Sendo ou não do catálogo da E..., o verde adoptado é um verde-pálido.

Certeira a firmação da apelante na sua resposta à ampliação em apreciação:

«In casu, não é relevante o nome da cor utilizado por um concreto fabricante de tintas no mobiliário, mas sim o aspecto visual da cor verde assente na mobília das lojas da Recorrente e da Recorrida que é, visivelmente, a mesma.

“Verde-pálido” é adequado para descrever a cor usada pela Recorrida, e a sugestão de substituir por "calke green" não acrescenta clareza ou precisão ao facto, ou seja, não altera substancialmente a essência do que foi provado.»

Improcede a pretensão da apela neste segmento.


*

a.2.2 - alteração da redacção

facto constante da al.A dos não provados e por forma a que conste:

“A renovação mencionada em 8) tenha sido efetuada com o intuito de copiar e aproveitar da imagem da autora.”

Segmento já analisado atrás para onde se remete, dessa análise se fazendo improceder a pretensão da apelada.


*

a.2.3 - aditados aos provados

«Constitui política comercial do grupo C... a valorização e diferenciação das suas marcas e estabelecimentos, tendo sempre em consideração a história, a cultura e o património português procurando, desta forma, conciliar a história e a tradição de cada marca e estabelecimento com a ousadia, a criatividade e a inovação.”

Este facto, não considerado na selecção feita pelo tribunal a quo, teria o seu relevo na medida que, no processo de julgamento dos factos alegados pela A. e cuja prova lhe coube, permitisse infirmar o assentamento dos mesmos, concretamente aqueles que permitam a conclusão de que a R. teve a intenção de usar a «imagem e registo» da A.

Como facto seleccionável propriamente dito, sem aquela função, por não ser a R. quem tem de provar os requisitos da CD, não tem qualquer relevo.

Por ser assim, porque « o tribunal de recurso não deve conhecer a impugnação da matéria de facto sempre que, (…) “o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica (…)”, não se relevará o facto em causa.


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b) Subsunção jurídica: concorrência desleal

Impõe-se a apreciação jurídica do comportamento da R. caso vertente, se enquadrável ou não no art.º311 do CPI (concorrência desleal).

Para o efeito relevam-se os factos que permaneceram intocados e aqueloutro que se remeteu para os provados:

8.A - «A renovação mencionada em 8) foi efetuada com o intuito de copiar e aproveitar a projeção internacional da autora.»

Pede a A. que se condene a R. a:

- alterar e abster-se de utilizar as cores rosa-pálido, verde-pálido e azul-pálido nas caixas de embalagem dos seus produtos de confeitaria;

- alterar e abster-se de voltar a usar o tom de verde-pálido, rosa-pálido e azul-pálido usado pela autora na pintura do mobiliário de loja;

- alterar e abster-se de voltar a utilizar a inicial “P” num círculo nos seus balcões, em cópia do “L” num círculo dos balcões da autora, tal como consta da página principal do website da Ré;

- promover as alterações requeridas na presente ação em todo o marketing, websites, vestuário, publicidade e futuras referências à autora como fonte que serviu de referência na remodelação, pelo grupo “C...” que detém a ré.

- proceder às alterações necessárias nas suas lojas para cumprimento do peticionados nos pontos atrás referidos, no prazo máximo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, bem como, nos termos do artigo 828.º-A do CC, ser condenada em sanção pecuniária compulsória de 100,00 € (cem euros) por cada dia de atraso no respetivo cumprimento.

Para efeito defende que a R. faz concorrência desleal para consigo na forma como «conforma os seus estabelecimentos», adoptando os elementos atrás referidos.

O Tribunal a quo entendeu que não se observam os requisitos para tal, concluindo que não existe concorrência por inexistir afinidade ou identidade de produtos ou de atividades, sequer as atividades dos concorrentes se inserindo no mesmo sector de mercado e espaço territorial.

Conclui igualmente que não existe comportamento desleal por não se apurar por parte da R. qualquer atuação contrária às normas e usos honestos do comércio, em específico, da área da pastelaria tradicional, onde a autora e a ré actuam.

Será assim?

Não cremos.

Vejamos.

A concorrência desleal está prevista no artigo 311.º do Código da Propriedade Industrial.

Este artigo dispõe que:

1 - Constitui concorrência desleal todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica, nomeadamente:

a) Os atos suscetíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue;

b) As falsas afirmações feitas no exercício de uma atividade económica, com o fim de desacreditar os concorrentes;

c) As invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios;

d) As falsas indicações de crédito ou reputação próprios, respeitantes ao capital ou situação financeira da empresa ou estabelecimento, à natureza ou âmbito das suas atividades e negócios e à qualidade ou quantidade da clientela;

e) As falsas descrições ou indicações sobre a natureza, qualidade ou utilidade dos produtos ou serviços, bem como as falsas indicações de proveniência, de localidade, região ou território, de fábrica, oficina, propriedade ou estabelecimento, seja qual for o modo adotado;

f) A supressão, ocultação ou alteração, por parte do vendedor ou de qualquer intermediário, da denominação de origem ou indicação geográfica dos produtos ou da marca registada do produtor ou fabricante em produtos destinados à venda e que não tenham sofrido modificação no seu acondicionamento.

2 - São aplicáveis, com as necessárias adaptações, as medidas previstas no artigo 345.º

Como já referido «[o]s requisitos para que haja Concorrência Desleal são: a existência de uma relação de concorrência, a deslealdade (contrariedade às normas ou usos honestos da atividade económica) e a culpa[18]

O que seja concorrência para que se abalance a saber se existe deslealdade no «acto» praticado, ou seja, a amplitude da relação de concorrência, a proximidade necessária entre as actividades desenvolvidas[19], apela ao conhecimento de duas das posições mais sustentáveis:

(a) uma concepção intermédia para a qual é suficiente a possibilidade factual de desvio de clientela, admitindo-se concorrência «não só entre produtos ou serviços substitutos, mas também entre aqueles que se encontrem em relação de complementaridade desde que as necessidades que se visam satisfazer se insiram no mesmo mercado.» - Carlos Olavo e Luís Couto Gonçalves;

(b) uma concepção restrita que exige disputa concreta da mesma clientela. «O que está em jogo na relação de concorrência é a disputa da mesma clientela» - Oliveira Ascenção, Patrício Paúl e Pedro Sousa e Silva [20]-, na expressão de Carlos Olavo sendo próximas as actividades quando elas são idênticas ou afins[21].

Começando por este requisito, assumindo a posição mais restrita, diremos que os produtos comercializados por ambas as partes são da mesma categoria, como referido pela recorrente são inclusivamente da mesma 30º classe da Classificação de Nice[22].

Estamos perante produtos de pastelaria fina: ovos moles vs macarons.

Socorrendo-nos de conceitos relacionados com o direito das marcas[23] e a propósito dos requisitos quanto à proibição da reprodução ou imitação de marca que nos seus requisitos exige a sintonia de produtos ou serviços (identidade e afinidade) – art.º 232.º, n.º 1, al.a e b) do CPI -, porque a lei não clarifica expressamente o que sejam produtos (e serviços) afins para aquele efeito, diremos que deve entender-se como tal os “produtos ou serviços que apresentam entre si um grau de semelhança ou proximidade suficiente para permitir, ainda que parcialmente, uma procura conjunta, para satisfação de idênticas necessidades dos consumidores. Os produtos ou serviços em causa terão que se situar, pois, no mesmo mercado relevante, permitindo desta forma, ainda que tenuemente, uma relação de concorrência entre os agentes económicos que os ofereçam ao público” [24].

Apontam-se como factores a ter em consideração neste processo de indagação: a natureza dos serviços e produtos, a composição destes, a sua finalidade, função, as suas diversas utilidades, os canais de distribuição usados e o género de estabelecimento em que são comercializados, o respectivo preço, grau de qualidade (….).[25]

A R. produz e comercializa ovos moles (facto 27)[26] e a A. macarons (facto 28)[27], produtos que como se referiu são de confeitaria, diremos fina, produtos que na sua composição contêm alguns ingredientes comuns, a sua finalidade é, digamos assim, a satisfação de um consumo alimentar não essencial mas refinado, sendo o mesmo o tipo de consumidores[28], por fim os estabelecimentos apresentam o mesmo género (basta o relance das fotos constantes da matéria de facto para aí se chegar).

Atendendo à natureza dos produtos, a composição destes, a sua finalidade, função, o género de estabelecimentos em que são comercializados (como se retira da matéria de facto provada através das fotos selecionadas), o respectivo preço, que sabemos ambos não ser barato[29], o grau de qualidade, também sobejamente conhecido, cremos não poder duvidar-se que estamos perante produtos idênticos, quando muito afins, sendo o público alvo o mesmo.

A isso não obsta, na nossa óptica, o facto da R. não ter estabelecimentos em nenhum países mencionados no facto assente sob o artigo 2, sendo válido e certeiro o argumento da apelante: «Mais se acrescenta que ainda que a recorrida não tenha atividade em nenhum dos países referidos no facto 2, dada a globalização e o aumento dos viajantes, o facto 20 da sentença não se afigura como relevante para a boa decisão da causa, uma vez que foi comprovado que ambas «visam a mesma clientela», pois o público-alvo da recorrida é exactamente igual ao da recorrente, i.e., turistas, turistas esses que frequentam o Aeroporto de Lisboa, e ainda, Aveiro.»

Releva igualmente a circunstância provada da A. já ter tido um estabelecimento em Portugal e pretender instalar-se novamente no território nacional (facto 16 e 17).

Conclui-se, pois, que as partes visam a mesma clientela, estando-se por conseguinte no caso perante uma relação de concorrência, assim verificado o primeiro requisito atrás elencado.

Quanto ao segundo requisito, a deslealdade (contrariedade às normas ou usos honestos da atividade económica), como já referido «[o] preceito em anotação contém uma cláusula geral, seguida de uma enumeração exemplificativa. Os actos típicos não prescindem da verificação dos pressupostos gerais da CD. A sua tipicidade refere-se apenas ao requisito da deslealdade, ou seja, são atos tipicamente desleais. Esta enumeração, além de servir de «atalho» ao intérprete-aplicador, realiza ainda a função de ilustrar e permitir compreender que tipo de condutas é que o legislador inclui na cláusula geral. Apesar de existirem propostas de critérios hermenêuticos gerais, como o princípio da prestação, a melhor forma de densificar o conceito de deslealdade é através de grupos de casos»[30]

Seria intelectualmente injusto não transcrever a propósito a sentença.

«O segundo pressuposto remete para regras, normalmente não escritas, relativas à honestidade e retidão de comportamentos, que num qualquer sector de atividade se foram cristalizando sobre o que se considera, do ponto de vista da ética comercial, próprio dos bons homens do sector e, como tal, deve servir de padrão de comportamento para todos os agentes do sector.

Deste modo, a contrariedade às "normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica" constitui um conceito indeterminado, que carece de preenchimento valorativo.

As normas em causa são as regras incluídas em códigos de conduta, crescentemente utilizados pelos mais variados sectores de atividade, e geralmente adotados pelos membros de associações empresariais. Já os usos são os padrões de comportamento considerados corretos no ramo de atividade em questão, que obedecem a critérios éticos e que delimitam aquilo que é considerado honesto, servindo para o julgador traçar a linha divisória daquilo que é leal e desleal. Os usos honestos são, assim, padrões de conduta, de carácter extrajurídico, que se ancoram em práticas sociais aceites em cada sector.

Recorrendo novamente ao Parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 17/57, a expressão usos honestos remete «para um conceito móvel e contingente da honestidade profissional. Não devemos procurar saber se existem verdadeiros costumes comerciais que legitimem determinada conduta, e menos ainda se tais costumes reúnem requisitos que permitam erigi-los em fonte de direito mediata, mas deverá ver-se no preceito em análise uma referência directa à consciência ética do comerciante médio, sendo intérprete o julgador».

Cumpre assinalar que a nossa ordem jurídica já fornece uma cláusula geral, com aptidão e aspiração a regular comportamentos com base em critérios éticos de comportamento globalmente aceites pela comunidade, a qual permite controlar e reduzir a incerteza associada à determinação daquilo que é considerado honesto, num sector em particular, pelos próprios agentes desse sector; trata-se da cláusula da boa-fé.

Em suma, a concorrência desleal visa obstar a atos contrários aos usos honestos do comércio, repudiados pela boa consciência dos agentes do mercado e capazes de causar prejuízos a concorrentes, que se assomam como ilegítimos, injustificados, resultantes não das competências próprias, mas do aproveitamento, usurpação ou clonagem de competências alheias. O que se censura ao agente económico são os meios de que ele se serve para atuar no mercado, e não os concretos resultados que derivam dessa atuação. O que se pretende tutelar é a confiança legítima de todos os agentes do mercado de que as atuações concorrenciais se pautarão pela boa-fé.

Desta forma, se o ato praticado tiver por finalidade atrair/desviar a clientela, mas não for contrário a normas ou usos aceites no seio da respetiva atividade, não haverá concorrência desleal, ainda que, como consequência da sua realização, a empresa consiga obter clientela à custa da clientela alheia.

Quer isto significar que o que caracteriza a concorrência desleal não é o resultado obtido (angariação de mais clientela), mas os meios utilizados para o alcançar.

(…)

Para a apreciação do presente caso, importa atentar com maior premência na alínea a), do n. º1, do artigo 311.º do Código da Propriedade Industrial.

Esta alínea abrange a utilização de sinais associados a um agente económico, estejam ou não registados, ou outra forma de evocação que leve à ocorrência de confusão por parte dos consumidores. A referência a "qualquer meio" permite tratar esta hipótese como uma subcláusula geral, cobrindo todas as hipóteses de confusão juridicamente relevantes.

Determinar o seu âmbito, passa essencialmente por apurar qual o conceito de confusão aqui previsto. No entanto, a norma limita o objeto da confusão, só estando compreendida nesta hipótese a "confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes".

Tem-se entendido que muitas das considerações da doutrina, a propósito da confundibilidade das marcas e dos produtos, são pertinentes e aplicáveis quando se trata de saber se um produto copia ou imita um outro concorrente. Contudo, no âmbito da concorrência desleal a análise é efetuada em concreto, tendo em conta todas as circunstâncias, incluindo fatores exteriores e a comparação dos sinais que podem fazer aumentar ou diminuir o risco de confusão.

Como ensina Pupo Correia, “Visam-se na al. a) do art. 317°, fundamentalmente, os actos pelos quais o concorrente procura captar a clientela do concorrenciado procurando lograr os clientes, induzindo-os em erro de modo a levá-los a crer que, ao negociar com a empresa ou estabelecimento daquele ou ao adquirir os seus produtos ou serviços, estão a fazê-lo com o concorrenciado.

Note-se, porém, que, como resulta do que já dissemos em sede geral, não é necessária a ocorrência de uma efectiva confusão dos clientes (ou outros terceiros) visados para que exista acto qualificável como de concorrência desleal, mas apenas que haja o perigo de ela se verificar.

A confundibilidade deverá avaliar-se de acordo com o aspecto geral dos bens em presença e segundo critério idêntico ao preconizado por consumidor médio. Por outro lado, a confundibilidade reporta-se aos próprios bens referidos nesta al. a) (empresa, estabelecimento, produtos ou serviços), e não só aos sinais distintivos que sobre eles incidam.

Uma das formas mais importantes dos actos de confusão consiste na imitação servil, que se traduz na reprodução dos produtos de um concorrente, quanto às suas características de formato, confecção ou apresentação. Porém, a imitação servil só é proibida se for susceptível de criar confusão entre os produtos, a qual não se verificará em marcas distintas. Além disso, pode não haver imitação servil ilícita quanto às formas dos produtos tornadas gerais pelo uso comum, ou respeitante à própria natureza do produto, quanto à sua composição intrínseca ou função característica” (sublinhado nosso).

Em síntese, o critério para aferir essa confusão há-de radicar na reação normal do consumidor médio, no seu comportamento face a uma dada atuação. Um determinado ato integrará o critério de concorrência desleal a partir do momento em que o consumidor médio não for capaz de distinguir entre uma atividade e outra atividade empresarial.

Além dos casos legalmente tipificados, a jurisprudência e a doutrina têm identificado outras situações de concorrência desleal, como a concorrência parasitária. Esta diz respeito à imitação sistemática, reiterada, do comportamento de um concorrente. Trata-se da atuação de um concorrente que segue, de modo sistemático, continuado, próximo e essencial, ainda que não provoque confusão, as iniciativas e ideias empresariais de outros concorrentes. O carácter desleal da conduta advém precisamente dessa repetição, que visa eliminar a distância que separa as empresas, não graças à prestação própria, mas à apropriação de elementos de inovação e risco, falseando de forma intolerável a concorrência e contrariando, assim, as normas e usos honestos.»

Não obstante entendeu o tribunal a quo, após o citado substantivo enquadramento do requisito em causa, que não ocorria, com a conformação feita do estabelecimento da R, utilizando as cores atrás assentes, configuração do «logo» e cartonagem (…), tudo apesar da similitude que reconhece com o «estabelecimento» da A., susceptibilidade de criar confusão no consumidor por associação com a Ladurée.

Não temos essa opinião.

Referimos supra, como de resto o faz a sentença, porque «[o]utro meio frequente suscetível de criar confusão relevante é a imitação de um produto ou da respetiva embalagem, quando a aparência de um e/ou da outra é peculiar ou não trivial e não determinada por razões técnico-funcionais, e o imitador tinha opções adequadas para evitar a imitação», então justificado está o uso da concepção de BÉDARRIDE, largamente acolhida pela doutrina e a jurisprudência, para com base nela se chegar à «imitação», destarte à intenção de, com a renovação mencionada em 8), se pretender copiar e aproveitar a projeção internacional da autora.

Reza a citada concepção: “a questão da imitação deve ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem a marca e não pelas dissemelhanças que poderiam oferecer os diversos pormenores, considerados isolados e separadamente”.

Deste modo, se a semelhança de conjunto, entre a marca anterior protegida e a mais recente, sem consideração dos pormenores diferenciadores, gerar a possibilidade de confusão, pela fácil indução em erro do consumidor, haverá imitação da primeira pela segunda”.

É, pois, critério que continua actual e útil para também nesta sede se poder chegar (ou não) a observância do requisito em causa[31], a deslealdade (contrariedade às normas ou usos honestos da atividade económica), servindo de «atalho» o que consta da al. a) do nº1 do artigo 311.º do CPI: os atos suscetíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue.

Refere-se na sentença:

«Demonstrou-se que a autora:

- é internacionalmente conhecida pela disposição interna dos seus produtos e pelo layout dos seus estabelecimentos, em conjunto com a utilização de cores específicas, nomeadamente (cf. facto provado n.º 3):

× a utilização da letra “L” nos balcões;

× a utilização do cor-de-rosa pálido, o verde-pálido e azul-pálido,

× a exposição de várias caixas de embalamento dos produtos por detrás do balcão;

- utiliza caixas de embalamento de cor-de-rosa pálido, verde-pálido e azul-pálido, conforme imagem constante do facto n. º5);

- a decoração interna dos seus estabelecimentos é uma alusão à decoração interna dos palácios franceses do tempo do Rei Luís XIV (cf. facto provado n. º4).

Quanto à ré, provou-se que:

- a Confeitaria D... procedeu a uma renovação do seu espaço, tendo reaberto ao público a 8 de agosto de 2018 e passado a utilizar (cf. factos provados n.ºs 8 e 9):

. as cores cor-de-rosa pálido, o verde-pálido e azul-pálido na decoração do estabelecimento e nas caixas;

. a disposição das caixas por detrás do balcão;

. a primeira letra do nome, neste caso, “P” nos balcões;

. a cor verde-pálido no balcão;

- a renovação procurou conciliar a tradição da Confeitaria D... e a história da cidade de Aveiro (cf. factos provados n.ºs 21 e 22);

- os seus estabelecimentos estão identificados com a denominação “CONFEITARIA D...®” (cf. facto provado n. º23);

- no estabelecimento de Aveiro, apenas foi colocado o “P” de “D...” nas almofadas do balcão, porquanto a denominação completa do estabelecimento – CONFEITARIA D... - não seria facilmente visível e lida pelos consumidores devido à falta de largura do espaço (cf. facto provado n.º 24).

Ora, além dos factos propriamente dito, é deveras relevante atentar nas imagens que constam, igualmente, da factualidade dada como demonstrada.

Das mesmas resulta que existem similitudes entre os estabelecimentos da autora e da ré, sobretudo no que diz respeito às cores utilizadas e no balcão, em que em ambas apresentam uma tonalidade de verde-pálido semelhante. (….)[32]»

A sentença reconhece a proximidade dos «estabelecimentos», digamos, da sua conformação estilística, não obstante depois se centrando no que têm de dissemelhante.

Com o devido respeito, não cremos que seja esse o processo a seguir.

O que têm de semelhante, incluindo o que produzem e comercializam (biscoitos, bolinhos vs ovos em formato de pequenos bolos ainda que com várias formas, ambos produtos em pequenas «peças» e muito doces, estilisticamente atraentes) é o foco que se exige, sendo uma análise de conjunto que se impõe e tendo por referência o «olhar» de um «consumidor médio».

Relevando as citadas semelhanças, e as fotografias não deixam dúvidas da proximidade em causa, a confusão quanto à associação entre os estabelecimentos é um dado que se nos afigura inequívoco, tanto mais que se mostra exponenciada tal confusão face à provada e inquestionada projeção internacional da apelante [33].

Demonstração clara da proximidade dos estabelecimento, por conseguinte gerando a referida «confusão», emerge inclusive do que provado está sob as al.11, 12, 13, 14, 15.

Expressiva a afirmação assente de AA, presidente do grupo «C...» no qual a confeitaria D... se integrou: "Queremos fazer com eles o que a Ladurée fez com os macarons", anuncia.”

Elucidativa a adjectivação produzida no website “Week-ends à 2 Travel Tips”: “Fundada em 1856, esta pastelaria com um falso ar de Ladurée (…).”

Igualmente elucidativa a asserção no website da “Il Prezzemolo Tritato”: “No mapa que tem na secção ''lojas gourmet'' deixo-lhe as duas melhores confeitarias para os comer. Uma é a tradicional no Rossio, no canal central e a outra é a incrivelmente parisiense O D.... Sem dúvida evoca a Ladurée em todo o seu esplendor (…)”

Esclarecedora e incontornável o desabafo de consumidor qualificado da R. (há mais de e décadas), LL, ao referir comentou o seguinte: “Cliente há mais de 3 décadas, ficámos desagradavelmente surpreendidos com os preços praticados desde que a loja foi renovada: o preço dos Ovos Moles praticamente duplicou (36 euros o quilo só de gema de ovo e açúcar!!!). É certo que estamos a pagar a nova decoração, o pessoal extra para a sala de chá e as bonitas caixas ao estilo Ladurée, mas continua a ser um preço proibitivo para Aveiro. Uma nova armadilha para turistas, o que é uma pena!”.

Constata-se pelos elementos colhidos que existe a adoptação pela R. no seu comércio, conformação do seu «estabelecimento», cores escolhidas, incluindo para a cartonagem, apresentação do «logo» (…) uma associação patente à A. e no que aos citados aspectos se refere, circunstância que leva necessariamente à ocorrência por parte do consumidor de confusão quanto à associação entre os «estabelecimentos» concorrentes.

Note-se que «o risco de confusão pode ser entendido em sentido restrito, quando o consumidor médio não distingue as actividades de uma e de outra empresa, ou em sentido amplo, quando o consumir médio, distinguindo as actividades das empresas em causam as associa indevidamente» [34].

Com a apelante diremos: «A semelhança visual e conceptual entre os espaços comerciais da Recorrente e da Recorrida é evidente, desde a escolha das cores, à disposição das caixas, até ao uso estilizado de letras nos balcões

Não fazendo « (…) sentido a pretensa existência de outras cores, porquanto mesmo que possam existir pontualmente “outras cores” nos estabelecimentos – não sendo isso que está aqui em causa –, a verdade é que as cores visivelmente predominantes são o cor-de-rosa pálido, o verde-pálido e o azul-pálido, conforme se constata nas imagens constantes dos factos provados»

Assim não bastasse, com os elementos coligidos pelo tribunal a quo, e na nossa perspectiva bastaria, resulta ainda assente por decisão nossa o que consta do facto 8.A: «A renovação mencionada em 8) foi efetuada com o intuito de copiar e aproveitar a projeção internacional da autora.»

Diríamos um facto que nos remete para o desnecessário, neste contexto, dolo específico, mas que, por outro lado, abre pistas quanto ao que objectivamente se visava e logrou: conformar estilisticamente, revestir com um trade dress um espaço de comércio (incluindo a cartonagem) à semelhança dos da A..

Temos, pois, por observado o requisito em causa[35], podendo também deste facto ora citado (8.A), na relação como o demais assentes e no confronto com o comportamento exigido a um «homem médio», ao «concorrente médio» (art.º487.º n.º2 do CC), retirar a exigida culpa, último dos requisitos atrás elencado.

Conclui-se, pois, estarmos perante actos de concorrência desleal, assim se impondo a revogação da sentença e, em sua substituição proferindo outra que condene a R. nos termos pedidos, inclusivamente quanto à sanção pecuniária compulsória (art.º 829.º-A do CC) e vista a natureza infungível da obrigação[36] que se imporá à R.[37].

Não obstante, quanto a este último aspecto, relevando a tarefa que se imporá à R. e seu jaez, tendo por referência um critério de razoabilidade, entende-se mais ajustado fixar-se o termo a partir do qual se vencerá a sanção no 91ª dia (ou seja, no termo do 90ª dia) após o transito em julgado da decisão[38].


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IV.

Pelo exposto, acorda este Tribunal da Relação do Porto em revogar a decisão recorrida que absolveu a apelada Ré e, em consequência, proferindo-se outra que a condene a:

I. - alterar e abster-se de utilizar as cores rosa-pálido, verde-pálido e azul-pálido nas caixas de embalagem dos seus produtos de confeitaria;

II. - alterar e abster-se de voltar a usar o tom de verde-pálido, rosa-pálido e azul-pálido usado pela autora na pintura do mobiliário de loja;

III. - alterar e abster-se de voltar a utilizar a inicial “P” num círculo nos seus balcões, em cópia do “L” num círculo dos balcões da autora, tal como consta da página principal do website da Ré;

IV. - promover as alterações requeridas em todo o marketing, websites, vestuário, publicidade e futuras referências à autora como fonte que serviu de referência na remodelação.

V. - proceder às alterações necessárias nas suas lojas para cumprimento do peticionados nos pontos atrás referidos, no prazo máximo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença;

VI. - condenar a R. apelada, nos termos do artigo 829.º-A do CC, a liquidar a quantia de 100,00 € (cem euros) por cada dia de atraso no cumprimento dos segmentos condenatórios atrás referidos sob os pontos I-V, sanção esta a operar com início no termo do 90ª dia após o trânsito em julgado da decisão.

Custas pela R. apelada.


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Sumário:

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Porto, 2025/6/4.

Carlos Cunha Rodrigues de Carvalho

Isabel Rebelo Ferreira

João Maria Espinho Venade




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[1] Segue-se relatório da decisão posta em crise.
[2] Cfr. a citação da doutrina a propósito no Ac. do STJ de 6.6.2018 proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1: (a) António Santos Abrantes Geraldes - «[a]s conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do artigo 635º, n.º 3, do CPC. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo.» - in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª edição, Almedina, página 147. / (b) Fenando Amâncio Ferreira - «[n]o momento de elaborar as conclusões da alegação pode o recorrente confrontar-se com a impossibilidade de atacar algumas das decisões desfavoráveis. Tal verificar-se-á em dois casos; por preclusão ocorrida aquando da apresentação do requerimento de interposição do recurso, ou por preclusão derivada da omissão de referência no corpo da alegação. Se o recorrente, ao explanar os fundamentos da sua alegação, defender que determinada decisão deve ser revogada ou alterada, mas nas conclusões omitir a referência a essa decisão, o objeto do recurso deve considerar-se restringido ao que estiver incluído nas conclusões.» - Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2000, página 108 / (c) José Augusto Pais do Amaral - «[o] recorrente que tenha restringido o âmbito do recurso no requerimento de interposição, pode ainda fazer maior restrição nas conclusões da alegação. Basta que não inclua nas conclusões da alegação do recurso alguma ou algumas questões, visto que o Tribunal ad quem só conhecerá das que constem dessas conclusões.» - Direito Processual Civil, 2013, 11ª edição, Almedina, páginas 417/418.
[3] Pretende a apelada que em vez de cor verde-pálido no balcão passe a constar do facto «a cor cake green, nº34, do catálogo da E...».
[4] Do qual fomos adjunto.
[5] Proc.501/12.8TBCBC.G1
[6] Ac. da R.P. de 6.3.25, Processo n.º 1743/22.3T8AVR.P1., do qual fomos adjunto.
[7] «O preceito em anotação contém uma cláusula geral, seguida de uma enumeração exemplificativa. Os actos típicos não prescindem da verificação dos pressupostos gerais da CD. A sua tipicidade refere-se apenas ao requisito da deslealdade, ou seja, são atos tipicamente desleais. Esta enumeração, além de servir de «atalho» ao intérprete-aplicador, realiza ainda a função de ilustrar e permitir compreender que tipo de condutas é que o legislador inclui na cláusula geral. Apesar de existirem propostas de critérios hermenêuticos  gerais, como o princípio da prestação, a melhor forma de densificar o conceito de deslealdade é através de grupos de casos» - CPI anotado, Nuno Sousa e Silva, Coordenação Luís Couto, Almedina, pág.1174
[8] «O ato de concorrência é, nos termos do proémio do art.311.º, 1, do CPI «desleal» quando contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica» (…)» - Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, V.I, 13ª Ed. Almedina, p.425
[9] «Os requisitos para que haja Concorrência Desleal são: a existência de uma relação de concorrência, a deslealdade (contrariedade às normas ou usos honestos da atividade económica) e a culpa.» Nuno Sousa e Silva, op. cit., p.1172.
[10] Cuja selecção, em parte para nós também seria desnecessária. Desnecessária porque sempre se lograria conhecer da observância, pelo menos daqueloutro requisito da CD, a culpa, por comparação dos actos provados com o padrão do comportamento exigido ao um bom pai de família, ou seja, dum comerciante normal.
«A culpa, nos termos do Código Civil é apreciada em abstrato com recurso à figura do homem médio/«bónus pater familias» (art.º487.º, n.º2 CC), devendo esse padrão ser adaptado, na CD, ao concorrente médio daquele sector. O juízo de censura presente na culpa aproxima-se da deslealdade pela carga ética subjacente a este último conceito. No entanto, a culpa é aferida subjetivamente e em concreto, ao contrário da deslealdade – fonte da ilicitude – que é avaliada através de um padrão objetivo (….).» - Nuno Sousa e Silva, op. cit., p.1179
Não obstante, como quer que seja (….).
[11] Proc.41/12.6TBMGR.C1.S1

[12] Refere-se ajustado o recurso a certos critérios típicos do direito das marcas – Nuno Sousa e Silva, op. cit., p.1174..

Porque «[o]utro meio frequente suscetível de criar confusão relevante é a imitação de um produto ou da respetiva embalagem, quando a aparência de um e/ou da outra é peculiar ou não trivial e não determinada por razões técnico-funcionais, e o imitador tinha opções adequadas para evitar a imitação - Jorge Manuel Coutinho de Abreu, op. cit., p.428 –, então justificado o uso da concepção de BÉDARRIDE, largamente acolhida pela doutrina e a jurisprudência, para com base nela se chegar à «imitação», destarte à intenção de, com a  renovação mencionada em 8), se pretender copiar e aproveitar a projeção internacional da autora.

Reza a citada concepção: “a questão da imitação deve ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem a marca e não pelas dissemelhanças que poderiam oferecer os diversos pormenores, considerados isolados e separadamente”.

Deste modo, se a semelhança de conjunto, entre a marca anterior protegida e a mais recente, sem consideração dos pormenores diferenciadores, gerar a possibilidade de confusão, pela fácil indução em erro do consumidor, haverá imitação da primeira pela segunda”. - Pupo Correia, Direito Comercial, 10ª Ed., Ediforum, p.348.

[13] A montante funcionando como critério de selecção factual.

A coberto da Teoria da Norma de Rosemberg, critério identificativo do que sejam factos actos constitutivos, extintivos e impeditivos (art.º342.º do CC): a repartição do ónus da prova processa-se de harmonia com a previsão (geral e abstracta) traçada na norma jurídica que serve de fundamento à pretensão de cada uma das partes. Ao autor caberá a prova dos factos que, segundo a norma jurídica substantiva aplicável, servem de pressuposto ao efeito jurídico por ele pretendido. Ou seja: incumbe-lhe o ónus de provar os factos correspondentes à situação de facto traçada na norma substantiva em que fundamenta a sua pretensão  - Cf. Varela, Antunes. Comentário ao acórdão do STJ de 22.10.81 in RLJ, anos 116 e 117, pág. 313 e segts / 377 e segts  / 26 e segts / Reis Alberto. Código de Processo Civil Anotado, V. III, 4º ed., pág. 278.
[14] Se o autor não prova o facto constitutivo, a ação é julgada improcedente, segundo o princípio actore non probante reus absolvitur, mesmo que o réu não prove qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo - Cf. Teixeira de Sousa, As partes, O objeto e a Prova na Acção Declarativa, pp. 259-260.
[15] Servir-nos-emos neste processo operacionalizador por inferência dos factos constantes dos artigos 3 (3.1, 3.2, 3.3) e 8 porque, apesar de impugnados pela R., como adiante se ajuizará, manter-se-ão provados.
[16] Uma admissão relevante, publicamente apresentada.
[17] Facto 2 e depoimento de BB.
[18]  Nuno Sousa e Silva, op. cit., p.1172.
[19] «(…) entende-se pacificamente que, para que se esteja perante um acto de concorrência desleal, é necessária a existência de uma certa «proximidade» entre as actividades desenvolvidas pelos agentes económicos em causa» - Carlos Olavo, Propriedade Industrial, Almedina, p.154
[20] Nuno Sousa e Silva, op. cit., p.1173.
[21] Op. cit., p.154
[22] Classe 30 - Café, chá, cacau e substitutos dos mesmos; arroz, massas alimentares e noodles; tapioca e sagu; farinhas e preparações feitas de cereais; pão, pastelaria e confeitaria; chocolate; gelados, sorvetes e outros produtos em gelo comestíveis; açúcar, mel e xarope de melaço; levedura e fermento em pó; sal, temperos, especiarias, ervas em conserva; vinagre, molhos e outros condimentos; gelo [água congelada]. – Cf. 12ª Edição Classificação de Nice - Versão 2019 - Lista de classes com notas explicativas in https://inpi.justica.gov.pt/Documentos/Legislacao-e-outros-documentos/Classificacoes-internacionais-e-listas-de-classes
[23] Vide nota 12.
[24] Pedro de Sousa e Silva, Direito Industrial, Noções fundamentais, p.167.
[25] Pedro de Sousa e Silva, op. e loc. cit..
[26] Produto obtido pela junção de gemas cruas de ovos a uma calda de açúcar. Podem apresentar-se tal qual, envolvidos em hóstia, que pode ou não ser coberta com uma fina camada de calda de açúcar ou de chocolate, ou acondicionados diretamente em barricas de madeira ou de porcelana - https://tradicional.dgadr.gov.pt/pt/cat/doces-e-produtos-de-pastelaria/580-ovos-moles-de-aveiro-igp
[27] Pequeno biscoito, redondo e crocante, feito de farinha de amêndoas, com base em claras, açúcar e recheado, granuloso e mole, de forma arredondada com diâmetro aproximado de 5 cm em média - https://www.socilink.com/noticias/macaron-conheca-a-historia-do-famoso-doce-colorido/
[28] Vide factos 7, 10 e 19 vs 2 e18.
[29] Vide comentário de LL, supra assente: “Cliente há mais de 3 décadas, ficámos desagradavelmente surpreendidos com os preços praticados desde que a loja foi renovada: o preço dos Ovos Moles praticamente duplicou (36 euros o quilo só de gema de ovo e açúcar!!!). É certo que estamos a pagar a nova decoração, o pessoal extra para a sala de chá e as bonitas caixas ao estilo Ladurée, mas continua a ser um preço proibitivo para Aveiro. Uma nova armadilha para turistas, o que é uma pena!”.
[30] Nuno Sousa e Silva, op. cit. p.1174.
[31]Nuno Sousa e Silva, op. cit. p.1175: «Em geral tem prevalecido o entendimento segundo o qual o critério é o mesmo do Direito das Marcas»  - cita os Ac. TRL 18.3.2014 (P.1288/05.6TYLSB.L1-7) / Ac. TRL 17.2.2011 (P.1210/07.5TYSLB.L1-2 / Ac. STJ 17.06.2010 (P.806/03.TBMGR.C1.S1
[32] Sublinhado nosso.
[33] Não existe material factual que permita reconhecer-se que a marca da autora é um marca notória, por maioria de razão de prestígio (art.º 234.º e 235.º do CPI). Não obstante sendo conhecida internacionalmente, como de facto é, mostra-se ajustado o argumento da apelante: Defende o Dr. Nuno de Araújo Sousa e Silva que “(…) caso a marca anterior tenha especial reputação, os consumidores poderão ser atraídos pelo sinal que já conhecem, beneficiando o novo utilizador do sinal da reputação construída pelo primitivo utilizador.”Dissemos a propósito em decisão proferida no processo CV3-23-0038-CRJ do Tribunal de Base da Região Administrativa de Macau da RPC: «Já quando a similitude é relevante poderíamos dizer: a notoriedade (ou o prestígio) de dada marca pode ser chamada à colação na abordagem comparativa que se faça com outra que a ela se assemelha, igualmente em relação à concorrência desleal. Quando a similitude estiver num patamar mais significativo, em situações de maior dúvida, a natureza distinta das marcas que se sintam postas em crise podem fazer pender a balança da decisão para a imitação ou para a concorrência desleal. Será tanto maior a susceptibilidade de se concluir nesse sentido quanto maior for a fama da marca afrontada».
[34] Carlos Olavo, op. cit., p.163.
[35] Despiciendo se revela saber se, com a afirmação do presidente do grupo onde a R. se insere mencionada no ponto 12 da factualidade assente se preenche a al.c) do n.º1 do art.º 311.º do CPI.
[36]  «As abstenções» que se imporão, por terceiro, só com a anuncia da R. se cumprirão. Pressupõe-se, pois, a sua autorização por se ter de imiscuir em propriedade privada, incluindo em site próprio cujo acesso só possível com conhecimento de password. Daí a infungibilidade. 
[37] «Embora a medida só possa ser ordenada pelo juiz, a pedido do credor, uma vez pedida não pode ser recusada, o juiz tem o poder e o dever de a ordenar» - Comentário ao CC, Direito das Obrigações, Das obrigações em Geral, UCP editora, p.1236, ponto VIII.
[38] «Quando o entenda por conveniente, o juiz poderá fixar o termo inicial numa fase posterior» - Comentário ao CC, Direito das Obrigações, Das obrigações em Geral, UCP editora, p.1237, ponto X.