RESPONSABILIDADE POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LIMITES DO PEDIDO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
Sumário

I - A reapreciação da matéria de facto não é um exercício dirigido a todo o custo ao apuramento da verdade afirmada pelo recorrente, mas antes e apenas um meio de o recorrente poder reverter a seu favor uma decisão jurídica fundada numa certa realidade factual que lhe é desfavorável e que pretende ver reapreciada de modo a que a realidade factual por si sustentada seja total ou parcialmente acolhida judicialmente, pelo que logo que faleça a possibilidade de uma qualquer alteração da decisão factual poder ter alguma projeção na decisão da matéria de direito em sentido favorável ao recorrente, à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito, deixa de ter justificação a reapreciação requerida, traduzindo-se antes na prática de ato inútil, legalmente proibido (artigo 130º do Código de Processo Civil).
II - No caso de pedidos cumulados da mesma natureza, rectius derivados de uma causa de pedir unitária, por exemplo em acidentes de viação, tem sido entendimento jurisprudencial que para aferir da correspondência da condenação ao peticionado há que atentar no pedido global, independentemente da concreta fixação das diversas parcelas que compõem esse pedido global.
III - O Tribunal da Relação tem poderes amplos de cognição em matéria de facto e de direito, ao contrário do que sucede com o Supremo Tribunal de Justiça que apenas conhece de questões de direito, não tendo por isso base legal, em segunda instância, a orientação restritiva na sindicação do juízo de equidade de que resulta a fixação da compensação por danos não patrimoniais, devendo antes a Relação proceder à fixação autónoma da compensação devida tendo em conta todos os fatores relevantes para o efeito.
IV - É equitativa a compensação de cinquenta e cinco mil euros, a título de danos não patrimoniais, neles se incluindo o dano biológico nesta vertente, a lesado que, sem qualquer culpa da sua parte, então com cinquenta anos de idade, sofreu diversas fraturas nos membros inferiores, uma delas cominutiva, lesões que determinaram a sujeição do autor a seis intervenções cirúrgicas com internamento e anestesia geral, decorrendo setecentos e oitenta e um dias de incapacidade funcional temporária até à sua alta com variadas sequelas, como seja, o agravamento da situação prévia a nível do joelho direito, designadamente o quadro álgico, com consequente agravamento das dificuldades da marcha e mobilização em geral, a limitação na rotação externa e dor na anca esquerda, o desvio do eixo da perna esquerda, com repercussão a nível da claudicação da marcha e a rigidez do tornozelo esquerdo para a dorsiflexão, sendo o quantum doloris fixado em 5 numa escala de 0 a 7 e o dano estético em grau 2 numa escala de 0 a 7, achando-se o lesado à data do acidente reformado por invalidez e tendo-lhe sido atribuída uma incapacidade parcial permanente de oito pontos.

Texto Integral

Processo: 2717/20.4T8VFR.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 2717/20.4T8VFR.P1 elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório[1]

Em 09 de outubro de 2020, com referência ao Tribunal de Santa Maria da Feira, Comarca de Aveiro, com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, AA instaurou ação declarativa sob forma comum contra A..., Compañia de Seguros y Reaseguros, S.A., Sucursal em Portugal pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 58.508,97, sendo € 40.000,00, a título de danos não patrimoniais, € 18.500,00, a título de incapacidade parcial permanente e € 8,97, a título de despesas com medicação, quantia acrescida de juros à taxa legal a contar da citação e até efetivo pagamento, pedindo ainda a condenação da ré ao pagamento do que se liquidar ulteriormente relativamente aos danos e despesas futuras descritos nos artigo 100, 101, 108 a 111 da petição inicial[2].

Para fundamentar as suas pretensões, o autor alega, em síntese, que no dia 17 de novembro de 2017, cerca das 15 horas e 10 minutos, na Rua ..., em ..., tripulava o seu ciclomotor de matrícula ..-EQ-.. na Rua ..., pela metade direita da faixa de rodagem, no sentido .../..., enquanto o veículo de matrícula ..-AX-.. conduzido por BB circulava pela Variante ... que entronca na Rua ..., do lado esquerdo, atento o sentido de circulação do veículo conduzido pelo autor; não obstante a existência de um sinal de Stop na zona de interseção da Variante ... com a Rua ..., a condutora do veículo AX não o imobilizou e prosseguiu a sua marcha, indo colidir contra o veículo EQ, causando-lhe os danos de que pretende ser ressarcido; a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com o veículo de matrícula ..-AX-.. estava à data do acidente transferida para a ré, por contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., tendo a ré assumido a responsabilidade do seu segurado pelo sinistro, reparando alguns dos danos sofridos pelo autor.

Citada, a ré contestou admitindo os factos alegados pelo autor relativos à dinâmica do acidente e afirmou ter liquidado os danos materiais verificados, as despesas inerentes à assistência médica prestada ao autor, com os tratamentos clínicos ao mesmo realizados, o apoio domiciliário e a ajuda de terceira pessoa de que o autor careceu, as despesas medicamentosas e de transportes do autor por causa do acidente; nega que do acidente tenha resultado incapacidade para o exercício de qualquer atividade no futuro, sendo em qualquer caso excessivo o montante que o autor pede a tal título; alega que é excessivo o montante pedido pelo autor a título de danos não patrimoniais e que as despesas de farmácia peticionadas não se acham documentadas; relativamente ao pedido ilíquido afirma que os seus serviços clínicos não contemplaram qualquer dano futuro, negando a necessidade de tais despesas e o nexo causal das mesmas com o acidente; conclui pela total improcedência da ação.

Após a notificação da contestação, o autor requereu a alteração do seu requerimento probatório.

O autor foi notificado para, querendo, se pronunciar “sobre os termos impugnatórios da ré e das exceções (substantivas) deduzidas na sua contestação”.

O autor ofereceu resposta reiterando a posição assumida na petição inicial.

Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a dispensa de realização de audiência prévia, autor e ré vieram declarar nada terem a opor à aludida dispensa, não prescindindo da faculdade de reclamarem e de alterarem os requerimentos probatórios.

A audiência prévia foi dispensada, proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o valor da causa no montante de € 58.508,97, identificou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova e conheceu-se dos requerimentos probatórios das partes.

Determinou-se a realização das perícias requeridas pelo autor.

Notificada do relatório da perícia para avaliação da necessidade de readaptação da habitação e de produtos de apoio do autor, a ré reclamou referindo que não foi tida em consideração a circunstância de o autor se achar reformado à data do acidente por causa de doença incapacitante e não se estabeleceu o nexo causal entre as obras de readaptação da habitação do autor e os produtos de apoio do autor e o acidente objeto destes autos.

A Sra. Perita respondeu à reclamação da ré.

Efetuou-se perícia à habitação do autor para determinação de um plano de acessibilidades.

Em 23 de abril de 2022, na sequência das notificações dos relatórios periciais, o autor veio requerer a ampliação do pedido pedindo a condenação da ré ao pagamento da quantia de € 2 313,60, a título de produtos de apoio e de € 36 880,00, a título de obras de adaptação da sua habitação.

A ampliação do pedido foi admitida.

A ré impugnou a ampliação do pedido negando a existência de nexo causal entre o acidente objeto dos autos e os apoios de que o autor carece e bem assim as obras de adaptação da habitação deste.

Na primeira sessão da audiência final, o tribunal a quo entendeu que era conveniente a solicitação da realização de perícia ao Instituto Nacional de Medicina Legal a fim de apurar se as necessidades de apoio do autor e bem assim de adaptação da sua habitação decorrem das lesões/sequelas emergentes do sinistro aqui em causa ou de lesões/sequelas anteriores.

As partes pronunciaram-se sobre o objeto da perícia oficiosamente sugerida pelo tribunal recorrido, sendo de seguida proferido despacho a determinar a realização da perícia com o objeto proposto pelo tribunal e os quesitos formulados por autor e ré.

O Gabinete médico-legal e forense de Entre Douro e Vouga elaborou o relatório pericial solicitado.

Em 05 de abril de 2024 o autor veio requerer a atualização monetária dos pedidos referente à sua incapacidade parcial permanente de 8 pontos e por danos não patrimoniais para os valores de € 21.044,44 e € 45.492,85, respetivamente.

Realizou-se mais uma sessão da audiência final, na qual a ré pugnou pelo indeferimento da atualização requerida pelo autor, tendo o tribunal admitido essa pretensão, inquiriu-se uma testemunha oferecida pelo autor e foram proferidas alegações pelas partes.

Em 24 de abril de 2024 foi proferida sentença[3] que terminou com o dispositivo que se reproduz de seguida na parte pertinente ao conhecimento do objeto do recurso:

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:

1. Condena-se a Ré a pagar ao Autor as seguintes quantias:

1.1. A quantia de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros civis, desde o dia seguinte ao da prolação da presente sentença até efectivo e integral pagamento;

1.2. A quantia de € 8,97 (oito euros e noventa e sete cêntimos), a título de despesa com medicação, acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros civis, desde o dia seguinte ao da citação até efectivo e integral pagamento;

1.3. A quantia que se vier a liquidar a título de despesas futuras com o reforço da medicação analgésica e anti-inflamatória de que o Autor irá necessitar.

2. Absolve-se a Ré do demais peticionado.

Em 11 de junho de 2024, inconformado com a sentença, AA interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

B... Seguros y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal respondeu ao recurso interposto oferecendo as seguintes conclusões:

(…)

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.

Recebidos os autos neste Tribunal da Relação proferiu-se despacho a fim de a ré esclarecer se existe lapso na identificação da recorrida na resposta ao recurso.

Também o autor foi convidado a esclarecer se deu ou não quitação à recorrida e em que termos, a fim de aferir se ocorre ou não inutilidade superveniente da lide recursória.

B... Seguros Y Reaseguros, S.A., Sucursal em Portugal veio esclarecer que a A... – Compañia de Seguros Y Reaseguros, S.A., seguradora espanhola que operava em Portugal, através da sua sucursal neste país, por via da alteração da sua representação, em abril de 2024, que passou a ser B... Seguros Y Reaseguros, S.A., viu atualizada a sua denominação social para B... Seguros Y Reaseguros, S.A., Sucursal em Portugal, oferecendo prova documental para comprovação do que alega.

Por seu turno o autor esclareceu que o seu mandatário recebeu em 14 de junho de 2023, no seu escritório, cheque no montante de € 45.207,54, certamente porque a ré se conformou com a indemnização arbitrada na sentença, não tendo dado qualquer quitação à ré.

Colhidos os vistos dos restantes membros do coletivo, cumpre agora apreciar e decidir.

2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Da impugnação das alíneas b) a d), f), j), l), n) e o) dos factos não provados;

2.2 Da fixação da compensação por danos não patrimoniais, neles se incluindo o dano biológico.

3. Fundamentos

3.1 Da impugnação das alíneas b) a d), f), j), l), n) e o) dos factos não provados

O recorrente impugna as alíneas b) a d), f), j), l), n) e o) dos factos não provados que têm o seguinte teor:

b) Tem dificuldades para se deslocar mais de 100mts, tendo de parar várias vezes;

c) Claudica mais em terreno irregular ou planos inclinados, podendo aí necessitar de apoio de corrimão ou similar;

d) No Verão, deixou de fazer praia por não conseguir caminhar na areia, situação que o deixa triste;

f) Não consegue acelerar o passo e, portanto, não consegue correr;

j) Não se consegue colocar na posição de cócoras e de joelhos;

l) Apresenta dores na perna esquerda;

n) Apresenta dificuldades em subir e descer escadas;

o) O autor tem cerca de 10 degraus exteriores para aceder ao prédio e mais 20 para aceder ao apartamento.

Pretende que as alíneas b), c), d), j), l) e n) dos factos não provados passem para os factos provados e que as alíneas f) e o) passem para os factos provados com a seguinte redação:

- Não consegue acelerar o passo e não consegue correr (alínea f) dos factos provados);

- O autor tem de transpor vários degraus exteriores para aceder ao prédio e transpor vários degraus para aceder ao apartamento.

Fundamenta a sua pretensão de alteração da decisão da matéria de facto nos seguintes termos:

- quanto às alíneas b), c), d), f), j) e l), a sua prova, nos termos indicados, decorre da factualidade dada como provada nos pontos 73, 74, 75 e 79, todos dos factos provados e ainda do depoimento da testemunha CC nas passagens que localiza temporalmente na gravação, transcrevendo-as;

- relativamente às alíneas n) e o) dos factos não provados sustenta que a sua prova nos termos por si referidos decorre da factualidade dada como provada nos pontos 73, 74, 75, 77 e 79[4], do relatório pericial junto aos autos em 01 de dezembro de 2021 e ainda do depoimento da testemunha CC nas passagens que localiza temporalmente na gravação, transcrevendo-as.

Na sua resposta ao recurso, a recorrida sustenta que dos factos provados nos pontos 73, 64, 75 e 79 não decorre a prova da matéria vertida nas alíneas b), c), d), f), j) e l), nos termos pretendidos pelo recorrente, que a testemunha indicada pelo recorrente é cônjuge do autor, sendo por isso uma pessoa interessada no resultado final da lide, aderindo à motivação do tribunal recorrida na parte relativa à apreciação deste depoimento, acrescentando que o seu depoimento foi induzido, pois que se limitou a confirmar as afirmações do Sr. Advogado do autor.

Quanto às alíneas n) e o) dos factos provados a recorrida alega que da factualidade dada como provada nos pontos 73, 74, 75, 77 e 79 não decorre a prova daquelas alíneas tanto mais que o autor continuou a residir no imóvel onde residia antes do acidente e relativamente ao depoimento testemunhal indicado para fundamentar a pretendida alteração da decisão da matéria de facto, reiterou as críticas já anteriormente mencionadas.

O tribunal recorrido motivou as alíneas impugnadas pelo recorrente da forma que segue:

- Relativamente às als. a) a r) e w) a y): O depoimento da testemunha CC não mereceu quanto a esta matéria credibilidade, já que prestado por pessoa com relação familiar e manifesto interesse no desfecho da acção, enquanto esposa do Autor, para além de não ser corroborado suficientemente por outros elementos. Pareceu-nos ainda que a mesma, em virtude dessa relação e desse interesse, reconhecendo que já antes deste acidente o Autor já mancava, pretendeu empolar, dramatizar, todo o quadro, dizendo, por exemplo que são cerca de 20 degraus exteriores para aceder ao prédio e mais 30 para aceder ao apartamento, quando o Autor na p.i. refere 10 e 20, respectivamente. Apresentando o Autor os antecedentes e o historial referidos em 82. e 83. da matéria provada, no ponto 5. da discussão e das conclusões do relatório pericial do IML de 27/12/2023 conclui-se que “da conjugação entre o conteúdo da avaliação de dano na alta da seguradora e da informação relativa aos tratamentos de fisioterapia, não terão resultado limitações motoras relevantes do acidente dos autos”, mais se concluindo no ponto 7. de tal relatório que apresentando o Autor uma série de alterações, as mesmas são no seu conjunto o resultado de todos esses antecedentes. E, do boletim de avaliação junto pelo Autor com a p.i. (doc. 53), resulta que em 08.01.2020 o Autor encontrava-se curado com uma desvalorização de 8 pontos. Em consequência e atenta a restante prova produzida, o Tribunal não deu como provada toda essa matéria, face à sua insuficiente demonstração”.

Cumpre apreciar e decidir.

O recorrente observa suficientemente os ónus previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil e que impendem sobre o impugnante da decisão da matéria de facto, ónus que variam em função dos meios de prova que sustentam a impugnação.

A recorrida refere na resposta ao recurso que o recorrente não explica em que termos a pretendida alteração da decisão da matéria de facto se vai repercutir na decisão final de mérito.

Desta forma, aparentemente, a recorrida suscita a inocuidade das alterações pretendidas pelo recorrente.

Ora, como é sabido, a reapreciação da matéria de facto não é um exercício dirigido a todo o custo ao apuramento da verdade afirmada pelo recorrente, mas antes e apenas um meio de o recorrente poder reverter a seu favor uma decisão jurídica fundada numa certa realidade factual que lhe é desfavorável e que pretende ver reapreciada de modo a que a realidade factual por si sustentada seja total ou parcialmente acolhida judicialmente.

Logo que faleça a possibilidade de uma qualquer alteração da decisão factual poder ter alguma projeção na decisão da matéria de direito em sentido favorável ao recorrente, à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito, deixa de ter justificação a reapreciação requerida, traduzindo-se antes na prática de ato inútil, legalmente proibido (artigo 130º do Código de Processo Civil).

A nosso ver, a maior parte da matéria impugnada pelo recorrente, caso se prove como pretendido pelo recorrente, implicará uma agravação das consequências do sinistro na pessoa do autor, agravação relevante para a determinação do montante da compensação por danos não patrimoniais.

No entanto, a alínea l) dos factos não provados, ainda que se prove, é redundante face ao que já está vertido nos pontos 73 e 75 dos factos provados no que respeita às dores padecidas pelo autor.

Também quanto à alínea o) dos factos não provados se podem suscitar dúvidas sobre a sua relevância dado que se provou que a habitação do autor é um primeiro andar sem elevador (ponto 77 dos factos provados). Não obstante, porque nos casos de construção em zonas com acentuados declives podem fisicamente existir primeiros andares com acesso direto do exterior, conhecer-se-á desta impugnação.

Não existe assim qualquer obstáculo ao conhecimento da impugnação da decisão da decisão da matéria de facto, salvo quanto à alínea l) dos factos não provados que é redundante, indeferindo-se por isso a reapreciação desta alínea.

Porém, para que não subsistam dúvidas quanto à existência de uma eventual contradição entre factos provados e não provados[5], eliminar-se-á a alínea l) dos factos não provados.

Procedeu-se à audição da única prova pessoal produzida na audiência final e examinaram-se os relatórios médico-legais juntos aos autos em 08 de setembro de 2022, 26 de dezembro de 2022 e 04 de janeiro de 2024.

Embora o recorrente indique a perícia à sua habitação junta aos autos em 02 de dezembro de 2021 como elemento de prova relevante para prova da impugnação por si deduzida, dado que o fim precípuo dessa perícia era a demonstração dos custos necessários à adaptação da habitação do autor às limitações físicas decorrentes do acidente e que tal pretensão indemnizatória foi julgada improcedente, sem reação do autor, entende-se que não se trata de um meio de prova pertinente para cognição da maior parte da impugnação da decisão da matéria de facto.

Porém, embora este relatório pericial não caraterize fisicamente as escadas exteriores e interiores de acesso à habitação do autor, nomeadamente indicando o número de degraus dessas escadas, contém fotografias dessas escadas sem, porém, permitir de forma precisa determinar o número de degraus de cada uma delas e, nesta medida, tem algum relevo probatório para prova da matéria vertida na alínea o) dos factos não provados.

Do exame médico-legal com data de 27 de dezembro de 2013[6] destacam-se as seguintes passagens em sede de “Exame Objetivo” e “Discussão e Conclusões”:

B. EXAME OBJETIVO

1. Estado geral

O Examinando apresenta-se: consciente, orientado, colaborante, com bom estado geral, idade aparente de harmonia com a idade real...........................................................................

O Examinando é dextro e apresenta marcha claudicante, sem recurso a ajudas técnicas..............

2. O examinando apresenta as seguintes alterações...........................................................

− Membro inferior direito: uma cicatriz arciforme de concavidade superior localizada na vertente anterior do terço médio da coxa com 5cm de comprimento. ........................................

uma cicatriz nacarada oblíqua ínfero-medialmente localizada na vertente ântero-lateral do terço médio da coxa com 6cm de comprimento. .................................................

uma cicatriz nacarada ao nível da vertente lateral do terço inferior da coxa, prolongando-se para o joelho, passando inferiormente à rótula à a zona do prato tibial medial, com 24cm de comprimento total. Palpação referida como dolorosa ao nível da rótula, sem outras queixas. ..

Deformidade do joelho que se apresenta mais tumefacto, com deformidade em valgo e atrofia muscular da coxa de 5cm (perímetro de 38cm vs 43cm à esquerda). ..............................

− Membro inferior esquerdo: claudicação da marcha. Consegue deambular em antepés e calcanhares com apoio externo, limitação em agachar. ...............................................................

duas cicatrizes ao nível do terço superior da coxa, verticais, a mais superior com 6cm e a mais inferior com 4cm. .................................

uma cicatriz no terço inferior da face anterior da coxa, oblíqua ínfero-medialmente com 9cm por 1cm de dimensões máximas ...................................................................................................

Superiormente à rótula apresenta uma cicatriz hipercrómica, ovalada com 4cm por 2cm de maiores dimensões. ........................

Medialmente à rótula apresenta uma cicatriz nacarada, vertical com 7cm de comprimento e inferiormente à qual apresenta outra cicatriz vertical com 2cm de comprimento. .....................

tumefacção na vertente medial do terço médio da perna sem queixas à palpação ....................

uma cicatriz vertical, localizada no terço médio da perna com 7cm por 1cm de maiores dimensões……….

Duas cicatrizes hipercrómicas no tornozelo (uma no maléolo medial com 2cm por 1cm de maiores dimensões e outra no maléolo lateral com 2,5cm por 1 cm de dimensões máximas)

Uma cicatriz nacarada em forma de X na vertente anterior do tornozelo com 1,5cm por 1cm de maiores dimensões.....................

Limitação da mobilidade da anca com flexão até 90 graus (de 0- 100 graus à direita), abdução de 0-25 graus (de 0-40 graus à direita), restantes movimentos com amplitudes simétricos.

Ligeiro défice de força muscular ao nível da anca (força muscular grau 4+ em 5) com dor referida anca nos movimentos contra-resistência. .......................................................................

Ligeira rigidez do joelho (arco de 0-130 graus, sendo de 0-140 graus à direita), mas com força muscular conservada e simétrica grau 5 em 5. Sem queixas ou alterações major com provas meniscais ou ligamentares. ...............................................................

Tornozelo e pé com amplitudes ativas, passivas e contra-resistência preservadas e simétricas com força muscular grau 5 em 5 e sem queixas referidas nos movimentos de flexão plantar, dorsiflexão, eversão e inversão. Presença de pés planos bilateral, mais marcado à esquerda. ...

Sem aparente dismetria dos membros inferiores. ...........................

(…)

Discussão e Conclusões

1-Previamente ao sinistro dos autos foram verificados os seguintes antecedentes: ............

a) luxação recidivante da rótula do joelho direito (de acordo com informação fornecida pelo sinistrado, congruente com alterações ao exame objectivo);........................................

b) epilepsia (crises tónico-clónico generalizadas) desde os 20 anos de idade (sendo mencionada associação a consumo abusivo de álcool e/ou a má adesão terapêutica);.........................

c) acidente vascular cerebral do qual terá resultado hemiparesia esquerda (nos registos clínicos recebidos tal sequela é descrita como ligeira, não nos tendo sido facultada informação que permita situar temporalmente tal acidente vascular e tratamentos na sequência do mesmo e exactas sequelas do mesmo). ..................

2- Apresentando os antecedentes acima descritos, sofreu o sinistro dos presentes autos em 17-11-2017 (acidente de motociclo), do qual resultaram, como lesões:..................................

a) fratura da rótula direita (fractura cominutiva desalinhada a rótula, extenso derrame articular),……………

b) fractura condiliana do fémur direito (fractura com orientação vertical e transversal do 1/3 posterior do côndilo femoral interno com discreta cominuição e com um fragmento de 8mm destacado),..........................................................................................

c) fratura trocantérica do fémur esquerdo (encavilhamento cérvicodiafisário fémur esquerdo) .....

d) fratura dos ossos da perna esquerda (encavilhamento anterógrado da tíbia. Posterior complicação por pseudartrose que foi resolvida após tratamentos cirúrgicos)..........................

3. As lesões descritas no ponto anterior foram tratadas no SNS e nos serviços clínicos da seguradora. Nos registos clínicos dos tratamentos de fisioterapia consta a seguinte informação em 13-06-2028 consta:

“verifica-se um aumento da força muscular em ambos os membros, na maioria dos movimentos avaliados. Todos os movimentos avaliados no doente apresentam a amplitude completa com resistência máxima no segmento distalmente. Contudo, o doente apresenta dor na extensão completa do joelho direito.

Relativamente às amplitudes articulares avaliadas o utente apresenta melhoria das mesmas, estando a progredir de forma favorável e notória. Verifica-se uma ligeira diferença na amplitude a abdução da perna esquerda, que se encontra diminuída uma vez que o ilíaco do mesmo lado se encontra posterizado e com retracções musculares associadas a articulação em questão............

(…. ) O sinistrado é capaz de deambular sem auxílio para todas as direcções embora lentamente para não existir claudicação de marcha, assim como subir e descer escadas com as pernas alternadas. Contudo, este refere do[r?] na face ântero-interna e terço proximal da perna esquerda, bem como dor muscular ao nível do grande troncanter esquerdo quando faz apoio unipodal dinâmico do membro inferior em questão. O paciente é capaz de realizar as atividades de vida diária de forma independente, porém sempre com a dor referida anteriormente. Apresenta também um desalinhamento articular em todo o membro inferior esquerdo notório, que lhe dificulta a realização das mesmas. “ ..............................................................

Depois da observação transcrita, foi operado para tratamento da pseudartrose da tíbia da perna esquerda, com posterior constatação de resolução de tal pseudartrose.........................

Finalmente, em 09-01-2020, foi realizada avaliação de dano pelos serviços clínicos da seguradora com atribuição de Défice Funcional Permanente na Integridade Físico-Psíquica de 8 pontos (Mf1302, Mf1310, Mf1310) ...............................................................

4. As alíneas Mf1302, Mf1310, Mf1310 correspondem a quadros dolorosos, respectivamente, anca dolorosa, joelho doloroso, e joelho doloroso...................................................

5. Da conjugação entre o conteúdo da avaliação de dano na alta da seguradora e da informação relativa aos tratamentos de fisioterapia, não terão resultado limitações motoras relevantes do acidente dos autos..............................................................................

6. Com os antecedentes acima descritos, sofreu novo acidente de viação em 01-09-2021 (acidente de motociclo) com várias lesões: fractura da asa do sacro à direita, fractura de ramos ísquio-púbicos bilateralmente, fractura cominutiva da omoplata direita, fractura de 6º, 7º e 8º arcos costais direitos, fracturas do 4º, 5º, 6º e 7º arcos costais esquerdos (identificadas também antigas fracturas de várias costelas bilateralmente já consolidadas), laceração do baço, volumoso hematoma pré-vesical, feridas abrasivas nas mãos e joelho esquerdo, edema da pirâmide nasal com vestígios de sangue, escoriação/abrasão na parede torácica anterior e flanco abdominal esquerdo. Internamento decorrido até 10-09-2021, data em que foi referenciado à rede nacional de cuidados continuados ......

7. Foi observado pericialmente em 26-07-2022, apresentando as alterações acima descritas que são no seu conjunto o resultado de todos os antecedentes acima descritos..............................

8. No que diz respeito ao acidente dos presentes autos, da conjugação entre o estado descrito nos tratamentos de fisioterapia (com mobilidades e força articular preservadas) e nas sequelas subjacentes à avaliação de dano corporal da seguradora, não se pode concluir pela existência de necessidade de obras de adaptação do domicílio nem de produtos de apoio resultante do acidente de 17-11-2017 .......................

Procedeu-se à audição do depoimento prestado por CC, cinquenta e dois anos de idade, esposa do autor e por isso com algum interesse na causa.

Prestou um depoimento em grande medida condicionado pela forma sugestiva como parte significativa das questões lhe foram colocadas pelo Sr. Advogado do autor e, aparentemente, exagerou algumas das caraterísticas físicas da sua habitação relativas à sua acessibilidade, mencionando a existência de vinte degraus nas escadas exteriores e de cerca de trinta nas escadas interiores[7], enquanto o autor havia alegado na petição inicial a existência de cerca de dez degraus no exterior e de vinte no interior (artigo 96º da petição inicial).

Declarou que o autor tem dores nas pernas quando muda o tempo ou está nevoeiro, tomando brufen e benuron embora não de forma constante, medicação que compra sem receita médica; o autor queixa-se mais da perna a que foi operado, a perna esquerda; o comportamento de seu marido tem-se alterado, estando mais agressivo; caminha coxeando, tendo dificuldade em caminhar mais de cem metros seguidos; não consegue caminhar na areia, o que determinou que nunca mais fosse à praia; se seu marido acelerar o passo cai, não conseguindo colocar-se de cócoras ou ajoelhar; seu marido precisa de ajuda para entrar na banheira e, quando se senta na sanita, para se levantar, usa o lavatório como ponto de apoio; consegue calçar sapatilhas largas mas não consegue apertar os atacadores.

Da prova pericial médico-legal produzida e que nos segmentos mais relevantes se reproduziu, destacam-se as seguintes passagens:

- O Examinando é dextro e apresenta marcha claudicante, sem recurso a ajudas técnicas”;

- “Deformidade do joelho que se apresenta mais tumefacto, com deformidade em valgo e atrofia muscular da coxa de 5cm (perímetro de 38cm vs 43cm à esquerda)

- Membro inferior esquerdo: claudicação da marcha. Consegue deambular em antepés e calcanhares com apoio externo, limitação em agachar”;

- “Limitação da mobilidade da anca com flexão até 90 graus (de 0- 100 graus à direita), abdução de 0-25 graus (de 0-40 graus à direita), restantes movimentos com amplitudes simétricos;

- Ligeiro défice de força muscular ao nível da anca (força muscular grau 4+ em 5) com dor referida anca nos movimentos contra-resistência”;

- Ligeira rigidez do joelho (arco de 0-130 graus, sendo de 0-140 graus à direita), mas com força muscular conservada e simétrica grau 5 em 5. Sem queixas ou alterações major com provas meniscais ou ligamentares”;

- Tornozelo e pé com amplitudes ativas, passivas e contra-resistência preservadas e simétricas com força muscular grau 5 em 5 e sem queixas referidas nos movimentos de flexão plantar, dorsiflexão, eversão e inversão. Presença de pés planos bilateral, mais marcado à esquerda”;

- Sem aparente dismetria dos membros inferiores

- “1-Previamente ao sinistro dos autos foram verificados os seguintes antecedentes:

a) luxação recidivante da rótula do joelho direito (de acordo com informação fornecida pelo sinistrado, congruente com alterações ao exame objectivo);

b) epilepsia (crises tónico-clónico generalizadas) desde os 20 anos de idade (sendo mencionada associação a consumo abusivo de álcool e/ou a má adesão terapêutica);

c) acidente vascular cerebral do qual terá resultado hemiparesia esquerda (nos registos clínicos recebidos tal sequela é descrita como ligeira, não nos tendo sido facultada informação que permita situar temporalmente tal acidente vascular e tratamentos na sequência do mesmo e exactas sequelas do mesmo)”;

- “Nos registos clínicos dos tratamentos de fisioterapia consta a seguinte informação em 13-06-2028 consta:

“verifica-se um aumento da força muscular em ambos os membros, na maioria dos movimentos avaliados. Todos os movimentos avaliados no doente apresentam a amplitude completa com resistência máxima no segmento distalmente. Contudo, o doente apresenta dor na extensão completa do joelho direito.

- Relativamente às amplitudes articulares avaliadas o utente apresenta melhoria das mesmas, estando a progredir de forma favorável e notória. Verifica-se uma ligeira diferença na amplitude a abdução da perna esquerda, que se encontra diminuída uma vez que o ilíaco do mesmo lado se encontra posterizado e com retracções musculares associadas a articulação em questão.

(…. )

- O sinistrado é capaz de deambular sem auxílio para todas as direcções embora lentamente para não existir claudicação de marcha, assim como subir e descer escadas com as pernas alternadas. Contudo, este refere do[r?] na face ântero-interna e terço proximal da perna esquerda, bem como dor muscular ao nível do grande troncanter esquerdo quando faz apoio unipodal dinâmico do membro inferior em questão. O paciente é capaz de realizar as atividades de vida diária de forma independente, porém sempre com a dor referida anteriormente. Apresenta também um desalinhamento articular em todo o membro inferior esquerdo notório, que lhe dificulta a realização das mesmas.

- “5. Da conjugação entre o conteúdo da avaliação de dano na alta da seguradora e da informação relativa aos tratamentos de fisioterapia, não terão resultado limitações motoras relevantes do acidente dos autos.

Resumido o essencial do depoimento prestado pela testemunha e tendo presente a sua razão de ciência, o seu interesse na causa e as condições em que foram prestadas as declarações e recordadas as passagens pertinentes do exame médico-legal, é tempo de conhecer concretamente da impugnação da decisão da matéria de facto requerida pelo recorrente.

Sublinhe-se que ao contrário do que pressupõe o recorrente, da factualidade provada nos pontos 73 a 75, 77 e 79 dos factos provados não decorre necessariamente a prova das alíneas dos factos não provados por ele impugnadas.

As alíneas b), c), d), f) e n) dos factos provados têm como único suporte probatório positivo o depoimento da esposa do autor.

No entanto, da prova pericial resulta que o autor tem marcha claudicante, mas sem recurso a ajudas técnicas, que consegue deambular em antepés e calcanhares com apoio externo, constando da ficha de fisiatria do autor que “é capaz de deambular sem auxílio para todas as direcções embora lentamente para não existir claudicação de marcha, assim como subir e descer escadas com as pernas alternadas[[8]].

Assim, tudo sopesado, conclui-se que a prova produzida e a factualidade já dada como provada não é bastante para permitir a formação de uma convicção probatória positiva deste tribunal quanto à realidade da matéria vertida nas alíneas b), c), d), f) e n) dos factos não provados.

Deste modo, improcede a impugnação das alíneas b), c), d), f) e n) dos factos não provados.

No que respeita à alínea j) dos factos não provados, uma vez mais apenas o depoimento da esposa do autor suporta uma resposta positiva a esta matéria; contudo, da prova pericial resulta somente que o autor tem dificuldade em agachar-se.

Neste contexto probatório afigura-se-nos que apenas se deve dar como provado que o autor tem dificuldade em colocar-se de cócoras, mantendo-se não provada a parte restante da alínea j) dos factos não provados.

Finalmente, relativamente à alínea o) dos factos não provados, a prova pessoal produzida não é fiável pelas razões já antes enunciadas.

Pode questionar-se se este ponto de facto não se tornou supervenientemente inócuo por força da não prova da alínea n) dos factos não provados.

A nosso ver, afigura-se-nos que mesmo com a não prova da alínea n) dos factos não provados este ponto de facto ainda tem algum relevo, pois sempre será de presumir que a mobilização das pernas a que a transposição das escadas obriga se repercutirá negativamente nas dores que o autor diariamente sentirá nos seus membros inferiores.

Não obstante a falta de fiabilidade do depoimento da esposa do autor, pelas razões já mencionadas, existe prova documental de que para aceder à sua habitação o autor tem que transpor escadas exteriores e interiores (vejam-se as fotografias que instruem o relatório pericial junto aos autos em 02 de dezembro de 2021).

Deve assim dar-se como provado que para aceder à sua habitação, o autor tem que transpor escadas exteriores e interiores, julgando-se não provado que as escadas exteriores têm dez degraus e que as escadas interiores têm vinte degraus.

Assim, face o exposto, conclui-se pelo indeferimento da impugnação da alínea l) dos factos não provados e pela sua supressão, pela improcedência da impugnação das alíneas b), c), d), f) e n) dos factos não provados e pela parcial procedência da impugnação das alíneas j) e o) dos factos não provados nos termos antes expostos.

3.2 Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida com as alterações decorrentes da parcial procedência da impugnação da decisão da matéria de facto nos termos precedentemente expostos

3.2.1 Factos provados


3.2.1.1

No dia 17 de novembro de 2017, cerca das 15 Horas e 10 Minutos, na Rua ..., da localidade ..., ocorreu um sinistro (colisão) em que foram intervenientes:

- O veículo automóvel, ligeiro de passageiros, da marca Chevrolet, modelo ... com a matrícula ..-AX-.., pertencente a DD e conduzido na altura por BB; e

- O ciclomotor, da marca S.I.S, modelo ..., com a matrícula ..-EQ-.., pertencente a AA, ora autor, e por si conduzido.


3.2.1.2

Na altura, fazia bom tempo e com boas condições de visibilidade.

3.2.1.3

O local onde o sinistro ocorreu configura um cruzamento de vias de trânsito, melhor descrito e visível no croquis elaborado pela autoridade policial e que faz parte integrante do Doc. 1 junto com a p.i., aqui dado por reproduzido.

3.2.1.4

Na via de trânsito proveniente da variante ..., junto ao referido cruzamento está sinalizado com um sinal vertical de prescrição absoluta B2, isto é, STOP.

3.2.1.5

O EQ circulava na Rua ..., pela hemifaixa da direita, no sentido ... – ....

3.2.1.6

Ao chegar à zona de interseção de vias, surgiu o AX a circular na Variante ... que chegado ao aludido cruzamento, não atendeu à presença do EQ no cruzamento e à sinalização existente que o obrigava a ceder a passagem, tendo sido inevitável a colisão entre os veículos.

3.2.1.7

Embatendo o AX com a frente na parte lateral esquerda do EQ, provocando a queda do ciclomotor e do seu condutor no solo;

3.2.1.8

À data do sinistro, o veículo automóvel de matrícula ..-AX-.. tinha a responsabilidade de indemnizar terceiros, pelos danos decorrentes de acidentes causados com o referido veículo, transferida para a ré, por contrato de seguro titulado pela apólice nº ....

3.2.1.9

A ré atribuiu e assumiu integralmente a culpa da condutora do veículo AX e a responsabilidade no ressarcimento dos danos causados ao autor.

3.2.1.10

A ré procedeu ao pagamento de alguns prejuízos e despesas médicas reclamadas, designadamente, danos do veículo ..-EQ-.., capacete, vestuário, apoio domiciliário de 3ª pessoa, como melhor se alcança da correspondência enviada e recibos de indemnização emitidos pela ré, juntos com a p.i.

3.2.1.11

Em virtude do sinistro, o autor sofreu lesões corporais que determinaram a intervenção e assistência no local pelo INEM e consequente transporte para o hospital do Centro Hospitalar ..., E.P.E, em Santa Maria da Feira, onde deu entrada no serviço de urgência.

3.2.1.12

Nesta unidade hospitalar, o autor foi submetido a diversos exames complementares de diagnóstico, designadamente, Tac crâneo-encefálico, Tac toraco-abdominopélvico, Tac cervical + dorsal + lombar, Tac à rótula e RX à rótula M do Joelho esquerdo e Tac da Coluna Lombar.

3.2.1.13

O autor sofreu as seguintes lesões:

- Escoriações nos membros, com feridas da coxa e perna esquerdas;

- Membro inferior Direito: fratura cominutiva e desalinhada da rótula com fragmento ósseo na região posterior dos côndilos (tratamento conservador); Fratura com orientação vertical e transversão do terço posterior do côndilo femoral medial, com discreta cominução e com um fragmento de 8mm destacado (fratura de Hoffa) – tratamento conservador;

- Membro inferior Esquerdo: fratura trocantérica do fémur (tratamento cirúrgico); fratura exposta e cominutiva diafisária dos ossos da perna (tratamento cirúrgico).


3.2.1.14

Perante o quadro clínico o autor ficou internado, de acordo com Registo Diário de Internamento junto com a p.i. como Doc. 12 e cujo teor se dá aqui por reproduzido, e submetido a cirurgias em 18-11-2017 para encavilhamento anterógrafo da tíbia + encavilhamento cervicodiafisário do fémur esquerdo.

3.2.1.15

Para a realização destas cirurgias, foi-lhe ministrada anestesia geral.

3.2.1.16

Durante o internamento ocorreram diversas complicações e queixas álgicas, melhor descritas nos registos clínicos de internamento junto com a p.i. como Doc. 14 e cujo teor se dá por reproduzido.

3.2.1.17

Em 18-11-2017 realizou TAC do joelho direito por suspeita da rótula, por apresentar ferida traumática e edema do joelho e que por indicação médica foi-lhe colocada Tala de Depuy, que assim manteve durante todo o internamento.

3.2.1.18

O autor foi sujeito a múltipla medicação, designadamente, Tiamina 100 mg/2 ml sol. Inj intravenosa; Haloperidol 5 mg/ 1ml Sol. Inj. Intravenosa; Oxazepam 15 mg comp.; Tiaprida 100 mg/2ml sol. Inj. Intravenosa; Cefazolina 1000mg pó sol. Inj. Intravenosa; Petidina 50mg /2ml inj..; Esomeprazol 40 mg comp.; Polielectrol + Glucose 50 mg/ml Sol. Inj.; Diclofenac 75 mg /2ml sol. Inj.; Paracetamol 500 mg comp.; Enoxaparina sódica 40 mg/0,4 Sol. Inj..

3.2.1.19

O autor esteve internado nesta unidade hospitalar durante 16 dias, isto é, de 17/11/2017 até 01/12/2017, que teve alta de internamento hospitalar.

3.2.1.20

O autor teve alta com imobilização gessada do Membro Inferior Direito; indicação de descarga dos Membros inferiores e Orientado para Consulta externa de Ortopedia, tendo por efeito sido transportado para o domicílio de ambulância.

3.2.1.21

Foi sujeito a medicação que lhe foi prescrita, concretamente, Lovenox 40 mg/0,4 ml, sol. Inj., Dualgan 300 mg comp., Paracetamol 1000 mg comp. e Tramadol 50 mg Cáps.

3.2.1.22

Teve necessidade de cuidados de enfermagem que consistiu em fazer extração de agrafos e pontos e tratamentos de feridas cirúrgicas.

3.2.1.23

No domicílio necessitou de auxílio e cuidados imprescindíveis e inadiáveis de terceira pessoa que foram prestados pela esposa do autor para várias funções, nomeadamente, cuidados de higiene pessoal, alimentação, durante 5 (cinco) meses, mais concretamente até abril de 2018, determinados pelos serviços clínicos da ré.

3.2.1.24

O autor tinha muitas dificuldades em dormir por não conseguir posicionar-se na cama que assim lhe causava transtornos de sono.

3.2.1.25

No entanto, e apesar da medicação, o autor continuava com muitas dores por causa dos membros inferiores.

3.2.1.26

No dia 18/12/2017 o autor foi avaliado pela primeira vez pelos serviços clínicos da ré, cujo acompanhamento se manteve até à data em que lhe foi atribuída alta, e de acordo com o cartão de registo de consultas, pensos e exames determinados pelos serviços clínicos da ré, juntos como docs. 21 e 22 com a p.i. e aqui dados por reproduzidos.

3.2.1.27

Em virtude da tala gessada partida, no dia 24/12/2017 o autor apresentou-se no serviço de urgência do Hospital ..., onde foi efetuada nova imobilização do membro inferior direito.

3.2.1.28

O autor realizou Tratamentos de Fisioterapia no Domicílio determinados pelos serviços clínicos da ré, que tiveram início em 26/01/2018.

3.2.1.29

Sucede que o autor, e apesar da medicação, queixava-se de muitas dores na perna esquerda e no membro inferior direito apresentando edema articular ao nível do joelho e no pé.

3.2.1.30

Na sequência do acompanhamento clínico prestado pela ré, no dia 06-03-2018 foi internado em unidade hospitalar e submetido a intervenção cirúrgica, que consistiu em Osteossíntese Diafisária no membro inferior esquerdo.

3.2.1.31

Para a realização desta cirurgia, foi-lhe ministrada anestesia geral.

3.2.1.32

Durante o tempo em que o mesmo aí permaneceu internado nessa unidade hospitalar, foi-lhe ministrada diversa medicação farmacológica.

3.2.1.33

Quando teve alta de internamento hospitalar para o domicílio, o autor continuou a recuperar da intervenção cirúrgica a que foi sujeito, não podendo realizar esforços e alguns movimentos mantendo consideráveis limitações que determinaram a necessidade na continuidade de assistência de terceira pessoa para execução e auxílio de várias tarefas.

3.2.1.34

Necessitou de cuidados de enfermagem que lhe foram propostos e realizados nos serviços clínicos da ré.

3.2.1.35

Tomou a medicação analgésica que lhe foi prescrita pelo Hospital, designadamente, Zaldiar comp.

3.2.1.36

No dia 13/03/2018 o retomou os tratamentos de fisioterapia, conforme relatórios do serviço de fisioterapia datados de 04/04/2018, 02/05/2018, 29/05/2018 e 12/06/2018 juntos com a p.i. como docs. 28 a 31 e aqui dados por reproduzidos.

3.2.1.37

Durante os tratamentos o autor passou por muitas dificuldades e queixas dolorosas na perna esquerda e no membro inferior direito apresentando edema articular ao nível do joelho e no pé.

3.2.1.38

No dia 19-06-2018 o autor foi novamente internado e sujeito a intervenção cirúrgica que consistiu em correção de pseudartrose da tíbia esquerda.

3.2.1.39

Para a realização desta cirurgia foi-lhe ministrada anestesia geral.

3.2.1.40

Durante o período de internamento, que em concreto não foi possível determinar[9], nessa unidade hospitalar o autor foi sujeito à medicação especificada no diário clínico junto com a p.i. como doc. 39 e aqui dado por reproduzido.

3.2.1.41

No dia 20-06-2018 o autor teve alta de internamento hospitalar.

3.2.1.42

Fez a medicação que lhe foi prescrita pelo Hospital, designadamente, tramadol 50 mg comp., Metoclopramida 10 mg comp. e Enoxaparina 0,4 ml sol. Inj..

3.2.1.43

Mantinha o pé e a perna esquerdos muitos inchados que lhe causava dores e desconforto passando a maior parte do tempo deitado na cama ou sentado no sofá.

3.2.1.44

Fazia pequenos percursos e de modo débil com recurso a duas canadianas.

3.2.1.45

No dia 11-07-2018 o autor recorreu ao serviço de urgência do Hospital ..., por Deiscência de Sutura da Ferida Operatória, após retirada dos últimos agrafos, que implicou tratamento.

3.2.1.46

Reiniciou tratamentos de fisioterapia aos membros inferiores que lhe foram prescritos pelos serviços clínicos da ré e realizados na C..., Lda..

3.2.1.47

O autor tinha muitas dificuldades em adormecer e transtornos de sono por não conseguir estar virado para qualquer um dos lados devido às dores que tais posições provocavam, dormindo em decúbito dorsal (barriga para cima).

3.2.1.48

Mantinha um quadro doloroso que o impedia e/ou dificultava em vários atos da vida quotidiana.

3.2.1.49

Apresentava quadro de pseudoartrose da tíbia esquerda, pelo que foi solicitada cirurgia de correção.

3.2.1.50

No dia 20-11-2018 o autor foi novamente internado e sujeito a intervenção cirúrgica que consistiu em: - Extração de cavilha; - Enxerto ósseo devido à pseudartrose; - Osteossíntese com Placa e parafusos.

3.2.1.51

Para a realização desta cirurgia sujeito a Anestesia Geral.

3.2.1.52

Durante o período de internamento, que em concreto não possível determinar, nessa unidade hospitalar, foi-lhe ministrada diversa medicação farmacológica.

3.2.1.53

Quando teve alta de internamento hospitalar para o domicílio, o autor continuou a recuperar da intervenção cirúrgica a que foi sujeito, não podendo realizar esforços e alguns movimentos mantendo consideráveis limitações que determinaram a necessidade na continuidade de assistência de terceira pessoa para execução e auxílio de várias tarefas.

3.2.1.54

Foi sujeito a medicação analgésica e anti-inflamatória que lhe foi prescrita pelo Hospital.

3.2.1.55

Teve necessidade de cuidados de enfermagem que consistiram em fazer tratamentos e pensos às feridas e remoção dos pontos que foram realizados nos serviços clínicos da ré.

3.2.1.56

Retomou os tratamentos de fisioterapia aos Membros Inferiores na clínica C..., ordenados pelos serviços clínicos da ré.

3.2.1.57

O autor vivia momentos de angústia e forte afetação psicológica pela não evolução favorável das lesões que lhe causava grande limitação e dor.

3.2.1.58

No dia 13-06-2019 foi uma vez mais internado em Hospital, e submetido a intervenção cirúrgica que consistiu em: - Extração do Material de Osteossíntese no pé esquerdo.

3.2.1.59

Para a realização da cirurgia foi sujeito, uma vez mais, a anestesia geral.

3.2.1.60

O autor teve alta de internamento hospitalar no dia 14-06-2019, e medicado para domicílio com Diclofenac 50 mg comp. e Enoxaparina 40 mg, e ainda com orientação para deambular com canadianas e fazer gelo 15/20 minutos – 4 a 5 vezes dia;

3.2.1.61

No domicílio, o autor continuou a recuperar da intervenção cirúrgica a que foi sujeito, não podendo realizar esforços e alguns movimentos.

3.2.1.62

Retomou os tratamentos de fisioterapia aos membros inferiores na C...,Lda., sita em Santa Maria da Feira.

3.2.1.63

Precisava de auxílio de terceira pessoa para se vestir e calçar e alguns atos de higiene pessoal.

3.2.1.64

Continuou a ser acompanhado nos serviços clínicos da ré através de consultas e realização de exames complementares de diagnóstico.

3.2.1.65

O autor vivia momentos de angústia e forte afetação psicológica pelas lesões sofridas e operações a que tinha sido sujeito, bem como o acidente continuava muito presente na sua vida.

3.2.1.66

Em 17-10-2019 o autor foi, pela sexta vez, internado em unidade hospitalar e aí submetido a intervenção cirúrgica que consistiu em Descorticação da tíbia esquerda.

3.2.1.67

Para a realização da cirurgia foi sujeito, uma vez mais, a anestesia geral.

3.2.1.68

Teve alta de internamento hospitalar no dia 18-10-2019, com indicação de elevação do membro inferior esquerdo, crioterapia local por períodos, treino de marcha com canadianas de acordo com a indicação médica e execução do tratamento à ferida cirúrgica de acordo com a indicação médica.

3.2.1.69

Conforme resulta da avaliação final do dano corporal a que o autor foi sujeito pela ré em 08-01-2020, junto com a p.i. como doc. 51 e aqui dado por reproduzido:

- Data de consolidação médico-legal das lesões: 08-01-2020;

- Quantum Doloris – 5 numa escala de 7;

- Incapacidade Permanente Parcial (I.P.P.): 8% (8 pontos);

- Dano estético – 2 numa escala de 7.


3.2.1.70

Considerando a data do acidente e a data da consolidação médico-legal, os Períodos de Défice Funcional Temporário (total e parcial) perfazem um total de 781 dias.

3.2.1.71

Durante todos os períodos de Défice Funcional Temporário o autor sofreu muitas queixas dolorosas e afetação psicológica.

3.2.1.72

O autor nasceu em ../../1967, contando 50 anos à data do sinistro.

3.2.1.73

De acordo com o relatório de avaliação da ré, o autor é portador das seguintes Sequelas:

- Agravamento da situação prévia a nível do joelho direito, designadamente o quadro álgico, com consequente agravamento das dificuldades da marcha e mobilização em geral;

- Limitação na rotação externa e dor na anca esquerda;

- Desvio do eixo da perna esquerda, com repercussão a nível da claudicação da marcha;

- Rigidez do tornozelo esquerdo para a dorsiflexão.


3.2.1.74

O autor é ainda portador do seguinte material de osteossíntese:

- Vareta do joelho até à canela do pé esquerdo;

- Dois parafusos na anca;

- Cavilha no pé.


3.2.1.75

Em virtude das mazelas decorrentes do presente sinistro, o autor apresenta um quadro doloroso, designadamente anca e joelhos dolorosos.

3.2.1.76

Por tal motivo, embora não tome medicação analgésica regular, ocasionalmente toma ibuprofeno.

3.2.1.77

O autor vive no 1º andar de um apartamento sem elevador.

3.2.1.78

O autor é portador de múltiplas cicatrizes no membro inferior esquerdo em virtude das diversas cirurgias a que foi sujeito.

3.2.1.79

Apresenta agravamento da claudicação a nível da marcha.

3.2.1.80

Em virtude do presente sinistro, o autor gastou, em 08/10/2020, € 8,97 com medicação.

3.2.1.81

À data do sinistro, o autor encontrava-se, como se encontra, reformado por invalidez.

3.2.1.82

Previamente ao sinistro dos autos, o autor apresentava os seguintes antecedentes:

a) luxação recidivante da rótula do joelho direito (de acordo com informação fornecida pelo sinistrado, congruente com alterações ao exame objetivo);

b) epilepsia (crises tónico-clónico generalizadas) desde os 20 anos de idade (sendo mencionada associação a consumo abusivo de álcool e/ou a má adesão terapêutica);

c) acidente vascular cerebral do qual terá resultado hemiparesia esquerda.


3.2.1.83

Após o sinistro dos autos, o autor teve outro acidente de viação em 01/09/2021: seguia de motociclo, tendo embatido em ligeiro de passageiros e caído ao chão. Desse acidente sofreu as seguintes lesões: fratura da asa do sacro à direita, fratura de ramos ísquio-púbicos bilateralmente, fratura cominutiva da omoplata direita, fratura de 6º, 7º e 8º arcos costais direitos, fraturas do 4º, 5º, 6º e 7º arcos costais esquerdos (identificadas também antigas fraturas de várias costelas bilateralmente já consolidadas), laceração do baço, volumoso hematoma pré-vesical, feridas abrasivas nas mãos e joelho esquerdo, edema da pirâmide nasal com vestígios de sangue, escoriação/abrasão na parede torácica anterior e flanco abdominal esquerdo. Internamento decorrido até 10-09-2021, data em que foi referenciado à rede nacional de cuidados continuados.

3.2.1.84

Perante as sequelas de que é portador, irá necessitar de um reforço da medicação analgésica e anti-inflamatória para o resto da sua vida, ainda que em SOS.

3.2.1.85

O autor tem dificuldade em colocar-se de cócoras.

3.2.1.86

Para aceder à sua habitação, o autor tem que transpor escadas exteriores e interiores.

3.2.2. Factos não provados


3.2.2.1

As mazelas do acidente em causa nos presentes autos marcam-no profundamente no seu dia a dia, alterando a sua maneira de ser e os seus hábitos, apresentando diversas queixas, nomeadamente:

- Tem dificuldades para se deslocar mais de 100mts, tendo de parar várias vezes;

- Claudica mais em terreno irregular ou planos inclinados, podendo aí necessitar de apoio de corrimão ou similar;

- No Verão, deixou de fazer praia por não conseguir caminhar na areia, situação que o deixa triste;

- O autor apresenta alterações a nível de irritabilidade, inquietação e hostilidade com outras pessoas;

- Não consegue acelerar o passo e, portanto, não consegue correr;

- Não consegue caminhar se estiver a carregar com pesos a partir de 5 Kg;

- Mais dificuldade nas posturas ortostática, sentada e em decúbito quando prolongadas;

- No leito, tem transtornos de sono por ter de mudar frequentemente de posição;

- Não se consegue colocar de joelhos;

- Tem dificuldade nas mudanças de posição e nas transferências, conseguindo passar da posição sentada a de pé com dificuldade e dor;

- De igual forma, com as mudanças climáticas, o autor sente acrescidas dores e mal-estar;

- Apresenta dificuldades em subir e descer escadas;

- As escadas exteriores que o autor tem de transpor para aceder ao prédio têm cerca de 10 degraus exteriores, tendo as escadas interiores para aceder ao apartamento ... para aceder ao apartamento;

- Tem dificuldades para a realização de cuidados pessoais, designadamente para vestir e despir a metade inferior do corpo, calçar-se, fazer a sua higiene pessoal, tomar banho ou usar a sanita;

- Precisa de apoio para se erguer da sanita (dada a altura da mesma), apoiando-se, em geral, no lavatório;

- Necessita de apoio da esposa para calçar e descalçar meias ou calças mais apertadas e para entrar e sair da banheira;

- Em virtude do presente sinistro e das lesões e sequelas sofridas pelo autor com o mesmo, são necessárias adaptações no prédio e fração onde o autor reside;

- Em virtude do presente sinistro e das lesões e sequelas sofridas pelo autor com o mesmo, o autor necessita de produtos de apoio específicos necessários para minorar o impacto do acidente na sua vida.


3.2.2.2

Em virtude do presente sinistro e das lesões e sequelas sofridas pelo autor com o mesmo, são necessárias as seguintes adaptações/trabalhos da fração e prédio que o autor habita:

- Obras de reconstrução civil, incluindo nova porta, acerto de vãos, remoção e colocação de novas peças sanitárias, adaptação de canalizações, execução de rampa para o terraço, no montante estimado de € 4.800,00;

- Dispositivos especiais para aplicação no wc, no montante estimado de € 1.190,00;

- Fornecimento e aplicação das plataformas elevatórias, no montante estimado de € 30.890,00.


3.2.2.3

E, em virtude do presente sinistro e das lesões e sequelas sofridas pelo autor com o mesmo, o autor necessita e beneficiaria com os seguintes produtos de apoio, cujo custo global (excluindo as cadeiras elevatórias para escadas, cujo valor só pode ser indicado pelo fornecedor) ascende a € 2.313,60:

- barras de apoio para a sanita, proporcionando segurança durante a transferência da/para a sanita;

- cadeira de duche, de modo a facilitar a realização com segurança do duche;

- cadeiras elevatórias para escadas;

- colchão de conforto, aumentando os níveis de conforto na posição de deitado;

- estrado articulado para a sua cama atual, permitindo várias posições (de deitado a sentado) com a simples utilização de um comando.


3.2.2.4

O autor deixou de fazer tarefas domésticas habituais que então fazia até ao acidente, tais como limpezas domésticas.

3.2.2.5

Atualmente apenas aquece a comida no micro-ondas e lava depois a louça.

3.2.2.6

Em virtude das lesões e sequelas do acidente, deixou de fazer caminhadas e andar de bicicleta.

4. Fundamentos de direito

O recorrente insurge-se contra o montante da compensação que lhe foi arbitrada a título de danos não patrimoniais pugnando pelo seu aumento para a quantia de cinquenta e cinco mil euros, valor que reputa mais adequado para compensar as dores e o prejuízo estético resultante das lesões por si sofridas e o variado e vasto leque de sequelas de que ficou a padecer, entre as quais se inclui a incapacidade parcial permanente de oito pontos.

Alega que o valor da compensação fixado corresponde ao montante de € 38 610,00 na data da propositura da ação, quantia de todo insuficiente para compensar justamente os danos não patrimoniais por si sofridos.

A recorrida pugna pelo não conhecimento do recurso em matéria de direito em virtude de o recorrente não ter indicado o sentido em que as normas pretensamente violadas foram interpretadas e aplicadas e aquele em que deviam ter sido interpretadas.

Na eventualidade de se entender inexistir qualquer obstáculo ao conhecimento do objeto do recurso, a recorrida alega que o valor da compensação arbitrada a título de danos não patrimoniais corresponde quase na íntegra ao montante de € 45 492,85 que o recorrente veio pedir aquando da última ampliação do pedido formulada em 05 de abril de 2024, pelo que o pedido agora formulado pelo recorrente em sede de recurso corresponde a uma ampliação do pedido proibida e a sua eventual procedência significaria uma condenação ultra petitum.

Finalmente, a recorrida alega que sendo a decisão recorrida proferida com recurso a juízo de equidade, a decisão de modificação pelo tribunal de recurso acha-se muito limitada, citando em abono da sua posição um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12 de julho de 2022, proferido no processo nº 4046/17.1T8VIS.C2.

Cumpre apreciar e decidir.

A recorrida suscita a inobservância do ónus previsto na alínea b) do nº 2 do artigo 639º do Código de Processo Civil e conclui em consequência pelo não conhecimento do recurso.

Que dizer?

Em primeiro lugar deve salientar-se que se fosse caso de inobservância do ónus previsto na alínea b) do nº 2 do artigo 639º do Código de Processo Civil, a consequência jurídica imediata seria a prolação do despacho convite previsto no nº 3 do citado compêndio adjetivo. Apenas na eventualidade de o convite endereçado ao recorrente não ser acatado, poderia ser proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso.

No caso dos autos, o recorrente indicou várias normas legais como tendo sido violadas pela decisão recorrida, mas é evidente que o fundamento essencial da sua pretensão se reconduz à aplicação da primeira parte do nº 4 do artigo 496º do Código Civil, precisamente um dos preceitos que o recorrente afirma ter sido violado na sentença sob censura.

A violação do aludido preceito resulta, na perspetiva do recorrente, de a compensação fixada ter ficado aquém do que imporia um juízo de equidade em função dos diversos fatores relevantes para esse efeito (leia-se a vigésima terceira conclusão das alegações de recurso do recorrente[10]).

O concreto problema jurídico suscitado pelo recorrente é a violação das regras da equidade na fixação dos danos não patrimoniais, pedindo a este tribunal de recurso que repondere a compensação arbitrada pelo tribunal recorrido, para tanto valorando as diversas circunstâncias que aí enuncia.

A nosso ver, a conclusão das alegações antes citada é suficiente para se dever considerar suficientemente observado o ónus previsto na alínea b) do nº 2 do artigo 639º do Código de Processo Civil, inexistindo assim fundamento para a prolação do despacho convite previsto no nº 3 do artigo 639º do Código de Processo Civil.

A recorrida suscita uma limitação ao conhecimento da compensação pedida pelo recorrente no seu recurso decorrente da ampliação do pedido formulado em 05 de abril de 2024, em que pediu a compensação de € 45 492,85 a título de danos não patrimoniais.

Na perspetiva da recorrida, o tribunal a quo, tal como este tribunal de recurso não podiam ir além deste montante na fixação da compensação por danos não patrimoniais e, se acaso esse limite fosse inobservado verificar-se-ia uma condenação além do pedido e, em consequência, dizemos nós, seria proferida uma decisão nula ex vi artigo 615º, nº 1, alínea e), do Código de Processo Civil.

Será assim?

Não o cremos.

De facto, no caso de pedidos cumulados da mesma natureza, rectius derivados de uma causa de pedir unitária[11], por exemplo em acidentes de viação, tem sido entendimento jurisprudencial que para aferir da correspondência da condenação ao peticionado há que atentar no pedido global, independentemente da concreta fixação das diversas parcelas que compõem esse pedido global[12].

Ora, visando a compensação pretendida pelo recorrente “ressarcir” não só os danos não patrimoniais sofridos com o acidente ocorrido em 17 de novembro de 2017, mas também a compensação arbitrada a título de dano biológico perspetivada enquanto dano não patrimonial e atenta a situação de reformado por invalidez do autor na data do sinistro[13], os limites da compensação são pelo menos de € 66.537,29 (€ 45.492,85 + € 21.044,44 = € 66.537,29).

Conclui-se assim que não existe qualquer obstáculo de ordem formal ao conhecimento da pretensão do recorrente de que a recorrida seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 55.000,00.

Finalmente, a recorrida invoca uma orientação jurisprudencial restritiva no controlo das decisões judiciais proferidas de acordo com juízos de equidade para sustentar que no caso em apreço dificilmente poderá ser alterada a sentença sob censura.

Pela nossa parte, não seguimos a orientação que se manifestou nalguns Tribunais da Relação, na senda do acórdão seminal do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de novembro de 2009, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego no processo nº 381-2002.S1, acessível na base de dados do IGFEJ e no sentido de que o controlo da decisão de fixação equitativa da compensação por danos não patrimoniais se regeria pelos mesmos parâmetros que vigoram no recurso de revista, ou seja, de que o juízo de equidade deverá, “em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios que generalizadamente vêm sendo adoptados, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade.

Esta orientação jurisprudencial nascida no âmbito do recurso de revista tem a sua razão de ser, já que o juízo de equidade é a justiça do caso concreto[14] e a intervenção precípua do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, se situa no domínio das questões de direito (veja-se o artigo 674º do Código de Processo Civil). Daí a necessidade de criar um critério que, em certa medida, juridificasse a equidade.

Ora, enquanto o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de questões de direito, o Tribunal da Relação tem poderes amplos de cognição em matéria de facto e de direito e daí que, na nossa perspetiva, não tenha base legal a transposição de uma orientação restritiva na apreciação de decisões proferidas segundo juízos de equidade adrede talhada para um tribunal de revista para os tribunais de instância, como são os Tribunais da Relação.

A nosso ver, o Tribunal da Relação, enquanto instância que conhece de facto e de direito deve sindicar a decisão proferida de acordo com juízos de equidade de forma autónoma e tendo em conta todos os fatores relevantes para que seja feita a justiça do caso concreto.

A compensação por danos não patrimoniais é fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do Código Civil (primeira parte do nº 4, do artigo 496º do Código Civil)[15].

Também nesta vertente deve atentar-se no disposto no artigo 8º, nº 3, do Código Civil, em ordem a uma aplicação uniforme, tanto quanto possível, do direito e dos juízos de equidade, acrescentamos nós, assim se respeitando e realizando o princípio da igualdade.

Pela sua própria natureza, os danos não patrimoniais não são passíveis de reconstituição natural e, por outro lado, nem em rigor são indemnizáveis, mas apenas compensáveis pecuniariamente.

A compensação arbitrada nestes casos não é o preço da dor ou de qualquer outro bem não patrimonial, mas sim uma satisfação concedida ao lesado para minorar o seu sofrimento, paliativo que numa sociedade que deifica o dinheiro assume naturalmente esta feição.

Importa ainda não perder de vista que apenas são compensáveis os danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica, estando afastados do círculo dos danos indemnizáveis os simples incómodos (artigo 496º, n.º 1, do Código Civil).

Ensina o Professor Antunes Varela[16] que a “gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias do caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)”. Em nota de rodapé, na mesma página da obra citada, aludia o Ilustre Professor ao facto de Carbonnier considerar de todo aberrante a decisão judicial que concedeu a indemnização por danos morais pedida pelo dono duma écurie de course, com fundamento no desgosto que lhe causou a morte de um dos seus cavalos. Embora este exemplo não tenha na atualidade a pertinência que tinha num tempo em que os animais eram vistos exclusivamente como coisas[17], destituídos de sentimentos[18], aponta para que o sofrimento a compensar atinja um patamar mínimo de gravidade para que se torne merecedor da tutela do direito[19]. Existe como que uma tolerância ou adequação social de certo nível de incomodidade ou sofrimento e que constitui o preço que cada ser humano tem de pagar por viver em sociedade.

No caso concreto devem-se especialmente relevar os seguintes factos:

- O autor sofreu as seguintes lesões:

- Escoriações nos membros, com feridas da coxa e perna esquerdas;

- Membro inferior Direito: fratura cominutiva e desalinhada da rótula com fragmento ósseo na região posterior dos côndilos (tratamento conservador); Fratura com orientação vertical e transversão do terço posterior do côndilo femoral medial, com discreta cominução e com um fragmento de 8mm destacado (fratura de Hoffa) – tratamento conservador;

- Membro inferior esquerdo: fratura trocantérica do fémur (tratamento cirúrgico); fratura exposta e cominutiva diafisária dos ossos da perna (tratamento cirúrgico) (ponto 3.2.1.13 dos factos provados).

- Perante o quadro clínico o autor ficou internado, e submetido a cirurgias em 18-11-2017 para encavilhamento anterógrafo da tíbia + encavilhamento cervicodiafisário do fémur esquerdo (ponto 3.2.1.14 dos factos provados).

- Para a realização destas cirurgias, foi-lhe ministrada anestesia geral (ponto 3.2.1.15 dos factos provados).

- Durante o internamento ocorreram diversas complicações e queixas álgicas (ponto 3.2.1.16 dos factos provados).

- O autor esteve internado nesta unidade hospitalar durante 16 dias, isto é, de 17/11/2017 até 01/12/2017, que teve alta de internamento hospitalar (3.2.1.19 dos factos provados).

- O autor teve alta com imobilização gessada do Membro Inferior Direito; indicação de descarga dos Membros inferiores e Orientado para Consulta externa de Ortopedia, tendo por efeito sido transportado para o domicílio de ambulância (3.2.1.20 dos factos provados).

-Teve necessidade de cuidados de enfermagem que consistiu em fazer extração de agrafos e pontos e tratamentos de feridas cirúrgicas (3.2.1.22 dos factos provados).

- No domicílio necessitou de auxílio e cuidados imprescindíveis e inadiáveis de terceira pessoa que foram prestados pela esposa do autor para várias funções, nomeadamente, cuidados de higiene pessoal, alimentação, durante 5 (cinco) meses, mais concretamente até abril de 2018, determinados pelos serviços clínicos da ré (3.2.1.23 dos factos provados).

- O autor tinha muitas dificuldades em dormir por não conseguir posicionar-se na cama que assim lhe causava transtornos de sono (3.2.1.24 dos factos provados).

- No entanto, e apesar da medicação, o autor continuava com muitas dores por causa dos membros inferiores (3.2.1.25 dos factos provados).

- Em virtude da tala gessada partida, no dia 24/12/2017 o autor apresentou-se no serviço de urgência do Hospital ..., onde foi efetuada nova imobilização do membro inferior direito (3.2.1.27 dos factos provados).

- O autor realizou Tratamentos de Fisioterapia no Domicílio determinados pelos serviços clínicos da ré, que tiveram início em 26/01/2018 (3.2.1.28 dos factos provados).

- Sucede que o autor, e apesar da medicação, queixava-se de muitas dores na perna esquerda e no membro inferior direito apresentando edema articular ao nível do joelho e no pé (3.2.1.29 dos factos provados).

- Na sequência do acompanhamento clínico prestado pela ré, no dia 06-03-2018 foi internado em unidade hospitalar e submetido a intervenção cirúrgica, que consistiu em Osteossíntese Diafisária no membro inferior esquerdo (3.2.1.30 dos factos provados).

- Para a realização desta cirurgia, foi-lhe ministrada anestesia geral (3.2.1.30 dos factos provados).

- Quando teve alta de internamento hospitalar para o domicílio, o autor continuou a recuperar da intervenção cirúrgica a que foi sujeito, não podendo realizar esforços e alguns movimentos mantendo consideráveis limitações que determinaram a necessidade na continuidade de assistência de terceira pessoa para execução e auxílio de várias tarefas (3.2.1.33 dos factos provados).

- Necessitou de cuidados de enfermagem que lhe foram propostos e realizados nos serviços clínicos da ré (3.2.1.34 dos factos provados).

- Tomou a medicação analgésica que lhe foi prescrita pelo Hospital (parte do ponto 3.2.1.35 dos factos provados).

- No dia 13/03/2018 o retomou os tratamentos de fisioterapia, conforme relatórios do serviço de fisioterapia datados de 04/04/2018, 02/05/2018, 29/05/2018 e 12/06/2018 (parte do ponto 3.2.1.36 dos factos provados)

- Durante os tratamentos o autor passou por muitas dificuldades e queixas dolorosas na perna esquerda e no membro inferior direito apresentando edema articular ao nível do joelho e no pé (3.2.1.37 dos factos provados).

- No dia 19-06-2018 o autor foi novamente internado e sujeito a intervenção cirúrgica que consistiu em correção de pseudartrose da tíbia esquerda (3.2.1.38 dos factos provados).

- Para a realização desta cirurgia foi-lhe ministrada anestesia geral (3.2.1.39 dos factos provados).

- No dia 20-06-2018 o autor teve alta de internamento hospitalar (3.2.1.41 dos factos provados).

- Mantinha o pé e a perna esquerdos muitos inchados que lhe causava dores e desconforto passando a maior parte do tempo deitado na cama ou sentado no sofá (3.2.1.43 dos factos provados).

- Fazia pequenos percursos e de modo débil com recurso a duas canadianas (3.2.1.44 dos factos provados).

- No dia 11-07-2018 o autor recorreu ao serviço de urgência do Hospital ..., por Deiscência de Sutura da Ferida Operatória, após retirada dos últimos agrafos, que implicou tratamento (3.2.1.45 dos factos provados).

- Reiniciou tratamentos de fisioterapia aos membros inferiores que lhe foram prescritos pelos serviços clínicos da ré e realizados na C..., Lda. (3.2.1.46 dos factos provados).

- O autor tinha muitas dificuldades em adormecer e transtornos de sono por não conseguir estar virado para qualquer um dos lados devido às dores que tais posições provocavam, dormindo em decúbito dorsal (barriga para cima) (3.2.1.47 dos factos provados).

- Mantinha um quadro doloroso que o impedia e/ou dificultava em vários atos da vida quotidiana (3.2.1.48 dos factos provados).

- Apresentava quadro de pseudoartrose da tíbia esquerda, pelo que foi solicitada cirurgia de correção (3.2.1.49 dos factos provados).

- No dia 20-11-2018 o autor foi novamente internado e sujeito a intervenção cirúrgica que consistiu em: - Extração de cavilha; - Enxerto ósseo devido à pseudartrose; - Osteossíntese com Placa e parafusos (3.2.1.50 dos factos provados).

- Para a realização desta cirurgia sujeito a Anestesia Geral (3.2.1.51 dos factos provados).

- Quando teve alta de internamento hospitalar para o domicílio, o autor continuou a recuperar da intervenção cirúrgica a que foi sujeito, não podendo realizar esforços e alguns movimentos mantendo consideráveis limitações que determinaram a necessidade na continuidade de assistência de terceira pessoa para execução e auxílio de várias tarefas (3.2.1.53 dos factos provados).

- Foi sujeito a medicação analgésica e anti-inflamatória que lhe foi prescrita pelo Hospital (3.2.1.54 dos factos provados).

- Teve necessidade de cuidados de enfermagem que consistiram em fazer tratamentos e pensos às feridas e remoção dos pontos que foram realizados nos serviços clínicos da ré (3.2.1.55 dos factos provados).

- Retomou os tratamentos de fisioterapia aos Membros Inferiores na clínica C..., ordenados pelos serviços clínicos da ré (3.2.1.56 dos factos provados).

- O autor vivia momentos de angústia e forte afetação psicológica pela não evolução favorável das lesões que lhe causava grande limitação e dor (3.2.1.57 dos factos provados).

- No dia 13-06-2019 foi uma vez mais internado em Hospital, e submetido a intervenção cirúrgica que consistiu em: - Extração do Material de Osteossíntese no pé esquerdo (3.2.1.58 dos factos provados).

- Para a realização da cirurgia foi sujeito, uma vez mais, a anestesia geral (3.2.1.59 dos factos provados).

- No domicílio, o autor continuou a recuperar da intervenção cirúrgica a que foi sujeito, não podendo realizar esforços e alguns movimentos (3.2.1.61 dos factos provados).

- Retomou os tratamentos de fisioterapia aos membros inferiores na C...,Lda., sita em Santa Maria da Feira (3.2.1.62 dos factos provados).

- Precisava de auxílio de terceira pessoa para se vestir e calçar e alguns atos de higiene pessoal (3.2.1.63 dos factos provados).

- O autor vivia momentos de angústia e forte afetação psicológica pelas lesões sofridas e operações a que tinha sido sujeito, bem como o acidente continuava muito presente na sua vida (3.2.1.65 dos factos provados).

- Em 17-10-2019 o autor foi, pela sexta vez, internado em unidade hospitalar e aí submetido a intervenção cirúrgica que consistiu em Descorticação da tíbia esquerda (3.2.1.66 dos factos provados).

- Para a realização da cirurgia foi sujeito, uma vez mais, a anestesia geral (3.2.1.67 dos factos provados).

- Teve alta de internamento hospitalar no dia 18-10-2019, com indicação de elevação do membro inferior esquerdo, crioterapia local por períodos, treino de marcha com canadianas de acordo com a indicação médica e execução do tratamento à ferida cirúrgica de acordo com a indicação médica (3.2.1.68 dos factos provados).

- Conforme resulta da avaliação final do dano corporal a que o autor foi sujeito pela ré em 08-01-2020:

- Data de consolidação médico-legal das lesões: 08-01-2020;

- Quantum Doloris – 5 numa escala de 7;

- Incapacidade Permanente Parcial (I.P.P.): 8% (8 pontos);

- Dano estético – 2 numa escala de 7 (3.2.1.69 dos factos provados).

- Considerando a data do acidente e a data da consolidação médico-legal, os Períodos de Défice Funcional Temporário (total e parcial) perfazem um total de 781 dias (3.2.1.70 dos factos provados).

- Durante todos os períodos de Défice Funcional Temporário o autor sofreu muitas queixas dolorosas e afetação psicológica (3.2.1.71 dos factos provados).

- O autor nasceu em ../../1967, contando 50 anos à data do sinistro (3.2.1.72 dos factos provados).

- De acordo com o relatório de avaliação da ré, o autor é portador das seguintes Sequelas:

- Agravamento da situação prévia a nível do joelho direito, designadamente o quadro álgico, com consequente agravamento das dificuldades da marcha e mobilização em geral;

- Limitação na rotação externa e dor na anca esquerda;

- Desvio do eixo da perna esquerda, com repercussão a nível da claudicação da marcha;

- Rigidez do tornozelo esquerdo para a dorsiflexão (3.2.1.73 dos factos provados).

- O autor é ainda portador do seguinte material de osteossíntese:

- Vareta do joelho até à canela do pé esquerdo;

- Dois parafusos na anca;

- Cavilha no pé (3.2.1.74 dos factos provados).

- Em virtude das mazelas decorrentes do presente sinistro, o autor apresenta um quadro doloroso, designadamente anca e joelhos dolorosos (3.2.1.75 dos factos provados).

- Por tal motivo, embora não tome medicação analgésica regular, ocasionalmente toma ibuprofeno (3.2.1.76 dos factos provados).

- O autor vive no 1º andar de um apartamento sem elevador (3.2.1.77 dos factos provados).

- O autor é portador de múltiplas cicatrizes no membro inferior esquerdo em virtude das diversas cirurgias a que foi sujeito (3.2.1.78 dos factos provados).

- Apresenta agravamento da claudicação a nível da marcha (3.2.1.79 dos factos provados).

- À data do sinistro, o autor encontrava-se, como se encontra, reformado por invalidez (3.2.1.81 dos factos provados).

- Previamente ao sinistro dos autos, o autor apresentava os seguintes antecedentes:

a) luxação recidivante da rótula do joelho direito (de acordo com informação fornecida pelo sinistrado, congruente com alterações ao exame objetivo);

b) epilepsia (crises tónico-clónico generalizadas) desde os 20 anos de idade (sendo mencionada associação a consumo abusivo de álcool e/ou a má adesão terapêutica);

c) acidente vascular cerebral do qual terá resultado hemiparesia esquerda (3.2.1.82 dos factos provados).

- Após o sinistro dos autos, o autor teve outro acidente de viação em 01/09/2021: seguia de motociclo, tendo embatido em ligeiro de passageiros e caído ao chão. Desse acidente sofreu as seguintes lesões: fratura da asa do sacro à direita, fratura de ramos ísquio-púbicos bilateralmente, fratura cominutiva da omoplata direita, fratura de 6º, 7º e 8º arcos costais direitos, fraturas do 4º, 5º, 6º e 7º arcos costais esquerdos (identificadas também antigas fraturas de várias costelas bilateralmente já consolidadas), laceração do baço, volumoso hematoma pré-vesical, feridas abrasivas nas mãos e joelho esquerdo, edema da pirâmide nasal com vestígios de sangue, escoriação/abrasão na parede torácica anterior e flanco abdominal esquerdo. Internamento decorrido até 10-09-2021, data em que foi referenciado à rede nacional de cuidados continuados (3.2.1.83 dos factos provados).

-Perante as sequelas de que é portador, irá necessitar de um reforço da medicação analgésica e anti-inflamatória para o resto da sua vida, ainda que em SOS (3.2.1.84 dos factos provados).

- O autor tem dificuldade em colocar-se de cócoras (3.2.1.85 dos factos provados).

- Para aceder à sua habitação, o autor tem que transpor escadas exteriores e interiores (3.2.1.86 dos factos provados).

Em resumo, por causa do acidente objeto destes autos, o autor, sem qualquer culpa da sua parte, então com cinquenta anos de idade, sofreu diversas fraturas nos membros inferiores, uma delas cominutiva[20], lesões que determinaram a sujeição do autor a seis intervenções cirúrgicas com internamento e anestesia geral, decorrendo setecentos e oitenta e um dias de incapacidade funcional temporária até à sua alta com variadas sequelas, como seja, o agravamento da situação prévia a nível do joelho direito, designadamente o quadro álgico, com consequente agravamento das dificuldades da marcha e mobilização em geral, a limitação na rotação externa e dor na anca esquerda, o desvio do eixo da perna esquerda, com repercussão a nível da claudicação da marcha e a rigidez do tornozelo esquerdo para a dorsiflexão.

O quantum doloris foi fixado em 5 numa escala de 0 a 7 e o dano estético foi fixado em grau 2 numa escala de 0 a 7.

O autor achava-se à data do acidente reformado por invalidez[21] e foi-lhe atribuída uma incapacidade parcial permanente de oito pontos[22].

O tribunal recorrido, como já antes se aludiu, considerou que esta incapacidade parcial permanente constituiria um dano biológico com relevo exclusivamente não patrimonial, enquadramento que não se mostra impugnado e que por isso se tem de respeitar.

Em ordem a calibrar a compensação que se reputa equitativa, afigura-se-nos útil um breve “apanhado” de algumas decisões do Supremo Tribunal de Justiça[23] proferidas sobre esta temática[24] com alguns pontos de contacto com o caso destes autos.

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de janeiro de 2024, no processo nº 76/13.0TBTVD.L2.S1, reduziu-se a compensação por danos não patrimoniais fixada pelo Tribunal da Relação no montante de sessenta e cinco mil euros para o montante de quarenta e cinco mil euros numa caso em que a lesada, saudável e alegre, com trinta e sete anos de idade, sofreu uma contusão na parede torácica, lesão cuja consolidação demorou quase quatro anos após o acidente (acidente em dezembro de 2009 e consolidação médico-legal das lesões em 16 de dezembro de 2013), tendo ficado com um défice da integridade física e psíquica de nove pontos[25], não tendo sido sujeita a qualquer intervenção cirúrgica, tendo feito tratamentos de fisioterapia e fisiatria, sem dano estético e com quantum doloris fixado em grau 4 numa escala crescente de zero a sete, tendo a lesada por força das lesões sofridas e consequências do acidente desistido de ser mãe e após a consolidação das lesões, deixou de conviver com amigos e de sair com estes, devido às dores que ainda sente, passou a apresentar um quadro de humor depressivo, com episódios de ansiedade, tendo recorrido a apoio psicológico, tendo deixado de praticar desportos que praticava, nomeadamente corrida e bicicleta.

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de fevereiro de 2024, proferido no processo nº 2859/17.3T8VNG.P1.S1 considerou-se equitativa a compensação de trinta mil euros, a título de danos não patrimoniais[26], para lesada com setenta e cinco anos de idade, aposentada do serviço público, que sofreu uma fratura na coluna vertebral, na D7, teve um período de doença de cerca de quatro meses, ficando afetada com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de dezasseis pontos, com quantum doloris de 4, numa escala de 0 a 7, tendo ficado a padecer de stresse pós-traumático.

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de abril de 2024, proferido no processo nº 987/21.9T8PVZ.P1.S1, considerou-se não ser desconforme com os atuais parâmetros indemnizatórios seguidos por esse tribunal quanto à aplicação de critérios de equidade, previstos nos artigos 566.º, n.º 3 e 496.º, n.º 4 do Código Civil, a decisão de atribuir setenta mil euros (para indemnizar tanto o dano moral como o dano biológico) a uma lesada, de 45 anos, que sofreu múltiplas fraturas e lesões em consequência do acidente de viação (no tórax, coluna, membros superiores e crânio-encefálicas), foi submetida a intervenção cirúrgica e necessitou de múltiplas consultas médicas e tratamentos, teve um défice funcional temporário total superior a 3 meses e um défice funcional temporário parcial de cerca de 8 meses, sofreu um quantum doloris de nível 5 em 7 e continua a padecer de dores, necessitando de medicação diária, ficando com um dano estético permanente de grau 2 em 7, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 11,499 pontos, com existência de possível dano futuro; sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2 em 7; não pode levantar pesos exigindo o exercício da sua atividade profissional esforços suplementares.

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de abril de 2024, proferido no processo nº 1548/21.9T8PVZ.P1.S1 considerou-se, por maioria[27], que não se afasta dos valores arbitrados por esse tribunal em casos similares, a compensação de quarenta mil euros por danos não patrimoniais de uma lesada de sessenta anos de idade atropelada na passadeira, que sofreu fratura do úmero e da diáfise do perónio e foi submetida a uma operação e a sessões de fisioterapia, sendo o tempo total de doença de quatrocentos e dezasseis dias, apresenta uma incapacidade parcial geral de 18 pontos, quantum doloris de 4/7, dano estético de 2/7, e terá de ser submetida a medicação e consultas o resto da sua vida.

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de setembro de 2024, proferido no processo nº 971/18.0T8PVZ.P1.S1, considerou-se equitativa a compensação de trinta e cinco mil euros, a título de danos não patrimoniais[28], arbitrada a lesado com sessenta e um anos de idade, que sofreu fratura exposta da tíbia esquerda com perda óssea significativa e esmagamento e perda de cobertura cutânea importante, escoriação do crânio com fratura do osso temporal à direita, trauma na mão esquerda e tórax esquerdo com fratura de arcos costais, apresentando síndrome vertiginoso pós-traumático, com náuseas associadas, tendo sido submetido a cinco intervenções cirúrgicas, ocorrendo a consolidação das lesões cerca de dois anos e dois meses depois do acidente, sendo o quantum doloris fixado em 4 numa escala de 0 a 7, o dano estético em 4 numa escala de 0 a 7 e o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos.

A nosso ver, o caso objeto destes autos é mais grave do que aquele sobre que incidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de janeiro de 2024 em termos de consequências imediatas, pelas seis intervenções cirúrgicas com anestesia geral que determinaram, pelo maior quantum doloris, pelo dano estético, sendo menos grave atendendo ao tempo de doença e às consequências psicológicas e impacto no desenvolvimento da vida futura. Na comparação destes dois casos importa ainda reter as idades dos lesados, cinquenta anos do lesado nestes autos e trinta e sete anos no primeiro caso. Finalmente, a compensação a arbitrar nestes autos contempla não só os danos não patrimoniais propriamente ditos, mas também o dano biológico na vertente não patrimonial, o que não sucede na situação ajuizada pelo nosso mais alto tribunal.

A comparação do caso em apreciação nestes autos com o que foi objeto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 29 de fevereiro de 2024, permite concluir que o caso dos autos é mais grave em termos de consequências imediatas, pelas seis intervenções cirúrgicas com anestesia geral que determinaram, pelo maior quantum doloris, pelo dano estético e pelo tempo de doença. O lesado nestes autos tinha à data do acidente menos vinte e cinco anos do que a lesada no caso apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça, sendo as consequências nesta em termo de incapacidade mais graves do que no lesado nestes autos (16 pontos no primeiro caso e 8 pontos no caso dos autos). O lesado nestes autos estava reformado por invalidez enquanto a lesada na situação conhecida pelo Supremo Tribunal de Justiça estava aposentada e, enquanto a compensação arbitrada nestes autos abarca também o dano biológico na vertente não patrimonial, o mesmo não sucede no caso conhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça, tendo sido arbitrado à lesada, a título de dano biológico, o montante de trinta e cinco mil euros.

Comparando a situação em análise nestes autos com a que foi conhecida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de abril de 2024, pode afirmar-se, com alguma segurança, que é mais grave do que este último em termos de consequências imediatas, pelas seis intervenções cirúrgicas com anestesia geral que as mesmas determinaram e também pelo maior tempo de doença. O quantum doloris e o dano estético foi valorado de igual forma nos dois casos. O lesado nestes autos era à data do acidente cinco anos mais velho do que a lesada no processo conhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça enquanto a incapacidade parcial permanente do lesado nestes autos é inferior em dois pontos vírgula quatrocentos e noventa e nove à daquela lesada. Finalmente, o lesado nestes autos estava reformado por invalidez, enquanto a lesada naqueles autos se acha ainda ativa. Recorde-se que neste último caso o Supremo Tribunal de Justiça arbitrou uma compensação de setenta mil euros tendo em vista danos não patrimoniais e o dano biológico.

Confrontando o caso destes autos com o que foi conhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão proferido em 30 de abril de 2024, pode afirmar-se, com alguma segurança, que é mais grave do que este último em termos de consequências imediatas, pelas seis intervenções cirúrgicas com anestesia geral que as mesmas determinaram e também pelo maior tempo de doença. O dano estético foi valorado de igual forma nos dois casos, sendo o quantum doloris nestes autos mais grave num ponto do que naquele caso conhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça. O lesado nestes autos era à data do acidente dez anos mais novo do que a lesada no processo conhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça enquanto a incapacidade parcial permanente do lesado nestes autos era dez pontos inferior à que foi arbitrada àquela lesada.

Finalmente, confrontando o sinistro destes autos com o que foi apreciado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de setembro de 2024, constata-se que as consequências imediatas e o tempo de doença sofrido por cada um dos lesados são equiparáveis, tendo o lesado neste processo sofrido mais uma intervenção cirúrgica e tendo à data do acidente menos onze anos de idade do que o outro lesado. O dano estético foi valorado em 2 numa escala crescente até 7, enquanto no caso apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça foi fixado em 4, em escala igual, sendo o quantum doloris nestes autos mais grave num ponto do que naquele caso conhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça. Finalmente, a incapacidade arbitrada ao lesado nestes autos é o dobro da que foi arbitrada àquele lesado (oito pontos neste caso contra quatro pontos no conhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça).

A comparação do caso dos autos com os quatro conhecidos pelo Supremo Tribunal de Justiça e antes resumidos e especialmente com os que foram julgados nos acórdãos proferidos em 10 de abril de 2024 e 19 de setembro de 2024, atenta a abrangência da compensação arbitrada nestes autos, destinada não só a compensar danos não patrimoniais mas também o dano biológico na vertente não patrimonial, permite-nos concluir que o valor arbitrado pelo tribunal recorrido fica aquém do que seria equitativo, afigurando-se mais ajustado o valor pedido pelo recorrente no montante de cinquenta e cinco mil euros.

Este valor é atualizado à data do presente acórdão pelo que os juros, tal como já decidido na sentença recorrida, começam a ser devidos no dia subsequente à data deste acórdão até efetivo e integral pagamento e contados à taxa supletiva legal, de 4% ao ano neste momento, sobre aquele capital.

Pelo exposto, procede o recurso, sendo as custas do mesmo da responsabilidade da recorrida que ficou vencida (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), enquanto as custas da ação são da responsabilidade de autor e ré na exata proporção da sucumbência, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o autor.

5. Dispositivo

Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar o recurso de apelação interposto por AA procedente e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida proferida em 24 de abril de 2024, na parte em que condenou a ré a pagar ao autor a compensação de quarenta e cinco mil euros, a título de danos não patrimoniais (incluindo o dano biológico, nesta vertente), e, em substituição, condena-se B... Seguros Y Reaseguros, S.A., Sucursal em Portugal a pagar a quantia de cinquenta e cinco mil euros a AA, a título de danos não patrimoniais (incluindo o dano biológico, nesta vertente), mantendo-se no mais intocada a sentença.

Custas do recurso a cargo da recorrida, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso, sendo as custas da ação na exata proporção do decaimento a cargo de ambas as partes, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que goza o autor.


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O presente acórdão compõe-se de cinquenta e seis páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.


Porto, 4/6/2025
Carlos Gil
Fátima Andrade
José Nuno Duarte
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[1] Segue-se, com alterações, o relatório da decisão recorrida.
[2] Estes artigos da petição inicial têm o seguinte conteúdo: 100º Ora, face ao descrito nos artigos 96º a 99º supra, no prédio e fração onde o A. reside, e em razão das sequelas de que é portador decorrentes do presente sinistro, suscita a necessidade de várias adaptações bem como beneficiará com a utilização de produtos de apoio específicos necessários para minorar o impacto do acidente na vida do A., e que neste momento não são objetivamente possíveis de quantificar/especificar e/ou liquidar os seus custos. 101º No caso de produtos de apoio, provocam uma utilização definitiva e necessidade de substituição em prazos a definir, implicando assim despesas para a sua aquisição e substituição, desconhecendo-se neste momento o montante dos gastos a suportar. 108º Perante as Sequelas de que o A. é portador, irá necessitar de um reforço da medicação analgésica e antinflamatória para o resto da sua vida, ainda que em SOS. 109º Tais necessidades implicarão Despesas com medicação. 110º Assim, porque se desconhece neste momento, quer o montante dos gastos a suportar. 111º Não sendo, por isso, possível neste momento proceder à sua liquidação.
[3] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 24 de abril de 2024.
[4] Estes pontos de facto têm o seguinte conteúdo: “De acordo com o relatório de avaliação da ré, o autor é portador das seguintes Sequelas: - Agravamento da situação prévia a nível do joelho direito, designadamente o quadro álgico, com consequente agravamento das dificuldades da marcha e mobilização em geral; - Limitação na rotação externa e dor na anca esquerda; - Desvio do eixo da perna esquerda, com repercussão a nível da claudicação da marcha; - Rigidez do tornozelo esquerdo para a dorsiflexão (ponto 73 dos factos provados); O autor é ainda portador do seguinte material de osteossíntese: - Vareta do joelho até à canela do pé esquerdo; - Dois parafusos na anca; - Cavilha no pé (ponto 74 dos factos provados; Em virtude das mazelas decorrentes do presente sinistro, o Autor apresenta um quadro doloroso, designadamente anca e joelhos dolorosos (ponto 75 dos factos provados); O autor vive no 1º andar de um apartamento sem elevador(ponto 77 dos factos provados); Apresenta agravamento da claudicação a nível da marcha (ponto 79 dos factos provados).
[5] É jurisprudência corrente que a não prova de um facto equivale à não articulação desse facto, tudo se passando como se tal facto não existisse (neste sentido, por todos, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de janeiro de 2005, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Oliveira Barros, no processo nº 04B347, acessível no site do IGFEJ), não se podendo retirar da não prova de certo facto a prova do facto contrário. Daí que, na nossa perspetiva, do ponto de vista lógico, não pode um nada em que se traduz uma resposta negativa colidir com algo em que se traduz uma resposta positiva. Porém, bem podem os pressupostos de uma resposta negativa envolver, necessariamente, a não prova, de outro facto quesitado, bem como verificar-se a situação inversa. Contudo, nesta situação, o vício que se verifica não é de ordem lógica, sendo antes um erro na apreciação da prova.
[6] Trata-se de ostensivo lapso, devendo ler-se 2023 onde se escreveu 2013.
[7] As fotografias que instruem a perícia à habitação do autor e juntas aos autos em 02 de dezembro de 2021 permitem concluir que existem escadas interiores de acesso da garagem ao primeiro piso e deste primeiro piso ao primeiro andar tendo umas e outras mais do que um lanço de escadas.
[8] É do conhecimento comum que pessoas com dificuldades em subir escadas não alternam as pernas na transposição dos degraus.
[9] Se o autor foi internado em 19 de junho de 2018 e teve alta do internamento em 20 de junho de 2018, forçosa é a conclusão de que o internamento se prolongou por dois dias.
[10] Esta conclusão tem o seguinte teor: “Ora, considerando a culpa exclusiva da condutora do veículo automóvel com a matrícula ..-AX-..; a transferência da responsabilidade para a Ré no ressarcimento de danos ao Autor; as relevantes lesões sofridas, a Idade do Autor, o Quantum Doloris de grau 5 (1 a 7); o défice funcional permanente da integridade físico-psiquíca de 8 Pontos; as dores decorrentes das sequelas; o dano estético permanente de grau 2/7 e consequências na sua vida no dia-a-dia mormente decorrente das dificuldades da marcha e mobilização em geral; o agravamento da claudicação a nível da marcha; os reflexos negativos na saúde e bem estar do Autor; o desgosto, angústia e a natural afetação psicológica que se repercutirá para toda a sua vida; o sofrimento presente e futuro, justificando o mantimento de terapêutica analgésica regular para atenuar as queixas dolorosas permanentes, e aplicando os princípios gerais da responsabilidade civil e normas sobre a obrigação de indemnizar, consideramos que se deve proceder a uma alteração quanto ao valor fixado e que, face à matéria provada, propugnamos pela atribuição de um valor superior, julgando como adequado e justo que a indemnização por todos os danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, incluindo o dano biológico, e tendo por referência a data da prolação da sentença, se deve fixar no montante global de € 55.000,00.
[11] Tem-se aqui em vista o facto jurídico de que emergem as diversas pretensões indemnizatórias, ou seja, o mesmo acidente de viação.
[12] Neste sentido veja-se, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de novembro de 2015, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Tomé Gomes, no processo nº 598/04.4TBCBT.G1.S1, acessível nas bases de dados do IGFEJ.
[13] Esta perspetiva do tribunal a quo não foi alvo de qualquer impugnação pelo recorrente, pelo que este Tribunal da Relação tem de cingir-se à questão concreta da fixação da compensação por danos não patrimoniais, neles se incluindo o dano biológico do autor traduzido numa incapacidade parcial permanente de oito pontos.
[14] Veja-se Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2ª edição revista e atualizada, UCP Editora 2023, anotações I e II ao artigo 4º do Código Civil, da responsabilidade de Pedro Múrias.
[15] As circunstâncias referidas no artigo 494º do Código Civil são o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. No caso dos autos, porque a obrigação de indemnizar está obrigatoriamente transferida para uma sociedade seguradora, a condição económica do lesante não deve ser relevada.
[16] In Das Obrigações em Geral, Vol I, 6ª edição, Almedina 1989, página 576.
[17] A Lei nº 8/2017, de 03 de março, alterou o Código Civil e de acordo com o disposto no artigo 201º-B deste diploma legal, os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza.
[18] A propósito do estatuto jurídico dos animais, numa conceção atualizada, veja-se, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2.ª edição revista e atualizada, Universidade Católica Portuguesa 2023, páginas 536 a 539, anotação 4 ao artigo 201.º-C do Código Civil.
[19] Escreve o Professor Antunes Varela, no mesmo local: “Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.”
[20] Informa o Dicionário de Termos Médicos, da autoria de Manuel Freitas e Costa, Porto Editora 2005, página 271, coluna da direita, diz-se cominutiva a fratura em que o osso se fragmentou em vários e muito pequenos pedaços.
[21] Desconhece-se qual foi a causa da invalidez, sendo certo que a preexistência de uma diminuição de ordem física ou psíquica não obsta a que outra possa, entretanto, surgir. Por outro lado, no dano biológico visa-se reparar a integridade corporal e psíquica existente à data do sinistro, o grau de autonomia e a qualidade de vida então existentes que porventura sejam perdidas ou afetadas por força do acidente.
[22] Anote-se que na perícia médico-legal efetuada no âmbito destes autos “recebeu-se” o juízo emitido pelo Sr. Perito médico da ré seguradora.
[23] Todas acessíveis na base de dados do IGFEJ.
[24] Importa ter em atenção que não se sabe em rigor qual é a representatividade destas amostras jurisprudenciais, pois desconhece-se se retratam ou não a totalidade da produção jurisprudencial sobre a matéria. Além disso, não se pode perder de vista que o valor a final fixado depende nalgumas vezes de constrangimentos processuais, não espelhando por isso um juízo substantivo do Supremo Tribunal de Justiça sobre a questão.
[25] A responsável civil foi condenada a pagar à lesada o que se liquidar ulteriormente a título de perda da capacidade de ganho.
[26] À mesma lesada o Supremo Tribunal de Justiça arbitrou a indemnização de trinta e cinco mil euros, a título de dano biológico.
[27] A divergência no coletivo foi sobre o conhecimento do objeto do recurso na parte referente aos danos não patrimoniais, entendendo o Sr. Juiz Conselheiro vencido que não devia ser conhecido por falta de sucumbência.
[28] A este lesado foi arbitrada uma indemnização a título de dano biológico no montante de dez mil euros, na vertente patrimonial e outro tanto na vertente não patrimonial.