I - Do ponto de vista legal, é o art. 1878.º/1 CC que alude, entre o mais, à obrigação de os progenitores proverem ao sustento dos filhos. Trata-se de um dever funcionalizado que cabe, em primeiro lugar, aos pais, e não a outrem, pelo que, em conformidade com o dever constitucional fundacional de qualquer ordem social, os pais têm o dever de manutenção dos filhos (art. 36.º/5 Const.), o que abrange tudo quanto diga respeito aos cuidados do menor, respetiva educação e acompanhamento, mas também a deveres de caráter patrimonial.
II - A intervenção do Estado, suprindo a incapacidade dos pais no cumprimento desse desiderato, ocorre tão-só ali onde se verifique impossibilidade de aqueles, por si, proverem ao sustento dos filhos, fazendo-se intervir o apoio do Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menor, instituído pela Lei 75/98, de 19.11. Já a intervenção da Segurança Social, ao estabelecer uma pensão de sobrevivência a menor cujo progenitor faleceu precocemente, não se destina a exonerar o progenitor sobrevivo da sua obrigação de prestação de alimentos, nomeadamente, diminuindo-lha, mas a amparar a criança nos primeiros tempos.
III - A pensão de sobrevivência é um apoio pago mensalmente aos familiares de um beneficiário que faleceu, com o objetivo de os compensar pela perda de rendimentos resultantes da sua morte e é independente dos critérios de fixação dos valores da obrigação alimentícia devida pelo pai ou pela mãe sobrevivos.
IV - Em primeiro lugar, na ausência de progenitor pré-falecido, a responsabilidade pelos alimentos caberá unicamente ao progenitor sobrevivo, sendo subsidiária a intervenção de outros familiares que, contudo, podem arcar com parte das responsabilidades que cabem àquele, sobretudo se nomeados tutores do menor pelo progenitor pré-falecido.
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RELATÓRIO
Os presentes autos de ação de regulação das responsabilidades parentais foram instaurados, a 9.5.2024, por AA, solteiro, residente na Rua ... “A”, ... ..., ..., em representação do seu sobrinho menor, BB, consigo residente, contra o progenitor da criança, CC, residente na Rua ..., ..., ....
Alegou o requerente que o menino é filho de sua irmã, recentemente falecida, bem como do requerido, tendo, todavia, sempre vivido com aquela. Após o falecimento da mãe, a criança passou a residir com o requerente, razão por que devem ser estabelecidas as responsabilidades parentais, atribuindo-se às mesmas ao tio, requerente, já que o menor apenas uma vez viu o pai.
Em requerimento de 24.05.2024, o mesmo requerente veio a juntar aos autos testamento da falecida, do qual tomou, entretanto, conhecimento, documento segundo o qual aquela instituiu os seus irmão e mãe administradores dos bens do menino, nomeando-os seus tutores. Pugna, assim, pela atribuição das responsabilidades parentais à avó, uma vez que é esta quem tem tido maior disponibilidade para acompanhar o neto em todas as atividades e necessidades da vida quotidiana.
A 29.05.2024, teve lugar a conferência de pais, na qual estiveram presentes o pai, a avó e o tio maternos do menor, tendo sido alcançado acordo do que concerne ao exercício das responsabilidades parentais do BB, com exceção no que diz respeito à pensão de alimentos e comparticipação das despesas inerentes à vida da criança, pelo que foi fixado um regime provisório a este título, de € 400, 00, mensais a cargo do progenitor.
Foram as partes notificadas para os termos em efeitos do art. 39.º, n.º 4 do RGPTC.
Avó e tio do menor apresentaram alegações, pretendendo que a pensão de alimentos seja fixada em € 1.000, 00, enfatizando o facto de o progenitor nunca ter conhecido o filho, nem para o mesmo ter contribuído com o que quer que fosse, devendo o menino continuar a usufruir do nível de vida que tinha com a mãe, nomeadamente frequentando o ensino particular, com o que despende mais de € 500, 00, mensais, acrescendo despesas com futsal, despesas médicas, medicamentosas e alimentares, com alimentação, vestuário, etc…
Por sua vez, o progenitor opõe-se a tal valor, aludindo ao seu rendimento mensal de 1.865,89€ brutos, com descontos de 247,23€ a título de IRS e 205,25€ a título de segurança social, assim lhe restando 1.413,41€ líquidos. Refere igualmente o facto de ter, ainda, de sustentar mulher e filho de 3 anos; à necessidade de se efetuar desconto da pensão recebida por morte da progenitora; e à circunstância de o menino ter herdado da mãe um apartamento, pago por via do acionamento do seguro, o qual pode ser rentabilizado.
Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença, datada de 22.12.2024, com o seguinte dispositivo:
1. Exercício das Responsabilidades Parentais e Residência do menor BB, nascido a 15.02.2015:
1.1. As responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para a vida do menor serão exercidas em comum pela avó, DD, e pelo tio materno, AA, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer deles pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
1.2 A residência do menor é fixada junto da avó materna, DD, cabendo a esta a decisão relativa aos atos da vida corrente, com o apoio do tio materno.
2.1. O menor passa fins-de-semanas com o progenitor, CC, a cada três semanas, entre sexta-feira e domingo, a iniciar no fim-de-semana de 20 a 22 de setembro.
2.2. A recolha do menor é efetuada pelo progenitor, na casa da avó materna, até às 19 horas, entregando-o no mesmo local da recolha no domingo, pelas 19 horas.
3.1. A título de pensão de alimentos fica estabelecido o montante de € 400,00 (quatrocentos euros) mensais a pagar pelo progenitor, por transferência bancária para a conta da avó materna com o IBAN ...51, até ao dia 8 do mês a que disser respeito;
3.2. O montante supra referido engloba a proporção que cabe ao progenitor da mensalidade do colégio, bem como metade das despesas escolares, médicas e medicamentosas.
3.3. Este montante é atualizado anualmente, de acordo com o índice de aumento de preço no consumidor, aprovado pelo I.N.E. para o ano civil anterior, com início em janeiro de 2026.
Os contactos do BB com o pai nos períodos festivos e férias escolares ocorrem mediante contacto prévio com a avó materna ou o tio paterno, com dois dias de antecedência, com vista a acordarem os termos dos mesmos.
Desta sentença recorre o requerido, visando a fixação da pensão de alimentos em € 212, 80.
Para tanto, alinhou os argumentos que assim deixou sintetizados em conclusões:
I – Foi colocada ao Tribunal a quo a questão do desconto da pensão de sobrevivência ao montante a pagar pelo Requerido a título de pensão de alimentos, não tendo a sentença revidenda conhecido dessa questão, não obstante a consignação factual feita em 11.º dos factos provados.
II – Assim enfermando a sentença recorrida da nulidade prevista na I parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, vício que expressamente se alega e invoca para todos os efeitos legais.
III – Também assim sucedeu quanto à questão da rentabilização do apartamento referido em 27.º dos factos provados, que também havia sido colocada ao Tribunal a quo.
IV – Ao omitir a pronúncia igualmente sobre essa questão, também aí a sentença revidenda enferma da nulidade prevista na I parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, vício que expressamente se alega e invoca para todos os efeitos legais.
V – Quanto à factualidade, resulta da conjugação dos factos provados nos 20.º, 24.º e 25.º flagrante iniquidade no apuramento dos rendimentos de todos os intervenientes, com os do Requerido a reportarem-se a alguns recibos de 2024 e a serem consignados na sua forma ilíquida, e os dos Requerentes a reportarem-se a 2023 e formulados na sua forma líquida.
VI – A contemporaneidade da comprovação de rendimentos de todos os intervenientes só se obtém com o apuramento dos mesmos através das declarações de IRS de 2023, ordenadas juntar aos autos, e de acordo com as quais deverá a decisão sobre a matéria de facto ser alterada para a seguinte formulação:
20. O PROGENITOR TRABALHA COMO TÉCNICO SUPERIOR NO INSTITUTO DE EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL E AUFERE NORMALMENTE A QUANTIA MENSAL LÍQUIDA DE CERCA DE 1.175,30€, OSCILANDO MENSALMENTE.
(...)
24. A AVÓ MATERNA AUFERE PENSÃO DE REFORMA LÍQUIDA NA ORDEM DOS 2.253,12€.
25. O TIO TAMBÉM SE ENCONTRA A TRABALHAR, AUFERINDO CERCA DE 989,24€ MENSAIS LÍQUIDOS.
VII – Da prova produzida, mormente das declarações da Requerente Avó, resultaram factos complementares ou instrumentais do facto provado n.º 27 que são relevantes para a boa decisão da causa e sem os quais, assim como esse facto está consagrado, desacompanhado de contexto que o complemente, é importante mas é insuficiente para a justa composição do litígio.
VIII – Esse facto tem uma utilidade jurídica – depois preterida na sentença, razão por que supra se lhe imputou nulidade –, mas carece dos devidos factos que o contextualizem, nomeadamente à luz da questão jurídica (suscitada pelo Requerido) que subjazeu à sua discussão e à sua inscrição na decisão da matéria de facto, que radicam dos planos para a utilização do apartamento e da razão de ser da constituição do usufruto.
IX – Como tal, e em obediência à prova produzida – mormente a transcrita supra – e conjugando-a com as regras de experiência comum e da lógica, deverá o facto provado nº 27 ser modificado para a seguinte redacção:
27. O BB HERDOU DA SUA MÃE UM APARTAMENTO JÁ INTEGRALMENTE PAGO E QUE ESTÁ ONERADO COM UM USUFRUTO SUCESSIVO, PRIMEIRO A FAVOR DA REQUERENTE AVÓ E DEPOIS A FAVOR DO REQUERENTE TIO, ATÉ O MENOR PERFAZER VINTE E CINCO ANOS DE IDADE.
E deverão ser acrescentados ao elenco factual os seguintes pontos:
28. A VONTADE DA TESTADORA NA CONSTITUIÇÃO DAQUELE USUFRUTO FOI TÃO SÓ IMPEDIR QUALQUER DISSIPAÇÃO PATRIMONIAL POR BANDA DO PROGENITOR DO BB, E NÃO PRIVAR O BB DE QUALQUER DISPOSIÇÃO PATRIMONIAL.
29. A REQUERENTE AVÓ PLANEIA MUDAR-SE COM O BB PARA O APARTAMENTO REFERIDO EM 27.º SUPRA, COM O OBJECTIVO DECLARADO DE REDUÇÃO DOS CUSTOS DA REQUERENTE AVÓ COM AMBOS OS APARTAMENTOS.
30. A REQUERENTE AVÓ NÃO PROMOVEU AINDA A SOBREDITA MUDANÇA POR ENTENDER QUE A VIVÊNCIA DO BB NO APARTAMENTO REFERIDO EM 27.º SUPRA, ONDE O MENOR VIVEU COM A SUA FALECIDA MÃE, AINDA LHE TRAZ MUITAS MEMÓRIAS NUM QUADRO EMOCIONAL PARTICULARMENTE SENSÍVEL APÓS PERDER A SUA MÃE.
X – Em obediência ao binómio possibilidades/necessidade prescrito pelo artigo 2004.º do CC, a pensão consagrada em 11.º dos factos provados, na mesma medida em que reduz a necessidade de recebimento e contribui para a sua subsistência, deve ser contabilizada na fixação da pensão a pagar pelo Requerido.
XI – À luz do mesmo binómio, e atendendo ainda à desobrigação do alimentante na medida da obtenção de rendimentos pelo alimentado estatuída no artigo 1879.º do CC, importa reduzir a necessidade de recebimento do BB e atender à possibilidade de o BB prover à sua subsistência por via da rentabilização do apartamento que herdou, impõe-se:
a) Apurar da viabilidade do arrendamento do apartamento aludido em 27.º dos factos provados, nomeadamente do valor de mercado desse arrendamento; e
b) Afectar aos alimentos do BB a parte das rendas que lhe caiba por via da legítima [isto se a avó do BB não entender abdicar da parte que lhe caiba para o bem maior do seu neto], com correspondente dedução do proporcional na pensão de alimentos a pagar pelo Requerido ao BB.
XII – Por fim, quanto aos critérios de fixação da pensão de alimentos, propugnamos ter havido errada interpretação e aplicação do direito.
XIII – Movendo-se por raciocínios viciados (mormente basear-se no cumprimento da fixação provisória), o Tribunal a quo acaba por cair no exercício que censurou de forma tão sensacionalista, que foi colocar o BB e o EE (outro filho menor do Requerido, que este sustenta na íntegra) em patamares de desigualdade.
XIV – Se entre menores se criou desigualdade, mais desigualdade há entre o padrão de vida consagrado ao BB e o que se quer prescrever ao Requerido.
XV – O Tribunal a quo não fez contas ao rendimento disponível do Requerido; fê-las o Recorrente nas alegações e fê-las agora à luz da factualidade provada e demonstra a severa insuficiência económica a que se vota o agregado do Requerido com a pensão fixada na sentença revidenda.
XVI – A iniquidade da interpretação e aplicação do direito também se revelou na ponderação do custeio de vida do BB por todos os intervenientes, primeiro sopesada a três (Requerente Tio, Requerente Avó e Requerido), depois o Requerente Tio desaparece misteriosamente, depois o sustento é calculado a meias entre a Requerente Avó e o Requerido, com flagrante violação do princípio da equidade.
XVII – À luz deste, a fixação da pensão deve ser considerada na proporção dos seus rendimentos no âmbito dos proventos de todos os que contribuem para o BB, assim dever ser fixada a pensão a pagar pelo Requerido em 212,80€.
XVIII – Sem prejuízo dos descontos a operar proporcionalmente sobre esse valor em função dos proventos que o BB obtenha, nomeadamente a pensão de sobrevivência e a rentabilização do apartamento que herdou da mãe.
Contra-alegou o MP, opondo-se à procedência do recurso.
Objeto do recurso:
- da nulidade da sentença;
- da alteração da matéria de facto apurada;
- do valor da pensão de alimentos a fixar ao menor.
FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Matéria de facto provada em primeira instância:
1. O BB nasceu a 15.02.2015, e está registado como sendo filho de FF e CC.
2. Desde os seus seis meses de idade, data em que os progenitores se separam de facto, o menor viveu somente com a mãe, não tendo qualquer contacto com o progenitor ou com qualquer membro da sua família paterna.
3. A 15 de abril de 2024, a mãe do BB faleceu, vítima de um cancro fulminante.
4. O requerente é tio materno do menor BB, único irmão da sua falecida mãe, com quem sempre teve uma relação muito próxima.
5. Viviam no mesmo prédio, existindo fortes laços emocionais entre o BB e o tio, sendo a única figura paternal reconhecida pelo menor, desde sempre.
6. Desde o início da doença da sua mãe, bem como após o seu falecimento, o BB tem residido com o aqui requerente, sendo este último quem tem exercido as responsabilidades parentais, garantido a satisfação de todas as suas necessidades e provendo pelo seu equilíbrio emocional neste momento tão delicado.
7. O BB só conheceu o seu progenitor quando se cruzaram no Hospital, numa visita à mãe.
8. Na conferência de 29.05.2024, as partes chegaram a acordo, no que concerne ao exercício das responsabilidades parentais, nos seguintes termos:
“1. Exercício das Responsabilidades Parentais e Residência do
1.1 As responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para a vida do menor serão exercidas em comum pela avó e pelo tio materno, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer deles pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
1.2 A residência do menor é fixada junto da avó materna, cabendo a esta a decisão relativa aos actos da vida corrente, com o apoio do tio materno.
2. Convívios do menor com o progenitor
2.1. Os convívios do menor com o pai ocorrem, fora dos respectivos horários de estudo e descanso, nos momentos que por este forem concertados com a avó materna e o tio materno.”
9. As partes não chegaram a acordo quanto à fixação do montante da pensão de alimentos devida ao menor, tendo manifestado em conferência as seguintes posições:
“3. Alimentos do menor e forma de os prestar
- A Ilustre Mandatária do requerente declarou que o menor frequenta o Colégio ... (cuja mensalidade é de € 500,00), necessita de acompanhamento psicológico, frequenta o futsal através do Colégio, estando previsto ingressar no futebol, pelo que, sugeriu o montante de € 1.000,00 a título de pensão de alimentos ao menor;
- O requerido rejeitou o montante sugerido, declarando que é o único sustento da sua família, auferindo o salário de € 1.600,00 como Técnico Superior;
- A avó materna tem assumido as despesas do menor e ainda não teve acesso à pensão de sobrevivência relativamente à progenitora do menor, que faleceu em abril do presente ano. Referiu que precisa da acta da regulação das responsabilidades parentais a fim de requerer a sobredita pensão;
- Há uma necessidade de manter o nível de vida do menor, uma vez que o mesmo teve uma mudança de vida muito drástica nos últimos tempos, atendendo ao falecimento da mãe e à descoberta do pai biológico, requerido nos presentes autos, por receio que uma eventual mudança de colégio do menor poderá ser ainda mais dolorosa para o mesmo, que também necessita de acompanhamento psicológico;
- Face o exposto, não foi possível a obtenção de acordo quanto à pensão de alimentos e comparticipação das despesas de educação.”
10. Na mesma diligência, face ao desacordo existente, foi proferido o seguinte despacho a fixar o regime de alimentos a vigorar a título provisório:
“Fixa-se um regime provisório quanto à regulação das responsabilidades parentais, na parte não abrangida pelo acordo supra, tendo em conta os seguintes factos:
- A criança fica a residir junto da avó materna, com o apoio do tio materno;
- O menor mantém a frequência do Colégio ..., sito em .... (…)
- A título de pensão de alimentos fica estabelecido o montante de € 400,00 (quatrocentos euros) mensais a pagar pelo progenitor, por transferência bancária para a conta da avó materna com o IBAN ...51, até ao dia 8 do mês a que disser respeito;
- O montante supra referido engloba a proporção que cabe ao progenitor da mensalidade do colégio bem como metade das despesas escolares, médicas e medicamentosas.”.
11. O ISS, IP, veio informar os autos que o beneficiário BB, com o NISS ...08/05, é titular de uma pensão mensal de sobrevivência do Centro Nacional de Pensões, no valor líquido de €185,37, em virtude do falecimento da sua progenitora FF.
12. Na conferência de 10.09.2024, as partes decidiram alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais nos seguintes termos:
“2. Convívios do menor com o progenitor
2.1 O menor passa fins-de-semanas com o progenitor, a cada três semanas, entre sexta-feira e domingo, a iniciar no fim-de-semana de 20 a 22 de setembro.
2.2 A recolha do menor é efectuada pelo progenitor, na casa da avó materna, até às 19 horas, entregando-o no mesmo local da recolha no domingo, pelas 19 horas.”
13. A mãe do BB outorgou, a 27 de Março de 2024, testamento, no qual expressamente, além de estatuir a sua vontade, refere: “Que o seu filho BB não teve qualquer contacto com o pai, não tendo sido até à presente data intentada qualquer ação de regulação dos poderes parentais, nem nunca contribuído com qualquer despesa do menor.”
14. O menor frequenta, desde o 1.º ano do ensino básico, o Colégio ..., em ..., onde tem a mesma turma e a mesma professora, desde então, encontrando-se no 4.º ano de escolaridade.
15. A frequência do colégio implica um custo mensal no mínimo de cerca de €500,00, a saber:
- Propina Mensal (10 meses) = 380,50€
- Almoço (senha mensal) = 92,67€
- Lanche (senha Mensal tarde e manhã) = 53,87€
- Total mensal = 527,04 €.
16. O BB frequenta a Academia de Futsal, despendendo a avó a quantia mensal de € 30,00.
17. O menor está a ser acompanhado por psicóloga, semanalmente e tem outras despesas médicas e medicamentosas, em montante não apurado.
18. No mais, o BB, tem de se vestir, calçar e alimentar, como qualquer criança de nove anos.
19. A avó despende em alimentação, mensalmente, em média, o montante de €200,00.
20. O progenitor trabalha como técnico superior no Instituto de Emprego e formação profissional e aufere a quantia mensal de cerca de €1.865,89, oscilando mensalmente e sofrendo a consequente tributação.
21. O agregado familiar do requerido é composto por ele, a sua mulher e um filho de três anos, sendo os custos suportados, exclusivamente, pelos rendimentos do requerido.
22. O requerido tem de fazer face às despesas do agregado, em valores aproximados:
- 65€ em telecomunicações (tv/net/voz/móvel);
- 100€ em eletricidade;
- 25€ em fornecimento de água.
23. O agregado familiar do requerido tem despesas com alimentação cujo valor médio não foi possível apurar concretamente, mas que rondarão os € 400,00, mensais.
24. A avó materna aufere pensão de reforma na ordem dos €2.000,00.
25. O tio também se encontra a trabalhar, auferindo cerca de €1.000,00 mensais.
26. O filho mais novo do requerido, que este sustenta na íntegra, não frequenta o ensino privado.
27. O BB herdou da sua mãe um apartamento já integralmente pago e que está onerado até o menor perfazer vinte e cinco anos de idade.
Matéria de facto não provada em primeira instância
a) A partir dos seis meses a ausência de contactos com o filho ficou a dever-se à total ausência de interesse do pai em fazer parte da vida do menor.
b) A mãe do BB não deixou um tutor designado para o menor em testamento.
c) Além da mensalidade do futsal é necessário adquirir equipamento para a prática desportiva, o qual se calcula numa média mensal de €25,00.
d) O BB necessita do valor médio de €160,00 mensais para acompanhamento psicológico e cuidados médicos e medicamentosos.
e) Em vestuário e calçado a avó despende, mensalmente, em média, a quantia de €150,00.
O requerido despende € 60,00 em medicamentos, € 600,00 em alimentação/mercearias, € 250,00 em combustível apenas para o pêndulo casa-trabalho, € 215,00 em crédito automóvel, € 40,00 em seguro automóvel.
Diz o recorrente ter a sentença omitido a referência ao desconto do valor da pensão de sobrevivência que o Estado atribuiu ao menor em função do falecimento da mãe e que essa omissão configura vício estrutural da decisão, impedindo-a de ter o seu efeito decisório, por força do disposto no art. 615.º/1 d) CPC.
O mesmo defeito reponta ao ato decisório por ter fixado os alimentos sem atender à questão da rentabilização do apartamento deixado pela falecida progenitora.
O art. 608.º/ 2 CPC, impõe se resolvam na sentença todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas já Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol., V, p. 143) explicitava que “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” não significa considerar todos os argumentos jurídicos ou soluções plausíveis de direito ou de facto, pela simples razão de que o julgador não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5.º, n.º 3).
Embora Anselmo de Castro (Direito Processual Civil, Vol. II, p. 142) estenda a noção de questões a todas as vias de fundamentação jurídica que as partes tenham exposto, a jurisprudência tem seguido o caminho indicado pelo primeiro jurista. Veja-se, por ex., o ac. STJ, de 3.10.2017, Revista n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1 - 1.ª Secção: A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.
Também assim o Ac. STJ, de 12.10.2017, Revista n.º 235/07.5TBRSD.C1.S1 - 7.ª Secção: Não incorre em vício de omissão de pronúncia o acórdão da Relação que deixou de apreciar um dos argumentos aduzidos pela recorrente em benefício da pretendida modificação da matéria de facto.
Sendo assim, não se verificam as nulidades invocadas pela circunstância de, em primeira instância, se ter entendido que nos alimentos devidos pelo pai ao filho não haveria de aludir-se a subtração alguma da pensão de sobrevivência ou ao uso do património do menor – de que apenas disporá depois dos 25 anos – para diminuir as responsabilidades do progenitor.
O recorrente pretende seja alterado o facto relativo ao valor da sua remuneração mensal, de modo que, ao invés do provado em 20, quanto ao recebimento de € 1.865, 89, pretende se considere demonstrada a “quantia mensal ilíquida de cerca de € 1.175, 30, 00, oscilando mensalmente”.
Requer, aqui, se considerem as declarações de IRS (quer as suas, quer as do tio e avó do menor) juntas aos autos.
Neste tocante, verificamos ter a sentença considerado, no ponto 20 dos factos provados, um valor fixo de remuneração mensal do requerido, porventura baseado no documento remetido em 13.9.2024 pelo IEFP, entidade patronal do requerido, no qual consta a remuneração ali dada como provada - € 1865, 89 – valor que se referia à remuneração de agosto de 2024.
Todavia, nos autos constam outros documentos relativos ao rendimento salarial do recorrente e, por isso e em retas contas, o que daremos como provado em 20, quanto aos seus rendimentos provenientes do trabalho, será tudo o que resulta da prova documental obtida nos autos a este respeito, com referência aos documentos donde se extrairão os números que seguem.
Sendo assim, o ponto 20 dos factos provados passa a ter a seguinte redação:
20 – O progenitor exerce a função de técnico superior do IEFP, tendo sido emitidos pela sua entidade empregadora os seguintes recibos de vencimento juntos aos autos, relativos ao requerido:
- relativamente a março de 2024 (junto a 25.9.2024), com um valor líquido de € 1.381, 02;
- relativamente a abril/2024 (junto a 25.9.2024), com um valor líquido de € 1.811, 41;
- relativamente a maio de 2024 (junto a 25.9.2024), com um valor líquido de € 2.027, 59;
- relativamente a junho/2024 (junto a 25.9.2024), com um valor líquido de € 3.468, 93;
- relativamente a julho/2024 (junto a 25.9.2024), com um valor líquido de € 2.051, 59;
- relativamente a agosto/2024 (junto a 25.9.2024), com um valor líquido de € 2.051, 96;
- a 20.11.2024, o IEFP informou ter pago a este trabalhador, relativamente a outubro de 2024, o valor de € 1.865, 89.
- em 6.12.2024, o IEFP informou que as ajudas de custas recebidas pelos seus trabalhadores são um abono devido por ausência do seu local de trabalho/domicílio, para dentro ou fora de Portugal, por motivos de serviço público, com objetivo de fazer face a despesas acrescidas (nomeadamente viagem, alimentação e alojamento), não tendo tais abonos caráter regular e fixo.
- A 30.10.2024, foi junta aos autos a declaração de IRS do recorrente e mulher, constando apenas aquele como tendo auferido rendimentos de trabalho dependente naquele ano, no valor de € 21.614, 32, com € 2.026, 00, de retenção na fonte.
Pretende também o recorrente se altere o facto 24, relativo à pensão de reforma recebida pela avó do menor que ali está fixada em € 2.000, 00,valor que a sentença, na respetiva motivação, fez originar das próprias declarações daquela.
Todavia, para sermos consentâneos com o que ficou exposto, quanto ao rendimento do requerido, também achamos nos autos documentação relativa aos rendimentos auferidos por DD, juntos a 15.11.2024 e, em conformidade, será o teor destes a ter em conta:
Assim, o ponto 24, passa a ter a seguinte redação:
24 – A avó do menor aufere pensão de valor não concretamente apurado mas que, em 2023, de acordo com a respetiva declaração de IRS, na qualidade de solteira ou divorciada, correspondeu a um rendimento bruto € 44.863, 26, com € 12.605, 00, de retenções na fonte e € 714, 56, de contribuições.
No tocante ao ponto 25, deu-se como provado que o requerente, tio do menor, aufere cerca de € 1.000,00, mensais líquidos, o que, na descrição na motivação da decisão de facto, corresponderá ao afirmado por sua mãe, avó do menor.
Também para este ponto, existe documentação nos autos que nos permite maior precisão na fixação da matéria de facto, pelo que será de atender à declaração de IRS, relativa a 2023, apresentada por AA, como solteiro ou divorciado, pelo que o ponto 25 passa a ter a seguinte redação:
25 – O tio do menor aufere um rendimento salarial de valor não concretamente apurado mas que, em 2023, de acordo com a respetiva declaração de IRS, na qualidade de solteiro ou divorciado, correspondeu a um rendimento bruto de € 15.284, 20, com € 1.732, 00, de retenções na fonte e € 1.681, 29, de contribuições.
No tocante ao ponto 27 – relativo ao apartamento que terá sido herdado pelo menor – apenas sabemos com segurança o que consta do testamento e que aqui passamos a reproduzir:
27 – No testamento elaborado a 27.3.2024, pela mãe do menor, além do mais, declarou aquela:
(…)
Não existem elementos documentais nos autos que nos permitam dar como confirmado encontrar-se este apartamento inteiramente pago, admitindo-se que sim, o que, para o efeito da fixação de alimentos, se revela absolutamente inconsequente.
Não se dá como provado o pretendido pelo requerente como ponto 28 por corresponder não a um facto apurado, mas a uma intenção ou estado de espírito da testadora que não se revela do sentido do próprio testamento.
É irrelevante o que se pretende se dê como provado em 29, posto que dúvida nenhuma existe de que a avó do menor reside em apartamento seu, ignorando nós a que encargos e de que valor se pretende referir o recorrente, inferindo-se a impugnação da matéria de facto também nesta parte, sendo, a todos os títulos, igualmente irrelevante relativamente à obrigação de prestação de alimentos e seu valor, o que pretende o recorrente em 30 como aditamento aos factos provados.
Fundamentação de direito
Duas primeiras questões se colocam em recurso:
- o desconto da pensão de sobrevivência auferida pela criança pelo facto de ter perdido a mãe prematuramente;
- o desconto de montante que se ignora correspondente ao que poderia obter-se com a rentabilização de imóvel que, sendo herança da criança, corresponde a usufruto de tio e avó até aos 25 anos daquele.
Lembremos, antes, que o objeto do processo é o cumprimento pelo progenitor da obrigação básica e essencial que, antes mesmo de ser legal, emerge da própria natureza básica do que é ser humano (e não só): cuidar das necessidades elementares dos filhos gerados, fundando-se numa noção de solidariedade decorrente da existência de laços familiares.
Do ponto de vista legal, é o art. 1878.º/1 CC que alude, entre o mais, à obrigação de os progenitores proverem ao sustento dos filhos.
Trata-se de um dever funcionalizado que cabe, em primeiro lugar, aos pais, e não a outrem – tios ou avós – pelo que, em conformidade com o dever constitucional fundacional de qualquer ordem social, os pais têm o dever de manutenção dos filhos (art. 36.º/5 Const.), que abrange tudo quanto diga respeito aos cuidados do menor, respetiva educação e acompanhamento – deveres de que o progenitor esteve sempre arredado – mas também deveres de caráter patrimonial, plano que só agora começou a integrar.
Quer isto dizer que, existindo progenitores, são estes a quem cabe o cumprimento das obrigações relativas aos filhos e o facto de estes últimos, eventualmente, terem como tutores terceiras pessoas, não significa que a estas – ou só a estas – caiba a obrigação de providenciar pela satisfação das necessidades básicas de vida dos filhos de outrem, ainda que lhes sejam familiares e lhes mereçam toda a atenção, carinho e respeito.
Pelo que, o primeiro ponto a assentar, nestes autos, é que a intervenção do tio e avó maternos do menor, que se dispõem a colaborar também nos alimentos devidos ao menino, é subsidiária relativamente à obrigação principal que cabe, claro está, aos pais ou, no caso, ao progenitor sobrevivente.
Aliás, a obrigação de sustento mantém-se ainda que haja inibição das faculdades parentais (art. 1917.º CC) e é mais ampla do que o geral dever de alimentos, desde logo por não se cingir a um critério de indispensabilidade[1] (art. 2003.º/1 CC), pois exige a lei que ao filho seja garantido o nível de condições de vida consentâneas com o nível de vida dos pais.
«O legislador define o objeto da obrigação de alimentos (“sustento, habitação e
vestuário”) e estabelece o critério (“o que é indispensável”), em conjugação com o disposto no art. 2004.º, para a determinação da sua medida. Este critério de indispensabilidade delimita o âmbito das despesas a considerar em vista do “sustento, habitação e vestuário”. Naturalmente que estes termos (designadamente a expressão “sustento”) devem ser entendidos em sentido amplo, de um lado e, de outro, a indispensabilidade diz respeito a uma vida autónoma e digna. O valor reconhecido à pessoa humana e a necessidade de tutelar a sua dignidade exigem que a medida dos alimentos garanta uma vida autónoma e digna»[2].
De igual modo, a intervenção do Estado, suprindo a incapacidade dos pais no cumprimento desse desiderato, ocorre tão-só ali onde se verifique impossibilidade de os pais, por si, proverem ao sustento dos filhos, fazendo-se intervir o apoio do Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menor, instituído pela Lei 75/98, de 19.11.
Já a intervenção da Segurança Social, ao estabelecer uma pensão de sobrevivência a menor cujo progenitor faleceu não se destina a exonerar o progenitor sobrevivo da sua obrigação de prestação de alimentos, nomeadamente, diminuindo-lha.
A pensão de sobrevivência é um apoio pago mensalmente aos familiares de um beneficiário que faleceu, com o objetivo de os compensar pela perda de rendimentos resultantes da sua morte e é independente dos critérios de fixação dos valores da obrigação alimentícia devida pelo pai ou mãe sobrevivos.
Até porque, num país como o nosso, a pensão de sobrevivência, como se vê in casu, assume valores tão irrisórios - € 187, 37 – que nunca a sua consideração poderá servir como contraponto da obrigação alimentar a cargo dos pais[3].
No tocante a esta (obrigação alimentar), é o art. 2004.º CC que estabelece a medida dos alimentos, cifrando-a na noção de necessidade do alimentando.
É, neste particular, que o recorrente considera intervier aqui o facto de existir um imóvel que a mãe terá deixado ao menino.
Ora, «é certo que o conceito de necessidade é um conceito jurídico “indeterminado” ou relativo, que há-de implementar-se, à luz do princípio da solidariedade familiar, atendendo à pessoa do alimentando e às suas circunstâncias concretas. Em suma, encontra-se em necessidade quem não consegue satisfazer adequadamente as necessidades de uma vida autónoma e digna com os seus rendimentos, o seu património e a sua força de trabalho. Por isso, não se encontra em necessidade o sujeito que, embora não aufira rendimentos do capital ou do trabalho, seja titular de direitos patrimoniais suscetíveis de serem alienados na justa medida ditada por um princípio de razoabilidade. Ao abrigo deste princípio, o alimentando não tem de proceder a uma venda objetivamente ruinosa dos bens em ordem a não agravar o estado de necessidade ou a não tornar definitiva uma situação de necessidade que pode ser temporária. Deste modo se tutela, também, o interesse do alimentante. Pode dizer-se que, em princípio, o alimentando deve alienar os bens improdutivos ou parcamente produtivos em ordem a poder fazer face à sua situação de necessidade”[4].
Quer isto dizer que, da existência desse imóvel – onerado a favor do tio e avó, que são dele os usufrutuários –resulta já a desnecessidade de o pai pagar por uma das carências básicas de vida do filho, que é a de habitação, pois, não só a avó dispõe de casa própria, como a existência de um imóvel que cabe ao menor e que este apenas poderá alienar quando contar 25 anos, já estão considerados na fixação de uma prestação a cargo do pai de € 400, 00, valor suficientemente baixo para nele se considerar não incluídas as necessidades habitacionais.
Caso o pai tivesse também de contribuir para os encargos com habitação do filho, considerando as outras necessidades deste (com educação, atividades paralelas e – não esqueçamos - a situação particular de carecer de apoio psicológico por, não tendo conhecido pai, ter perdido a mãe aos 9 anos de idade), diremos com segurança que a prestação de alimentos seria superior a € 400, 00, por maiores serem, então, nas necessidades do alimentando.
De modo que, o pai não pode pretender ver alijada a sua responsabilidade pelos alimentos devidos ao filho pelo facto de este ter herdado um imóvel que tem apenas a nua propriedade, ainda mais quando nos alimentos se lhe não pede que participe em despesas de alojamento.
Vejamos, agora das possibilidades de quem deve prover pelo sustento do filho.
Em primeiro lugar, na ausência da mãe, a responsabilidade pelos alimentos caberia unicamente ao pai, sendo que a intervenção do tio e da avó são apenas subsidiários. Tio e avó não têm, em primeira linha, de arcar com as responsabilidades dos progenitores, caso estes possam, por si, fazê-lo, até porque aqueles terão a sua própria vida e necessidades familiares e pessoais. São, por isso, os meios do progenitor que haverão de contar em primeira linha e não, por outro lado, o facto de eventualmente, haver, do lado da família materna, um hipotético acervo patrimonial que poderá ou não ser extenso.
A existência daqueles familiares e a sua contribuição apenas permitirá que, afinal, o menino continue a ter a possibilidade de manter um nível de vida acima da média, como a possibilidade de frequentar escolaridade privada, o que a mãe, só por si e durante nove anos, assegurou, sem colaboração alguma do progenitor.
É a obrigação do pai que está em causa, pelo que são os meios ao dispor do pai que têm de ser tidos em conta, face à prestação fixada de € 400, 00.
Ora, neste tocante, vemos que o pai também, ele próprio, não tem despesas com habitação e, mesmo tendo um filho de 3 anos (terá um outro filho, maior de idade, mas estudante, para o qual nunca contribuiu com alimentos), dispõe o seu agregado de meios suficientes para que a mulher, cabeleireira, não tenha de exercer atividade remunerada, quedando-se em casa para tomar conta da sua criança, a não ser que, por algum motivo – não apurado nos autos – se ache impossibilitada de o fazer.
Quanto ao rendimento do recorrente, não sendo necessário para si ou para o menor em causa nos autos, a satisfação de valores com habitação, teremos que considerar o seu rendimento total para providenciar por uma família de três pessoas e mais uma, o menor BB, este na proporção de metade, posto que tio e avó se dispõem a assegurar tudo o demais.
Qual o valor a considerar como rendimento salarial do requerido?
Como vimos, o seu salário é variável e essa variabilidade não é despicienda, englobando ajudas de custas muito díspares.
Sabemos que, há dois anos, em 2023, declarou um rendimento salarial que corresponde a mais de € 1.500, 00/mês de rendimento – mesmo que tenha que pagar impostos, encargo que cabe a todos os que recebam valores suficientes para sofrerem tal tributação. Mas sabemos também que, em 2024, recebeu sete vencimentos líquidos de valor superior àqueles € 1.500, 00, sendo estes que se acham juntos aos autos.
Considerando que, no mês de junho/2024, terá sido pago o subsídio de férias, os valores apurados em 2024 serão somados e divididos por 8, o que equivale a um salário médio, em 2024, de cerca de € 1.599,00.
Tendo em conta as despesas fixas que apresenta – onde se não acham encargos diferentes dos habituais, senão com alimentação e serviços, nem despesas com educação do filho de 3 anos que se mantém em casa com a mãe que, por isso, não exerce atividade remunerada, consideramos que a receção de cerca de € 1.200, 00, para um agregado de três pessoas, uma delas de três anos, e apenas com aquelas despesas correntes, dentro do panorama nacional, é absolutamente exequível, tendo em conta, em contrapartida, as despesas com que conta o menor BB. Os € 400, 00, devidos pelo pai, que apenas volvidos 10 anos, colabora no sustento do filho, são, por isso, mais do que exequíveis de sua parte.
Sendo assim, conclui-se pela improcedência do recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Dispositivo
Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Porto, 4.6.2025
Fernanda Almeida
Teresa Fonseca
Fátima Andrade
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[1] “O legislador define o objeto da obrigação de alimentos (“sustento, habitação e vestuário”) e estabelece o critério (“o que é indispensável”), em conjugação com o disposto no art. 2004.º, para a determinação da sua medida. Este critério de indispensabilidade delimita o âmbito das despesas a considerar em vista do “sustento, habitação e vestuário”. Naturalmente que estes termos (designadamente a expressão “sustento”) devem ser entendidos em sentido amplo, de um lado e, de outro, a indispensabilidade diz respeito a uma vida autónoma e digna. O valor reconhecido à pessoa humana e a necessidade de tutelar a sua dignidade exigem que a medida dos alimentos garanta uma vida autónoma e digna”, Código Civil Anotado, Livro IV, Coord. de Clara Sottomayor, 2.ª Ed., p. 1068
[2] Ibidem.
[3] Cfr. Ac. STJ, de 26.11.91, Proc. 082488: I - Os "alimentos" e a "pensão de sobrevivência" são figuras jurídicas completamente distintas uma da outra. II - Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, bem como à instrução e educação do alimentado, se menor, devendo o respectivo quantitativo ser determinado em função das possibilidades de quem os deva prestar e as necessidades de quem os houver de receber. III - A pensão de sobrevivência consiste numa prestação pecuniária mensal, cujo montante, é em regra, junção da pensão de aposentação ou de reforma que corresponda ao tempo da iniciação no Montepio, sujeito ao pagamento da quota. IV - Em nenhuma das normas legais que disciplinam a atribuição da pensão de sobrevivência se prevê a caducidade do direito a essa pensão, à semelhança do que acontece com o direito a alimentos, pelo que tal direito não pode extinguir-se por caducidade.
[4] Código Civil cit., p. 1070.