ACIDENTE DE VIAÇÃO
LESADO
PRESTAÇÕES DO ISS
AÇÃO DE REGRESSO
PRESCRIÇÃO
Sumário

I - A transacção é um contrato e os seus efeitos apenas vinculam as partes que nele intervêm.
II - A circunstância de o lesado celebrar com o terceiro responsável pelos danos transacção homologada judicialmente não conduz a que o Instituto da Segurança Social, que pagou ao lesado prestações sociais por virtude dos danos e sequelas por que é responsável o terceiro, adquira o direito à imediata condenação do terceiro a efectuar o reembolso dessas prestações à margem da demonstração dos pressupostos do direito ao reembolso.
III - O direito do Instituto da Segurança Social de reclamar do terceiro responsável pelos danos o reembolso das prestações sociais que pagou ao lesado em consequência das lesões está sujeito ao prazo de prescrição de três anos por aplicação extensiva do disposto no artigo 498.º, n.º 2, do Código Civil.
IV - A esse prazo não se aplica o alargamento previsto no n.º 3 da mesma norma.
V - Esse prazo apenas se inicia na data em que for realizado o último pagamento ao lesado.
VI - Os pressupostos desse direito são a responsabilidade do terceiro pelos danos causados, o pagamento ao lesado de pensões por incapacidade, que o direito do lesado às prestações decorra das lesões corporais por cujas consequências o terceiro é responsável.

Texto Integral

RECURSO DE APELAÇÃO

ECLI:PT:TRP:2025:196.15.7T8PVZ.P1


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SUMÁRIO:

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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

Relatório:

Em 10 de Fevereiro de 2015, AA, contribuinte fiscal n.º ...88, portador do cartão de cidadão n.º ...58, residente em ..., instaurou acção judicial contra a A..., S.A., pessoa colectiva n.º ...34, com sede na Maia (entretanto incorporada por fusão na B... Companhia de Seguros, S.A., com o número único de matrícula na Conservatória do Registo Comercial e de pessoa colectiva ...68, e sede em Lisboa, denominação que se passa a usar para identificar esta ré) e a C... PLC - Sucursal em Portugal, com o número único de matrícula na Conservatória do Registo Comercial e de pessoa colectiva ...36, e sede em Lisboa, pedindo a condenação das rés, na medida e consoante o que se vier a apurar quanto à culpa dos dois condutores intervenientes, a pagarem-lhe a indemnização dos danos sofridos pelo autor, nos termos melhor descritos na conclusão da petição inicial.

Para o efeito, em síntese, alegou que no dia 30.11.2013, cerca das 00.20h, seguia como passageiro no banco dianteiro do veículo ..-..-NJ, com seguro na C... PLC, o qual circulava a uma velocidade entre 30-40 km/h, com as luzes de cruzamento ligadas, na respectiva metade da hemi-faixa, aproximando-se de uns semáforos que apresentavam luz verde para esse veículo; o veículo ..-BQ-.., com seguro na B..., cujo condutor circulava com uma TAS de 1,67 g/l de sangue, a mais de 80-90 km/h, com as luzes de cruzamento desligadas, aproximou-se dos referidos semáforos que apresentavam a luz vermelha para os veículos com essa direcção; este veículo não parou no semáforo, seguiu em frente, invadiu a faixa do NJ e embateu de frente na parte lateral direita do veículo que transportava o autor, projectando-o contra um muro; em resultado o autor sofreu danos de diversa natureza e extensão cujo ressarcimento pretende obter com a acção.

A ré C... contestou, impugnando os factos alegados e sustentando que a outra seguradora demandada aceitou a responsabilidade total pela ocorrência do acidente e a obrigação de indemnizar os danos causados.

A ré B... contestou, admitindo que o acidente ocorreu por culpa do condutor do veículo por si segurado, mas impugnando os danos e a sua quantificação.

Após o recebimento da petição inicial a secretaria procedeu à citação da Segurança Social nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de Fevereiro, para no prazo da contestação deduzir o pedido de reembolso do que tivesse pago ao autor.

A Segurança Social nada reclamou, nem interveio nos autos.

Não obstante isso, em 30.04.2021, o autor, alegando que em consequência das lesões sofridas e sequelas de que padece em resultado do acidente de viação descrito nos autos, o Centro Nacional de Pensões o declarou em estado de invalidez e está a pagar-lhe, desde 28.11.2016, uma pensão de invalidez no montante mensal inicial de €390,80, requereu a intervenção principal provocada do Instituto da Segurança Social IP.

O tribunal a quo julgou procedente o incidente e ordenou a citação do Instituto da Segurança Social para, no prazo de trinta dias, formular pedido de reembolso referente às pensões de invalidez que tem pago ao demandante.

Citado, o interveniente apresentou articulado próprio, dando por reproduzidos os factos alegados pelo autor quanto ao acidente, acrescentando que foi atribuída ao autor uma pensão de invalidez por incapacidade, a partir de 28 de Novembro de 2016, tendo-lhe pago a esse título, desde então, a pensão mensal de €547,13. Termina pedindo a condenação solidária das rés a pagarem-lhe €36.572.56, acrescidos das pensões que se vencerem e forem pagas na pendência da acção, bem como os respectivos juros de mora legais, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

A ré C... contestou, impugnando os factos alegados e defendendo que a responsabilidade pelo eventual pedido de reembolso cabe à outra ré,

A ré B... contestou, impugnado os factos alegados e invocando a prescrição do crédito reclamado por o acidente ter ocorrido a 27.12.2011 e o reembolso apenas ter sido pedido em 3.08.2021, sendo que na eventualidade de se entender que o pedido foi deduzido por ter satisfeito ao autor quantias por este ter sofrido o acidente, o crédito está igualmente prescrito desde 28.11.2016.

No decurso do processo o Instituto da Segurança Social requereu a ampliação do pedido para €49.224,56 em função do valor das pensões pagas ao autor na pendência do processo.

Essa ampliação foi admitida.

Posteriormente o autor desistiu do pedido relativamente à ré C..., tendo a desistência sido homologada e o direito do autor contra essa ré declarado extinto.

Nessa ocasião, a ré B... declarou que «aceita a dinâmica do acidente descrito nos artigos 1º, 2º, 13º a 21º, 24º a 38º, 41º a 49º da petição inicial», que «não aceita o nexo de causalidade entre todas as lesões alegadas pelo Autor e o acidente, mantém a impugnação dos artigos 22º, 23º, 32º (quanto às medidas), 39º, 40º do mesmo articulado», «aceita, igualmente, as alegações contidas nos artigos 50º a 58º e 176º da petição inicial», «declara expressamente reconhecer a responsabilidade exclusiva do condutor do veículo matrícula ..-BQ-.., nela segurado, pela ocorrência do acidente em discussão», «aceita a matéria que consta das alíneas A) a L) dos factos assentes».

Em face dessas declarações foi «repristinado» o decidido no despacho saneador de 07-04-2022 que havia sido revogado por Acórdão desta Relação, ou seja, além do mais, a decisão de «absolver a ré C... dos pedidos formulados pelo autor e do pedido de reembolso de pensões formulado pelo Centro Nacional de Pensões».

Após o Instituto da Segurança Social requereu a actualização do pedido para a quantia de € 51.698,28 em resultado das pensões pagas ao autor após a anterior actualização.

Este pedido foi rejeitado pelo tribunal, decisão da qual foi interposto recurso que foi rejeitado por se entender que a decisão apenas é recorrível a final, entendimento reiterado nesta Relação, em sede de reclamação da rejeição do recurso (apenso D).

Ainda antes do julgamento o Instituto da Segurança Social requereu a actualização do pedido inicial para a quantia de € 57.411,79 em resultado das pensões pagas após o anterior requerimento.

Esta ampliação foi admitida.

Na audiência de julgamento, o autor reconhecer ter recebido da Segurança Social € 25.505,29 a título de subsídio por incapacidade no período de 30.11.2013 a 10.05.201, do Centro Nacional de Pensões €57.411,79 a título de pensão de invalidez desde 20.11.2016, e da ré €35.267,53 a título de indemnização.

Em simultâneo, autor e ré transigiram acordando que em acréscimo a esses valores a ré pagaria ao autor €195.000,00 a título de indemnização dos danos biológico, não patrimoniais e patrimoniais futuros com tratamentos. Esta transacção foi homologada por sentença, condenando-se a ré B... nos termos acordados.

Notificado da sentença homologatória dessa transacção, o Instituto da Segurança Social apresentou requerimento defendendo que a transacção tem de produzir efeitos no tocante ao seu direito de crédito e requerendo que o tribunal profira «sentença que reconheça no acordo homologado judicialmente o direito de sub-rogação nos direitos dos beneficiários lesados até ao limite do montante das prestações que o ISS, IP/CNP concedeu, a liquidar pelo terceiro responsável (ré B...)».

O autor e a ré opuseram-se a esse requerimento.

Sobre esse requerimento foi proferida a seguinte decisão interlocutória com data de 10.03.2024:

«Na sequência da transacção celebrada entre Autor e Ré e da sua homologação por sentença, o Interveniente Principal alegou que aquela parece ter sido feita sem tomar em consideração o seu direi- to de sub-rogação legal e, invocando o artigo 9º do Regime Jurídico de Protecção nas Eventualidades Invalidez e Velhice, aprovado pelo Decreto-Lei nº 187/2007 de 10 de Maio, entende que deve ser pro- ferida sentença a reconhecer de imediato o direito de sub-rogação nos direitos dos beneficiários lesa- dos até ao limite do montante das prestações que concedeu.

[…]

O artigo 9º do Regime Jurídico de Protecção nas Eventualidades Invalidez e Velhice, aprovado pelo Decreto-Lei nº 187/2007 de 10 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei nº 16-A/2021 de 26 de Fevereiro, estatui:

“1- Nos casos em que o pedido de reembolso do valor das pensões não tiver sido judicialmente formulado pela instituição gestora, nenhuma transacção pode ser celebrada com o beneficiário titular do direito à indemnização nem pode ser-lhe efectuado qualquer pagamento com a mesma finalidade sem que se encontre certificado, pela mesma instituição, o pagamento de pensões e o respectivo montante.

2- Havendo acordo, o responsável pela indemnização deve: a) comunicar à instituição gestora o valor total da indemnização devida; b) reter e pagar directamente à instituição gestora o valor correspondente ao das pensões pagas, até ao limite do montante da indemnização.

3- Em caso de incumprimento do disposto nos números anteriores, o terceiro responsável pela indemnização responde solidariamente com o beneficiário pelo reembolso do valor das pensões pagas a este.”

Como resulta literalmente do texto do preceito citado, a solução nele prevista aplica-se aos casos em que a entidade gestora das pensões de invalidez não tenha formulado judicialmente formulado pedido de reembolso, o que não é o caso, uma vez que o Interveniente Principal foi citado na sequência de incidente deduzido pelo Autor, formulou a sua pretensão, o que significa que nada impe- dia a celebração de transacção tão só quanto aos pedidos formulados pelo demandante.

Temos presente que o artigo 70º da Lei de Bases da Segurança Social – Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro, com a redacção da Lei nº 83-A/2013 de 30 de Dezembro – dispõe que no caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direi- tos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder, que o artigo 7º do citado DL nº 187/2007 estabelece que se tiver havido pagamento de pensões, a instituição gestora tem o direito de exigir o respectivo reembolso e que o artigo 3º do Decreto-Lei nº 59/89 de 22 de Fevereiro determina que, no caso de morte, ou se a incapacidade para o trabalho revestir a forma de invalidez, o Centro Nacional de Pensões é citado ou informado, conforme os casos.

Porém, como relativamente a qualquer pretensão deduzida em Tribunal há regras a observar, designadamente, o ónus de alegação e prova dos fundamentos da atribuição da pensão de invalidez, do pagamento dessa prestação e respectivo período, assim como do nexo de causalidade entre o facto lesivo e as prestações concedidas.

No caso dos autos, não podemos esquecer que a Ré invocou a excepção de prescrição e pôs em causa que a pensão de invalidez se devesse às lesões decorrentes do acidente de viação em discussão nos autos.

Importa recordar que a transacção foi celebrada em sede de audiência final e poderia tê-lo sido na presença do ilustre Mandatário do Interveniente Principal se o mesmo tivesse comparecido; por outro lado, o Autor teve o cuidado de consignar na transacção os valores que recebeu da Segurança Social/CNP a título de subsídios de doença e de pensões de invalidez, sendo que a indemnização acor- dada se refere a dano biológico, danos não patrimoniais e danos patrimoniais futuros com tratamentos, ou seja, nada tem a ver com danos patrimoniais relativos a perda de rendimentos do trabalho.

De resto, fez-se consignar na sentença que a acção ia prosseguir para apreciar o pedido de reembolso do Centro Nacional de Pensões, não olvidando que os factos pertinentes para a dinâmica do acidente já estão assentes e que sobre o mesmo impende o aludido ónus probatório e, por isso, em nada fica prejudicado uma vez que terá oportunidade de produzir a prova que arrolou.

Sempre se dirá que o pedido de reembolso tem autonomia em relação aos pedidos de indemnização /compensação formulados pelo lesado e, como tal, cada um dos sujeitos processuais tem de apresentar o seu requerimento probatório, mormente para que, na hipótese de extinção da instância quanto ao sujeito activo principal, o que pode suceder na sequência de homologação de transacção, desistência do pedido ou deserção, o CNP ou a Segurança Social continuem a ter a possibilidade de produzir prova quanto à pretensão que deduziram, mas também quanto aos factos que integram a causa de pedir para aplicação do instituto da responsabilidade civil aquiliana, que é a base de sustentação da sub- rogação, já que esta pressupõe o direito do lesado à atribuição de indemnização por danos patrimoniais, concretamente, de perda de rendimentos do trabalho, que só existe se demonstrar o facto voluntário, ilícito, culposo, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

A solução proposta pelo Interveniente – “seja produzida sentença que reconheça no acordo homologado judicialmente o direito de sub-rogação nos direitos dos beneficiários lesados até ao limite do montante das prestações que o ISS, IP/CNP concedeu, a liquidar pelo terceiro responsável (Ré B...) – não tem fundamento.

Pelo exposto, indefiro o requerimento em epígrafe.»

Deste despacho, o Instituto da Segurança Social interpôs recurso que foi rejeitado por se entender que a decisão apenas é recorrível a final, entendimento reiterado nesta Relação, em sede de reclamação da rejeição do recurso (apenso E).

Prosseguindo o processo para conhecimento do pedido do Instituto da Segurança Social, em 19.11.2024 foi realizada, por fim, audiência de julgamento.

Após foi proferida sentença, tendo sido julgada procedente a excepção de prescrição invocada pela ré B... e improcedente o pedido de reembolso deduzido pelo Instituto de Segurança Social.

Notificado desta, o Instituto da Segurança Social interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:

a) Dos autos constam todos os elementos necessários para conhecimento em sentido inverso do propugnado na decisão em crise, razão de ser do pedido de procedência da presente apelação e prolação de Acórdão por esse Venerando Tribunal que defira o reembolso peticionado.

b) Relativamente à apelação objecto do apenso D dos presentes autos, faz-se notar que a primeira ampliação de pedido do interveniente foi admitida nos moldes requeridos.

c) Posteriormente, foi evidente ter existido uma inflexão da posição do julgador que, confrontado com idêntica circunstância que motivou a admissão da anterior ampliação, veio depois ordenar o contraditório das partes, para, posteriormente, proferir despacho de não admissão datado de 15.06.2023, sob a referência Citius 449444374.

d) Todavia, porque o pedido do interveniente veio a ser admitido em toda a sua extensão em decisão posterior, tendo igualmente sido consignado na alínea b) da cláusula primeira do acordo obtido em autor e ré em 12.12.2023 (objecto de sentença homologatória) e, bem assim, igualmente vertido em 17 da matéria de facto provada na sentença, agora, sob recurso, inexiste efeito útil a retirar e não se mantém a pretendida impugnação.

e) Já não assim quanto à apelação corporizada no apenso E, relativa ao pedido de reconhecimento do direito ao reembolso, com fundamento na invocada sub-rogação legal.

f) O acordo celebrado entre autor e ré importa necessariamente o reconhecimento da responsabilidade de terceiro no acidente que, sendo causal dos danos indemnizados, é também o fundamento primário das prestações pagas pelo regime previdencial e, por essa razão, se invocou a aplicabilidade do art.º 70º da Lei de Bases da Segurança Social.

g) Tal norma acautela, no sentido da proibição, a dupla reparação.

h) Na verdade, não se contesta, de todo, que o pedido do lesado e do interveniente são processualmente autónomos, no sentido em que o legislador não determina um litisconsórcio necessário entre ambos para que possam ver reconhecidos os respectivos direitos. Qualquer um pode ser parte nos autos desacompanhado do outro, seja qual for a natureza do processo onde se discute a responsabilidade civil (cível, penal ou laboral).

i) E assim é, pois o pedido de reembolso do interveniente pode ser julgado integralmente procedente, mesmo que o lesado “sub-rogante” não seja parte na lide e/ou que o pedido concreto deste último não integre a indemnização pela perda patrimonial/retribuição (no caso concreto, por se tratar de uma invalidez) – onde se verifica a identidade entre o dano indemnizado e o evento prevenido pela segurança social, fundamento da sub-rogação legal afirmada no art.º 70º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro.

j) Ainda assim, essa mesma autonomia não pode ser entendida como total independência e, em virtude dessa mesma visão, errada por negar automaticamente um direito entrecortado e de afirmação legal (na citada Lei de Bases da Segurança Social, para posterior densificação na demais legislação), não retirar nenhuma consequência para o pretendido reembolso do reconhecimento da obrigação de indemnizar por terceiro. Tal visão viola, necessariamente, o disposto no art.º 70º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro.

k) O pedido de reembolso é uma forma de exercício concreto do direito de sub-rogação legal, no sentido em que, juridicamente, apenas existe substituição do credor pela instituição de previdência sempre que exista responsabilidade civil de terceiro no evento que, remotamente, constitui o facto ilícito e culposo que origina a obrigação de indemnizar e, em simultâneo, está na génese do evento que funda o pedido de prestações do sistema previdencial.

l) No caso concreto, a transacção importa, necessariamente, a assunção da obrigação de indemnizar a cargo da ré, logo, não existe forma de negar a existência de responsabilidade civil de terceiro, sendo este o pressuposto base da invocada sub-rogação legal.

m) Ou teria razão a Meritíssima Juiz a quo ao afirmar que teria o interveniente que produzir prova relativamente aos pressupostos da responsabilidade civil?

n) É possível que, precisamente no mesmo processo judicial, se afirme a obrigação de indemnizar a um passo – acordo homologado por sentença –, para depois a negar no âmbito da mesma relação material, apenas por se tratar do interveniente, sub-rogado?

o) Uma tal leitura, não só permite a contradição de julgados, como viola os poderes de cognição do Tribunal, na articulação do art.º 5, com o art.º 611º do CPC, potenciando a oposição de julgados prevista como causa de nulidade na alínea c) do n.º 1 do art.º 615º do mesmo diploma.

p) Uma coisa são regras e excepções processuais ainda em discussão relativamente ao interveniente (o que se concede) – no caso concreto, a invocada prescrição e alegado dissenso na origem da incapacidade reconhecida.

q) Coisa distinta é afirmar que pode não se comprovar a responsabilidade civil de terceiro, precisamente no mesmo processo, como parece resultar do despacho proferido.

r) É este despacho recorrido, pois, manifestamente inválido, por violação das normas invocadas no recurso já, então interposto, devendo ser por isso revogado e substituído por decisão que declare o reembolso.

s) No que respeita ao limite quantitativo da invocada sub-rogação legal, tal como muito bem referem as conclusões – de 22 a 24 da apelação do despacho interlocutório –, sempre resultaria da conjugação do carácter probatório pleno da certidão ajuizada e do teor declarativo da alínea b) da cláusula primeira do acordo celebrado entre autor e ré.

t) Quando assim se não entenda, no que respeita à resposta matéria de facto, deverá a mesma ser ampliada, no sentido de afirmar/confirmar o mesmo nexo fixado no ponto 14 dos factos provados, evitando ambiguidade ou obscuridade na decisão, pela análise conjugadas de todos os meios de prova.

u) Assim, têm necessariamente de ser aditados novos pontos à matéria de facto provada, por resultarem de prova pericial e documental junta aos autos e, por essa razão, susceptíveis de ponderação pelo julgador com vista à verdade material (ao contrário do afirmado pela Meritíssima Juiz a quo a análise ponderada dos meios de prova permitem assentar os factos que confirmam a causalidade adequada), tal como a prova testemunhal do julgamento, concretamente transcrita e reproduzida no ponto II.3 da presente apelação, em estrito cumprimento do imposto pela alínea b) e c) do n.º 1 e a) e b) do n.º 2 do Art.º 640º do CPC.

v) Devem ser aditados aos factos provados, com concreta indicação da prova pericial, documental e testemunhal transcrita no corpo da presente alegação (que aqui se dá por reproduzido), os seguintes pontos:

19. Na perícia médico legal cujo relatório data de 02 de Maio de 2018, subscrito pelo Dr. BB (Médico Interno de Medicina Legal) e pela Perita Médica Dr.ª CC (Chefe de Serviço de Medicina Legal), na pág. 11, no âmbito das conclusões do relatório consta: “-As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, são impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, sendo no entanto compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional” (cf. fls. dos autos).

20. Com data de 06.09.2021, foi junto parecer do Centro de Reabilitação Profissional de Gaia, considerando que ocorria incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual do A. (fls. 1106 dos autos, conforme menciona a sentença em crise).

21. Não foram descritas ou identificadas, ao longo dos anos e dos inúmeros exames médicos a que o Autor foi submetido, nomeadamente, nos exames médico-legais, quaisquer outras causas clínicas, concorrentes ou determinantes da incapacidade reconhecida pelo Apelante, que não as sequelas do acidente viação ocorrido em 30.11.2013.

w) A pretendida alteração justifica-se, não só porque não foi indicado em momento anterior da lide a - aparente - insuficiência dos factos invocados pelo apelante, mas sobretudo porque a apelada limitou-se à impugnação do nexo de causalidade entre o acidente e a incapacidade verificada, afirmada na deliberação médica já vertida em 14. e, bem assim, igualmente confirmada no aditamento supra requerido, como 19 e 20.

x) Neste último caso, trata-se de um parecer emitido em momento muito posterior à SVIP de 11.2016, por entidade que se dedica concretamente à valoração das tarefas executadas em contexto de trabalho, no confronto do exercício funcional do trabalhador anterior e posterior às sequelas decorrentes de um acidente (fls. 1106).

y) A apelada limitou-se à impugnação da causa atribuída pelo Serviço de Verificação de Incapacidade Permanente, na avaliação de 2016.

z) A afirmação do facto positivo alegado pelo interveniente já foi vertido à matéria de facto – 14. Mas quando se entenda que a assunção de responsabilidade da ré, pressuposta na transacção celebrada entre as partes, irreleva para igualmente afirmar a responsabilidade civil de terceiro e, de forma autónoma, obrigue à prova pelo interveniente sub-rogado, de cada um dos pressupostos da responsabilidade, incluindo lesão incapacitante e nexo causal, haverá que verter aos factos provados quanto resultou da prova produzida, também, em julgamento.

aa) Dito de outro modo, se os relatórios periciais podem ser determinantes para o juízo dos danos invocados pelo autor, não pode decorrer dos mesmos a rectificação do juízo da Comissão de Verificação do Interveniente (que nem é, daqueles, temporalmente contemporânea), nos moldes expressos na parte final da sentença sub judice, sob pena de se ordenar a produção de uma prova diabólica e, em simultâneo, se incentivar a contradição de julgados no mesmo processo.

bb) Mais, idêntica conclusão, no sentido do nexo, é manifestamente quanto resulta da prova testemunhal transcrita, das duas testemunhas com conhecimento directo dos factos em causa, uma porque companheira do autor há largos anos, outra porque foi o médico da apelada que examinou directamente o sinistrado e fixou a data de consolidação das lesões.

cc) Acresce que, apesar dos sentidos diferentes dos inúmeros relatórios médicos ajuizados nos autos ao longo do tempo, todos os clínicos reconhecem - como o próprio Tribunal, seguramente - a diferença, em termos de rigor, determinação e descrição das causas e sequelas, dos exames de avaliação de dano corporal em termos de direito civil ou laboral, e as deliberações dos Serviços de Verificação de Incapacidade do apelante.

dd) E a alteração do sentido da deliberação dos serviços do, aqui, recorrente, apenas em situações limite é admitida pelos tribunais administrativos (a quem cabe, em última análise, o controlo judicial dos actos administrativos vinculados resultantes daqueles actos médicos que, no rigor, constituem parecer técnico). Pelo que, não nos parece admissível, como fez o tribunal a quo, para afirmar a ausência de nexo causal da incapacidade reconhecida pela SVIP com as lesões do acidente.

ee) Ainda sem prescindir, a sentença em crise enferma, além do mais, de erro manifesto de julgamento, no que à matéria da declarada prescrição respeita.

ff) Desde logo, e ao contrário de quanto consta na sentença sob recurso, haverá que aplicar a extensão do prazo prevista no n.º 3 do Art.º 498º do CC, também quanto ao interveniente, quando o facto ilícito no qual se funda a responsabilidade civil constituir crime para o qual se estabeleça prazo mais longo, sendo este último o aplicável.

gg) Na realidade, as sequelas do acidente para o autor sempre poderiam ser configuradas como um crime de ofensa à integridade física e, por essa razão, não apresentam apenas e só uma componente cível, podendo configurar matéria de relevo penal.

hh) O Supremo Tribunal de Justiça entendeu, em Acórdão datado de 21.11.2019, no âmbito do Proc. n.º 11701/15.9T8LSR-A.L1.S2, que a ampliação do prazo prescricional prevista no n.º 3 do Art.º 498º do CC se estende a todos os lesados.

ii) Ora, no rigor dos rigores, o direito de sub-rogação legal do interveniente não está legalmente afirmado para que seja, sempre e em qualquer circunstância, exercido de forma autónoma pelo sub-rogado. E assim, porque sempre dependerá da demonstração do concurso com responsabilidade civil de terceiro no evento gerador do deferimento de prestações do sistema previdencial.

jj) Se o apelante domina integralmente os pressupostos do direito que reconhece, não pode afirmar-se o mesmo no que concerne aos elementos geradores da responsabilidade civil de terceiro.

kk) Logo, sendo o direito do sub-rogado paralelo ao do sub-rogante, não deverá aplicar-se-lhe igual extensão do prazo para exercício do direito de reembolso, tal como no âmbito do citado Acórdão do STJ? Aliás, no mesmo sentido, o Acórdão proferido por esse Venerando Tribunal da Relação do Porto, em 13.09.2022, no Proc. n.º 445/09.0TBAMT.P1.

ll) Aplicando ao caso concreto a citada jurisprudência, atenta a extensão do prazo prevista no n.º 3 do 498º do CC relativamente ao interveniente, tanto basta para afastar a prescrição do direito exercido, pois a pensão de invalidez começou a ser paga em 11.2016 e o reembolso respectivo peticionado em 08.2021, ou seja, ainda não volvidos cinco anos sobre o momento inicial, pelo que deverá proceder in totum.

mm) A segunda questão suscitada pela leitura do Tribunal a quo prende-se com a forma de contagem do prazo de prescrição, ou seja, o crédito de reembolso é tratado como uma prestação unitária, de vencimento único e automático, ao contrário da natureza continuada e modificável da pensão de invalidez liquidada e sobre a qual opera a sub-rogação, tendo em vista a proibição de cumulação de ambas (indemnização e pensão) para indemnizar e reparar igual perda patrimonial.

nn) Transpondo a melhor jurisprudência que resulta do supra identificado Acórdão desse Venerando Tribunal da Relação de Porto, parece-nos que a contagem do prazo de prescricional não deverá ser uniforme e contabilizada desde o reconhecimento do direito às prestações previdenciais, mas sim sobre o pagamento de cada uma das mesmas.

oo) No rigor, e ao contrário de quanto consta na sentença em crise, não estamos perante prestação unitária, nos termos e para os efeitos do Art.º 306º do CC, mas sim uma prestação periódica, variável e que se prolonga no tempo, razão pela qual encontra enquadramento no Art.º 307º do mesmo diploma legal.

pp) A invalidez deferida para garantia de protecção do lesado enquanto se discute a responsabilidade civil de terceiro, inclui prestações continuadas e que, em cada liquidação, iniciam prazo autónomo do prisma da sub-rogação legal.

qq) Logo, no caso concreto, a declarada prescrição nunca se verificaria na globalidade do montante reclamado pelo Apelante.

rr) Num sentido ainda mais amplo, que entende como determinante o acto de citação, a coberto do Decreto-Lei n.º 59/89, pois entende que direito de sub-rogante e sub-rogado sempre caminham juntos, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no Processo n.º 75/14.5TBVFL.G1, datado de 22.02.2024.

ss) Salvo o devido respeito, esta última é a posição que melhor salvaguarda a intenção do Legislador na determinação do direito de sub-rogação legal, destinado à proibição de cumulação de indemnização e prestação previdencial para reparar igual perda patrimonial.

tt) Mais, é aquela que assegura uma posição mais justa na composição do litígio, na medida em que atende ao carácter específico da prestação atribuída pelo Interveniente que, ao contrário do obrigado que regressa sobre o responsável, não paga em prestação única e imutável, para garantir protecção social ao lesado.

uu) Não só porque a sub-rogação pressupõe cumprimento/pagamento provisório, de protecção do lesado e enquanto não estiver definida a responsabilidade civil (o que não sucede na primeira liquidação efectuada), como também tal pensão vai variando.

vv) Trata-se, no que ao Apelante respeita, de cumprimento provisório, na expectativa da definição do terceiro responsável que, para além de obrigado à reparação dos danos patrimoniais que o sinistro causou ao lesado, possa reembolsar os que o Interveniente “adiantou” para evitar idêntica lesão.

ww) É também essa a razão pela qual o montante do reembolso não deverá acrescer, antes ser deduzido à verba a pagar pela seguradora obrigada a título de perda patrimonial, no caso concreto, perda de capacidade de ganho.

xx) Donde, também por esta via, haverá que revogar a sentença sub judice e substituir-se por Acórdão que declare a procedência do pretendido reembolso, uma vez que, naquela, mostram-se violados o artigo 70.º da Lei de Bases da Segurança Social, aprovada pela Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, art.º 6º do Regime Jurídico de Protecção nas Eventualidades Invalidez e Velhice, aprovado pelo Decreto-Lei no 187/2007, de 10 de Maio, os artigos 369º, 371º, 585º e 589º do Código Civil e os artigos 5º e 611º Código de Processo Civil.

Termos em que, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas.,

A) Deverá ser revogado o despacho que não admitiu a prolação de sentença de reconhecimento da sub-rogação legal na sequência da transacção celebrada nos autos.

Quando assim se não entenda,

B) Em qualquer circunstância, deverá revogar-se a decisão em crise, ampliando a resposta à matéria de facto ou, mesmo que não se entenda necessário, vir a mesma substituída por Acórdão que julgue a o pedido de reembolso integralmente (ou pelo menos, parcialmente) procedente, por não se verificar a declarada prescrição.

O autor respondeu às alegações do Instituto da Segurança Social na parte relativa ao recurso da decisão proferida em 10.03.2024, defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.

A ré respondeu à totalidade das alegações do Instituto da Segurança Social sustentando igualmente o acerto das decisões recorridas.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

Questões a decidir:

As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:

No recurso da decisão interlocutória de 10.03.2024:

Se a circunstância de o autor e a ré terem transigido sobre o objecto da lide é fundamento bastante, para sem necessidade da verificação dos pressupostos do direito do Instituto da Segurança Social, a ré ser de imediato condenada a pagar o valor reclamando por este.

No recurso da sentença final:

Se ocorreu a prescrição do direito do Instituto da Segurança Social.

Não tendo ocorrida a prescrição: a) se a matéria de facto deve ser alterada; b) se estão preenchidos os pressupostos do direito ao reembolso.

Do recurso da decisão interlocutória de 10.03.2024:

Na sequência de um acidente de viação o autor instaurou acção judicial contra duas seguradoras, reclamando destas a indemnização dos danos que sofreu quando era transportado num dos dois veículos segurados pelas rés, os quais, no decurso da respectiva circulação, chocaram um com o outro, causando ao autor lesões corporais geradoras dos danos.

O Instituto da Segurança Social foi citado no início da acção, mas na ocasião não interveio no processo para reclamar qualquer quantia paga ao autor.

Estando a acção pendente há já seis anos, o autor veio requerer a sua intervenção principal, a qual, bem ou mal, foi admitida.

O Instituto da Segurança Social veio então deduzir contra as rés pedido de reembolso das pensões de reforma por invalidez que paga mensalmente ao autor desde que, em resultado das lesões alegadas na petição inicial, lhe foi atribuída a reforma por invalidez e fixado o respectivo valor mensal.

Para o efeito, deu «como reproduzidos os factos constantes da petição formulada pelo autor» «quanto à forma como ocorreu o acidente de viação de 27/12/2011» e alegou que o autor «se encontra na situação de incapacidade relativa» em resultado desse acidente de viação.

Posteriormente o autor desistiu do pedido quanto à ré C... e celebrou transacção com a ré B..., a qual se comprometeu a pagar-lhe, além do que o autor já recebeu da Segurança Social e do Centro Nacional de Pensões e da ré, um valor que o autor aceitou corresponder ao ressarcimento integral dos seus danos.

Aquela desistência e esta transacção foram ambas homologadas judicialmente.

Notificada da homologação da transacção, o Instituto atravessou requerimento pedindo ao tribunal para proferir «sentença que reconheça no acordo homologado judicialmente o direito de sub-rogação nos direitos dos beneficiários lesados até ao limite do montante das prestações que o ISS, IP/CNP concedeu, a liquidar pelo terceiro responsável (Ré B...)».

No entendimento do Instituto, a transacção foi celebrada sem levar em conta o direito de sub-rogação legal do Instituto mas ao consagrar o direito do beneficiário a uma indemnização torna incontroversos os pressupostos do direito de sub-rogação legal, com a consequente substituição do autor pelo Instituto nos direitos do beneficiário até ao limite das prestações concedidas, pelo que, estando demonstrado por documento autêntico o pagamento das pensões, é possível, mesmo sem julgamento, condenar já a ré que se vinculou a suportar essa indemnização a reembolsar igualmente o Instituto.

Este requerimento foi indeferido, decisão que vem impugnada no recurso da sentença final.

Cumpre apreciar.

Com todo o devido respeito, o recorrente coloca as coisas ao contrário: o que se tem de encontrar não é um fundamento para deixar de condenar a ré B... a pagar ao Instituto o valor por este despendido no pagamento ao autor das pensões de invalidez, é sim o fundamento para condenar a ré B..., independentemente da instrução da causa, a fazer o reembolso só porque a ré já transigiu com o autor sobre o pedido que este formulou na acção.

O recorrente aceita que a transacção foi celebrada e não questiona a respectiva validade e eficácia. Aliás, também não recorreu da sentença judicial que homologou a transacção, pelo que esta está protegida pelos efeitos do caso julgado daquela sentença homologatória.

Logo, se o recorrente aceita a transacção (quer mesmo prevalecer-se dela, isto é da sua validade eficácia), cabe perguntar a que título haveria o recorrente de ser abrangido pelos efeitos de uma transacção em que não interveio e da qual não faz parte.

O artigo 1248.º do Código Civil define a transacção como o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, acrescentando que as concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido.

Daqui resulta que a transacção é um contrato e, por isso mesmo, que se encontra sujeito à disciplina dos contratos, designadamente às suas disposições gerais (artigos 405.º a 409.º) e ao regime geral dos negócios jurídicos (artigos 217.º e segs.), incluindo as exigências de forma e consequências da respectiva inobservância (artigos 219.º e 220.º), bem como as regras de interpretação da declaração negocial (artigo 236.º a 238.º, todos do Código Civil).

No dizer que Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed., pág. 856, o fim do contrato é prevenir ou terminar um litígio. Admite, portanto, a lei que a transacção tenha lugar, não só estando a causa pendente, mas também antes da proposição da acção judicial; trata-se, neste caso, da transacção chamada preventiva ou extrajudicial, a que se refere o artigo 1250.º. O que a lei não dispensa é uma controvérsia entre as partes (cfr. n.º 2), como base ou fundamento de um litígio eventual ou futuro: uma há-de afirmar a juridicidade de certa pretensão, e a outra negá-la. (…) A transacção tem por objecto recíprocas concessões (transactio nullo dato vel retento seu promisso minime procedit: 1.38 C. de transact., 2,4). Se a parte que invoca o seu direito desiste de o tornar efectivo, dando ao acto um simples efeito extintivo, há uma desistência: se a outra parte acaba por reconhecer a legalidade da pretensão, através de um acto com eficácia meramente confirmativa ou constitutiva, há uma confissão. Na transacção, nem há desistência plena, nem reconhecimento pleno do direito. Também não há na transacção o ânimo de fixar ou determinar a situação jurídica anterior das partes (negozio di accertamento); a ideia básica dos contraentes é a de concederem mutuamente e não a de fixarem rigidamente os termos reais da situação controvertida, como quando se fixa a redução do preço correspondente à venda de uma coisa defeituosa ou à entrega da obra com defeitos por parte do empreiteiro.

A transacção é assim a formulação contratual de uma solução de compromisso para um determinado diferendo. Nelas as partes põem fim ao diferendo, conformando os seus interesses através de um consenso resultante de concessões e cedências mútuas.

As cláusulas da transacção não têm pois de estar em conformidade com a correcta, verdadeira ou integral conformação jurídica dos factos reais que motivam o diferendo, já que toda a concessão ou cedência mútua pressupõe um afastamento dessa justa medida que o direito emprestaria a tais factos e às pretensões iniciais dos litigantes.

Aliás o objectivo da transacção é mesmo o de colocar fim ao diferendo por acordo das partes, obstando e impedindo que caiba ao tribunal apurar os factos do diferendo e fazer-lhes a aplicação da legalidade estrita, sendo certo que a sua homologação judicial, por sentença, depende apenas da auscultação da possibilidade legal e licitude do seu objecto e da legitimidade das pessoas que nela intervieram, não cabendo ao tribunal qualquer poder de verificação da razoabilidade ou adequação das cláusulas respectivas e/ou do seu fundamento jurídico.

Atentas as correspectivas concessões, as obrigações a que as partes se vinculam na transacção têm carácter sinalagmático, são geradoras de prestações recíprocas para ambas as partes do contrato de transacção. Mas esse carácter comutativo reside no conjunto das prestações que têm como origem a transacção, não a relação material controvertida onde a transacção é alcançada. Por outras palavras, a presença de sinalagma e o respeito do princípio do contrato afirma-se mesmo que a relação controvertida não gerasse efectivamente o direito que seria o correspectivo da prestação prevista na transacção.

Uma vez celebrada de forma válida, a transacção opera como que uma substituição da obrigação primitiva por outra. A nova obrigação pode ser bastante diferente da obrigação original e, sobretudo, não tem de corresponder à obrigação que resultaria da fonte original do direito em litígio ou chamado à composição de interesses por via transaccional, uma vez que a sua fonte é a transacção propriamente dita, sendo o resultado do exercício da liberdade negocial.

Se não enfermar de qualquer invalidade, a transacção vincula as partes e vincula-a nos precisos termos da obrigação definida ou estabelecida no acordo. O que significa que o credor da obrigação fixada na transacção pode exigir o seu cumprimento, mesmo que a relação jurídica, legal ou contratual, originária do diferendo não lhe conferisse o direito a essa prestação. Por outras palavras, uma vez celebrada, em corolário do princípio pacta sunt servanda (artigo 406.º, n.º 1, do Código Civil), a transacção é irrevogável unilateralmente, só podendo modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes.

Como qualquer contrato, o contrato de transacção está subordinado ao chamado princípio da relatividade (artigo 406.º, nº 2, do Código Civil), por oposição aos direitos absolutos ou subjectivos que são dotados de eficácia erga omnes.

A natureza relativa das obrigações significa que os contratos apenas produzem efeitos entre as partes, que apenas o credor tem o direito de exigir do devedor o cumprimento da obrigação e que o devedor só está vinculado a esse cumprimento perante o credor.

A consequência lógica da relatividade da obrigação é a de que o devedor só responde pelas consequências do não cumprimento ou do cumprimento defeituoso da prestação causadas ao credor e só este lhe pode exigir a reparação das consequências danosas.

O princípio da relatividade das obrigações determina que um terceiro alheio à relação contratual não pode exigir do devedor responsabilidade pelo facto de este não ter cumprido as obrigações que assumiu perante o credor, ainda que esse não cumprimento possa estar na origem de consequências prejudiciais para o terceiro ou haja impedido o surgimento de uma situação que o beneficiaria.

Concluindo: aceitando a ré B... que a transacção foi celebrada entre outras partes que não ela e que constitui um contrato válido e eficaz não se vislumbra a que título ou com que fundamento pode a ré reclamar para si efeitos da transacção, que o respectivo regime lhe seja aplicável e/ou que a transacção tenha por objecto igualmente o direito que ela quer exercer por via da acção.

Acrescente-se que havendo pluralidade de partes o direito de qualquer das partes de transigir quanto ao objecto da lide só não é livre nos casos em que essa pluralidade consubstancia uma situação de litisconsórcio necessário (artigo 288.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Manifestamente não é o caso porque entre o autor e o Instituto de Segurança Social, na presente acção, existe apenas uma relação de coligação, eles não são co-titulares da mesma e única relação jurídica, são sim titulares de relações jurídicas distintas que têm devedora a mesma entidade, de modos que cada um deles se apresenta a exercer um direito próprio, paralelos entre si, ainda que na origem de ambos os direitos estejam em parte os mesmos factos jurídicos.

Por outro lado, precisamente atenta a sua estrutura e natureza, a transacção apenas obriga a ré à prestação de aceitou e em que foi condenada pela sentença homologatória, isto é, a pagar ao autor a indemnização acordada, não constitui aceitação dos factos alegados pelo autor para fundar o pedido de indemnização que formulou, nem, muito menos, a aceitação da veracidade desses factos ou a respectiva confissão na relação com a parte que não interveio no contrato de transacção e em relação à qual a lide continua a ter a configuração material que tinha antes (ou sem) a transacção.

O recorrente opõe a estas afirmações o disposto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio.

Dispõe este preceito:

«1- Nos casos em que o pedido de reembolso do valor das pensões não tiver sido judicialmente formulado pela instituição gestora, nenhuma transacção pode ser celebrada com o beneficiário titular do direito à indemnização nem pode ser-lhe efectuado qualquer pagamento com a mesma finalidade sem que se encontre certificado, pela mesma instituição, o pagamento de pensões e o respectivo montante.

2- Havendo acordo, o responsável pela indemnização deve: a) comunicar à instituição gestora o valor total da indemnização devida; b) reter e pagar directamente à instituição gestora o valor correspondente ao das pensões pagas, até ao limite do montante da indemnização.

3- Em caso de incumprimento do disposto nos números anteriores, o terceiro responsável pela indemnização responde solidariamente com o beneficiário pelo reembolso do valor das pensões pagas a este.»

Como é fácil de ver, este preceito em nada apoia a tese do recorrente.

De acordo com a respectiva redacção que o recorrente faz pode desprezar, a norma apenas se aplica nos casos em que o pedido de reembolso das pensões não tenha sido judicialmente formulado pela instituição gestora, isto é, não se aplica nos casos em que o reembolso foi pedido numa acção judicial.

Isso é assim porque nesse caso a instituição é parte no processo e está em condições de aí exercer plenamente os seus direitos, designadamente celebrando acordo com o terceiro responsável e/ou demonstrando os pressupostos do seu direito ao reembolso e obtendo uma sentença que condene o terceiro no seu pagamento.

No caso, o pedido de reembolso foi formulado, razão pela qual a norma pura e simplesmente não se aplica.

Por outro lado, a norma em causa não sanciona a celebração de transacção entre o titular do direito à indemnização e o responsável pela indemnização com a nulidade ou invalidade da transacção celebrada. A violação da proibição de celebração da transacção sem estar certificado pela instituição gestora o pagamento de pensões e o respectivo montante apenas importa a consequência de o terceiro responsável pela indemnização se tornar responsável solidário com o beneficiário por esse reembolso.

Por outras palavras, a consequência que a norma estabelece é, caso a instituição demonstre estarem verificados os pressupostos do direito ao reembolso, poder exigir esse reembolso não apenas do beneficiário que recebeu as pensões mas também, solidariamente, do próprio terceiro responsável (que assim, por não ter descontado o valor das pensões no valor a pagar ao beneficiário, assume o risco de ter de pagar duas vezes: ao beneficiário e à instituição gestora).

Na verdade, o direito ao reembolso é um direito sobre o beneficiário: ser reembolsado é ser restituído por aquele a quem se fez a prestação indevida. É o que resulta do disposto nos artigo 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, ao estabelecerem, a primeira norma, que existindo responsabilidade civil de terceiro pelo facto determinante da incapacidade que fundamenta a atribuição da pensão de invalidez, não há lugar ao pagamento das prestações a que o beneficiário teria direito, se não houvesse tal responsabilidade, e a segunda norma que se apesar dessa proibição tiver havido pagamento de pensões, a instituição gestora tem o direito de exigir o respectivo reembolso.

A instituição gestora só pode pedir ao terceiro responsável o pagamento das pensões que pagou ao beneficiário com fundamento no artigo 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, uma vez que é nos termos dessa norma que ela, por efeito desse pagamento, fica sub-rogada nos direitos do lesado, até ao limite do valor das prestações a que este teria direito, sobre os terceiros responsáveis no caso de o mesmo facto ter gerado o direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social e o direito de indemnização sobre esse terceiro.

Logo o n.º 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, não estabelece propriamente uma fonte de responsabilidade do terceiro responsável, o que a norma estabelece é a proibição de o terceiro responsável opor à instituição gestora o pagamento que já efectuou ao beneficiário para afastar a sub-rogação daquela nos direitos do beneficiário.

Em suma, a decisão recorrida mostra-se correcta e deve ser confirmada.

Do recurso da sentença:

a) Da prescrição

Como vimos a interveniente principal deduziu contra a ré o pedido de que esta lhe pague o valor das pensões de invalidez que vem pagando ao autor desde que este foi declarado em estado de invalidez.

A interveniente funda o direito ao peticionado pagamento no artigo 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, o qual dispõe que caso o mesmo facto tenha gerado o direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social e o direito de indemnização sobre esse terceiro, a Segurança Social, tendo efectuado pagamentos ao lesado seu beneficiário, fica sub-rogada nos direitos do lesado sobre os terceiros responsáveis.

Conforme já se referiu, o pagamento de pensões nessa situação é uma anomalia.

Nos termos do artigo 6.º do Regime de protecção nas eventualidades invalidez e velhice dos beneficiários do regime geral de segurança social aprovado pelo Decreto-Lei n.º 187/2007, 10.05, existindo responsabilidade civil de terceiro pelo facto determinante da incapacidade que fundamenta a atribuição da pensão de invalidez, não há lugar ao pagamento das respectivas prestações até que o somatório das pensões a que o beneficiário teria direito, se não houvesse tal responsabilidade, atinja o valor da indemnização por perda de capacidade de ganho, excepto nos casos em que, por falta de bens penhoráveis, o beneficiário não possa obter do responsável o valor da indemnização devida (artigo 8.º).

Todavia, antevendo a possibilidade de algo falhar no funcionamento dos serviços da segurança social, a própria lei prevê no artigo 7.º que se tiver havido pagamento de pensões (leia-se, quando não devia) a instituição gestora tem o direito de exigir o respectivo reembolso. E estipula ainda no artigo 9.º que se não tiver sido formulado judicialmente pela instituição gestora o pedido de reembolso do valor das pensões, mas o terceiro responsável pela indemnização pagar ao lesado a indemnização sem reter o valor correspondente ao das pensões pagas, ele responde solidariamente com o beneficiário pelo reembolso do valor das pensões pagas a este.

Em nenhum destes diplomas legais se encontra norma especifica a fixar o prazo de prescrição desse direito da Segurança Social sobre o terceiro responsável pelo facto determinante da incapacidade que fundamenta a atribuição da pensão de invalidez.

De todo o modo, tem-se entendido que esse direito se encontra subordinado ao prazo de prescrição do artigo 498.º, n.º 2, do Código Civil, que embora literalmente apenas se refira ao «direito de regresso» entre os vários responsáveis pela indemnização, se deve considerar aplicável por analogia às situações de «direito de sub-rogação» ou genericamente aos direitos ao reembolso por parte de quem, tendo efectuado um pagamento que deve a final recair sobre outrem, vem exigir deste que o reembolse dos valores que pagou, subsidiariamente, provisoriamente ou a título de mero garante do efectivo ressarcimento do lesado.

Tal aplicação tem sido feita, independentemente da caracterização do direito como direito de regresso ou como de sub-rogação, em relação ao direito ao reembolso do empregador (ou sua seguradora), consagrado no nº 4 da base XXXVII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, no n.º 4 do artigo 31.º da Lei n.º 100/97, de 13.09, e no n.º 4 do artigo 17.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09, nos casos em que o acidente de trabalho foi causado por outro trabalhador ou por terceiro (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça 24.10.2002, 09.03.2010, 07.05.2014, 31.01.2017, 07.02.2017, 03.07.2018, 14.01.2025, in www.dgsi.pt), em relação ao direito de regresso da seguradora que indemnizou o lesado sobre os responsáveis civis nas hipóteses previstas no artigo 27.º do Regime legal do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08 (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça 26.06.2007, 27.10.2009, 16.11.2010, 07.04.2011 e 10.03.2016, in www.dgsi.pt), ou em relação ao direito ao reembolso do FGA, que satisfez indemnização ao lesado, reconhecido pelo artigo 54.º do Decreto-Lei n.º 291/2007 (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 13.04.2000, 21.01.2003, 25.03.2010 e 18.01.2018, in www.dgsi.pt), sendo que neste caso essa solução se encontra hoje expressamente consagrada no n.º 6 do artigo 54.º do Decreto-Lei n.º 291/2007 (“aos direitos do Fundo de Garantia Automóvel previstos nos números anteriores é aplicável o n.º 2 do artigo 498.º do Código Civil, sendo relevante para o efeito, em caso de pagamentos fraccionados por lesado ou a mais do que um lesado, a data do último pagamento efectuado pelo Fundo de Garantia Automóvel”).

No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-09-2024, proc. 121/17.0TNLSB.L1.S1, www.dgsi.pt, aplicou-se o mesmo prazo prescricional, no seguimento, afirma-se, da jurisprudência firme e consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, à situação de um direito de reembolso reclamado por uma entidade francesa que nesse país garante aos lesados por actos de terrorismo e outras infracções a indemnização dos danos sofridos.

Questão diferente consiste em saber se também se aplica a esse prazo de prescrição o disposto n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil, isto é, se o prazo de três anos é alargado se o facto ilícito gerador da obrigação de indemnização constituir crime para o qual a lei estabeleça prazo de prescrição mais longo.

A posição do Supremo Tribunal de Justiça tem sido maioritariamente no sentido da resposta negativa a essa questão.

Assim sucedeu quanto ao direito ao reembolso da entidade patronal ou da sua seguradora sobre os responsáveis civis pelo acidente de trabalho e simultaneamente de viação (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça 07.05.2014, 31.01.2017, 03.07.2018; em sentido contrário, no entanto, os Acórdãos de 24.10.2002 e 09.03.2010), quanto ao direito de regresso da seguradora previsto no artigo 27.º do Regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.10.2009, 16.11.2010, 17.11.2011, 29.11.2011, 18.10.2012 e 10.03.2016; em sentido contrário, no entanto, o Acórdão 26.06.2007), e quanto ao direito ao reembolso do FGA (cf. Acórdãos de 18.01.2018 e 03.07.2018; em sentido contrário, no entanto, o Acórdão 13.04.2000).

Para assim decidir o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que o direito ao reembolso nasce com o pagamento e a título originário na esfera jurídica daquelas entidades, pelo que esse direito é autónomo do direito do lesado que foi satisfeito, e, por isso, da responsabilidade extracontratual do lesante. Igual posição foi adoptada por esta Relação e secção no Acórdão de 16.12.2020, proc. n.º 116/08.5TVPRT.P1, in www.dgsi.pt.

Professando o mesmo entendimento Brandão Proença, in Natureza e prazo de prescrição do "direito de regresso" no diploma do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel - Ac. do STJ de 18.10.2012, Proc. 56/10, Cadernos de Direito Privado, n.º 41 (2013), páginas 29 a 44, defende que «há razões ponderosas para circunscrevermos o espaço aplicativo do nº 3 do art. 498º, razões essas que se prendem com a natureza e o escopo do direito de regresso (próprio ou impróprio) e a própria racionalidade desse nº 3, não tendo sentido considerar, no caso em análise e noutros semelhantes, a seguradora beneficiária (no plano prescricional) do ilícito criminal cometido pelo seu segurado. Só este deve suportar “o efeito sancionatório do alongamento da prescrição”, não devendo a seguradora repercutir no seu direito (que não é o de fazer valer uma pretensão indemnizatória fundada, eventualmente, no art. 483º) esse mesmo efeito, tendo em conta que não houve, perante ela, qualquer ilícito criminal. A seguradora não é, em rigor, lesada imediata, só surgindo o seu “dano” com o pagamento ao verdadeiro lesado.»

Deste modo, considerando que em 28.11.2016 foi atribuída ao autor uma pensão de invalidez, que desde essa data o Instituto da Segurança Social paga mensalmente ao autor a pensão de invalidez cujo reembolso reclama, e que o pedido de reembolso foi deduzido nos autos apenas em 03.08.2021[1], altura em que estavam decorridos mais de três anos sobre a constituição do direito ao reembolso, a afirmação da prescrição do direito depende afinal do entendimento sobre como contar o prazo de prescrição nos casos em que o pagamento não é único ou instantâneo mas se prolonga no tempo: se se entender que o prazo se conta a partir da data de pagamento de cada uma das pensões, haverá valores que estão prescritos (os pagos mais de três anos antes da dedução do pedido) e valores que não estão (os pagos menos de três anos antes da dedução do pedido); ao invés, se se entender que para o efeito releva o último pagamento que vier a ser feito, nenhum dos valores está prescrito porque a pensão continua a ser paga e, portanto, não se iniciou sequer a contagem do prazo de prescrição.

No Acórdão da Relação de Coimbra de 28-04-2015, proc. n.º 380/07.7TBLMG.C1, in www.dgsi.pt, para uma situação idêntica à dos autos, com a particularidade de a instituição de previdência social demandante ser suíça e não portuguesa, foi entendido distinguir entre a prescrição do direito unitário à pensão vitalícia e a prescrição do direito a cada uma das prestações em que a pensão é paga. À prescrição daquele direito aplicar-se-ia o disposto no artigo 307.º do Código Civil, razão pela qual, sendo aplicável o prazo de prescrição do artigo 498.º, n.º 2, o direito unitário prescreveu assim que decorreram três anos sobre a primeira pensão paga pelo demandante.

Salvo o devido respeito não é possível acompanhar este entendimento na medida em que o mesmo não distingue como devia o direito do lesado sobre a instituição de previdência social que depois vem exercer o direito ao reembolso do que pagou do direito do lesado sobre o terceiro responsável pelo facto ilícito que é o direito no qual a instituição de previdência fica sub-rogada e que vem exercer com o pedido de reembolso.

O direito do lesado sobre a instituição de previdência é o direito a uma pensão de invalidez vitalícia que é paga enquanto o lesado for vivo (tiver as necessidades que a pensão visa permitir satisfazer) em prestações periódicas. No âmbito dessa relação o lesado tem o direito unitário à pensão e um direito parcelar sobre cada uma das prestações em que o pagamento da pensão está dividido, normalmente prestações mensais. É a esses direitos que se refere e tem aplicação o disposto nos artigos 307.º e 310.º do Código Civil.

O direito do lesado sobre o terceiro responsável pelo facto ilícito gerador dos danos não tem essa natureza nem essa configuração. Trata-se de um direito único de indemnização para ressarcimento da totalidade dos danos, que se constitui assim que se produzem os danos (e se verificam os demais pressupostos da responsabilidade civil) e que é imediatamente exigível pela totalidade.

Ainda que no cálculo da indemnização possa haver necessidade de introduzir distinções, designadamente em função da natureza dos danos, da data em que eles se produzem, se se trata de danos presentes ou de danos futuros ou se a natureza continuada dos danos justifica a fixação de uma renda vitalícia se o lesado assim o requerer, o lesado tem direito a uma prestação única que comporte a indemnização da totalidade dos danos.

Logo, a esse direito não se aplica o disposto nos artigos 307.º e 310.º do Código Civil, excepto se e quando a sentença que fixar a indemnização estabelecer que parte dela será paga mediante uma renda vitalícia, com a particularidade de que nesse caso o prazo de prescrição do direito unitário já não será o do artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, mas sim o prazo de prescrição ordinária porque sobreveio sentença a reconhecer esse direito (artigo 311.º do Código Civil).

Para pedir ao terceiro responsável pelo facto ilícito o reembolso do que pagou ao lesado, a instituição de previdência social não surge como titular de um direito próprio sobre esse terceiro. Ela não é lesada pela actuação do terceiro e a lei não lhe atribui qualquer direito próprio sobre o terceiro. O que a lei lhe atribui é o benefício da sub-rogação no direito do lesado sobre o terceiro na medida do necessário ao reembolso que pagou ao lesado em consequência de a actuação deste ter colocado o lesado na posição de poder exigir prestações previstas no regime da segurança social.

Portanto, quando a instituição de previdência social formula o pedido de reembolso está a invocar o direito do lesado sobre o terceiro responsável pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo lesado determinantes da incapacidade que fundamenta a atribuição da pensão de invalidez. Esse pedido de reembolso não está por isso subordinado ao disposto no artigo 307.º do Código Civil, ainda que a instituição de previdência social tenha atribuído ao lesado uma pensão vitalícia paga mensalmente e seja este pagamento a constituir o direito ao reembolso.

A nosso ver, a questão continua a ser, pois, apenas a de saber como interpretar a expressão «a contar do cumprimento» que o n.º 2 do artigo 498.º do Código Civil define como critério do início da contagem da prescrição, nos casos em que se pretende o reembolso de quantias que foram sendo pagas ao longo do tempo: o «cumprimento» ocorre quando há o primeiro pagamento, quando ocorre cada um dos pagamentos ou quando tem lugar o último pagamento.

No Comentário ao Código Civil: Direito das Obrigações: Das Obrigações em Geral, coord. de Luís Carvalho Fernandes e José Brandão Proença, Universidade Católica Editora, 2018, página 378/379, Gabriela Páris Fernandes afirma o seguinte:

«O regime do n.º 2 do artigo 498.º não tem merecido resposta uniforme por parte da jurisprudência quanto à questão de saber como deve contar-se o prazo prescricional do direito de regresso ou de reembolso nos casos em que a indemnização devida ao lesado ou lesados tiver sido paga de forma faseada, ao longo de um determinado período de tempo: se deve contar-se um prazo prescricional autónomo relativamente a cada acto de pagamento parcelar efectuado pelo titular do direito ao reembolso, iniciando-se a contagem do prazo de prescrição a partir de cada acto de pagamento, atomisticamente considerado (neste sentido, cfr. os Acs. STJ 27.03.2003,26.06.2007 e 07.05.2014); ou se, pelo contrário, o prazo de prescrição só se inicia na data em que for realizado o último pagamento ao lesado, pois só neste último momento ficou integralmente satisfeita a indemnização global e unitária de indemnização por todos os danos sofridos em consequência do facto lesivo (Acs. STJ 04.11.2010 e 10.03.2016). Solução intermédia foi a seguida pelo Ac. STJ 07.04.2011 e mais recentemente acolhida também pelos Acs. STJ de 19.05.2016, 07.02.2017 e 18.01.2018. Entendeu, com efeito, o STJ, pelo referido Ac. 07.04.2011 que o início da contagem do prazo de prescrição se dá com o último pagamento, mas admitindo uma ressalva a este entendimento quanto aos pagamentos parcelares susceptíveis de integrarem um núcleo indemnizatório autónomo e juridicamente diferenciado dos demais danos peticionados. Quanto ao direito ao reembolso do FGA o n.º 6 do artigo 54.º do DL n.º 291/2007 estabelece que «aos direitos do Fundo de Garantia Automóvel previstos nos números anteriores é aplicável o n.º 2 do artigo 498.° do Código Civil, sendo relevante, para o efeito, em caso de pagamentos fraccionados por lesado ou a mais do que um lesado a data do último pagamento efectuado pelo Fundo de Garantia Automóvel».»

No Acórdão de 19-09-2024, proc. n.º 121/17.0TNLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, que é o mais recente em que o Supremo Tribunal de Justiça se pronuncia sobre esta matéria esse entendimento é reiterado, razão pela qual entendemos acompanhar a posição do Supremo Tribunal de Justiça.

Importa assim concluir que como na data em que o pedido de reembolso foi deduzido a Segurança Social ainda não tinha efectuado o último pagamento ao autor (a pensão é vitalícia pelo que continua a ser paga mensalmente), contando-se o prazo de prescrição apenas do último pagamento efectuado, não estava ainda completado o prazo de prescrição.

Importa assim revogar a decisão recorrida na parte em que julgou prescrito o crédito do Instituto da Segurança Social.

B) Conhecimento das questões prejudicadas pela solução do litígio na decisão recorrida

Nos termos do n.º 2 do artigo 665.º do Código de Processo Civil, uma vez que o tribunal recorrido deixou de conhecer do mérito do pedido de reembolso da Segurança Social por essa questão ter ficado prejudicada pela decisão de julgar procedente a excepção peremptória da prescrição, tendo este julgamento sido agora revogado, impõe-se conhecer daquele mérito uma vez que os autos dispõem dos elementos necessários e essa apreciação já vir suscitada no recurso.

Da matéria de facto:

O recorrente insurge-se contra a fixação da matéria de facto pelo tribunal a quo, reclamando que sejam julgados provados outros factos para além daqueles que o tribunal a quo julgou provados.

Efectivamente, não se vislumbra a razão pela qual o tribunal a quo julgou provados apenas os factos que elencou.

Em 21-03-2023 foi proferido nos autos despacho assinalando que que na sequência da posição das partes nos articulados, da declaração posterior da ré B... na acta da audiência prévia de 15.02.2023 de confissão de parte dos factos controvertidos e da desistência do pedido quanto à ré C..., os factos em relação aos quais havia acordo das partes e por isso deviam ser considerados provados (admitidos por acordo) eram os que de seguida descreve.

Esses factos encontram-se realmente assentes por acordo das partes (em resultado da posição manifestada nos articulados e da posterior confissão parcial deles pela única ré que então subsistia na lide) e têm igualmente de ser julgados provados para efeitos da presente decisão.

A esses acrescem os factos que na sentença recorrida foram julgados provados sem que tal decisão tenha sido impugnada (factos dos pontos 14 a 18, que serão aditados a seguir aos que antes se mencionou estarem provados por acordo).

Não foi julgado provado nenhum facto que evidencie o nexo de causalidade entre as lesões sofridas pelo autor no acidente que motivou a instauração da acção e o estado de saúde que desencadeou que a Segurança Social decidisse que o autor estava em estado de invalidez para o trabalho e lhe atribuísse a pensão de invalidez vitalícia de cujo pagamento agora reclama o reembolso.

Lendo a sentença recorrida parece poder deduzir-se que a Mma. Juíza a quo terá interpretado o texto pedido de reembolso no sentido de considerar alegado apenas que a pensão de invalidez terá sido atribuída «na sequência de acidente» e não especificamente deste acidente, e não alegado ainda «que do acidente resultaram sequelas que determinaram tal incapacidade», leia-se a incapacidade que determinou a invalidez.

Com todo o devido respeito, não colhe essa interpretação do pedido de reembolso.

Tenha-se presente os articulados de uma acção contêm declarações de vontade que visam a produção de efeitos jurídicos e não estritamente processuais, razão pela qual tais peças, como qualquer declaração de vontade, não só podem conter incorrecções, imprecisões ou outros vícios da declaração, como carecem sempre de interpretação.

A dedução de um pedido é um acto jurídico, de natureza processual, pelo que como qualquer outro acto jurídico está sujeito a interpretação (cf. artigos 236.º e 295.º do Código Civil).

A tarefa de interpretação orienta-se basicamente pela busca da vontade real do declarante uma vez que, por princípio, a declaração vale de acordo com essa vontade (artigo 236.º, n.º 2, do Código Civil). A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente, compreendendo elementos textuais e extratextuais que permitam alcançar a compreensão de um enunciado.

Interpretar é procurar a norma que o texto pretende manifestar, é ir além do que o texto expressa e alcançar o que ele pretende enunciar, o que implica ir além do texto, colocá-lo no respectivo contexto, recorrer aos fins, às circunstâncias, à intenção do autor.

Tudo para lograr descobrir por trás da força das palavras a razão do enunciado, fixando-lhe o alcance e o sentido, sendo certo que a interpretação realizada pelo juiz possui sempre uma dimensão reconformadora da realidade interpretada, pelo que a orientação básica que lhe deve presidir é a de encontrar a solução justa e adequada para o caso concreto, em vez de se ater a considerações puramente conceituais, literais ou semânticas que o distanciam da tarefa da realização da justiça.

É certo que a fundamentação do pedido de reembolso é deveras enxuta, devendo provir de uma minuta usada para pedidos idênticos. Porém, lendo o respectivo texto no contexto e na finalidade, deve entender-se que quando o Instituto da Segurança Social alega que na origem da decisão de atribuição da pensão de invalidez esteve um acidente está a reportar-se a este acidente em concreto. Afinal, interpretando a intervenção processual com razoabilidade, se entendesse que não foi este o acidente gerador da invalidez não seria a este processo que viria deduzir o pedido de reembolso!

Por outro lado, é igualmente razoável interpretar a alegação de que foi atribuída ao autor «pensão de invalidez, dado ter sido deliberado pelo Sistema de Verificação de Incapacidade Permanente que o respectivo beneficiário se encontra na situação de incapacidade relativa, a qual terá resultado de acidente de viação», com o sentido de estar alegado que essa incapacidade adveio das lesões sofridas pelo autor no aludido acidente de viação.

O acidente de viação é um evento causador de lesões corporais, como aliás estava alegado na petição inicial para cuja descrição do acidente o Instituto da Segurança Social remetia, pelo que tem de se entender que quando se alega que a «incapacidade» terá resultado de acidente de viação, o que se pretende alegar é que as lesões corporais sofridas no acidente originaram a incapacidade para o trabalho que motivou a deliberação de atribuição da invalidez. Afinal, que outro sentido razoável se poderia atribuir a essa alegação?!

Cabe pois decidir se a prova produzida nos autos permite associar em termos de causa-efeito as lesões corporais sofridas no acidente com a fundamentação que subjaz à atribuição da invalidez.

Refira-se para desfazer outra ideia que de algum modo parece ter estado presente na decisão recorrida que não cabe na presente acção decidir se a invalidez foi bem ou mal atribuída, isto é, se o estado de saúde que o autor apresentada quando foi sujeito à Comissão de Verificação de Incapacidade Permanente traduzia efectivamente uma situação de incapacidade para o trabalho, conforme aquela Comissão decidiu.

A atribuição da pensão por invalidez para o trabalhão é uma pretensão do lesado sobre a Segurança Social, para o que existe um procedimento administrativo próprio que regula a dedução, a instrução e a decisão da pretensão do beneficiário da segurança social, como ainda quem tem legitimidade para intervir nesse procedimento e/ou impugnar perante os tribunais administrativos a decisão da administração.

Não cabe nos poderes do tribunal judicial chamado a decidir o pedido de reembolso ao responsável civil pelas lesões apresentadas pelo beneficiário substituir-se a esse procedimento e órgãos e decidir do acerto da atribuição da pensão de invalidez, designadamente ouvindo novos peritos e opondo o entendimento destes àquilo que foi apurado e decidido pela mencionada Comissão de Verificação de Incapacidade Permanente quando o acto administrativo que constitui essa decisão já se encontra consolidado na ordem jurídica.

O objecto da apreciação no pedido de reembolso a decidir aqui é somente se a incapacidade que conduziu à atribuição da pensão proveio das lesões sofridas pelo autor no acidente de viação por cujos danos responde a ré (por efeito do contrato de seguro e da responsabilidade do condutor do veículo cuja circulação estava abrangida pelo seguro de responsabilidade civil automóvel celebrado com a ré).

A prova produzida nos autos é perfeitamente suficiente para julgar provado esse facto.

Desde logo pelas circunstâncias de (i) não ter sido sequer aventado que o autor sofreu outro acidente de que resultaram mais lesões corporais que constituíram elas sim o fundamento da incapacidade apurada, de (ii) haver continuidade temporal entre este acidente, os tratamentos a que o autor foi sujeito, a alta pelos serviços clínicos da ré e o pedido de atribuição da pensão por invalidez para o trabalho, e de (iii) a ré, na transacção que celebrou com o autor, ter aceite que parte da indemnização a receber pelo autor para ressarcimento dos danos sofridos neste acidente corresponda àquilo que o autor recebeu da segurança social por incapacidade e do Centro Nacional de Pensões a título de pensão de invalidez (precisamente aquilo cujo reembolso é agora pedido; pelo que a recusa do reembolso redundaria na situação inusitada de os danos cuja responsabilidade é da ré terem sido indemnizados com esse montante … sem a ré ter de o suportar!).

Depois porque existe nos autos diversa documentação que revela que as lesões que estivera na origem da atribuição da invalidez são lesões sofridas em resultado de um acidente de viação.

Nos documentos juntos pelo demandante com o seu pedido, é o caso, a comunicação da deliberação da comissão de verificação da incapacidade onde se assinala que a situação de incapacidade permanente / deficiência / dependência resultou de «acidente de viação».

Já nos documentos juntos pelo autor com o requerimento de intervenção principal do Instituto da Segurança Social, isso ocorre no parecer / deliberação da Comissão de Verificação do Sistema de Verificação de Incapacidade Permanente que quanto ao requerente menciona: «58 anos de idade, está de baixa há 3 anos, pescador de alto mar, acidente de viação em 30/11/2013 com tce e da articulação tempero mandibular e # de c2, tratamento conservador apresentando rigidez cervical, alterações de equilíbrio e de mastigação, incapaz para o seu trabalho»; mais abaixo, na «descrição da situação clinica, queixas do examinado, inicio da doença, evolução, terapêuticas aplicadas», refere «acidente de viação em 11/2013 … com sequelas de # cervical de c2 submetida a tratamento conservador, imobilização com colar cervical e fisioterapia, e traumatismo maxilofacial»; e ainda no «registo de pareceres de especialistas e exames complementares de diagnóstico» refere «Tac...cerebral em 2013, RM cervical em 12/2013, rels. de ortopedia e cir. maxilo facial, rel. Internamento em 11/2013, rel de avaliação de dano corporal em 11/2014».

Desse modo, decide-se aditar um novo facto aos factos provados. Por constar da alínea AK) um princípio desse facto, ele é inserido nessa alínea, que passa a ter a seguinte redacção:

AK) Em 26-11-2016, considerando às sequelas apresentadas pelo autor em resultado das lesões corporais produzidas no acidente dos autos, a Comissão de Verificação de Incapacidades do Instituto da Segurança Social deliberou que o autor se encontrava em situação de incapacidade relativa para o trabalho, desde 28-11-2016.

Em face do ora decidido, os factos provados a considerar em sede de apreciação do mérito do pedido de reembolso da Segurança Social são os seguintes:

A) Por contrato de seguro titulado pela apólice nº ...36, DD transferiu para a ré a responsabilidade pela circulação do veículo ligeiro de passageiros ... matrícula ..-BQ-...

B) O autor nasceu a ../../1958.

C) No dia 30 de Novembro de 2013, cerca das 00h20, o autor seguia como ocupante no veículo ligeiro de passageiros matricula ..-..-NJ.

D) O NJ pertencia e era conduzido por EE.

E) O NJ circulava no cruzamento entre a Avenida ... e a Avenida ..., no sentido Avenida .../Avenida ... (Oeste/Leste).

F) O veículo ligeiro de passageiros, de serviço particular, matrícula ..-BQ-.., pertencia a DD.

G) No momento referido em C) o BQ era conduzido por FF.

H) O BQ circulava no sentido na Avenida ... / Avenida ... (Norte/Sul).

I) O NJ circulava a velocidade entre 30/40 km/h.

J) O NJ circulava com as luzes de cruzamento (médios) ligadas (acesas).

K) O NJ circulava totalmente dentro da sua metade direita da faixa de rodagem, bem junto à berma direita.

L) Na intersecção das vias identificadas em E) e H) existe sinalização vertical composta por semáforos.

M) No momento referido em C), a sinalização vertical luminosa existente na berma direita da Avenida ... junto ao cruzamento entre a mesma com a Avenida ... encontrava-se com a luz verde acesa para o trânsito que circulava no mesmo sentido do NJ.

N) No momento referido em C) a sinalização vertical luminosa existente na berma direita da Avenida ..., junto ao cruzamento entre a mesma Avenida ... com a Avenida ... situada do seu lado esquerdo encontrava-se com a luz vermelha para o transito que circulava no sentido de marcha do BQ.

O) Os semáforos identificados em N) estavam funcionais, eram perfeitamente visíveis para o condutor do BQ, que os conhecia.

P) No momento referido em C) o BQ seguiu sempre em frente, passou a circular e invadiu inesperadamente a hemi-faixa de rodagem direita da referida Avenida ... na transversal/perpendicular em relação ao sentido de marcha.

Q) O BQ obstruiu por completo a passagem do NJ cortando a sua linha de marcha.

R) O BQ acabou por embater violentamente com toda a sua parte frontal na parte lateral direita do NJ, junto à porta da frente do lado do passageiro.

S) Com o embate o NJ foi projectado para a sua esquerda e contra um muro de vedação de uma propriedade privada com o numero de policia ...51 existente na Avenida ..., no sentido de marcha Avenida ... / Avenida ..., muro esse que ficou destruído.

T) A condutora do NJ não teve tempo diminuir a velocidade ou travar nem espaço para se desviar do BQ.

U) O embate referido em R) ocorreu totalmente dentro da metade direita da hemi-faixa destinada à circulação do NJ, aí ficando peças, plásticos e vidros partidos de ambos os veículos.

V) O local referido em E) e H) é densamente povoado, com grande tráfego de veículos auto- móveis, ladeada e marginado de ambos os lados por edificações, com saídas directas para a mesma, situando-se na cidade de Vila do Conde.

W) A hemi-faixa da Avenida ..., onde NJ circulava, tinha a lar- gura de 6,40 metros.

X) A Avenida ... tinha uma faixa de rodagem, que em toda a sua largura me- dia cerca de 10,30 metros, dispondo, assim, cada hemi-faixa da largura de 5,15 metros.

Y) O condutor do BQ dispunha de boa visibilidade da Avenida ... de onde saía relativamente à Avenida ... situada do seu lado esquerdo e em relação ao sentido de marcha do NJ.

Z) O piso em paralelepípedos de granito da Avenida ... encontrava-se regular, em bom estado de conservação e seco em face das boas condições climatéricas que se faziam sentir na altura (tempo limpo e seco).

AA) O local possuía iluminação pública proporcionando condições de visibilidade.

AB) O condutor do BQ foi submetido a um teste através de ar expirado, o qual acusou uma TAS positiva e, tendo sido recolhida amostra de sangue, o exame pericial acusou uma TAS de 1,67 gr./litro de álcool no sangue.

AC) Por sentença proferida em 12 de Janeiro de 2015 no processo sumaríssimo nº 612/13.2PAVCD que correu termos pela Secção Criminal da Instância Local de Vila do Conde – J2, transitada em julgado, o condutor do BQ foi condenado como autor material de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punível pelo artigo 291º nº 1 alínea a) do Código Penal, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 5 e na pena acessória de inibição de condução pelo período de 4 meses.

AD) Após comunicação do sinistro, a ré iniciou um processo de averiguações tendo constatado, face aos elementos de informação colhidos, que o mesmo ocorrera por culpa do condutor do BQ.

AE) Após a alta hospitalar, o autor foi orientado para a consulta externa de ortopedia do Hospital de Vila do Conde, onde foi acompanhado durante um mês, passando, então, para os cuidados da Ré na Casa de Saúde ....

AF) O autor teve alta dos serviços referidos em AE) a 14 de Outubro de 2014.

AG) Em 13 de Outubro de 2014, por conta e a expensas da ré, o autor foi submetido a um exame de avaliação de dano corporal final.

AH) A ré procedeu ao pagamento ao Autor de €7.767,52 de perdas salariais, €6.600 de tratamentos dentários e € 104,90 de despesas médicas.

AI) Em 24 de Novembro de 2014, o gestor de sinistros da ré, GG, remeteu ao Mandatário do Autor email, contendo em anexo cópia do relatório de avaliação do dano, comunicando “de acordo com os parâmetros do dano estabelecidos, propomos a título de indemnização final o valor de € 9.000”.

AJ) A ré já procedeu ao pagamento ao autor, a título de adiantamento por conta da indemnização final: €12.500 em 7 de Abril de 2015; €10.000 em 24 de Janeiro de 2017; €5.000 em 24 de Abril de 2018.

AK) Em 26-11-2016, considerando às sequelas apresentadas pelo autor em resultado das lesões corporais produzidas no acidente dos autos, a Comissão de Verificação de Incapacidades do Instituto da Segurança Social deliberou que o autor se encontrava em situação de incapacidade relativa para o trabalho, desde 28-11-2016.

AL) O autor é pensionista por invalidez desde 28-11-2016.

AM) O CNP foi citado a 15-7-2021 para a acção e apresentou requerimento inicial a 3-8-2021.

AN) Foram pagos ao autor, a titulo de pensão de invalidez, a quantia global de €57.411,79, desde 28-11-2016 a 28.11.2023.

AO) A pensão mensal a partir de 1-8-2023 estava fixada em €639,51.

Da matéria de Direito:

Já se assinalou repetidamente que o direito ao reembolso que alicerça o pedido do Instituto da Segurança Social tem fundamento legal no artigo 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro.

Nos termos dessa norma a instituição pode pedir o reembolso das pensões que pagou ao beneficiário do terceiro responsável, caso o mesmo facto tenha gerado o direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social e o direito de indemnização sobre esse terceiro.

Os pressupostos desse direito são assim a responsabilidade do terceiro pelos danos causados ao lesado, o pagamento de pensões por incapacidade ao lesado, que o direito do lesado às prestações decorra das lesões corporais por cujas consequências o terceiro é responsável.

Todos esses pressupostos estão verificados.

A responsabilidade da ré demandada enquanto seguradora do veículo envolvido no acidente de que sobrevieram as lesões do autor decorre da culpa do condutor desse veículo na produção do acidente: não respeitou a sinalização do semáforo que o obrigava a parar e permitir a passagem do outro veículo. A ré, aliás, aceitou essa culpa e a responsabilidade dela decorrente, tendo indemnizado ao autor.

O crédito do Instituto da Segurança Social advém do pagamento ao autor de pensões por invalidez para o trabalho, cujo montante foi demonstrado.

A invalidez foi atribuída ao autor (bem ou mal, não cabe aqui discutir, como referido) nas condições legais e regulamentares definidas, na sequência da apreciação do estado de saúde que o autor apresentava após e em consequência da lesões corporais que sofreu nesse acidente.

O pedido de reembolso deverá por isso ser julgado procedente.

De referir que o pedido respeita apenas às pensões pagas antes e na pendência da acção, isto é, de acordo com o último requerimento de ampliação do pedido apresentado pelo Instituto e admitido, a quantia global de €57.411,79, correspondente às prestações pagas entre 28.11.2016 a 28.11.2023.

Isso significa que o Instituto não pediu as pensões futuras, isto é, as pensões que se venceram e forem pagas depois daquela data. O que é adequado porque o direito de sub-rogação só se constitui após o pagamento e, conforme há muito decidiu o Assento do Supremo Tribunal de Justiça 2/78, de 09.11.1977, publicado no D.R., Iª Série, de 22.03.1978, porventura hoje com o valor de Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, que a «sub-rogação não se verifica em relação a prestações futuras».

Isso significa que quando deduziu o seu pedido o Instituto não podia ter pedido o reembolso das pensões relativas a meses posteriores a essa dedução (eram então prestações futuras e em relação a elas não havia ainda direito de reembolso). Todavia, na pendência da acção o Instituto podia actualizar o pedido, o que fez, pelo que como a sentença deve ter em consideração a data mais próxima do encerramento da discussão, a condenação da ré pode abranger as pensões abrangidas por essa ampliação.

O Instituto pediu ainda a condenação no pagamento de juros de mora a contar da notificação do pedido à ré. Esse pedido procede nos termos do n.º 1 do artigo 805.º do Código Civil, com a ressalva de que em relação às pensões dos meses decorridos entre a dedução do pedido e o encerramento da discussão da causa, tais juros contar-se-ão a partir da data da notificação da respectiva ampliação do pedido que as tornou objecto do processo.

Nessa medida, o pedido de reembolso é procedente.

Dispositivo:

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação:

- julgar o recurso da decisão interlocutória de 10.03.2024 improcedente e, em consequência, confirmam a decisão.

- julgar o recurso da sentença procedente, e em consequência, revogam a decisão de julgar procedente a excepção da prescrição do crédito do Instituto da Segurança Social:

- conhecer do mérito do pedido de reembolso deduzido pelo Instituto da Segurança Social em substituição ao tribunal recorrido, julgando-o procedente e, em consequência, condenam a ré B... a pagar ao Instituto a quantia de €57.411,79, acrescida de juros de mora contados à taxa legal desde a data da notificação à ré do pedido de reembolso e dos requerimentos de ampliação desse pedido, respectivamente sobre os valores das pensões pagas até cada um desses momentos.

Custas do recurso da primeira decisão pelo recorrente e da segunda pela recorrida, condenando-se os responsáveis pelas custas a pagarem à outra parte no recurso, a título de custa de parte, o valor da taxa de justiça que suportaram com o recurso e demais encargos.


*


Porto, 4 de Junho de 2025.


*


Os Juízes Desembargadores

Relator: Aristides Rodrigues de Almeida. (R.to 891)

1.º Adjunto: Isoleta Almeida Costa.

2.º Adjunto: António Carneiro da Silva, com a seguinte declaração de voto:

[Declaração de Voto:Subscrevo integralmente o segmento decisório do acórdão, apenas apontando reserva a um particular ponto da fundamentação de direito exarada, concretamente quanto ao fundamento da improcedência da excepção de prescrição.

Com todo o respeito pela posição que fez vencimento, discordo da possibilidade de no caso se considerar o interveniente “Instituto da Segurança Social, IP”, parcialmente sub-rogado no direito do autor AA receber indemnização da ré “B... – Companhia de Seguros, SA”, sub-rogação legitimadora do direito a exigir da mesma ré o valor das pensões por invalidez atribuídas ao autor AA desde 28 de Novembro de 2016.

Desacordo que resumidamente decorre das seguintes reflexões.

Afigura-se-me que o instituto da sub-rogação se dirige às hipóteses em que a um credor assiste a faculdade de exigir de vários devedores a mesma prestação [do que se aproxima do direito de regresso], no todo ou em parte, embora com fundamento em relação jurídica de direito material diversa quanto a cada devedor [e nisto consiste a sua essencial diferença face ao direito de regresso].

Na situação vertente, o “Instituto da Segurança Social, IP”, reclamou no processo o reembolso das quantias que a partir de Novembro de 2016 passou a entregar ao autor a título de pensão de invalidez, esta causada pelas lesões para o autor decorrentes do acidente em causa nos autos [pontos AK) a AO) da matéria de facto provada].

Sem dúvida, como regra geral o artigo 70º da Lei de Bases da Segurança Social [Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro] determina, no caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, a sub-rogação das instituições de segurança social nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder.

A questão é que, se bem se analisa, numa situação como a dos autos, em que as lesões causadas ao sinistrado determinam a este uma situação de invalidez, o nº 1 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 187/2007, de 10 Maio, literalmente estabelece que, «existindo responsabilidade civil de terceiro pelo facto determinante da incapacidade que fundamente a atribuição da pensão de invalidez, não há lugar ao pagamento das respectivas prestações até que o somatório das pensões a que o beneficiário teria direito, se não houvesse tal responsabilidade, atinja o valor da indemnização por perda de capacidade de ganho» (sublinhado do signatário).

E, tendo existido acordo quanto ao valor da indemnização devida ao autor pela ré “B... – Companhia de Seguros, SA”, mas sem nada se prever quanto ao reembolso das quantias pela segurança social pagas a título de pensão de invalidez, nem havendo notícia quanto a qualquer retenção de valores para esse efeito da parte da ré seguradora [registe-se, no acordo, a menção ao pagamento ao autor da totalidade da quantia aí fixada, a acrescer ao até esse momento já recebido pelo mesmo], do nº 3 do artigo 9º do mesmo Decreto-Lei nº 187/2007, de 10 Maio, literalmente resulta que o próprio autor e a ré “B... – Companhia de Seguros, SA”, são solidariamente responsáveis perante a segurança social pela restituição dos valores da pensão pagos.

Do que decorre, afigura-se-me, que os valores da pensão de invalidez efectivamente recebidos pelo autor AA, até ao limite de 2/3 do valor da indemnização acordada [nº 2 do artigo 6º do referido Decreto-Lei nº 187/2007], foram indevidamente pagos [nº 1 do artigo 6º do referido Decreto-Lei nº 187/2007], surgindo algo contraditório que se afirme a sub-rogação no exercício de um direito de que o suposto sub-rogante não é titular, na medida em que também ele está vinculado à restituição.

O que, parece-me, convoca a regulação constante do Decreto-Lei nº 133/88, de 20 de Abril [que dispõe sobre a responsabilidade emergente do pagamento indevido de prestações de segurança social - veja-se a alínea a) do nº 2 do seu artigo 2º], designadamente, com relevância à questão suscitada no processo, o nº 1 do seu artigo 13º [na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 33/2018, de 15 de Maio], que fixa em 5 anos o prazo de prescrição da obrigação de restituição, contado da interpelação para restituir.

Este parece-me ser, salvo sempre melhor opinião, o correcto fundamento jurídico para, no caso, concluir pela improcedência da excepção de prescrição, tendo em conta que no processo nem sequer foi aventada a caducidade do direito à liquidação, pelo que com esse fundamento afastaria a aplicabilidade do artigo 498º do Código Civil.]

[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]

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[1] Não releva, no caso, a circunstância de o pedido de reembolso ter sido formulado nessa data por ter sido por essa altura que o Instituto foi citado. Com efeito, conforme dispunha o Decreto-Lei n.º 58/89, de 22 de Fevereiro, logo após a apresentação da petição inicial e no âmbito das diligências para citação, o Instituto foi citado logo em 11.02.2015, para no prazo da contestação deduzir o pedido de reembolso do que tivesse pago ao autor e, na sequência dessa citação, o Instituto nada reclamou, nem interveio nos autos. Muito embora o Instituto tivesse tornado a ser citado, agora na sequência da provocação pelo autor da sua intervenção principal, que, bem ou mal, foi deferida pelo tribunal, certo é que desde data anterior à atribuição da pensão de velhice o Instituto tinha conhecimento da pendência da acção e estava citado para nela intervir deduzindo o pedido de reembolso.