ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DA ESCRITURA DE JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
ÓNUS DA PROVA
Sumário

Sumário: (Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade – artº 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
I - Habitualmente a acção de impugnação de justificação notarial apresenta-se como uma pura acção declarativa de simples apreciação negativa pela qual o A., no confronto com o R. justificante, visa a declaração da inexistência do direito arrogado na escritura de justificação; pode, no entanto, com o pedido de declaração da inexistência do direito de propriedade justificado, que reveste a natureza de apreciação negativa, ser cumulado um pedido de apreciação positiva, de reconhecimento de que os prédios objecto da escritura de justificação são propriedade do A..
II - Nesses casos, relativamente ao pedido atinente à declaração de nulidade da escritura de justificação e suas consequências registais, porque em causa está a simples apreciação negativa, recai sobre o R. o ónus da prova dos factos constitutivos do direito objecto de tal escritura (cfr. artº 343º nº 1 CCivil); já quanto ao pedido de reconhecimento e declaração de que o direito de propriedade sobre os prédios pertence ao A., o ónus de prova cabe a este (cfr. artº 342 nº 1 do CCivil).

Texto Integral

Acordam as Juízes na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
em cumprimento do determinado pelo Colendo STJ

I – RELATÓRIO
ILCCSM, casada, contribuinte fiscal nº …, residente na Rua …, em …,
JLCCS, casado, contribuinte fiscal nº…, residente na …, em …, e
MSCCS, solteira, maior, contribuinte fiscal nº…, residente na Rua…em …,
com pedido de intervenção principal provocada, do lado activo da lide, de HMCSMF, viúva, contribuinte fiscal nº …, residente na Quinta …, em …,
intentaram a presente acção, sob a forma de processo comum, destinada à impugnação de justificação notarial, contra
AMCS e esposa, MLNAJCS, contribuintes fiscais nºs … e …, respectivamente, ambos residentes na Rua …, em …,
 pedindo que pela procedência da acção seja:
a) declarada nula a escritura de justificação notarial celebrada pelos Réus no dia 27 de Novembro de 2017, no Cartório Notarial de …, sito em …;
b) e, em consequência, ordenado o cancelamento no registo predial a favor dos Réus dos dois prédios rústicos identificados na petição inicial e ordenada a extinção das respectivas inscrições prediais;
c) e ainda, em consequência, a restituição de tais bens às heranças abertas por óbito de OHCAS e de MAS, e reconhecido o direito de propriedade dessas heranças sobre os prédios rústicos identificados na petição inicial, e, por via disso,
d) declarada a sonegação de bens pelo Réu (dos dois prédios rústicos objecto da acção) e, consequentemente, a perda em benefício dos co-herdeiros do direito que poderia ter a qualquer parte dos bens sonegados.

Para tanto alegam, em síntese, que os Réus fizeram constar falsamente da escritura pública de justificação de 27/11/2017 que por compra meramente verbal, ocorrida em 1982 e nunca sujeita a escritura, o Réu marido adquiriu com capitais próprios dois prédios que desde então usou e fruiu, cuidou, conservou e valorizou como único dono, assim sendo considerado por todos; factos falsos que lhes permitiram justificar como sua a propriedade de dois lotes de terreno e registá-los a seu favor na Conservatória do Registo Predial competente, aproveitando a informação constante de documentos na posse do Reu marido atenta a sua qualidade de cabeça-de-casal das heranças e dos quais foi possível ao Réu aperceber-se de que as certidões prediais relativas àqueles prédios não faziam referência à aquisição dos mesmos por seu pai, MAS, aproveitando-se o Réu da situação para enganar os restantes herdeiros, subtraindo tais bens às heranças indivisas a que pertencem e de que são herdeiros os Autores, a Interveniente principal e o Réu marido[1].

Os Réus contestaram refutando a versão dos factos aduzida pelos Autores. Explicando sumariamente o historial da Quinta …, com interesse para a causa alegam que a dado momento foram desanexados da Quinta 12 lotes que não a integravam quando ela foi adquirida em 10/05/1972 por MAS. Posteriormente, em Maio de 1976, daqueles lotes desanexados MAS adquiriu os lotes 5, 6 e 7, mantendo-se à data do seu decesso proprietário dos lotes 5 e 7 que integram a herança e não se confundem com os lotes 3 e 4 comprados em 1982 pelo Réu e que correspondem aos prédios justificados, devidamente demarcados; aquisições essas cujas escrituras apenas não ocorreram por impossibilidade dos titulares inscritos, tendo acabado por ser os mesmos que, atenta a sua avançada idade e a circunstância de passarem largos períodos no Algarve, sugeriram aos RR. que procedessem à justificação notarial, e o certo é que quando receberam as cartas registadas com aviso de recepção inerentes ao procedimento da justificação notarial os mesmo responderam que os factos constantes da notificação eram verdadeiros, que venderam os lotes aos RR. não tendo celebrado a escritura, nada tendo a opor à escritura de justificação.
Alegam ainda que jamais o pai do R. marido, MAS, nem os irmãos, i.é a chamada e o pai dos AA. (que renunciou à herança) questionaram a propriedade do R. relativamente aos lotes 3 e 4.
Mais referem que toda a documentação existente na Quinta … e todas as diligências do processo sucessório foram realizadas pelo irmão do R. e pai dos AA. antes de o mesmo ter renunciado à herança, sendo assim falso que o Réu tenha tido acesso a qualquer documentação e por isso se tenha aprestado a realizar a escritura de justificação.
Desse modo concluíram pela improcedência da acção e pela condenação dos AA. como litigantes de má fé.

Cumprido o contraditório, foi admitida a intervenção principal provocada, no lado activo da lide, de HMCSMF, a qual, citada, apresentou articulado próprio no qual reputa de correcta a pretensão formulada na petição e falsos os factos que os RR. fizeram constar da escritura de justificação notarial, tendo, no entanto, pretendido clarificar aspectos factuais da petição que teve por imprecisos, em especial que MAS sempre teve intenção de adquirir os 12 lotes que haviam sido desanexados da Quinta …, e para tanto em Maio de 1976 adquiriu os lotes 5, 6 e 7, dos quais posteriormente vendeu o lote 6; ainda em 1976 adquiriu os lotes 1, 2, 3 e 4, cujas aquisições, porém, não reduziu a escrito. Mais tarde MAS e a esposa OHCAS, porque antes do casamento do filho E, pai dos AA., lhe haviam doado um terreno próximo da Quinta … (o “Casal …”) e acordado com os outros filhos que os compensariam na mesma medida, vieram a doaram os lotes 1 e 2 ao Réu AMCS, que posteriormente os vendeu. Não tendo, portanto, o Réu adquirido quaisquer lotes, designadamente os 3 e 4 que, outrossim, foram objecto de compra verbal por seu pai MAS e pertencem às heranças.

Os Réus arguiram a nulidade desse articulado da Interveniente Principal – o que foi objecto de indeferimento – e contestaram a matéria aí vertida.

Com dispensa de audiência prévia, foi proferido despacho saneador que não mereceu reclamações; foi realizada a produção antecipada de prova (testemunhal) requerida pela Interveniente Principal; foi realizada a audiência final com a produção da restante prova pessoal e, no final, proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«….julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:
a) declaro nula a escritura de justificação notarial, celebrada pelos Réus, no dia 27 de novembro de 2017, no Cartório Notarial de …, sito em …;
b) e em consequência, ordeno o cancelamento no registo predial a favor dos Réus, da aquisição dos dois prédios rústicos identificados na Petição Inicial bem como a extinção das respetivas inscrições e descrições prediais;
c) mais declaro pertencer ao acervo patrimonial da herança aberta por óbito de OHCAS e MAS, tais bens.
No mais, improcede a pretendida declaração de sonegação de tais bens (prédios n.ºs … e …), pelo co-herdeiro e aqui Réu marido, e bem assim, absolvo os Autores, do que vinha contra si peticionado, quanto a condenação como litigantes de má fé.
As custas ficam inteiramente a cargo dos Réus, em face do seu decaimento (cfr. art.ºs 527º, n.ºs 1 e 2 do actual CPC), dado que o pedido em d) era consequência do demais peticionado, tratando-se essencialmente de matéria de direito.»

Inconformados, vieram os Réus interpor o presente recurso de apelação, com impugnação da matéria de facto, sustentando a improcedência da acção [é quanto resulta da interpretação da sua pretensão à luz da integralidade do recurso, não obstante tenham concluído que a sentença deve ser substituída por outra que dê procedência à acção].
Das suas alegações extraíram os Recorrentes as seguintes
Conclusões
«A) Entendem os RR/Recorrentes que nos autos existe prova abundantes e contundente que, sem qualquer dúvida razoável, permite demonstrar que os RR são donos e legítimos proprietários dos lotes 3 e 4
B) Os RR provaram por prova testemunhal e documental que, inequivocamente, os lotes não são da herança aberta por óbito de OHCAS e MAS
C) No mesmo sentido resulta toda a prova produzida de que o Reu praticou ao longo dos anos actos materiais de posse
D) O facto a. dado como não provado, atento o depoimento das testemunhas, em especial de
a) AS (Ficheiro áudio n. 11-19-08 de 00:31:27 minutos – passagem 00:10:07 a 00:17:36 e 00:14:13, 00:07:58, 00:08:30
b) PJN (Ficheiro áudio n. 10-42-26 de 00:36:40 minutos, passagem 00:04:06
c) MP (Ficheiro áudio n. 16-35-46 de 00:59:39 minutos, passagens 00:03:53 a 00:07:10 e 00:18:12 a 00:27:47
E) Assim em face dos depoimentos das testemunhas que se referem supra e com as passagens que em especial se indicam devia ter sido dado como provado que:
F) O Réu marido procedeu à delimitação dos dois prédios rústicos designados por lotes 3 e 4 anos de 2004/2005, com aposição de marcos com as suas iniciais “AS”
G) O Reu marido procedeu a intervenções de manutenção dos prédios e respectiva conservação, tendo chegado a praticar actos públicos, preparatórios para a sua alienação
H) Os prédios 3 e 4 foram adquiridos pelo Reu marido no ano de 1982, com capitais próprios, por compra verbal a JF e MR
I) Por iniciativa do Reu as escrituras de compra e venda não foram celebradas, tendo por diversas vezes estado em contacto com os vendedores para a sua transmissão.
J) Por conveniência dos vendedores, e por acordo entre vendedores e compradores, foi acordado que os bens seriam adquiridos por usucapião.
K) Os depoimentos das testemunhas e toda a documentação junta deveria ter levado à prova de que os lotes 3 e 4 não integram o acervo patrimonial da herança.
a) MCS - Ficheiro áudio n. 09-49-46 de 00:22:59 minutos
b) FF Ficheiro áudio n. 14-16-49 de 00:36:13 minutos
c) HM Ficheiro áudio n. 10-57-46 de 00:44:14 minutos
d) ICS Ficheiro áudio n. 13-41-52 de 00:22:53 minutos
e) VM Ficheiro áudio n. 16-02-56 de 00:14:50 minutos
f) ACS - Ficheiro áudio n. 10-03-15 de 00:54:30 minutos
g) LC - Ficheiro áudio n. 11-50-36 de 00:29:36 minutos
L) Os lotes 3 e 4 não integram o acervo patrimonial da herança aberta por óbito de OS e MAS, cuja permanece indivisa
M) Os lotes 3 e 4 nunca foram tema de conversa entre irmãos porque são do Reu e não são objecto do tema que os “une” que é a partilha da herança
N) MAS não pretendia expandir a Quinta ….
Em 1976 compra os lotes 5, 6 e 7. Em 1979 vende o lote 6; em 1986 vende o Lote 7, retomado em 2000 e, de novo o promete vender, retornando à sua propriedade plena por volta de 2005, por decisão judicial.
O) MAS promoveu a venda do Lote 5 a VM.
P) A Quinta …desde 1972 que não sofreu qualquer alteração: anexação ou desanexação.
Q) Os lotes que circundam a Quinta e que integram o loteamento de 1971, nunca foram anexados à Quinta … nem nunca com ela se confundiram
R) Nos lotes 3 e 4 não cresce nada, não carecendo de desmatações periódicas ou actos de manutenção específicos; trata-se de dois lotes de tereno seco em que não cresce erva.
S) É do conhecimento de todos, em especial dos AA e IP, que os lotes 3 e 4 são propriedade do Reu que os adquiriu em 1982.
T) O Reu nunca teve acesso a quaisquer documentos da herança, não tendo sequer instruído o processo sucessório do seu pai
U) A Quinta … é uma quinta grande, com 253.522 m2, composta por diversas casas e construções, que constituem um todo, não se confundindo com os lotes que a rodeiam e que não a integram
V) O Reu desde muito jovem que é negociante tendo tido uma exploração agropecuária e oficinas de reparações de automóveis sinistrados, donde lhe advinham os seus rendimentos.
W) O Reu ainda solteiro vivia sozinho em Lisboa e não com os seus pais
X) Aliás, desde a morte da mãe, e definitivamente após a morte do pai em 2010, que o Reu não vai à Quinta…
Y) Os factos 17, 21, 22, 23, 24, 25 dados como provados pelo Tribunal a quo encontram-se incorretamente julgados face ao teor do depoimento das seguintes testemunhas
a) MCRS (o Ficheiro áudio n. 09-49-46 de 00:22:59 minutos)
b) FDF (Ficheiro áudio n. 14-16-49 de 00:36:13 minutos)
c) HMCSMF (Ficheiro áudio n. 14-28-58 de 00:09:55 minutos)
d) MASF (Ficheiro áudio n. 15-29-31 de 00:23:38 minutos
e) MILCCSM ( Ficheiro áudio n. 13-41-52 de 00:22:53 minutos)
f) AMCS (Ficheiro áudio n. 10-03-15 de 00:54:30 minutos
Z) Assim, face ao teor dos referidos depoimentos e documentos deveria ter sido dado como provado o seguinte:
AA) MAS não comprou os lotes 3 e 4 a JF e MRS não integrando estes o acervo hereditário deixado por morte de OHSAS e MAS
BB) Os lotes 3 e 4 foram comprados por ACS, por declaração verbal a JF e MR no ano de 1982, não tendo sido celebrada a escritura
CC) Entendem os Recorrentes que dos depoimentos das testemunhas resulta prova bastante para que os factos dados como provados sob os nºs 28 o sejam em sentido diverso e que é:
Em momento algum, mesmo em vida de MAS, nunca a titularidade destes terrenos por parte do Reu, foi questionada sequer pelos seus pais ou irmãos e sobrinhos, ou por qualquer outro.
DD) Por toda a prova produzida não pode dar-se como provado que o Reu acedeu aos documentos dos pais, em 2013, para se apropriar de bens destes colocando-os em seu nome (factos 30 e 31)
O Reu não visita a Quinta desde a morte da sua mãe e, definitivamente, desde a morte do seu pai.
O Reu, cabeça de casal da herança de seus pais, nunca tratou ou praticou qualquer acto de determinação e relacionação de bens da herança
Foi a A. IM, por si e por indicação do seu pai E, quem tratou de tudo.
EE) Abunda nos autos prova documental, à qual acrescem os depoimentos das testemunhas, que obrigam a alterar o sentido dos factos 32 e 33
A Quinta…, após o loteamento de 12 lotes de 1971, e após a compra de MAS, não foi objecto de qualquer alteração mantendo a sua área inalterada.
Os Lotes destacados da Quinta … são todos distinguidos fisicamente e não se confundem com a Quinta …
FF) Dos documentos que constam dos autos e juntos pelas partes, designadamente os mapas cartográficos da Quinta … permitem concluir que a mesma é legalmente passível de ser destacada (o trapézio) atendendo à sua área. Assim, não se pode confundir a Quinta com os lotes que dela foram destacados. Assim o facto 34 deveria ter este sentido
Toda a faixa de terreno que compõe os lotes é visível do exterior, dado que o muro que os delimita não tem mais de um metro de altura (facto 35)
GG) Não pode ter-se por provado o facto 36 e 37. Assim, deveria ter-se concluído que:
Em data que não se conseguiu apurar a A. IM foi notificada pela CMVFX para realizar os trabalhos de gestão da faixa de combustível, tendo pedido à Câmara para falar com o cabeça de Casal
HH) Facto 37 - Não se dá como provado que a A. IM tivesse tomado conhecimento da justificação notarial de 2017 em 2019
II) Qualquer ocupação dos lotes é perceptível do exterior atendendo a que o muro que os delimita não tem mais de um metro de altura
A Quinta … é uma unidade mista, que atenta a sua área, é passível de destaques
JJ) Facto 38. Sempre foi do conhecimento de todos, incluindo familiares, que o Reu era o proprietários Lotes 3 e 4
KK) O Reu nunca deixou de estar em contacto com os vendedores, tendo-se deslocado à casa de JF por diversas vezes para tratar da escritura dos lotes. (Facto 40
Do recurso da matéria de direito
LL) Entendem os Recorrentes que o Tribunal fez uma errada subsunção dos factos à norma legal
MM) A alteração da matéria de facto implicará uma interpretação e aplicação legal diferente daquele que se adoptou
NN) O Reu adquiriu por negócio verbal os lotes 3 e 4 tendo, ao longo dos anos comportando-se como se proprietário fosse.
OO) Praticou, publicamente os actos necessários, tendo em conta os bens adquiridos, à sua conservação, guarda e manutenção
PP) O Reu praticou actos de promoção de venda dos bens usando e gozando do conteúdo do direito de propriedade
QQ) Os actos praticados e a sua relação com os bens era do conhecimento de todos, incluindo os seus familiares, daí que nunca tivessem sido objecto de conversa
RR) com efeito, não integrando o acervo patrimonial, não fazia sentido serem falados em Sede de negociações para partilhas.
SS) Donde se tem que a posse do Reu, à data da justificação notarial preenchia todos os requisitos e pressupostos legais da aquisição originária do direito de propriedade
TT) Exercia uma posse, publica, pacifica, exteriorizando essa intenção e convicção do exercício do direito correspondente
UU) De acordo com o estatuído no artigo 1287º do CC. À data da justificação o reu tinha a posse dos dois lotes de terreno
VV) As declarações contidas na escritura de justificação são declarações verdadeiras, livres, serias e esclarecidas constituindo uma declaração de conhecimento de factos enunciados.
Nestes termos e nos melhores de direito, que V. exas. doutamente suprirão
Deve o Recurso ser totalmente procedente por provado;
E, em consequência,
Deve a douta sentença ser substituída por outra que dê procedência à acção
Tudo com as demais consequências
Fazendo desta feita, a tão acostumada Justiça!»

Os AA. contra-alegaram pugnando pela confirmação do julgado, tendo terminado a sua resposta com as seguintes
Conclusões
«1. As alegações dos Recorrentes não merecem acolhimento, porquanto os factos que vêm impugnar encontram respaldo na prova produzida, não sendo possível concluir de forma diferente da que concluiu, e bem, o Tribunal recorrido;
2. A verdade é que os Recorrentes, no seu recurso, nada mais fazem do que tentar impor a sua convicção à do Tribunal recorrido, selecionando e transcrevendo excertos dos depoimentos de algumas testemunhas, atribuindo-lhes uma leitura que não corresponde à verdade dos factos, atacando a credibilidade de determinadas testemunhas, da forma que mais lhes convém;
3. Numa tentativa desesperada de impor a sua convicção, os Recorrentes misturam factos e tentam criar a confusão no Digníssimo Tribunal, tentando induzi-lo em erro, o que não procede, porquanto a prova produzida nos presentes autos é clara, não assistindo qualquer razão aos Recorrentes;
4. Da prova produzida nos presentes autos, nomeadamente dos depoimentos das testemunhas ouvidas, que supra se transcreveram, não restam quaisquer dúvidas de que os lotes 3 e 4 foram adquiridos, por meio de negociação verbal, entre os anos de 1972 e 1980, por MAS, integrando, por isso, o acervo hereditário deixado por sua morte e por morte da sua mulher OHCAS;
5. A acrescer, era ao Recorrente AS a quem competia fazer prova de reunir os pressupostos da aquisição por usucapião, o que não sucedeu, nem nunca poderia suceder, porquanto tal afirmação não corresponde à verdade dos factos, como se demonstrou, de forma clara, nos presentes autos;
6. A prova produzida nos presentes autos, quer documental quer testemunhal, analisada de forma rigorosa e não tendenciosa, apenas permite concluir no mesmo sentido que o Tribunal a quo concluiu;
7. MAS adquiriu, por meio de declaração negocial verbal, em ano anterior a 1980, a JHF e à mulher MLDSF, o prédio rústico descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º… (lote 3);
8. MAS adquiriu, por meio de declaração negocial verbal, em ano anterior a 1980, a MRS e à mulher MCS, o prédio rústico descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º … (lote 4);
9. Apesar de não ter logrado reduzir os referidos negócios a escrito, nem de ter registado os referidos prédios a seu favor na Conservatória do Registo Predial, MAS sempre agiu como pleno proprietário dos mesmos, sendo do conhecimento público, de todos os membros da família, amigos, vizinhos e dos vendedores, de que ele e a sua mulher eram os proprietários dos referidos terrenos;
10. Enquanto MAS foi vivo, nunca, em momento algum, a propriedade dos lotes 3 e 4, assim como da Quinta …, que era vista como um todo, indistinguível entre si, foi questionada ou posta em causa por quem quer que fosse, nem sequer pelo próprio filho, o Réu AS;
11. O Recorrente nunca foi nem nunca se comportou como proprietário dos lotes 3 e 4, não tendo praticado quaisquer atos que assim o sugerissem, até porque, diga-se, se assim fosse, poderia ter registado a sua aquisição enquanto o seu pai, MAS, ainda era vivo, o que não logrou fazer;
12. A verdade é que o Recorrente, conforme dado por provado na douta Sentença proferida pelo Tribunal recorrido, ao constatar que os lotes 3 e 4 ainda se encontravam registados a favor dos originários proprietários, tirando partido da sua posição de cabeça de casal e na posse dos documentos relativos aos bem que fazem parte das heranças abertas e indivisas por óbito dos seus pais, a 27 de novembro de 2017, fazendo-se acompanhar de três testemunhas, outorgou escritura pública de justificação notarial para aquisição por usucapião dos dois lotes;
13. Sendo que, apenas anos mais tarde, quando os Autores, ora Recorridos, organizavam documentos para preparar uma defesa a uma acusação de não terem procedido à realização de trabalhos de gestão da faixa de combustível (desmatação e limpeza) no terreno da Quinta …, é que tomaram conhecimento do que os Recorrentes haviam feito;
14. Até esse momento, nada fazia prever que o Réu AS o tivesse feito, porquanto, como ficou provado nos presentes autos, este nunca se comportou de modo a fazer crer aos familiares que era o proprietário registral dos referidos prédios (lotes 3 e 4);
15. A falta de elementos comprovativos da alegada pública e pacífica posse, exercida pelo Recorrente, obsta à contagem de prazos para efeitos de usucapião e, consequentemente, que este adquira por aquisição originária a propriedade dos lotes 3 e 4, não se verificando assim os pressupostos dos artigos 1293.°, alínea a), 1297.° e 1300.°, n.° 1, todos do Código Civil, confirmando-se a decisão proferida pela douta Sentença;
16. A este respeito, veja-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 26.04.2007, processo n.º 2337/2007-6, de acordo com o qual: “A posse suscetível de conduzir à usucapião, tem de revestir sempre duas características, quais são as de ser pública e pacífica (arts. 1293°, al. a), 1297° e 1300°, n.° 1). (…) As restantes características que a posse eventualmente revista, como ser de boa ou de má fé, titulada ou não titulada, recair sobre móvel ou imóvel e estar ou não inscrita no registo, tem influência apenas no prazo necessário à usucapião. (…)” e, conforme prescreve o artigo 1297.º do Código Civil, “Se a posse tiver sido constituída com violência ou tomada ocultamente, os prazos da usucapião só começam a contar-se desde que cesse a violência ou a posse se torne pública.”;
17. Assim, MAS era, até à data da sua morte, a 13 de Setembro de 2010, o proprietário dos lotes 3 e 4, sendo tal facto de conhecimento público e pacífico, exercendo o seu direito de propriedade perante todos;
18. Motivos pelos quais os lotes 3 e 4 integram o acervo patrimonial de herança aberta por óbito de OHCAS e MAS, indivisa à data;
19. Face ao exposto, não restam dúvidas de que inexiste qualquer erro de julgamento na matéria de facto provada ou qualquer vício de falta de fundamentação, devendo o Recurso improceder, mantendo-se a sentença recorrida.»

Também a Interveniente Principal contra-alegou defendendo o acerto da decisão, alinhando as seguintes
Conclusões
«- As alegações de recurso mais não são do que a transcrição de trechos segmentados escolhidos criteriosamente pelos Recorrentes dos depoimentos de algumas testemunhas para, a partir de tais transcrições truncadas conferir à prova produzida uma outra leitura – a sua –, pretendendo substituir a sua própria convicção à convicção do Tribunal recorrido, não apontando na verdade quaisquer erros concretos de julgamento, fazendo antes um ataque à decisão da matéria de facto pela via da credibilidade que o Tribunal deu a determinados meios de prova, o que se afigura irrelevante e inconsequente em termos de impugnação da matéria de facto;
- Cumpre referir que a impugnação da decisão de facto não se justifica, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.
- Compulsado o recurso, contrariamente ao entendimento dos Recorrentes, os factos impugnados encontram amparo na prova produzida (ainda que os Recorrente não concordem da leitura que faz), não sendo possível ao Tribunal ad quem alcançar resultado diferente em função daquilo que alegam em sede recursiva.
- A alegada impugnação de matéria de facto recai, em factos nucleares, de forma extensa e genérica pretendendo a inadmissível reapreciação da decisão recorrida através de um segundo julgamento, entende a Recorrida, salvo melhor opinião, que tal não deverá ser atendível.
- Da prova produzida em audiência, nomeadamente do depoimento das testemunhas cujos trechos se reproduziram, dúvidas não restam que os lotes 3 e 4 foram comprados por MAS e integram o acervo hereditário deixado por morte deste e da sua mulher OlHCAS e MAS.
- Era ao Recorrente AS a quem cabia fazer prova de reunir os pressupostos da aquisição por usucapião, o que como supra vem de se demonstrar não fez!
- E não o fez, nem nunca o poderia fazer porque tal afirmação não encontra respaldo na realidade dos factos, uma vez que o mesmo não adquiriu os lotes 3 e 4 da Quinta …pertencentes ao acervo hereditário de MAS e da sua mulher OHCAS.
- A prova produzida no seu conjunto, desapegada de uma análise tendenciosa, emocional ou subjetiva como pretendem os RR. (impondo a sua convicção da prova à do Tribunal recorrido), só permite no sentido em que concluiu o Tribunal de primeira instância.
- É evidente que deve soçobrar a pretensão dos RR., por não ter apego à verdade dos factos conforme resultou da prova produzida, pelo que fica prejudicada qualquer discussão quanto à matéria de direito a qual as Recorrentes faz depender da procedência da alteração da matéria de facto.
- Inexiste pois qualquer erro de julgamento na matéria de facto provada ou qualquer vício de falta de fundamentação.
Termos em que, as alegações de recurso dos RR. Recorrentes não merecem acolhimento, devendo improceder na sua totalidade.».
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Colhidos os vistos, importa apreciar e decidir.
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É sabido que nos termos dos artºs 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil são as conclusões que definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam, exercendo as mesmas função equivalente à do pedido (neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil” 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117), certo que esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica quanto à qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. artº 5º nº 3 do CPC),
Assim, as questões a decidir consistem em saber se:
Deve ser alterada a decisão de facto
Deve ser alterada a decisão de mérito, com a improcedência da acção

II – FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
Na sentença sob recurso foi considerada a seguinte a factualidade:
«1. Factos Provados:
Da discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. OHCAS, faleceu no dia 17 de abril de 1995, na freguesia e concelho de … e teve a sua última residência habitual na Quinta …, sita na Estrada …, em …, freguesia e concelho de … no estado de casada, em primeiras núpcias de ambos, e no regime da comunhão geral de bens, com MAS, conforme assento de óbito junto como Doc. 1 da PI e cujo teor aqui se reproduz integralmente para os devidos efeitos legais;
2. Deixou como seus herdeiros, o cônjuge sobrevivo, MAS e os três filhos do casal, EMCS, AMCS e HMCSMF, conforme escritura pública de habilitação de herdeiros, junta como Doc. 2 da Pi e cujo teor aqui se reproduz integralmente para os devidos efeitos legais;
3. A herança aberta por óbito de OHCAS permanece, até ao presente, indivisa;
4. MAS, faleceu no dia 13 de setembro de 2010, na freguesia de …, concelho de…e teve a sua última residência habitual na Quinta …, sita na Estrada …, em…, freguesia e concelho de…, no estado de viúvo de OHCAS, conforme assento de óbito junto como Doc. 3 da Pi e cujo teor aqui se reproduz integralmente para os devidos efeitos legais;
5. MAS não dispôs da sua quota disponível, por meio de testamento, pelo que sucederam-lhe os herdeiros legítimos, a saber, EMCS, AMCS e HMCSMF, conforme escritura pública de habilitação de herdeiros junta como Doc. 4 da PI e cujo teor aqui se reproduz para os devidos efeitos legais;
6. A herança aberta por óbito de MAS permanece, até ao presente, indivisa;
7. EMCS é pai de ILCCSM, JLCCS e MSCCS;
8. EMCS repudiou em 7 de fevereiro de 2011, ambas as heranças, supra identificadas, e abertas por óbito da mãe e do pai, OHAS e MAS, conforme escritura pública de repúdio de herança, junta como Doc. 5 da Pi e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
9. Por sentença proferida em 5 de junho de 2018, transitada em julgado, pelo Juízo Central Cível de…, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de …, no âmbito do Processo n.º …, foi declarada válida a declaração de repúdio, referida em 8), conforme sentença junta como Doc. 6 da Pi e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
10. Ao aqui Réu marido, herdeiro legítimo e legitimário, em ambas as heranças, supra identificadas, e abertas por óbito da mãe e do pai, OHAS e MAS, incumbe o cargo de cabeça de casal, por se tratar do herdeiro mais velho, dada a renúncia supra;
11. No dia 27 de novembro de 2017, perante a Sra. Notária, …, no Cartório Notarial de …, no concelho de …, AMCS e esposa, MLNAJCS, outorgaram escritura pública de justificação notarial para aquisição por usucapião de dois prédios rústicos, compostos de talhão para construção, conforme escritura pública junta como Doc. 7 da Pi e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
12. Por meio dessa escritura, os aqui Réus, justificaram, primeiro, a posse de um prédio rústico, denominado Quinta …, composto por talhão para construção, sito na freguesia e concelho de …, com a área total de 5.040 m2 (cinco mil e quarenta metros quadrados), a confrontar a norte com …, a sul com caminho público, a nascente com … e a poente com …, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º …, da referida freguesia, encontrando-se a aquisição registada a favor de MRS e mulher, MCS, pela apresentação n.º …, de 3 de novembro de 1972, e inscrito na matriz predial urbana de …, sob o artigo P …, sem valor patrimonial atribuído, a que os Réus atribuíram o valor € 8.000,00 (oito mil euros), conforme escritura pública junta como Doc. 7 da Pi e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
13. E um prédio rústico, denominado Quinta …, composto por talhão para construção urbana, sito na freguesia e concelho de …, com a área total de 5.070 m2 (cinco mil e setenta metros quadrados), a confrontar a norte …, a sul com caminho público, a nascente e poente com …e mulher …, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º…, da referida freguesia, encontrando-se a aquisição registada a favor de JHF e mulher MLDSF, pela apresentação n.º … de 30 de outubro de 1972, e inscrito na matriz predial urbana de … sob o artigo P …, sem valor patrimonial atribuído, a que os Réus atribuem o valor € 8.000,00 (oito mil euros), conforme escritura pública junta como Doc. 7 da Pi e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
14. Atualmente, a aquisição dos referidos prédios rústicos, encontra-se registada a favor do Réu, conforme certidões prediais juntas como Docs. 7-A e 7-B da Pi e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
15. Conforme se transcreve da referida escritura de justificação, declarou o ora Réu que, “(…) os referidos prédios supra identificados, foram adquiridos pelo outorgante marido com capitais próprios, há mais de trinta e cinco anos, por compra meramente verbal que fez aos titulares inscritos, em mês que não pode precisar mas que localiza no ano de mil, novecentos e oitenta e dois, nunca reduzida a escritura pública, motivo pelo qual o justificante não é detentor de qualquer documento formal que legitime o seu domínio sobre os mesmos. Que desde esse lapso temporal, ele justificante entrou na posse e fruição do referido prédio, sempre cuidou do mesmo, o conservou e valorizou, fazendo as necessárias obras de beneficiação e conservação, como único dono e por todos sempre reputado como tal, agindo sempre por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, quer usufruindo como tal os imóveis, quer suportando os respetivos encargos. (…)”;
16. Os Réus fizeram-se acompanhar na referida escritura de três testemunhas, a saber, o Senhores PJSN, AAPS e LAGGC, que declararam, na qualidade de Segundos Outorgantes, “(…) que, por serem inteiramente verdadeiras, confirmam as declarações prestadas pelos primeiros outorgantes”;
17. Sucede que, os supra identificados prédios rústicos, integram o acervo hereditário deixado por morte de OHCAS e MAS;
18. Em 10 de maio de 1972, MAS, no estado civil de casado, com OHCAS, adquiriu a ESRC e à esposa, BSNRC, que lhes venderam, pelo preço de 1.000.000$00 (um milhão de escudos), o prédio misto sito na Quinta …, na freguesia e concelho de …, composto por 36 (trinta e seis) parcelas de oliveiras, árvores de fruto de diversas qualidades, terreno estéril, dependências agrícolas, terras de cultura arvense, pomares, vinhas, oliveiras, horta pinhal e leito de curso de água e um conjunto de 2 (duas) construções, confrontando a norte com Caminho Municipal, a sul com …, a nascente com Estrada e Caminho Municipal, a poente com… (vendedor), inscrito na matriz cadastral sob o artigo n.º… da Secção …, que se compõe pela “(…) totalidade das parcelas números um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete (…)”, nove a vinte e sete e trinta, 13,7777 da parcela oito, 266 m2 da parcela 28 e 0,2160 de leito de curso de água, e atualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º …, conforme Escritura Pública de Compra e Venda da Quinta …, outorgada no 2.º Cartório Notarial de …e o comprovativo de pagamento da SISA na sequência da transação, juntos como Docs. 8 e 9 com a Pi e cujo teor aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais;
19. No dia 31 de julho de 1972, ESRC vendeu a JHF, pelo preço de 50.000$00 (cinquenta mil escudos), um talhão de terreno, já demarcado e destinado a construção urbana, com área de 5.070 m2 (cinco mil e setenta metros quadrados), sito na freguesia e concelho de …, a confrontar a norte com …, a sul com caminho público, a nascente e poente com … – ora descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º … , conforme escritura pública de compra e venda junta como Doc. 10 da Pi e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
20. No mesmo dia 31 de julho de 1972, ESRC vendeu a MRS, pelo preço de 50.000$00 (cinquenta mil escudos), talhão de terreno com área de 5.040 m2 (cinco mil e quarenta metros quadrados), já demarcado e destinado a construção urbana, sito na freguesia e concelho de …, a confrontar a norte com …, a sul com caminho público, a nascente com … e a poente com … – ora descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º … conforme escritura pública de compra e venda junta como Doc. 11 da Pi e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
21. Em ano que não se conseguiu apurar, mas anterior a 1980, MAS comprou, por meio de declaração negocial verbal, a JHF e à mulher MLDSF, o prédio rústico descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …,
22. assim como, nos mesmos termos, ou seja, por meio de declaração negocial verbal, adquiriu o prédio rústico descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …, a MRS e à mulher MCS,
23. e fê-lo, porquanto MAS pretendia expandir a denominada “Quinta…”, o que anunciou e logrou, adquirindo estes dois prédios rústicos, adjacentes à sua propriedade, e supra referida em 18);
24. Na sequência da aquisição desses dois prédios rústicos, MAS retirou as demarcações, à época existentes, e que separavam as diferentes propriedades, integrando os referidos prédios rústicos na “Quinta …”;
25. MAS não logrou reduzir a escrito, os referidos negócios de compra e venda, verbais, dos referidos prédios rústicos;
26. E não os registou a seu favor na Conservatória do Registo Predial;
27. Apesar de saber e ter consciência de que os referidos prédios rústicos, não estavam registados a seu favor na Conservatória de Registo Predial, ainda assim, sabia-se, era do conhecimento público e de todos os membros da família, bem como dos vizinhos e amigos, e dos próprios vendedores, que MAS, e esposa, eram os proprietários dos referidos terrenos, conhecidos no seu todo como a “Quinta …”;
28. E em momento algum, anterior à sua morte, tendo decorrido mais de 30 (trinta) anos, entre as ditas aquisições dos terrenos e o decesso de MAS, a titularidade desses terrenos foi questionada, fosse por quem fosse, sequer pelo aqui Réu marido, e filho AS;
29. À época, tendo em consideração o meio pequeno e marcadamente rural em causa, era prática comum proceder à compra e venda de imóveis, especialmente aqueles de natureza rústica, por via da negociação e celebração de negócios meramente orais;
30. O Réu marido, na posição de cabeça de casal, e na posse dos documentos relativos aos bens que compunham as heranças abertas e indivisas por óbito dos seus Pais, deparou-se com a seguinte informação constante das certidões prediais dos prédios rústicos que sabia pertencerem aos seus Pais, ainda em maio de 2013, ou seja
a. em relação ao prédio rústico, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de …, sob o número de …, encontra-se a aquisição registada a favor de JHF e da mulher MLDSF, transmitido por ESCR e pela sua mulher BSNRC, pela apresentação … datada de 30 de outubro de 1972, conforme certidão predial, junta como Doc. 13 da PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, e
b. por sua vez, o prédio rústico descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …, tem a aquisição registada a favor de MRS e da mulher MCS, transmitido por ESRC e pela sua mulher BSNRC, pela apresentação … datada de 3 de novembro de 1972, conforme certidão predial junta como Doc. 14 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos feitos legais;
31. Apercebendo-se de tal, o Réu aproveitou tal situação para proceder conforme supra descrito, em 27 de novembro de 2017;
32. A Quinta … foi objeto de diversas desanexações, ao longo dos anos, dando origem a diversos prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial de …;
33. Para quem não tem conhecimento das referidas desanexações, estas não são minimamente identificáveis, visto que não há qualquer demarcação entre os diversos prédios rústicos que compõem a Quinta …, com excepção dos lotes 1 e 2 e do lote 6;
34. A Quinta … é conhecida como um todo, conforme mapa topográfico, junto como Doc. 15 da Pi e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
35. Ou seja, qualquer “ocupação” dos referidos dois prédios rústicos, não é minimamente percetível do exterior, sequer a sua delimitação, a sua desmatação e ou qualquer tipo de intervenção para beneficiação ou conservação;
36. A Autora ILCCSM foi notificada, no âmbito de um processo contraordenacional, em 26 de fevereiro de 2019, na qualidade de coproprietária registral (à data) da Quinta …, da acusação de não ter procedido à realização de trabalhos de gestão da faixa de combustível (desmatação e limpeza) no terreno, conforme Doc. que se junta como n.º 16 e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
37. E foi, precisamente, na sequência da organização de documentos para a preparação da defesa, no âmbito desse processo contraordenacional, que a Autora IM tomou conhecimento, com a análise da certidão predial atualizada, do registo de aquisição por usucapião a favor do seu Tio AS, e ora Réu marido, dos dois prédios rústicos supra identificados e em crise;
38. Pois, até então, nada o fazia prever, uma vez que o Réu nunca se comportou, em qualquer momento, de forma a fazer crer os seus familiares, que era o proprietário registral desses prédios;
39. Foi proferida sentença, em 13 de abril de 2023, transitada em julgado, pelo Juízo Central Cível de…, Juiz 6, do Tribunal Judicial da Comarca de …, no âmbito do Processo n.º …, respeitante à aquisição de metade por doação e competentes registos, da Quinta …, prédio misto suprarreferido em 18), conforme sentença junta a fls. 454 e ss. dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
40. O Réu marido deslocou-se a casa de JF, acompanhado do amigo e advogado, MP, em várias datas, não concretamente apuradas, mas anteriores a 2017, visando obter as declarações juntas aos autos, a fls. 166 e 166 verso, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
41. Ainda solteiro, e profissão não concretamente apurada, o Réu AS vivia na casa dos seus pais, no ano de 1982;
2. Factos Não Provados:
a. O Réu marido procedeu à delimitação dos dois prédios rústicos, supra identificados e em crise, com relação aos lotes 2 e 5, com aposição de marcos, que ainda lá existem;
b. E procedeu ou mandou terceiro proceder, a suas expensas, à sua desmatação e limpeza periódicas;
c. E procedeu “a qualquer outro” tipo de intervenção para a sua beneficiação e ou conservação;
d. Mais suportou os impostos a eles atinentes;
e. O Réu marido, adquiriu tais prédios rústicos, com recurso a capitais próprios, há mais de 35 (trinta e cinco) anos, reportados à data de 2017, por compra verbal que fez aos seus titulares inscritos, supra melhor identificados, JF e MRS, e em mês que não logrou apurar, mas que localiza no ano de 1982 (mil, novecentos e oitenta e dois);
f. Essa compra nunca reduzida a escritura pública, por diversas ordens de razões, de entre elas a indisponibilidade dos titulares inscritos;
g. Aliás, tal escritura chegou a estar marcada, mas mais uma vez por impossibilidade dos vendedores não se realizou;
h. As declarações referidas em 41), foram dactilografadas pelos seus autores;
i. E assinadas de forma livre e com perfeito conhecimento do seu integral teor;
j. Os Autores, na qualidade de co-herdeiros da Quinta…, e através de mandatário, dirigiram em 25 de junho de 2019, interpelação ao aqui Réu marido, na qualidade de cabeça de casal, conforme carta junta como Doc. 12 da Pi e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais;
k. Sem sucesso, quanto à pretendida realização de partilha, de bens, das duas heranças, por falta de interesse do Réu;
Nenhum outro facto, com relevância para a boa decisão da causa.»

B) DE DIREITO
Da alteração da decisão de facto
É sabido ser ónus imposto ao Recorrente a apresentação de alegações, nas quais deve concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão (cfr. artº 639º nº 1 CPC), sendo as conclusões que delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem (cfr. artº 635º nº 4 CPC), pois nelas o Recorrente pode restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso, equivalendo as mesmas ao pedido. Por isso, no caso importa referir que apesar de os Recorrentes imputarem à sentença a violação do artº 607º nº 4, 1ª parte, do CPC, tal temática está arredada do objecto do recurso porque as conclusões são omissas a seu respeito.
Por outro lado, é igualmente sabido que o artº 640º CPC impõe ao Recorrente ónus próprios quando impugne a decisão da matéria de facto, sendo que no caso o Colendo STJ se pronunciou em sede de recurso de revista quanto a que tais ónus foram satisfeitos pelos RR..
De acordo com o assinalado por esse Colendo Tribunal, e compaginando a motivação das alegações de recurso com as respectivas conclusões, a pretensão impugnatória dos RR. dirige-se aos factos provados 17, 21, 22, 23, 24, 25, 27, 28, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 40 e 41, e aos factos não provados sob as letras a., b., c., e., f., h., i. (cfr. págs. 28-29 do douto Acórdão do STJ).
Comecemos por nos debruçar sobre o facto provado 17.
Sem prejuízo da iniciativa das partes nos termos do artº 640º CPC e independentemente do seu êxito ou inêxito, é pacífico que, embora o artº 662º CPC tenha o seu especial campo de aplicação nos erros de julgamento de facto, o Tribunal da Relação, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova e quando encontre motivo para tal, deve introduzir na decisão de facto as modificações que se justificarem, no que se inclui a correcção a título oficioso de patologias que afectem essa decisão.
É que “A decisão da matéria de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento. Umas poderão e deverão ser solucionadas de imediato pela Relação; (…) (…) [um] vício que pode detectar-se (…) pode traduzir-se na integração na sentença, na parte em que se enuncia a matéria de facto provada (e não provada) de pura matéria de direito e que nem sequer em termos aproximados se possa qualificar como decisão de facto.” (cfr. Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, em anotação ao artº 662º).
No caso em análise, descortinamos no ponto 17 dos factos provados uma patologia que importa solucionar.
Trata-se de ponto que apresenta o seguinte teor “17. Sucede que, os supra identificados prédios rústicos, integram o acervo hereditário deixado por morte de OHCAS e MAS”.
Como da sua redacção se verifica, o mesmo encerra uma conclusão de índole jurídica, já que a afirmação de que os prédios integram o acervo hereditário reconduz-se a um juízo jurídico que há-de ser formado com base em factos concretos que o revelem. Acontece que a decisão sobre a matéria de facto deve versar sobre factos, já as conclusões que deles se extraíam têm o seu domínio próprio na exposição jurídica e aplicação do Direito.
Acresce que o facto em causa, nos termos em que se apresenta, contém um juízo jurídico que em si mesmo encerra a resposta a, pelo menos, um dos segmentos da causa de pedir, não revestindo, pois, efectiva natureza factual, mas outrossim jurídica e, por conseguinte, não deve estar presente na decisão de facto.
Deste modo, e por essa ordem de razões, elimina-se da matéria de facto o 17º ponto dos factos provados; eliminação que, constando já do acórdão anteriormente proferido, não foi questionada pelos Recorrentes em sede de revista, tendo-a, aliás, aceite, como se dá nota no Acórdão do STJ.
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Analisemos então agora a impugnação que, em conformidade com o assinalado pelo Colendo STJ, recai sobre os demais pontos da decisão de facto acima mencionados.
Relativamente ao facto provado 21 - «21. Em ano que não se conseguiu apurar, mas anterior a 1980, MAS comprou, por meio de declaração negocial verbal, a JHF e à mulher MLDSF, o prédio rústico descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de …sob o n.º …» - e ao facto provado 22 - «22. assim como, nos mesmos termos, ou seja, por meio de declaração negocial verbal, adquiriu o prédio rústico descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de…sob o n.º…, a MRS e à mulher MCS» - os Recorrentes entendem que não poderiam ter sido dados por provados não transmitindo, contudo, nas páginas das suas alegações que lhes dedicam (págs. 51 a 67 - 1º §) qual o destino que propugnam para tais factos. Mas considerando que os prédios identificados nos factos 21 e 22 são identificados como lotes 3 e 4 e tendo em vista o elenco (não numerado) que apresentam dos factos que em seu entendimento devem ser tidos por provados (cfr. págs. 169-171 das alegações), será de deduzir que para eles propugnam a seguinte redacção MAS não comprou os lotes 3 e 4” (que corresponde ao facto enumerado em 11º lugar a pág. das alegações).
Tratando-se da proposta de um facto negativo e que se contrapõe ao facto enunciado em 3º lugar naquele elenco Os prédios 3 e 4 foram adquiridos pelo Reu marido no ano de 1982, com capitais próprios, por compra verbal a JF e MR”, que tem correspondência com o facto não provado e., que deste modo se alcança pretenderem os Recorrentes ver dado por provado, logo se vê que os factos 21 e 22 deverão ser analisados sob a perspectiva de se deveriam ser tidos por não provados e, concomitantemente, provado o facto e..
Sustentam-se os Recorrentes na prova documental relativa ao registo predial, dizendo que “Em 1980 os lotes estavam registados em nome de FJ, pessoa a quem o R. marido em 1982 compra os lotes.” (cfr. pág. 52 das alegações).
Acontece que, no caso, os documentos relativos ao registo predial são insusceptíveis de fundar qualquer convicção probatória porque nos autos estão em causa alegadas compras e vendas verbais, não formalizadas, estando precisamente em causa o afastamento da presunção resultante do artº 7º do CRPredial.
Por outro lado, entendem que a resposta àqueles factos se terá fundado exclusivamente nas declarações da interveniente principal e que estas seriam contraditadas pelos depoimentos de MASF, RSFPA, PJSN e VM.
Na sentença sob recurso, apesar de não ser estabelecida uma relação escorreita entre os factos e os meios de prova em que se fundou a convicção para cada facto ou bloco de factos conexos, é possível discernir o seguinte : a primeira testemunha, viúva de MRS, MCRS, apesar das evidenciadas dificuldades de audição e problemas de memória, não obstante não se recordar a quem o marido vendeu o Lote 3 da Quinta … recordava-se de que a venda foi feita com intervenção do Sr. F – e uma vez que este também vendeu o lote 4 é plausível, pelas regras da lógica, concluir que as vendas tenham ocorrido na mesma altura – e a dado passo referiu que a venda foi feita ao Senhor da Quinta, e noutro passo saber tratar-se de pessoa também de nome S, e disse “nós comprámos e pagámos e vendemos e recebemos” transmitindo uma imagem de um negócio toma lá dá cá, sem formalismos. Por sua vez a quinta testemunha FDF, filho de JHF e MLDSF, já falecidos, dá contexto ao depoimento acabado de citar; disse que os pais eram donos do lote 4 e que esse lote de terreno foi vendido ao pai do Réu – isto é a MAS – embora não sabendo a data, sabe que a venda ocorreu porque sempre esteve presente e conhecedor das coisas da vida dos pais e eles da sua, mais tendo revelado ter a certeza que o pai lhe disse que vendera ao pai do Sr. AS e, por isso estar aborrecido  por receber muitas cartas para a limpeza desse terreno quando o lote já não era seu; aspecto que por si é também revelador de que a compra e venda realizada entre o Senhor F e o pai do Réu marido não foi formalizada, portanto verbal, assim se justificando que aquelas cartas continuassem a ser remetidas para o titular inscrito. Por outro lado, referiu ainda que MRS, que era inquilino do seu pai e era proprietário do terreno ao lado do terreno daquele - portanto, o lote 3 - na mesma altura que o seu pai vendeu ao pai do AS também MRS vendeu o seu lote de terreno ao pai do R. AS.
E confrontado com as cartas de 2017 para a Sra. Notária que realizou a escritura de justificação, tendo como remetentes os seus pais, disse que não são da autoria dos seus pais, ainda que admitindo que a assinatura possa ser deles, pois “o Sr. AS e o advogado que foi com ele, ou a pessoa que foi com ele, aproveitaram-se da ignorância de dois velhotes … isso foi uma aldrabice que fizeram com os meus Pais…”, mostrando-se exaltado e indignado com o aproveitamento da vulnerabilidade dos seus falecidos pais (cfr. se fez notar na sentença) e ouvido o seu depoimento é patente a autenticidade do sentimento manifestado.
Essas duas testemunhas têm um conhecimento muito próximo dos factos, não têm qualquer interesse no litígio nem relações de amizade ou proximidade com as partes, não havendo razões plausíveis para pôr em causa a sua isenção. E apesar de não serem capazes de situar no tempo os eventos, os seus depoimentos são claros quanto a que os lotes 3 e 4 foram vendidos na mesma altura, e verbalmente, ao pai do R. AS.
Nesse conspecto, porque com elas coincidentes, dão sustento e  credibilidade às declarações da Interveniente, permitindo firmar nestas declarações os detalhes de que as testemunhas não foram capazes, sendo assim possível definir que essas compras verbais realizadas pelo pai MAS a JHF e mulher MLDSF e a MRS e mulher MCS terão ocorrido na época referenciada pela Interveniente, cerca de 1976, mas porque incerta essa data o Tribunal a quo, na procura de uma definição temporal segura, estabeleceu que as mesmas ocorreram “Em ano que não se conseguiu apurar, mas anterior a 1980”.
E os depoimentos de que os Recorrentes se socorrem, nomeadamente nos trechos transcritos, não têm a virtualidade de abalar o que ficou consignado como provado nos factos 21 e 22 e correspondentemente não provado no facto e., sendo que as sexta e sétima testemunhas - netos do falecido MAS, sobrinhos do Réu marido, primos dos Autores e filhos da Interveniente - MASF e RSFPA, apesar da falta de conhecimento de pormenores que os Recorrentes lhes apontam, apresentaram depoimentos que, ao invés de infirmarem o que ficou consignado nos factos ora em causa, antes os corroboram numa panorâmica geral embora com desconhecimento de alguns detalhes, o que, atentas as regras da experiência da vida, se afigura natural atento o contexto próprio em que os jovens tomam conhecimento da história familiar.
Por conseguinte, os factos provados 21 e 22 e o facto não provado e.), com eles conexionado, devem manter-se tal como se encontram.

Quanto ao facto provado 23 - “… e fê-lo, porquanto MAS pretendia expandir a denominada “Quinta…”, o que anunciou e logrou, adquirindo estes dois prédios rústicos, adjacentes à sua propriedade, e supra referida em 18)“ – os Recorrentes encetaram uma análise do depoimento de RSFPA, das declarações de parte da Interveniente e das declarações de parte da A. IM - às quais o Tribunal a quo deu crédito - com vista a descredibilizar a ideia da “Quinta…” como um todo. É quanto claramente consta do início da sua explanação acerca deste facto (cfr. pág. 67 das alegações)
Afirmam que a testemunha RSFPA “mente; antes de mais porque o avô quando comprou a Quinta … já o loteamento estava feito e já ele o conhecia. Tanto assim é que em 1976 compra e escritura os lotes 5, 6 e 7.” (cfr. 1º § de pág. 68 das alegações); quanto à Interveniente afirmam que a mesma bem sabe “…que as suas declarações não correspondem à verdade” (1º § de pág. 71 das alegações); e relativamente às declarações de parte da Autora IM dizem que contrariamente ao por ela mencionado “Nas fotografias da Quinta consegue perfeitamente identificar-se a Quinta e o loteamento. – vide docs. 1 a 5 juntos pela IP que correspondem a 5 fotografias onde é visível, identificável e identificado, o loteamento contíguo à Quinta …”, fotografias essas que, de acordo com o alegado em 29º do articulado da Interveniente sem que tenha merecido impugnação, foram capturadas em Dezembro de 2021, não retratando o espaço à época a que se reporta o facto 23, o qual remete para ao tempo da aquisição dos lotes 3 e 4 por MAS.
Os Recorrentes vão afirmando a inverdade do referido pela testemunha RSFPA, pela Interveniente e pela A. IM, apresentando a sua própria narrativa factual, mas não indicam um único meio de prova de onde resulte que o por aquelas afirmado não tem adesão à realidade. Limitam-se a dizer que mentem. Será a sua percepção, mas esta é insuficiente para pôr em causa a credibilidade do depoimento testemunhal prestado e a consistência conferida às declarações das partes por esse mesmo depoimento e, especialmente, nada aporta de útil para infirmar o que concretamente consta do facto provado 23.
Afirmam os Recorrentes que “Os lotes 3 e 4, darem-se por adquiridos por MAS – facto 18 e 23, é meramente conclusivo sem qualquer suporte probatório quer testemunhal, quer documental.” (cfr. pág. 67 das alegações).
Mas como vimos acima acerca da apreciação da impugnação dos factos provados 21 e 22 (e associadamente do facto não provado e.), a prova documental é, no caso, inconsequente, e a prova testemunhal sustenta a aquisição dos lotes 3 e 4 por MAS.
 Socorrem-se os Recorrentes do depoimento do Sr. Dr. MFBSSP, amigo de longa data do R. AS, depoimento que o Tribunal a quo acaba sintetizando como “…muito descritivo sobre assuntos irrelevantes para a matéria controvertida, quiçá numa manobra de “confusão”, admitiu saber de poucos factos de forma directa e pessoal, senão através do próprio Réu e de pessoas já falecidas, procurando de forma quase evidente “descredibilizar” testemunhas já ouvidas, como são exemplo os netos do Sr. S, filhos da HF, ou o filho do Sr. F, ou a esposa do Sr. MS ..”, o qual, portanto, por si só, desacompanhado de outros meios probatórios, de pouca utilidade se revestirá, e socorrem-se os Recorrentes ainda das declarações de parte do Réu, nas quais o Tribunal a quo detectou contradições e incongruências.
Não tendo os Recorrentes adiantado argumentos firmados noutros meios probatórios de molde a debelar essa convicção do Tribunal e levar a concluir pela maior credibilidade daquele depoimento testemunhal e veracidade destas declarações de parte do R. em detrimento dos meios de prova que foram considerados na resposta ao facto 23, deve este manter-se inalterado.

No que toca ao facto provado 24 – “Na sequência da aquisição desses dois prédios rústicos, MAS retirou as demarcações, à época existentes, e que separavam as diferentes propriedades, integrando os referidos prédios rústicos na “Quinta …” – a impugnação dos Recorrentes consiste no que se transcreve:
«Como vimos não pode ter-se por provado que após a aquisição dos lotes 3 e 4, por parte de MAS, este os anexou à Quinta ...
Não foi produzida qualquer prova quanto à desmarcação dos lotes 3 e 4.
O que foi produzida foi prova quanto à marcação dos lotes, em vida e com o conhecimento do pai, por parte do Reu AS, quanto aos lotes 3 e 4
É ele quem manda demarcar a sua propriedade, quando inicia as suas diligencias para os vender e, como consequência diligencias para os legalizar.
Foi isso que de forma verdadeira e clara A.. disse ao Tribunal. Foram-lhe encomendados os marcos, por volta de 2005, com a iniciais AS, que inequivocamente identificou como AS [o Réu], os colocou, pagou e foram colocados na presença do pai que bem sabia que não eram dele, e que os marcos tinham aquelas iniciais, sem qualquer oposição porque sabia que os lotes eram do filho.
Não corresponde assim à verdade que M.. tivesse consciência que os lotes eram seus; não. Ele, tal como os outros filhos, tinha conhecimento e consciência de que os lotes eram do filho AS.
E quanto ao conhecimento por parte dos familiares, esta bem demonstrado nos autos o conhecimento que têm do local; não da zona social da Quinta, mas da Quinta propriamente dita.
Não pode dar-se como provado, até porque contrariado entre irmãos, que o avô lhes tivesse contado, sempre, a história da sua vida de negócios; das compras e vendas que fez, a quem, como e quando.
Não é verdade dado que confrontados e chamados a concretizar o seu saber, as respostas são evasivas e o refúgio é “o meu avô sempre disse”, sempre foi assim, como um todo.
MAS não comprou os lotes 3 e 4, não retirou qualquer marca e, o negócio verbal a que alude o tribunal não foi celebrado por MAS, mas sim pelo Reu AS
O tribunal não usou da isenção que lhe é exigível na apreciação da prova.
Como veremos o Tribunal considerou que o Reu não logrou provar ter adquirido os prédios porque não tem nenhum documento que o prove. O Reu comprou verbalmente, pagou não se lembra bem como, mas admite ter sido em dinheiro. Isso para o tribunal não foi credível.
Não é verdade e o tribunal não pode dar como provados factos meramente alegados pelas partes sem que se faça prova dos mesmos e com base nessas declarações infira dai que o reu não comprou os lotes 3 e 4 , antes sim o pai, diz o tribunal em data anterior a 1980; diz a I.P. no ano de 1976, e com essa compra retirou os marcos dos lotes 3 e 4
Não foi produzida qualquer prova testemunhal ou documental que permitisse ao tribunal concluir que MAS comprou os lotes e, retirou as suas marcações.
Não há qualquer fundamentação para a prova deste facto.»

Como se vê, a impugnação relativamente ao facto provado 24 consiste apenas na transmissão da própria convicção dos Recorrentes e da sua narrativa factual. Não se sustentam em qualquer meio probatório para debelar esse facto 24.
Poderá dizer-se, numa perspectiva benigna, que a sua impugnação a este facto decorre de:
- não ter resultado provado que MAS tenha adquirido os lotes 3 e 4;
- ter resultado provado que o Réu AS procedeu a aposição de marcos nesses lotes com as suas iniciais, o que se mostra conexionado com o facto não provado a.), também impugnado -  “a. - O Réu marido procedeu à delimitação dos dois prédios rústicos, supra identificados e em crise [isto é os lotes 3 e 4], com relação aos lotes 2 e 5, com aposição de marcos, que ainda lá existem” - que os Recorrentes propugnam seja tido por provado com a seguinte redacção “O Réu marido procedeu à delimitação dos dois prédios rústicos designados por lotes 3 e 4 [nos] anos de 2004/2005, com aposição de marcos com as suas iniciais “AS”, para tanto se baseando no depoimento de Ar..S, PJN e Dr. MP (cfr. conclusões D a F).
Quanto ao primeiro fundamento ele não tem acolhimento porquanto, como já vimos acima aquando da apreciação da impugnação dos factos 21 e 22 (e conexamente do facto não provado e.), a prova documental é, no caso, inconsequente, e a prova testemunhal sustenta a aquisição dos lotes 3 e 4 por MAS.
Quanto ao segundo, o mesmo assenta num elemento factual com marcado relevo para a posição defendida pelos RR. na sua apelação, qual seja as iniciais do Réu na aposição de marcos, mas que não foi por eles alegado em qualquer parte da sua contestação, constituindo um facto novo, sendo que o Tribunal de recurso não pode atender a factos que não tenham sido oportunamente alegados e subordinados ao julgamento de primeira instância. Acresce que, como já acima dito, o depoimento do Dr. MP reveste-se de poucos conhecimentos directos – com excepção dos factos relativos à sua intervenção profissional e por isso directa – tendo algumas ideias, especialmente por transmissão do seu amigo AS, manifestadas pela frequente expressão “acho” e “tenho impressão”, e os Recorrentes não trazem quaisquer elementos/argumentos que contrariem as generalidades e vacuidade desse depoimento, que permitam fazer concluir afinal pela consistência do conhecimento da testemunha, designadamente quanto ao concreto aspecto factual ora em causa.
Relativamente ao depoimento de PJN (2ª testemunha inquirida), o Tribunal a quo não o achou credível, quanto a ele se referindo na sentença “Logo no inicio do seu depoimento, esta testemunha revela “nervosismo” e descreve a factualidade de forma algo confusa e pouco credível”, “descreveu a localização geográfica desses dois lotes de terreno, os Lotes 3 e 4, em 2005, de forma confusa, revelando dificuldades na explicação da razão e modo como os identificou, senão mediante a explicação do Réu marido” e “revelando que único “marco identificativo”, era um muro junto à estrada, e o muro de delimitação do Lote 2”, aspectos reveladores de que não havia marcos delimitadores dos lotes 3 e 4, e muito menos com as iniciais AS, caso contrário a testemunha não teria carecido de explicação do R. para os localizar/identificar, não teria tido dificuldade em explicar que identificara os lotes devido à aposição de tais marcos, e seguramente não teria referido que o único “marco identificativo” era um muro junto à estrada e o muro de delimitação do Lote 2.
Já quanto à testemunha Ar…S (3ª testemunha inquirida), se é certo que disse ter sido contactado pelo Réu, em 2003 ou 2005, para a colocação de marcos em dois lotes de terreno e que o fez através da empresa de metalomecânica que tinha à data, é igualmente certo que, tratando-se de trabalho realizado por uma empresa, não deixaria de ser facturado mas o R. não apresentou aos autos qualquer documento relativo à execução desse trabalho - sendo que a prova lhe cabia - e, por outro lado, quanto aos lotes em que terá colocado os marcos a testemunha confiou no que o Réu lhe disse quanto a que lhe pertenciam.
Contudo, a existência de marcos é desmentida pelo que acabamos de assinalar decorrente do depoimento da testemunha PJN, e em especial também do depoimento de VM (9ª testemunha inquirida) que é proprietário do lote 6 da Quinta …, que comprou há 44 anos ao Sr. MAS, época desde a qual tem uma lidação directa e presente no local, que por isso conhece muito bem - contrariamente àquelas outras testemunhas que, de acordo com os seus próprios depoimentos, ali foram uma vez - e descreveu o que conhece dos lotes e a sua demarcação, tendo o mesmo dito que nunca viu marcos nos lotes de terreno em causa e que a existirem eles seriam visíveis do seu lote. Depoimento que, pela consistência da razão de ciência, confere sustento aos coincidentes depoimentos das testemunhas RSFPA e MASF, netos do falecido Sr. MAS, e confere credibilidade às declarações da A. IM e da Interveniente, também no mesmo sentido.
Deste modo se vê inexistirem razões para a propugnada alteração do facto provado 24 e do facto não provado a), os quais se mantêm.

Quanto ao facto provado 25 – MAS não logrou reduzir a escrito, os referidos negócios de compra e venda, verbais, dos referidos prédios rústicos” – a impugnação dos Recorrentes traduz-se no que de seguida se transcreve:
“O tribunal não fundamenta nem nenhuma prova testemunhal foi produzida da qual se pudesse concluir que “não logrou”. O que é não logrou? Essa é a fórmula escrita do artigo 40º da P.I. e que foi dado como provado sob o nº 25
Relativamente ao facto 25 dá o tribunal como provado que MAS não logrou fazer a escritura.
Esta é a fórmula linguística usada pelos AA. que não está alicerçada na alegação de um qualquer facto impeditivo da realização dessas escrituras. E “não logrou” não comporta a prova de um qualquer facto.
São sinónimos de lograr:
adquirir, alcançar, atrair, avassalar, cativar, domar, dominar, encantar, expugnar, fascinaganhar, obter, seduzir, subjugar, submeter, sujeitar, tomar.
O tribunal dá por provados factos; o que se faz ou não; o que se verificou ou não; o que se observou ou ouviu dizer. Lograr é uma actividade que comporta uma acção ou inacção para a prática de um qualquer evento/resultado. O pai do Réu não fez a escritura destes lotes, segundo a IP todos comprados em 1976, porquê? O que o impediu de o fazer ou qual a motivação subjacente?»

Como se vê, os Recorrentes, na verdade, nenhuma impugnação quanto ao facto apresentam. Discordam apenas da utilização do vocábulo “logrou”.
A utilização desse vocábulo na frase em causa tem o sentido de “não efectuou”, “não realizou”, não afectando o conteúdo fáctico.
Não existindo uma efectiva impugnação do facto objectivo constante desse ponto de facto, deve o manter-se.

Quanto ao facto provado 27 – “Apesar de saber e ter consciência de que os referidos prédios rústicos, não estavam registados a seu favor na Conservatória de Registo Predial, ainda assim, sabia-se, era do conhecimento público e de todos os membros da família, bem como dos vizinhos e amigos, e dos próprios vendedores, que MAS, e esposa, eram os proprietários dos referidos terrenos, conhecidos no seu todo como a “Quinta …” – a reacção dos Recorrentes recai sobre o aspecto relativo à “Quinta como um todo”, sendo a esse respeito que lançam mão do depoimento do neto de MAS, MASF, em trechos que descrevem a composição da quinta, com a sua parte habitacional/social, umas ruínas, uns armazéns, etc, que não se reportam à realidade factual contida no facto em causa; do depoimento de PJSN, em trechos que remetem para a sua visita à Quinta em 2003 e 2005, para fazer notar a existência de lotes na Quinta; do depoimento de Ar…S, igualmente para assinalar a existência de lotes destacados da Quinta; do depoimento da neta de MAS, RSFPA, em trechos em que, diversamente das testemunhas PN e Ar…S, refere a Quinta como um todo, dizendo ”Há um muro de pedra, que circunda a Quinta. Aliás, para nós nem sequer há lotes. A quinta … é a Quinta …. Foi-nos explicado sempre pelo avô que ele comprou a parte do lado onde está o casario onde nós vivíamos, a parte dos lotes veio do nome legal, pronto, foram anexados depois pelo avô. Mas para nós a Quinta é um todo.”; do depoimento de MFASN, igualmente para notar a existência de lotes na Quinta. Para depois irem os Recorrentes concluindo, a passo, “…interessa é que o tribunal não podia dar como provado que os lotes não eram passiveis de destrinça entre a Quinta e os mesmos. Os lotes estavam bem visíveis por todos; aquela faixa de terreno que não se confunde com a Quinta”, “Não pode dar-se como provado que o pai queria comprar tudo, unificar e unificou as compras, incluindo as que não fez…”, “Se tinha a intenção de comprar mais lotes nunca mais o fez. Dá o tribunal como provado que anunciou essa intenção e a concretizou. Não tem o tribunal prova documental, nem testemunhal como veremos de seguida que lhe permita dar como provado tal facto”.
Mas de seguida nada mais dizem, assim terminando a sua impugnação quanto ao facto provado 27 (cfr. págs. 78 a 86 das alegações).
Como se vê, a sua explanação/exposição está toda vocacionada para a demonstração de que havia lotes e por isso a Quinta não era um todo, e que o falecido MAS não comprou os lotes 3 e 4.
Este último aspecto já foi acima escalpelizado aquando da apreciação da impugnação acerca dos factos provados 21 e 22 - tendo-se concluído que a prova testemunhal sustenta a aquisição dos lotes 3 e 4 por MAS - e não é essa realidade factual nem se a Quinta é ou não um todo que está expressa no facto 27 que dizem impugnar.
Este facto versa sobre o animus de proprietário de MAS e esposa e sobre o conhecimento público da sua condição de proprietários; verificando-se que os vários excertos dos depoimentos de que os Recorrentes se socorrem nada aportam a este respeito, não permitindo infirmar o que do facto 27 consta; destacando-se o depoimento de FF e de VM, sem relação familiar ou de especial amizade com as partes, aquele seguro do conhecimento de que os seus pais e os vizinhos MRS e mulher venderam os lotes 3 e 4 ao falecido MAS, e VM, vizinho por há mais de 40 anos ser proprietário do lote 6, o qual afirmou o convencimento de que a quinta era da herança, era dos três, era dos filhos do Sr. S, o que naturalmente resulta da sua vivência no local e traduz a convicção da vizinhança quanto a que o falecido MAS era o proprietário.
Não há assim fundamento para a alteração do facto 27.

No que concerne ao facto provado 28 – “E em momento algum, anterior à sua morte, tendo decorrido mais de 30 (trinta) anos, entre as ditas aquisições dos terrenos e o decesso de MAS, a titularidade desses terrenos foi questionada, fosse por quem fosse, sequer pelo aqui Réu marido, e filho AS.“ – a impugnação dos Recorrentes traduz-se no que de seguida se transcreve:
“Ficou provado que a propriedade nunca foi colocada em causa. É verdade, mas a propriedade o Reu e não do pai do Reu.
Nunca os irmãos, sobrinhos, vizinhos, amigos, vendedores, quem quer que fosse questionou a propriedade do reu.
Não podia o tribunal ter ado o facto provado, enquanto propriedade do pai, uma que que provado deve ter-se que estes lotes nunca foram da propriedade e um qualquer outro S que não o AS.”
Como se vê, os Recorrentes limitam-se a mais uma vez afirmar a sua intima convicção quanto a que os lotes em causa, os 3 e 4, não foram comprados pelo pai mas sim pelo Réu AS, realidade sobre a qual o facto 28 não versa e que foi objecto de análise supra a propósito dos factos 21 e 22, além de que não indicam qualquer meio probatório para sustentar a sua posição quanto a que o facto 28 não deveria ser tido por provado, o que é causa de rejeição da impugnação.
Deve, portanto, manter-se inalterado o facto 28.

Insurgem-se também os Recorrentes quanto a ter-se dado por provado o facto 30, o qual reza:
“30. O Réu marido, na posição de cabeça de casal, e na posse dos documentos relativos aos bens que compunham as heranças abertas e indivisas por óbito dos seus Pais, deparou-se com a seguinte informação constante das certidões prediais dos prédios rústicos que sabia pertencerem aos seus Pais, ainda em maio de 2013, ou seja
a. em relação ao prédio rústico, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de …, sob o número de …, encontra-se a aquisição registada a favor de JHF e da mulher MLDSF, transmitido por ESRC e pela sua mulher BSNRC, pela apresentação … datada de 30 de outubro de 1972, conforme certidão predial, junta como Doc. 13 da PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, e
b. por sua vez, o prédio rústico descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …, tem a aquisição registada a favor de MRS e da mulher MCS, transmitido por ESRC e pela sua mulher BSNRC, pela apresentação … datada de 3 de novembro de 1972, conforme certidão predial junta como Doc. 14 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos feitos legais”.

Reagem a este facto com base em excertos das declarações do R. AS, dos depoimentos testemunhais dos seus sobrinhos RSFPA e MASF, e das declarações da Interveniente, sua irmã HF, de onde se extrai apenas que o Réu desde jovem adulto, cerca dos 23-25 anos de idade, tinha discordâncias com o pai, desde que a mãe faleceu nunca mais visitou a Quinta, e como cabeça-de-casal (por ser o filho mais velho) acabou por não tratar de qualquer assunto porque quando quis fazê-lo já a sobrinha e o irmão, com a respectiva advogada, tinham tratado (cfr. págs. 87 ss.). Donde nada de útil se extrai relativamente ao facto 30, nomeadamente no sentido de o infirmar.
Diga-se que o facto de não mais ter visitado a Quinta desde o falecimento da mãe e de não ter chegado a tratar dos assuntos sucessórios porque quando quis tratá-los já a sobrinha e o irmão se tinham aprestado a fazê-lo [recorde-se que há prazos a cumprir], não significa que não tenha tido conhecimento e acesso aos documentos relativos aos bens que compunham as heranças abertas e indivisas por óbito dos seus pais, designadamente as informações constantes das certidões prediais dos prédios rústicos nºs … e …, que estão em discussão; sendo este aspecto fáctico, e não outro, que se mostra contido no facto 30, e nenhum dos meios de prova (depoimentos e declarações) indicados pelos Recorrentes revelam seja o que for a este respeito, sequer indirectamente.
O que se verifica é que mais uma vez os Recorrentes vão insistentemente afirmando que o Réu AS comprou os lotes 3 e 4, quando essa realidade factual não está em causa neste facto 30.
Não existem, pois, fundamentos para alterar o facto provado 30.

Quanto ao facto provado 31 – “Apercebendo-se de tal, o Réu aproveitou tal situação para proceder conforme supra descrito, em 27 de novembro de 2017” – a impugnação dos Recorrentes traduz-se no seguinte:
“Pior quando o tribunal dá como provado o conhecimento da situação dos imoveis em
2013 e o reu só venha justificar a aquisição em 2017, sendo que ainda em vida do pai
os demarcou – ano de 2007/2008 -, tivesse promovido a sua venda em 2005 e tenha
visitado os vendedores ao longo dos anos para a regularização da situação.
Nunca, mas nunca e em momento alguma tal propriedade foi questionada ou colocada
em crise pelos irmãos ou sobrinhos.
Em sede de negociações de partilha, através dos respectivos mandatários, jamais tais
lotes integraram o acervo a partilhar. Ao contrário do que o tribunal deu como provado,
nunca ninguém concebeu, intuiu, ou qualquer outro pensamento de que a propriedade
não fosse do Reu.
Os documentos a que aludimos supra – as certidões juntas pelos AA como docs 13 e 14
- datam de 23.05.2013.
O que torna interessante que sejam os AA a juntar esses documentos quando na mesma
altura se estava a negociar as partilhas. O que pretendiam os AA e a IP com esta
ocultação destas diligencias quanto aos terrenos do Reu?”

Mais uma vez limitam-se a tecer comentários, a transmitir a sua convicção, e terminam com uma pergunta retórica, mas não indicam qualquer meio probatório que permita sequer intuir em que sustentam a impugnação deste facto e capaz de demonstrar que o mesmo deveria ter merecido decisão diversa, o que constitui causa de rejeição da impugnação.
Deve, portanto, manter-se inalterado o facto 31.

Relativamente ao facto provado 32 – “A Quinta … foi objeto de diversas desanexações, ao longo dos anos, dando origem a diversos prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial de …” – propugnam os Recorrentes (cfr. conclusão EE) que passe a ter a seguinte redacção “A Quinta …, após o loteamento de 12 lotes de 1971, e após a compra de MAS, não foi objecto de qualquer alteração mantendo a sua área inalterada”.
Como se vê, a alteração que os RR. defendem é compatível com o que o consta do facto: houve desanexações ao longo dos anos/loteamento, deu efectivamente origem a diversos prédios rústicos descritos na competente Conservatória do Registo Predial, como revelam os documentos juntos aos autos relativos às diversas descrições prediais.
Não há, portanto, uma real dissidência quanto ao facto, aliás suficientemente difuso ou vago para nele conter o que os RR. defendem.
Inexiste assim uma real e efectiva impugnação, pelo que não há causa bastante para a alteração do facto provado 32, o qual se mantém.

No tocante ao facto provado 33 – “Para quem não tem conhecimento das referidas desanexações, estas não são minimamente identificáveis, visto que não há qualquer demarcação entre os diversos prédios rústicos que compõem a Quinta…, com excepção dos lotes 1 e 2 e do lote 6” – pretendem os Recorrentes que passe a ter a seguinte redacção “Os Lotes destacados da Quinta … são todos distinguidos fisicamente e não se confundem com a Quinta …” (cfr. conclusão EE).
Salvo o devido respeito, o modo como se mostra impugnado o facto 33 denota uma leitura equivocada do mesmo. Na verdade, diversamente do que sugere a posição dos Recorrentes, no facto 33 não se afirma que os lotes, isto é as parcelas desanexadas, não sejam distinguíveis fisicamente, mas sim que para quem não tem conhecimento das desanexações elas não são identificáveis, isto porque não há demarcações, com excepção dos lotes 1, 2 e 6.
Ao facto 33 mostram-se directamente ligados os factos 34 e 35 – 34. A Quinta … é conhecida como um todo, conforme mapa topográfico, junto como Doc. 15 da Pi e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais”, “35. Ou seja, qualquer “ocupação” dos referidos dois prédios rústicos, não é minimamente percetível do exterior, sequer a sua delimitação, a sua desmatação e ou qualquer tipo de intervenção para beneficiação ou conservação” – os quais igualmente vêm impugnados, merecendo uma apreciação conjunta.
Do modo como este conjunto de factos vem impugnado alcança-se que o foco dos Recorrentes se prende com a interpretação de que os restantes lotes - isto é, excluídos os lotes 1, 2 e 6 - fazem parte da Quinta e esta é um todo, direccionando a sua tarefa impugnatória à demonstração de que os lotes se distinguem da Quinta com o único objectivo de demonstrar que os lotes 3 e 4 foram comprados pelo Reu AS e por ele mandados demarcar. É quanto ressalta dos trechos do depoimento de Ar…S, que usam em abono da sua pretensão quanto ao facto 33; dos depoimentos de que se socorrem para sustentar a sua posição quanto ao facto 34, a saber de LAGGC, ao qual dão crédito, de RSFPA e do seu irmão MASF, que entendem ser contraditórios ou divergentes, o que não é correcto – ouvidos os mesmos, eles são em essência coincidentes –, e de CS, para apontar a sua falta de conhecimento; e do depoimento de VM de que lançam mão a propósito do facto 35.
Ora, por um lado, os excertos dos depoimentos apresentados – muitos deles em curtos segmentos truncados e descontextualizados – e os argumentos construídos sobre eles não revelam as razões pelas quais a convicção sobre aqueles factos formada pelo Tribunal a quo com base nesses mesmos depoimentos e na restante prova pessoal, a que também atendeu, deve ser afastada, ou seja não revelam motivos suficientes para fazer concluir que a leitura dos Recorrentes sobre esses factos seja mais conforme à prova produzida do que a alcançada pelo Tribunal a quo, sendo que o Tribunal de recurso só deve proceder à alteração da matéria de facto quando conclua, com a necessária segurança, que a prova aponta em sentido diverso e impõe uma decisão distinta da que foi proferida em 1ª instância, ou seja, quando seja possível firmar uma convicção inabalável sobre a existência de erro de julgamento na matéria de facto, afirmando  Ana Luísa Geraldes[2] a este respeito que “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.”.
Por outro lado, o objectivo último da impugnação destes factos, qual seja demonstrar que os lotes 3 e 4 foram comprados pelo Reu AS e, associadamente, que ele os mandou demarcar, leva-nos a de novo recordar que a questão da aquisição dos lotes 3 e 4 está retratada nos factos 21 e 22 também eles objecto de impugnação acima oportunamente analisada, tal como a questão factual relativa à aposição de marcos pelo Réu se mostra acima tratada e analisada.
Não devem, pois, esses factos 33, 34 e 35 ser objecto de qualquer alteração.

Os Recorrentes impugnam também os factos 36 e 37, os quais se mostram interligados, e aliás referem-se a ambos conjuntamente nas conclusões GG) e HH), das quais se alcança que para o facto 36 sugerem a seguinte redacção ”Em data que não se conseguiu apurar a A. IM foi notificada pela CMVFX para realizar os trabalhos de gestão da faixa de combustível, tendo pedido à Câmara para falar com o cabeça de Casal” e quanto ao facto 37 que “Não se dá como provado que a A. IM tivesse tomado conhecimento da justificação notarial de 2017 em 2019”.
Esses factos rezam assim :
“36. A Autora ILCCSM foi notificada, no âmbito de um processo contraordenacional, em 26 de fevereiro de 2019, na qualidade de coproprietária registral (à data) da Quinta …, da acusação de não ter procedido à realização de trabalhos de gestão da faixa de combustível (desmatação e limpeza) no terreno, conforme Doc. que se junta como n.º 16 e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
37. E foi, precisamente, na sequência da organização de documentos para a preparação da defesa, no âmbito desse processo contraordenacional, que a Autora IM tomou conhecimento, com a análise da certidão predial atualizada, do registo de aquisição por usucapião a favor do seu Tio AS, e ora Réu marido, dos dois prédios rústicos supra identificados e em crise.”

Relativamente a estes factos entendem os Recorrentes que o Tribunal simplesmente deu como provado o vertido no artigo 68º da petição inicial com base no documento 16 junto com esse articulado, o qual “contem um carimbo de data o qual não é visível a data aposta. No canto superior direito encontra-se manuscrito o seguinte “Recebido: 10.04.2019 – 15 dias úteis – Fazer até 23.04.2019”. Mais argumentam que “O Reu junta análoga notificação – Doc. 24 da Contestação– cuja data do oficio também não é perceptível e manuscrito tem a data 06/03/2019 e acima 15 dias, e no canto inferior esquerdo “entregue 04/04/2019”. E referem ainda que “…a morada constante da notificação da A. IM e a constante dos autos - PI - não coincide com a morada declarada ao tribunal”, aspecto que, adiantamo-lo já, é inconsequente, as pessoas podem mudar de residência, a sua residência e a morada fiscal, sempre utilizada pelos entes públicos, podem não ser coincidentes, etc.
Os Recorrentes, além de se espraiarem em argumentos essencialmente relativos a que o Réu, enquanto cabeça-de-casal, é que tratou da desmatação (cfr., por ex., 1º § de pág. 144 das alegações) e de voltarem uma vez mais à persistente afirmação de que “Bem sabem os AA que os lotes são do Reu, bem sabem os autores e, em especial a declarante [referindo-se à A. IM], que as suas declarações são falsas, e bem sabem todos que os lotes são do Reu.” (cfr., também a título de exemplo, 1º § de pág. 145 das suas alegações), no que respeita à matéria contida nos factos em apreço socorrem-se essencialmente das declarações da A. IM para reforçar a posição que defendem quanto à ausência de prova de que a mesma apenas tenha tido conhecimento da justificação notarial em 2019, em resultado da notificação mencionada no facto 36.
Como se vê da redacção do facto 36 ele assenta no documento 16 junto com a petição.
Compaginado o mesmo com o doc. 24 junto com a contestação a que os Recorrentes aludem, é inequívoco que ambas as notificações respeitam ao mesmo processo contraordenacional, pois em ambas se mostra identificado o auto de notícia nº …/18 datado de 21/05/2018 respeitante a infracção verificada em 18/05/2018, e em ambas as notificações a referência do ofício da Camara Municipal é …/CO/2018, numa clara identificação do processo contraordenacional (CO) … do ano 2018.
Acontece que, diversamente do que os Recorrentes parecem sugerir, das anotações manuscritas constantes desses documentos nada se pode extrair pois desconhece-se a autoria das mesmas, e da circunstância de eventualmente o Réu AS ter recebido essa notificação em data diversa da alegada pela sua sobrinha IM também nada se pode extrair, pois estão em causa notificações endereçadas a distintos comproprietários do prédio onde foi verificada a infracção, podendo eles ser notificados em datas distintas e até muito dispares por inúmeros motivos, desde logo por anteriores notificações dirigidas a algum deles, ou até a ambos, não terem sido recebidas e terem obrigado a pesquisa de novas moradas.
O que releva é que, não obstante a data aposta nos documentos e concretamente, no que ora releva, no doc. 16 da petição se mostrar de muito difícil leitura, os ofícios ostentam no canto inferior esquerdo das duas páginas que os compõem o nº do ofício e data em que o mesmo foi elaborado, o que corresponde a prática habitual nos organismos públicos, vendo-se no documento 16 da petição se se trata do ofício …/2019 elaborado em 28/01/2019, sendo que a data da sua expedição é inevitavelmente posterior e aposta por carimbo no rosto do ofício na parte a tanto destinada, que, embora de difícil leitura, ampliando a imagem do documento é possível distinguir-se FEB 2019 embora não se descortine o dia. Portanto, é compatível com a alegada data de 26/02/20219 que foi feita constar do facto 36.
E ouvidas as declarações da A. IM - as quais hão-de ser atendidas por estarem em causa factos pessoais seus, cujo conhecimento por outrem é improvável - muito embora a mesma não consiga localizar no tempo quando teve conhecimento da justificação notarial relaciona esse conhecimento com o recebimento daquela notificação, situando-o em momento ligeiramente posterior por lhe terem sido dadas a conhecer pelas suas advogadas certidões prediais de onde já constava o registo da aquisição, por usucapião, dos lotes 3 e 4 a favor do seu tio AS, ficando então conhecedora da justificação notarial, tendo sido clara em afirmar que tal ocorreu antes do COVID; acrescendo que, contrariamente ao referido pelos Recorrentes a págs. 146-147 das suas alegações a propósito do facto 37 – “Não há um qualquer elemento que possa tornar credível o momento do alegado conhecimento. Nem sequer, e no mínimo, se juntam as tais certidões de 2019.” –, foram efectivamente juntas com a petição certidões prediais obtidas em 2019, concretamente em 05/07/2019 : trata-se dos documentos 7-A e 7-B da petição.
Inexistem assim fundamentos para alterar os factos provados 36 e 37.

No tocante ao facto provado 38 – “Pois, até então, nada o fazia prever, uma vez que o Réu nunca se comportou, em qualquer momento, de forma a fazer crer os seus familiares, que era o proprietário registral desses prédios” – sustentam-se os Recorrentes no depoimento de LC que referiu ter feito a georreferenciação do terreno dizendo “…fiz o levantamento no terreno, ou seja, estou no local a recolher coordenadas georreferenciadas e percorri o terreno todo. Tanto esse como… o último encostado à outra casa também. Pronto, nós estivemos ali, percorremos os lotes todos, não é!”
Este depoimento, no especial segmento de que os Recorrentes lançam mão, é insusceptível de infirmar o que no facto foi consignado. E os familiares do Réu – sendo estes os sujeitos a que o facto se reporta – seja a A. IM, seja a Interveniente H, sejam as testemunhas R e MAF, foram unânimes quanto a que os lotes 3 e 4 foram sempre tidos por ser do falecido MAS, integrando a Quinta.
Mesmo a irmã H, que foi co-parte do Réu AS na acção de anulação do repudio de herança do seu irmão E, tinham o mesmo advogado e mantiveram contacto para lá de 2018, foi surpreendida ao saber da justificação pelo irmão AS, o qual nunca lhe disse nada sobre os lotes 3 e 4 e sobre qualquer pretensão sua sobre eles.
E mesmo na perspectiva em que os Recorrentes apresentam a sua impugnação, a da actuação pública do Réu sobre os lotes 3 e 4, veja-se novamente o depoimento de VM, que é vizinho e proprietário do lote 6 há mais de 40 anos, poucas vezes viu o Réu AS na Quinta, das vezes em que precisou de falar com alguém por causa de alguma coisa relativa à Quinta depois do Senhor S (pai) morrer falava com o Réu AS por ser a pessoa que conhecia melhor, o que revela que até à morte do pai S era com este que tratava do que houvesse a tratar, num claro reconhecimento do seu domínio sobre a Quinta, próprio do proprietário; mais se assinalando que perguntado sobre se nessas situações falava com o Réu AS por considerar que ele era o proprietário, a testemunha VM respondeu “Não, nunca soube que eram realmente os proprietários, porque eu estava convencido que era da herança, era dos três, era dos filhos do Sr. S.” – donde reconhecia o Sr. S pai como proprietário; e perguntado sobre se se alguma vez, antes da morte do Sr. MAS, viu o Réu AS agir como proprietário de alguns lotes ou dar a entender que era proprietário de alguns lotes, a testemunha VM respondeu “Sinceramente, não”; e inquirido pela Mandatária dos Autores «“quando é que ouviu falar desta história pela primeira vez? Foi pela boca do AS?
VM: Que os lotes eram dele?
Mandatária dos Autores: Sim.
VM: Não, nem sequer sabia, quer dizer, vim saber agora. Aliás, desde que fui chamado a Tribunal que eu perguntei porquê.
Mandatária dos Autores: Então, antes disso nunca o viu agir como proprietário de qualquer... daqueles lotes, do lote 3 e 4.
VM: Não, para mim era proprietário sim, mas era um herdeiro, não é?»
Não existem, pois, fundamentos para a alteração do facto 38.

Vem ainda impugnado o facto provado 40 – “O Réu marido deslocou-se a casa de MF [tratando-se de evidente lapso de escrita, querendo referir-se a JHF], acompanhado do amigo e advogado, MP, em várias datas, não concretamente apuradas, mas anteriores a 2017, visando obter as declarações juntas aos autos, a fls. 166 e 166 verso, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;” [tratando-se das cartas subscritas por JF e esposa, dirigidas à Sra. Notária, em resposta à notificação desta nos termos do artº 99º do Cód. Notariado, que constituem o doc. 21 da contestação, junto pelo requerimento do Réu de 14/07/2022].
Facto que é o contraponto do facto não provado h. – “As declarações referidas em 41) [sendo patente tratar-se de lapso de escrita, reportando-se inevitavelmente ao facto 40], foram dactilografadas pelos seus autores” – e do facto não provado i. - “E assinadas de forma livre e com perfeito conhecimento do seu integral teor.”.

Dizem os Recorrentes que “As cartas foram enviadas pela Notaria que realizou a escritura de justificação em cumprimento de determinação legal, as cartas foram recebidas pelos vendedores que manifestaram as suas declarações de concordância com a aquisição e o modo de aquisição.
O tribunal funda a sua convicção numa testemunha que diz que os pais não têm, nem sabem escrever num computador.
Isso não é argumento suficiente para dar como provado que as cartas não foram enviadas pelos vendedores mas sim, por deslocação do Reu com a testemunham MP, “visando obter as cartas”. (…) JF e mulher assinam as cartas que algum terceiro datilografou, enviando resposta à Notaria como se o assunto fosse do seu domínio. Os RR em nada interferiram neste assunto.”
E embora remetam para os depoimentos de MP, PN, LC e para as declarações do Réu não especificam a que concretos aspectos desses elementos probatórios se referem, não indicando os pontos da gravação dos mesmos de que se pretenderiam socorrer, nem apresentam excertos desses depoimentos nem dessas declarações (cfr. pág. 151 das alegações). Transcrevem sim excertos do depoimento da testemunha FDF apenas para concluir que esta testemunha mente, mas na verdade não indicam qualquer meio probatório que sustente a falta de credibilidade de tal depoimento.
As cartas em causa, subscritas por JF e mulher, MLF (doc. 21 da contestação), são no conteúdo e redacção e na própria aparência gráfica similares às subscritas por MRS e mulher MCS (doc. 22 da contestação). Semelhante é também a caligrafia manuscrita nos envelopes dessas 4 cartas nos espaços destinados à identificação e morada dos remetentes e da destinatária, não sendo crível que um membro de algum desses casais tivesse preenchido os envelopes das 4 cartas, sendo até notório que essa caligrafia não tem qualquer semelhança com a caligrafia de qualquer das 4 assinaturas. Mas mais, essas 4 cartas, dos dois 2 casais : F e S, foram expedidas do posto de correios da M.. no mesmo dia 03/10/2017 e à mesma hora 16h, com a diferença de 1 minuto e 25 segundos entre a primeira e a quarta carta: às 16h17m12s, 16h17m46s, 16h18m11s, e às 16h18m37s.
São elementos que conjugados revelam que as quatro cartas foram redigidas pela mesma pessoa, todas foram expedidas num mesmo momento por uma mesma pessoa, diferente de qualquer dos seus subscritores.
Essas cartas, todas 4 com a mesma redacção, mostram-se dactilografadas ou processadas em computador, não tendo certamente sido elaboradas pelo casal F, cujo filho, testemunha FF, foi peremptório quanto a que os pais não saberiam redigir essas cartas e não tinham computador.
Essa testemunha, como acima já tivemos ocasião de assinalar, não tem qualquer interesse directo na lide, nem relação com as partes, residindo aliás no estrangeiro, e a genuinidade e autenticidade do seu depoimento é manifestada pela indignação que o mesmo revelou ao depor acerca deste aspecto, sendo que os Recorrentes apesar de afirmarem que a testemunha mente afirmam-no gratuitamente pois não indicam qualquer meio probatório que sustente a falta de credibilidade desse depoimento.
Veja-se, por significativo o seguinte excerto do depoimento:
“FF: É muito simples. O Sr. AS e o advogado que foi com ele, ou a pessoa que foi com ele, aproveitaram da ignorância de dois velhotes. Não os obrigaram a assinar, mas foi quase a mesma coisa… foi uma aldrabice… isso foi uma aldrabice que eles fizeram com os meus pais, que o meu pai e a minha mãe nunca iam assinar uma coisa a dizer que estavam a vender ao AS quando o meu pai já tinha vendido ao pai dele há muitos anos atrás. Isso foi uma autêntica vigarice. E a razão porque eu vim aqui… perdi um dia de trabalho para vir aqui é em memória dos meus pais, que isso seja esclarecido, porque isso para mim foi uma aldrabice do tamanho deste mundo”
E à pergunta sobre se em 2017 - cerca de dois anos antes do pai falecer e três a quatro anos antes da mãe falecer - os pais, nessa altura da vida deles, sabiam redigir cartas, dactilografadas ou com recurso a computadores, respondeu FF “Não. Recurso a computadores nenhum deles tinha. O meu pai lia muito mal. Lia mal porque puseram-no a pastar cabras quando tinha seis anos de idade, nem à escola foi. Aprendeu a ler pouco. O ler que sabia e escrever foi a minha mãe que lhe ensinou quando casaram, tinham 16 anos.”. E esta realidade, ao contrário do que os Recorrentes parecem querer sugerir, não é infirmada pela circunstância de o Sr. F ter tido negócios (talhos e aviário) e de ao longo da vida ter comprado e vendido propriedades, aliás, como o filho disse, em almoços e jantares, ou seja sempre com informalidade. É que, como a vida revela, não são apenas as pessoas letradas e instruídas que fazem negócios e compram e vendem propriedades.
Ora, atendendo aos vários elementos vindos de citar e tendo em conta que quer a testemunha Dr. MP quer o Réu confirmaram a ida a … a casa do casal F (e também do casal RS) por altura do processo de justificação notarial, são as regras da lógica e da experiencia da vida que permitem dar por provado o facto 40, o qual é insusceptível de ser abalado com os elementos aportados para o efeito pelos Recorrentes, e inerentemente por não provados os factos h) e i) que são contraponto daquele; os quais, por conseguinte, se mantêm inalterados.

De final de pág. 155 a pág. 167 da motivação das suas alegações dedicam-se os Recorrentes a impugnar o facto provado 41.
Contudo, transcorridas as conclusões, que definem e delimitam o objecto do recurso, verifica-se que as mesmas são omissas quanto a tal facto, pelo que, atento o disposto no artº 635º nº 4 CPC, há que concluir que os Recorrentes restringiram tacitamente o objecto inicial do recurso, não contemplando o facto 41.
Por outro lado, pese embora no início das suas alegações enunciem impugnar os factos não provados a., b., c., e., f., h., i. (cfr. pág. 4), na motivação não se lhes referem especificadamente, não indicando qualquer fundamento em reacção aos mesmos, e nas conclusões apenas fazem menção ao facto não provado a. (cfr. conclusão D).
Nesse conspecto apenas nos pronunciámos quanto aos factos não provados a.), e.), h.) e i.), na medida em que se mostram conexionados com factos provados quanto aos quais foi apresentada impugnação. Já relativamente aos factos não provados b.), c.) e f.) não resta se não concluir, de acordo com o disposto no citado artº 635º nº 4 CPC, que também quanto a eles os Recorrentes restringiram tacitamente o objecto inicial do recurso, não os comtemplando.

Aqui chegados, verifica-se ser totalmente improcedente a impugnação da matéria de facto.

No entanto, em virtude da alteração oficiosa supra decidida, a matéria de facto a considerar com vista à reapreciação do mérito da decisão é a acima consignada, com excepção do facto 17.
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Da decisão de mérito, com a improcedência da acção
Com a presente acção os AA. e a Interveniente Principal que a eles se associou pretendem impugnar a escritura de justificação pela qual o R. marido justificou a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre os prédios sitos na Quinta … descritos na 1ª Conservatória do Registo Predial de … sob os nºs …e …, com a consequente declaração de nulidade de tal escritura e cancelamento da inscrição no registo predial a favor daquele.
Mas não só. Pretendem ainda o reconhecimento de que tais prédios são propriedade das heranças abertas por óbito de OHCAS e de MAS, de que AA., Interveniente e R. marido são herdeiros, e a inerente restituição desses bens a essas heranças que permanecem indivisas.

Habitualmente a acção de impugnação de justificação notarial apresenta-se como uma pura acção declarativa de simples apreciação negativa pela qual o A., no confronto com o justificante, visa a declaração da inexistência do direito arrogado na escritura de justificação. Mas as acções podem assumir múltiplas feições, e no caso, como se vê, além do pedido de declaração da inexistência do direito de propriedade justificado (e inerente declaração de nulidade da escritura de justificação), que reveste a natureza de apreciação negativa, vem também formulado um pedido de apreciação positiva, o de reconhecimento de que os prédios objecto da aludida escritura de justificação são propriedade das referidas heranças indivisas.
Por isso, relativamente ao pedido atinente à declaração de nulidade da escritura de justificação e suas consequências registais, porque em causa está a simples apreciação negativa, recai sobre os RR. o ónus da prova dos factos constitutivos do direito objecto de tal escritura (cfr. artº 343º nº 1 CCivil); já quanto ao pedido de reconhecimento e declaração de que o direito de propriedade sobre os prédios pertence às heranças, o ónus de prova cabe aos AA. e Interveniente activa (cfr. artº 342 nº 1 do CCivil).
Postos estes necessários preliminares de ordem processual e de direito probatório, apreciemos então as pretensões em causa.
A impugnação de justificação notarial, como dito, apresenta-se como acção declarativa de simples apreciação negativa pela qual o autor, no confronto com o justificante, visa a declaração da inexistência do direito arrogado na escritura de justificação, recaindo sobre o réu, que nela afirma a aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre um imóvel, o ónus da prova dos factos constitutivos do direito objecto de tal escritura (cfr. artº 343º nº 1 CCivil), não podendo beneficiar da presunção derivada do registo do prédio a seu favor nos termos do artº 7º do Código do Registo Predial, por o registo ter sido feito precisamente com base na escritura de justificação impugnada, impugnação essa que põe em causa a credibilidade do registo e, consequentemente, também a presunção do artº 7° do CRPredial.
Portanto, o que importa verificar é se os RR. lograram fazer prova de que o R. marido adquiriu, por usucapião, o direito de propriedade relativamente aos prédios em causa, conforme consta da escritura de justificação impugnada.
Há que recordar ser o artº 1316º CCivil que estabelece as formas de aquisição da propriedade, nele se prevendo que o direito de propriedade se adquire por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei.
A usucapião, como se sabe, constitui uma forma de aquisição originária de direitos reais de gozo, e como decorre do artº 1287º do CCivil o instituto da usucapião é integrado por dois elementos: a posse de um direito real e o decurso de um certo lapso de tempo.
O artº 1251º do CCivil define posse como "o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real", e a alínea a) do artº 1263º do mesmo código diz que a posse se adquire "pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito". 
O conceito de posse extrai-se, assim, desses normativos, concluindo-se que a posse é formada por dois elementos: o “corpus”, consistente na prática de actos materiais sobre a coisa, e o “animus” (sibi habendi), que se traduz na intenção, por parte de quem os pratica, de exercer tais actos no seu próprio interesse e como correspondência intimista ao respectivo direito real, integrado na sua esfera jurídico‑patrimonial. Ou dito de outro modo, a posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, sendo integrada por (1) um elemento material (“corpus”), que se identifica com o poder de facto sobre a coisa, traduzido nos actos materiais de detenção e fruição praticados sobre ela e correspondentes ao exercício de um determinado direito real, e por (2) um elemento psicológico (“animus”) que se traduz na intenção de agir como titular do direito real correspondente aos actos praticados.
Muito embora a escritura de justificação, como denota o facto 15 dela respigado, não expresse claramente quais os concretos actos materiais que o R. justificante declarou ter exercido sobre os prédios, fazendo essencialmente uso de expressões genéricas habitualmente utilizadas para exprimir os actos de posse, cabia aos RR. alegar e provar os actos materiais praticados sobre e relativamente aos prédios pelo R. marido próprios do proprietário e reveladores de que actuava com a intenção/convicção de o ser.
Da exígua alegação que a esse respeito trouxeram aos autos não só não resultou demonstrada a alegada venda verbal em 1982 referida como causal da invocada actuação do R. marido como proprietário, que se arroga, dos imóveis (cfr. facto não provado e), como não resultou provado que o Réu marido procedeu à delimitação dos dois prédios com aposição de marcos que ainda lá existem; nem que procedeu ou mandou terceiro proceder, a suas expensas, à sua desmatação e limpeza periódicas; nem que tenha procedido a qualquer outro tipo de intervenção para a beneficiação e/ou conservação dos prédios; nem que tenha suportado os impostos a eles respeitantes (cfr. factos não provados a.), b.), c.) e d). Revelam outrossim os factos provados 36 a 38 que até cerca de 26/02/2019 o Réu nunca se comportou, em qualquer momento, de forma a fazer crer os seus familiares que era o proprietário desses prédios.
Não provada a prática de actos materiais do Réu justificante sobre os prédios, indemonstrado está o “corpus”, elemento primordial da posse, por ser ele que a exterioriza e revela. E não se verificando um dos elementos integradores da posse inexiste posse, e sem esta não se preenchem os pressupostos da aquisição por usucapião.
Significa quanto antecede, e com os olhos postos nos factos não provados, que as declarações constantes da justificação notarial não tinham adesão à realidade dos factos e o justificante não adquiriu por usucapião o direito de propriedade que pretendeu justificar através da escritura impugnada, sendo jurisprudência pacífica que quando tal se verifica importa a ineficácia de tal escritura, não produzindo a mesma efeitos por o justificante não ter efectivamente adquirido o prédio por usucapião.
E esse vício da justificação notarial, porque baseada afinal em factos inverídicos, transporta para o subsequente registo essa mesma falta de correspondência com a realidade, conduzindo a que o mesmo deva ser cancelado mesmo sem pedido expresso nesse sentido, como resulta do artº 8º nº 1 do CRPredial.

Por outro lado, não se trata apenas de não ter resultado provada a aquisição do direito de propriedade pelo Réu justificante. No caso vertente resultou positivamente demonstrada a aquisição do direito de propriedade sobre os prédios em discussão pelo falecido MAS, pai do Réu marido e da Interveniente e avô dos AA., tendo estes satisfeito cabalmente o ónus probatório que sobre si impendia, demonstrando os requisitos da aquisição do direito de propriedade por aquele seu antepassado, como de seguida veremos.
A matéria provada decorrente da conjugação dos factos 18 a 24, 27, 28, 32 a 35 demonstra que a Quinta … foi objecto de desanexações dando origem a diversos prédios, e depois de, por escritura de 10/05/1972,  MAS ter comprado o prédio que manteve a designação Quinta … veio o mesmo a adquirir, em data incerta anterior a 1980, os prédios sitos na Quinta … descritos na 1ª Conservatória do Registo Predial de … sob os nºs … e …e identificados como lotes 3 e 4 (cfr. certidões prediais docs. 7-A e 7-B da petição), por meio de declaração negocial verbal aos titulares inscritos, respectivamente, JHF e mulher MLDSF, e MRS e mulher MCS.
Na sequência da aquisição desses dois prédios, MAS retirou as demarcações à época existentes e que separavam as diferentes propriedades, integrando os referidos prédios na Quinta …, de tal sorte que para quem não tem conhecimento das referidas desanexações estas não são identificáveis, visto que não há qualquer demarcação entre os diversos prédios que compõem a Quinta … - com excepção dos denominados lotes 1, 2 e 6 - não sendo perceptível relativamente aos prédios nºs … e … (lotes 3 e 4) qualquer ocupação ou intervenção que os delimite, sendo a Quinta … conhecida como um todo.
Apesar de saber e ter consciência de que os prédios nºs … e … não estavam registados a seu favor na Conservatória de Registo Predial, sabia-se, era do conhecimento público e de todos os membros da família, bem como dos vizinhos e amigos, e dos próprios vendedores, que MAS e esposa eram os proprietários dos mesmos, conhecidos no seu todo como a “Quinta …”, e em momento algum, anterior à sua morte (em 13/09/2010 – cfr. facto 4), decorridos mais de 30 (trinta) anos sobre as ditas aquisições verbais, a titularidade desses prédios por MAS foi questionada fosse por quem fosse, sequer pelo seu filho AS, aqui Réu marido.
Estes factos revelam inequivocamente que desde cerca de 1980 e durante mais de 30 anos até ao seu decesso MAS deu aos prédios nºs … e … a utilização que bem entendeu, integrando-os no todo da “Quinta …”, de forma por todos conhecida, sem oposição, com o reconhecimento público de que desses dois terrenos era dono e senhor.
Estamos claramente em presença de actos do domine sobre o bem, são verdadeiros actos de domínio material e jurídico sobre a coisa, de “quem põe e dispõe” dela, e que apenas se mostram reservados ao proprietário e excluem outrem do hipotético exercício de direito de propriedade sobre o bem, preenchendo de modo manifesto os elementos próprios do “corpus” e do “animus” da posse, podendo quanto a este elemento dizer-se que em face dos actos de domínio material será inquestionável a intenção de exercer os poderes típicos do proprietário em nome próprio porquanto o “animus” de proprietário revela-se por usar total e plenamente a coisa como sua pertença, ao que acresce que, ainda que essa intenção não resultasse demonstrada através desses factos, sempre o “animus” se presumiria, uma vez que a sua prova resulta de uma presunção : o exercício do “corpus” faz presumir a existência do “animus” (cfr. Mota Pinto in “Direitos Reais”, 1971, p. 191; cfr. também artº 1252º nº 2 CCivil).
E essa posse, por morte do possuidor MAS, continua nos seus sucessores desde o momento do seu falecimento e independentemente da apreensão material da coisa (cfr. artº 1255º CCivil). Por outro lado, a conduta do R. marido, celebrando a escritura de justificação em 27/11/2017, sete anos e dois meses após o falecimento de seu pai MAS (cfr. factos 4 e 11), e nada revelando quanto a essa sua conduta (como se alcança da conjugação dos factos 36 a 38), é insusceptível de causar a perda daquela posse, assim como insusceptível de inverter o título de posse (cfr. artºs 1265º e 1267º CCivil), não estando por isso beliscada a posse já há décadas exercida por MAS e prosseguida nos seus sucessores (cfr. citado artº 1255º CCivil).
Aqui chegados olhemos agora para as disposições conjugadas dos artºs 1287º, 1293º “a contrario”, 1296º e 1297º CCivil.
Delas resulta que a posse do direito de propriedade sobre um imóvel, não havendo registo do título nem da mera posse, mantida de forma pública e pacífica por quinze anos, se a posse for de boa fé, ou por vinte anos, se a posse for de má fé, faculta ao possuidor a aquisição, por usucapião, daquele direito, desde que a sua actuação corresponda ao exercício do mesmo.
Compulsando os factos provados com o acabado de expor e em vista dos artºs 1260º nº 1, 1261º e 1262º CCivil bem se vê que MAS exerceu posse correspondente ao exercício do direito de propriedade boa para usucapir, de boa fé e de forma pública e pacífica.
Não havendo registo do título nem da mera posse, atento o disposto pelo artº 1296º CCivil verifica-se que o prazo para se constituir a usucapião no caso em apreço é de quinze anos.
Tendo em conta que a posse se iniciou em data não definida anterior a 1980, por razões de segurança e certeza jurídica reportamos o seu início a 01/01/1980, pelo que concluímos que a usucapião ocorreu em 01/01/1995.
Retroagindo-se, porém, os efeitos da usucapião à data do início da posse (artº 1288º CCivil) conclui-se que o exercício da posse não titulada, de boa fé, pacífica e pública, conferiu a MAS a aquisição do direito de propriedade sobre os prédios descritos na 1ª Conservatória do Registo Predial de … sob os nºs … e … em 01/01/1980, e por conseguinte também a OHCAS com a qual ele era casado no regime da comunhão geral de bens (cfr. facto 1).
Falecida esta em 17/04/1995, deixou como herdeiros o cônjuge sobrevivo, MAS e os três filhos do casal, EMCS, AMCS e HMCSMF (cfr. factos 1 e 2).
Por sua vez, MAS faleceu em 13/09/2010 no estado de viúvo da identificada OHCAS e intestado, deixando como herdeiros os acima referidos três filhos : EMCS, AMCS e HMCSMF (cfr. factos 4 e 5).
As heranças abertas por óbito de OHCAS e de MAS permanecem indivisas (cfr. factos 3 e 6), pelo que os prédios em discussão, descritos na 1ª Conservatória do Registo Predial de … sob o nº … e nº …, integram o património dessas heranças indivisas.
Aqui chegados bem se vê ser de manter a sentença de 1ª instância, o que importa a improcedência do recurso.

III - DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, mantendo-se a sentença de 1ª instância.
Custas a cargo dos Recorrentes.
Notifique.

Lisboa, 05/06/2025
Amélia Puna Loupo
Carla Matos
Ana Paula Olivença
_______________________________________________________
[1] A esposa não é herdeira, dado o regime do casamento : comunhão de adquiridos.
[2]  “Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto”, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, p. 609