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CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO
RENDAS
VALOR
Sumário
Sumário (a que se refere o artigo 663º nº 7 do CPC e elaborado pelo relator): A resolução do contrato de arrendamento por mora no pagamento de rendas, prevista no artigo 1083º nº 3 do Código Civil, não opera de modo automático, em completa independência dos princípios gerais de direito, sejam os relativos à resolução contratual, sejam os relativos à boa-fé no exercício dos direitos e no cumprimento dos deveres. É legítimo julgar infundada a resolução quando o incumprimento parcial da renda seja, na economia do contrato e de acordo com todas as circunstâncias concretas do caso, e nos termos do artigo 802º nº 2 do Código Civil, considerado de escassa importância.
Texto Integral
Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório[1]
A …, nos autos m.id., veio intentar procedimento especial de despejo contra “J. H. ORNELAS & COMPANHIA SUCESSOR, LDA”., também nos autos m.id., invocando a celebração de contrato de arrendamento para fins não habitacionais em 11-09-1957, renda inicial de €4,99 e actualmente de €257,40, através de comunicação da actualização da renda que ocorreu em 05-03-2024, renda essa que passaria a vigorar a partir de maio de 2024. Alega que a Requerida não procedeu ao pagamento do diferencial da actualização da renda devida e vencida entre Maio a Agosto de 2024, encontrando-se em dívida o montante de €66,80, encontrando-se em mora superior a três meses no pagamento da mesma, pelo que resolveu o contrato de arrendamento celebrado através da competente notificação judicial avulsa.
A Requerida apresentou oposição alegando que, em 05-12-2024, foi interpelada através de notificação judicial avulsa e em 10-12-2024, procedeu ao pagamento da dívida e à indemnização prevista no artigo 1041.º n.º 1 do CC, no valor de €118,60, tendo assim posto fim à mora e tornado a resolução do contato ineficaz. Mais invocou abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium” por parte da Requerente, devendo ser condenada em conformidade com o disposto no artigo 15.º-R do NRAU.
A Requerente respondeu ao invocado abuso de direito, alegando ainda que a Requerida invoca factos falsos, devendo igualmente ser aplicada a multa prevista no artigo 15.º-R do NRAU. Mais pugna pela improcedência da oposição apresentada e pela procedência do presente procedimento porquanto, só quando foi interpelada pela notificação judicial avulsa é que a Requerida começou a transferir o valor correcto e que tal não ocorreu entre Maio a Novembro de 2024, não tendo posto termo à mora, pois, à data da notificação judicial avulsa já se encontrava em dívida o valor de €116,90 e já não de €66,80, tendo procedido ao pagamento de tal montante, contudo, não pagou o valor referente à indemnização equivalente a 20% do valor em dívida.
O tribunal entendeu que a discussão dos autos apenas se prendia com matéria de direito, não carecendo de mais produção de prova, tendo-se as partes pronunciado quanto às questões de facto e direito discutidas nos autos.
Foi seguidamente proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto e nos termos de direito invocados, julga-se a presente acção improcedente e, em consequência: a) declara-se que o incumprimento contratual da Requerida é de “escassa importância”, pelo que, inexiste fundamento legal para operar a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, nos termos dos artigos 802.º n.º 2 e 1083.º do Código Civil; b) Absolve-se a Requerente do pedido de abuso de direito e a Requerida do pedido de litigância de má-fé formulado pelas partes; Custas: na proporção do decaimento de cada parte que se fixa em 50% para os Requerentes e 50% para a Requerida (527.º CPC) Valor da causa: fixa-se em €7.722,00 (sete mil setecentos e vinte e dois euros), ao abrigo do disposto nos artigos 296.º n.º1, 298.º n.º1, e 306.º n.º1 e 2 do CPC”.
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Inconformada, a Autora interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
A) Da matéria de facto dada como assente, bem como da decisão recorrida resulta que assiste razão à Recorrente, ou seja que a Recorrida incumpriu o contrato de arrendamento ao não pagar a renda devida no tempo e lugar próprios e não ter posto termo à mora, quando notificada da resolução, nos termos previstos nos artigos nº 3 do artigo 1084º, artigo 1042º e nº 1 do artigo 1041º todos do Código Civil;
B) Contudo veio a Meritíssima Juiz a quo considerar que: «o incumprimento contratual da Requerida é de “escassa importância”, pelo que, inexiste fundamento legal para operar a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, nos termos dos artigos 802.º n.º 2 e 1083.º do Código Civil».
C) É entendimento da Recorrente que na decisão recorrida se procede a uma incorreta interpretação e aplicação do direito, nomeadamente, do previsto no nº 3 do artigo 1083º do Código Civil.
D) Sendo certo que, nem tão pouco, a Recorrida, em qualquer dos articulados, que apresentou nos presentes autos, veio invocar ou fazer tal interpretação, pelo que, não pode deixar de se evidenciar a surpresa da Recorrente com o teor da decisão recorrida;
E) Afirma-se, e bem, na decisão em recurso, que “(…) atendendo aos fundamentos supra invocados e às disposições legais, poderá considerar-se que, o pagamento efectuado pela Requerida– por não integrar o valor de 20% da indemnização devida – não foi suficiente para pôr fim à mora e travar a resolução extrajudicial do contrato de arrendamento em apreço (…)”;
F) Logo, é inequívoca a existência de fundamentos factuais que legitimam a pretensão da Recorrente, mais concretamente a resolução do contrato de arrendamento fundada na mora da Recorrida superior a três meses.
G) Consequentemente, estavam e permanecem reunidos todos os pressupostos de facto que preenchem a previsão da norma prevista no artigo 1083º, nº 3, do Código Civil;
H) No entanto, em violação deste preceito legal, decidiu-se “que inexiste fundamento legal para operar a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, nos termos dos artigos 802.º, n.º 2 e 1083.º do Código Civil”;
I) Tendo tal decisão sido fundamentada no facto de que “nada indica nos autos que a sua actuação da Requerida e não o recebimento do valor da parte das prestações incumpridas tenha prejudicado de forma minimamente relevante os interesses da Requerente”.
J) Acontece, contudo, que de acordo com o regime especial de resolução dos contratos de arrendamento previsto no artigo 1083º do Código Civil, designadamente por falta de pagamento de rendas, previsto no seu nº 3, é totalmente irrelevante o grau de prejudicialidade que resulta para o senhorio desse incumprimento;
K) Quando o senhorio leva a efeito a resolução extrajudicial do contrato de arrendamento com fundamento nas causas previstas nos nºs 3 e 4 do artigo 1083º do Código Civil, por comunicação ao arrendatário, conforme previsto no nº 2 do artigo 1084º do Código Civil, não está obrigado a alegar, por tal não resultar de parte alguma da lei, factos de onde decorra que o não pagamento das rendas por parte do arrendatário tenha prejudicado os seus interesses.
L) Pelo que, num Procedimento Especial de Despejo, atenta a forma com é interposto e tramitado, nunca tal poderá ser comprovado por, pura e simplesmente, não poder, sequer, no requerimento inicial, ser alegado e, só factos alegados, podem ser provados.
M) Tal é assim porque o legislador entendeu que as causas de resolução previstas nos nºs 3 e 4 do artigo 1083º do Código Civil são, só por si, de tal forma objetivamente graves que não carecem de ser fundamentadas ou, sequer, justificadas como, aliás, resulta quase unanimemente, quer da doutrina quer da jurisprudência.
N) A não ser assim e, prevalecendo o que foi decido nos presentes autos, o nº 4 do artigo 1083º do Código Civil, deixava de ter qualquer aplicação porquanto, nestes casos, a renda é sempre paga, fora do prazo, mas paga, muitas vezes até acrescida do 20% previstos no nº 1 do artigo 1041º do Código Civil, pelo que em nada os interesses do senhorio seriam prejudicados, pois aqui nem de um valor exíguo em divida estamos a falar.
O) Ou, mais grave, sempre que estivesse em causa uma renda muito baixa, como ainda acontece em inúmeros contratos de arrendamento, que perduram há longos anos, nunca o contrato poderia ser resolvido com fundamento na falta de pagamento de rendas, pois nunca poderia considerar-se que prejudicaria os interesses do senhorio dado o exíguo valor em causa que este deixaria de receber
P) Se o legislador pretendesse sujeitar as causas de resolução, previstas nos nºs 3 e 4 do artigo 1083º do Código Civil, à avaliação da sua gravidade ou consequências, não as teria tratado de forma autónoma, mas, isso sim, tinha-as integrado no elenco de alíneas previsto no nº 2;
Q) E tinha-as sujeitado a decisão judicial, conforme o previsto no nº 1 do artigo 1084º do Código Civil, onde se poderia avaliar a gravidade e consequências e não à mera resolução extrajudicial, prevista no nº 2 do mesmo artigo, onde tal não é possível;
R) A redação do nº 3 do artigo 1083º do Código Civil é, absolutamente, clara, resultando dai que é uma situação, só por si, de tal gravidade que torna inexigível ao senhorio a manutenção do contrato, sem necessidade de quaisquer outras considerações ou ponderações.
S) Nesse sentido Maria Olinda Garcia, em Arrendamento Urbano Anotado, Regime Substantivo e Processual (Alteração introduzida pela Lei n.º 31/2012), Coimbra Editora, pag. 31, Luís Menezes Leitão, em "Arrendamento Urbano", 9ª Edição, Almedina, 2019, pag. 138-139, Manteigas Martins, Carlos Nabais e José M. Raimundo, em Novo Regime do Arrendamento Urbano, Comentários e Breves Nota, Vida Económica, pag. 172-173 e, até, Albertina Maria Gomes Pedroso, in “A Resolução do Contrato de Arrendamento no Novo e Novíssimo Regime do Arrendamento Urbano”, Revista Julgar, nº 19, 2013, Coimbra Editora, pag. 49 p. 51;
T) Bem como acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 02/05/2019, relatora Albertina Maria Gomes Pedroso, acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18/04/2024, relator Ana Vieira, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23/01/2024, relator José Capacete, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02/02/2021, relator Micaela Sousa e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10/09/2024, relator Cristina Silva Maximiano, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt;
U) Mesmo que se entendesse que se aplicaria o regime geral do incumprimento ao incumprimento previsto no nº 3 do artigo 1083º do Código Civil, ainda assim, não haveria lugar à aplicação do nº 2 do artigo 802º do Código Civil por não estar em causa uma situação de “Impossibilidade do cumprimento”;
V) Com efeito, como facilmente se poderá constatar, o artigo 802º do Código Civil integra a Divisão II cuja epigrafe é “Impossibilidade do cumprimento”, ou seja os artigos desta divisão aplicam-se, apenas e tão só, às situações em que se torne “impossível a prestação por causa imputável ao devedor”, ainda que essa impossibilidade seja apenas parcial, cfr. nºs 1 e 2 artigo 801º do Código Civil;
W) No caso concreto, ficou provado e foi aceite na decisão recorrida, que estamos perante uma situação de “Mora do devedor”, pelo que, a aplicar-se o regime geral, estaríamos no âmbito do previsto nos artigos 804º a 808º Código Civil, Divisão III, cuja epigrafe é, exatamente, “Mora do devedor”, ou seja situações em que “… a prestação, ainda que possível, não foi efetuada no tempo devido” (cfr. nº 2 do artigo 804º do Código Civil).
X) Sendo certo que, de parte alguma dos supra citados artigos 804º a 808º Código Civil resulta qualquer remissão de onde possa resultar a aplicação do previsto no nº 2 do artigo 802º do Código Civil às situações, como a que nos ocupa, em que está em causa a mora do devedor;
Y) Ainda que assim não se entendesse, o que só por mera cautela e dever de patrocínio se admite, sempre se dirá que existiria uma relação de especialidade entre os nºs 3 e 4 do artigo 1083º e nºs 2 a 5 do artigo 1084º do Código Civil e a norma geral do nº 2 do artigo 802º.
Z) Na verdade, os nºs 3 e 4 do artigo 1083º, conjugados com os nºs 2 a 5 do artigo 1084º ambos Código Civil, vieram consagrar fundamentos de resolução, totalmente objetivos, dos contratos de arrendamento quando exista mora do arrendatário quanto ao pagamento da renda, bem como permitir a resolução extra judicial dos mesmos com tais fundamentos;
AA) Ou seja, o legislador estabeleceu normas especiais para a resolução dos contratos de arrendamento, que comportam dois regimes, um judicial (nº 2 do artigo 1083º do Código Civil), outro extrajudicial (nºs 3 e 4 do artigo 1083º do Código Civil), sendo este objetivo e de aplicação imediata dada a gravidade inerente às situações que contempla.
BB) Em face deste regime especial não há lugar à aplicação do regime geral da “Mora do devedor”, constante dos artigos 804º a 808º do Código Civil e, muito menos, do regime geral da “Impossibilidade do incumprimento”, onde se integra o artigo 802º do Código Civil, dado não estarmos perante qualquer impossibilidade de cumprimento da Recorrida, mas, apenas e tão só, de uma situação de mora conforme ficou provado e foi aceite na decisão recorrida.
CC) A não ser assim, ou seja, a aplicar-se o nº 2 do artigo 802º do Código Civil, à resolução prevista no nº 3 do artigo 1083º do Código Civil, deixaria de ter qualquer aplicação o previsto no nº 4 do artigo 1084º do Código Civil às situações como a que nos ocupa.
DD) Em suma, a decisão recorrida violou o previsto nos artigos 1083º, nº 3, 1084º, nºs 2, 3 e 4 e 1042º todos do Código Civil.
Contra-alegou a Requerida pronunciando-se pelo bem fundado da decisão, e invocando a aplicabilidade dos princípios gerais de direito que tornam insustentável a resolução dum arrendamento com décadas de cumprimento pontual, por uma diferença de pagamento de treze euros. Invoca a seu favor o Acórdão do STJ de 21.11.2019.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil - a questão a decidir é a de saber se existe fundamento legal para operar a resolução do contrato de arrendamento.
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III. Matéria de facto
A decisão de primeira instância fixou a seguinte matéria de facto, que não vem impugnada no presente recurso:
“Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão da causa:
1- Por escrito datado de 11-09-1957 e outorgado no Cartório Notarial de Vila do Porto, B …, na qualidade de proprietária, declarou dar de arrendamento à Requerida, representada no acto pelos seus procuradores, a loja do prédio que possui na Rua … …, inscrito na matriz predial sob o artigo … da freguesia de Vila do Porto;
2- Do escrito referido em 1) ficou estipulado entre as partes que “A loja arrendada destina-se a fins comerciais, qual quer que seja explorado ou a explorar pela arrendatária, exceptuadas as industrias incómodas, perigosas ou tóxicas, proibidas por lei.”
3 - Do escrito referido em 1) ficou estipulado entre as partes que “Este arrendamento é feito pela renda de mil escudos, a partir do dia vinte e dois de Julho de mil novecentos e cinquenta e seis, que será paga nesta Vila do Porto à senhoria ou a quem legalmente a representar, no fim de cada mês vencido” e que “o arrendamento tem o seu início no dia vinte e dois de julho de mil novecentos e cinquenta e seis”;
4- Do escrito referido em 1) ficou estipulado entre as partes que “Se o presente contrato se mantiver em vigor durante cinco anos a senhoria fica com a faculdade de acordar com a arrendatária aumento na renda agora estipulada, decorrido que seja este período, se for considerado justificado em atenção ao agravamento do custo de vida ou ao desnível da renda actual, em relação de rendas existentes, nesse tempo a neste meio”;
5- Pela Ap. … de 2020/07/2021, mostra-se inscrita a favor da Requerente, a aquisição, por partilha da herança de B … e C …, o prédio urbano sito na Rua … … n.º …, em Vila do Porto, inscrito na matriz predial sob o artigo … da freguesia de Vila do Porto (anterior …) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Porto sob o n.º … da mesma freguesia;
6 - Por escrito datado de 05-03-2024 e recepcionado pela Requerida em 07-03-2024, a Requerente remeteu uma missiva para a Requerida a informar que “nos termos do disposto no Aviso n.º 20980-A/2023, publicado no Diário da República n.º 210/2023, 1.º Suplemento, Série II, de 2023-10-30, o coeficiente de atualização anual das rendas é de 1,0694. Da aplicação deste coeficiente, no que se refere ao r/chão, para comércio, do prédio urbano sito na Rua … …, n° …, Vila do Porto, resulta que a renda a pagar por V. Exa., durante o ano de 2024 será de 257,40 euros, a qual é devida a partir do dia 1 de Maio de 2024”;
7 – O valor mensal da renda anterior à actualização referida em 6) era de €240,70;
8- Entre Maio a Agosto de 2024, a Requerida entregou à Requerente a quantia de €962,80;
9 - Em 05-12-2024, por Notificação Judicial Avulsa, através da Sra. Agente de Execução D …, foi a Requerida notificada da resolução do contrato de arrendamento em virtude de mora superior a três meses, pelo não pagamento da renda devida nos meses de Maio, Junho, Julho e Agosto de 2024, encontrando-se em dívida o montante de €66,80;
10 – Da referida Notificação Judicial Avulsa consta o seguinte “a menos que a Requerida ponha termo à mora no prazo de um mês, a Requerente irá, findo este prazo, intentar, contra o mesmo, competente procedimento especial de despejo, nos termos da al. e) do n.º 2 do artigo 15.º do NRAU”;
11 – Entre maio de 2024 e Novembro de 2024, a Requerida procedeu ao pagamento mensal do valor de €240,70, em 09-12-2024, a Requerida procedeu ao pagamento da renda do mês de Dezembro no valor de €257,40 em 08-01-2025, a Requerida procedeu ao pagamento da renda do mês de Janeiro no valor de €257,40;
12 – Em 10-12-2024, a Requerida procedeu ao pagamento da quantia de €118,60 (cento e dezoito euros e sessenta cêntimos), indicando no descritivo do comprovativo de transferência “diferencial das rendas de maio a novembro €116,90 Juros de mora 1,70”;
13 – Em 10-02-2025, a Requerida pagou à Requerente o valor €23,38;
B) FACTOS NÃO PROVADOS
Não resultaram factos não provados com interesse para a decisão da causa.
O tribunal não irá pronunciar-se quanto aos demais factos constantes do requerimento inicial e da oposição, em virtude de constituírem matéria conclusiva, irrelevante ou de direito”.
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IV. Apreciação
Considerou-se na sentença recorrida, e citamos:
“Dispõe o artigo 1110.º do Código Civil que “As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no presente artigo e no seguinte.”
Em primeiro lugar, verifica-se que, quanto à resolução do contrato, as partes nada estabeleceram contratualmente.
Em segundo lugar, as disposições legais constantes da subsecção VIII do Código Civil referente às disposições especiais do arrendamento para fins não habitacionais, nada referem quanto à resolução do contrato, pelo que, em cumprimento do disposto naquele artigo, aplicar-se-á, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação.
Vejamos então as disposições legais quanto à resolução do contrato de arrendamento para habitação.
No âmbito do regime de arrendamento urbano, o locatário (neste caso a Requerida, na qualidade de arrendatária), encontra-se obrigado, perante o locador (neste caso, a Requerente) ao cumprimento das obrigações constantes do disposto no artigo 1038.º do CC, nomeadamente a al. a) pagar a renda ou aluguer;”.
Quanto ao pagamento da renda, para além do previsto no artigo 1039.º n.º 1, dispõe o artigo 1075.º n.º 2 do CC que “na falta de convenção em contrário, se as rendas estiverem em correspondência com os meses do calendário gregoriano, a primeira vencer-se-á no momento da celebração do contrato e cada uma das restantes no 1.º dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito.”
Como bem prevê o artigo 1083.º n.º 1 do CC “Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.”
Nos termos do n.º 3 daquele artigo, “É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo seguinte”
Ora, do exposto resulta que a falta de pagamento das rendas é um dos fundamentos legais de resolução pelo senhorio do contrato de arrendamento, por traduzirem situações, quer pela sua gravidade ou consequências, tornam inexigível a manutenção do arrendamento.
Nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do CC “a resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista nos n.ºs 3 e 4 do artigo anterior bem como a resolução pelo arrendatário operam por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida.”
Dispõe o artigo 9.º n.º 7 do NRAU (Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro) que “a comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efetuada mediante: a) Notificação avulsa;”
Da factualidade dada como provada, resulta que, em virtude da comunicação operada pela Requerente à Requerida, quanto à actualização da renda, a mesma passou a ser no valor de €257,40, a partir de 01 de Maio de 2024, ao invés do valor de €240,70 (pontos n.ºs 6 e 7 dos factos provados).
Sucede que a Requerida continuou a pagar o valor anterior à actualização entre Maio e Agosto de 2024 (ponto n.º 8 dos factos provados) e não o valor correspondente à renda actualizada.
Em virtude desse facto, resultou igualmente como provado que a Requerente procedeu à Notificação Judicial Avulsa, concretizada em 05-12-2024, por forma a resolver o contrato de arrendamento, em virtude de mora superior a três da Requerida no pagamento do valor da renda, correspondente ao diferencial de valor entre as mesmas, entre Maio e Agosto de 2024, em cumprimento do disposto no NRAU quanto à comunicação destinada à cessação do contrato por resolução.
Ora, a mora consiste no atraso no cumprimento da prestação devida. O devedor considera-se em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido (artigo 804.º, n.º 2 CC).
A mora do arrendatário quanto ao pagamento da renda em atraso verifica-se independentemente de interpelação, porquanto se trata de uma obrigação que tem prazo certo (alínea a), do n.º 2, do artigo 805.º CC).
Atendendo a tal factualidade, não há dúvidas que, o não pagamento de uma renda, o pagamento por valor inferior ao devido ou o atraso no seu pagamento, integram uma situação de mora do arrendatário quanto ao pagamento da mesma.
Ora, dispõe o artigo 1041.º do Código Civil que “1- Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 20/prct. do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento. 2. Cessa o direito à indemnização ou à resolução do contrato, se o locatário fizer cessar a mora no prazo de oito dias a contar do seu começo.”
Nos termos do n.º 1 do artigo 1042.º do Código Civil “O locatário pode pôr fim à mora oferecendo ao locador o pagamento das rendas ou alugueres em atraso, bem como a indemnização fixada no n.º 1 do artigo anterior.”
Já o artigo 1048.º n.º1 do Código Civil, refere que “O direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer, quando for exercido judicialmente, caduca logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da ação declarativa, pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do artigo 1041.º” e o n.º4 do mesmo artigo prevê que “ao direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer, quando for exercido extrajudicialmente, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 1084.º”
Em especial, no que concerne ao arrendamento para habitação, dispõe o n.º 3 do artigo 1084.º do CC que “A resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário, nos termos do n.º 3 do artigo anterior, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de um mês”.
Atendendo ao caso concreto e face à resolução extrajudicial operada, não estamos perante o n.º 1 do artigo 1048.º do CC, nem a oposição no procedimento especial de despejo pode ser considerada para aplicação de tal preceito, que prevê a caducidade do direito à resolução quando o locatário proceda ao pagamento das somas devidas e indemnização até ao termo do prazo da contestação.
Na verdade, este preceito é apenas aplicável quando esteja em causa uma acção e despejo onde se pretenda que opere a resolução e não no caso, como ocorre nos autos, em que a resolução já se operou por aplicação do artigo 1084.º n.º 2 do CC [veja-se caso semelhante no Ac. TRL 04-07-2024 Relator Gabriela de Fátima Marques].
Nesse conspecto, a resolução do contrato em causa, operou-se extrajudicialmente, com fundamento na falta de pagamento das rendas de Maio a Agosto de 2024, pelo que, para que a resolução ficasse sem efeito, teria a Requerida de pôr fim à mora no prazo de um mês a contar da comunicação, em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 1084.º do CC.
Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 1042.º do Código Civil, o locatário pode pôr fim à mora oferecendo ao locador o pagamento das rendas ou alugueres em atraso, bem como a indemnização fixada no n.º 1 do artigo 1041.º do Código Civil e que corresponde a 20 /prct. do que for devido.
Assim, a resolução do contrato pode cessar/ficar sem efeito, caso a arrendatária purgue a mora, no prazo de um mês a contar a comunicação, efectuando o pagamento do valor em dívida acrescida da indemnização de 20%, o que, in casu, corresponderia ao valor de €66,80 – correspondente ao diferencial de renda não pago entre Maio a Agosto de 2024 – acrescido do valor de €13,36 – correspondente à indemnização de 20% do valor em dívida, o que perfaz a quantia total de €80,16.
Sucede que a Requerida, em 10-12-2024 procedeu ao pagamento da quantia de €118,60 (ponto n.º 12 dos factos provados).
Ora, do respectivo descritivo de transferência de pagamento consta o seguinte: “diferencial das rendas de maio a novembro €116,90 Juros de mora 1,70”;
Dispõe o artigo 783.º n.º1 do Código Civil que “se o devedor, por diversas dívidas da mesma espécie ao mesmo credor, efectuar uma prestação que não chegue para as extinguir a todas, fica à sua escolha designar as dívidas a que o cumprimento se refere.”
Assim, resulta dessas normas, que no que à imputação do cumprimento respeita, deverá atender-se em primeiro lugar, ao acordo das partes, ainda que tácito. Na falta de acordo, prevalece a regra da imputação pelo devedor, com limitações (as previstas no n.º 2 do artigo 783.º), por forma a que não resulte violado o interesse legítimo do credor.
Antunes Varela3 escrevia que “de harmonia com o princípio da liberdade negocial, a primeira indicação a considerar para o efeito será a do acordo (expresso ou tácito) das partes (art. 783º, nºs 1 e 2). Na falta de acordo, a lei confere ao devedor, quando a prestação por ele efectuada não baste para extinguir todas as obrigações, a faculdade de designar as dívidas a que o cumprimento se refere.”
Efectivamente, verifica-se que o devedor, neste caso a Requerida, designou as dívidas a que o cumprimento se referia, nomeadamente ao diferencial das rendas de maio a novembro € 116,90 Juros de mora 1,70.
Pelo que, tendo o devedor efectuado a designação das dívidas a que o cumprimento se refere, não poderá operar a regra supletiva prevista no artigo 784.º do Código Civil.
Ainda que no âmbito da Notificação Judicial Avulsa efectuada e da resolução extrajudicial do contrato, os fundamentos da mesma apenas se prendiam com as rendas entre Maio e Agosto de 2024, não albergando tal fundamento, a falta de pagamento das rendas entre Setembro a Novembro, o que é certo é que foi vontade expressa da Requerida, aquando do pagamento daquele valor, que o mesmo se reportava ao pagamento do diferencial das rendas entre Maio a Novembro de 2024 e aos respectivos juros de mora, nada referindo quanto ao pagamento da indemnização de 20% devida.
Sem prejuízo do elemento literal da declaração negocial expressada, nos termos do artigo 236.º n.º 1 do Código Civil, um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário (Requerente), pode deduzir do comportamento do declarante (Requerida), que o mesmo – com a sua conduta – expressou e demonstrou a sua vontade quanto à escolha e designação das dívidas a que aquele cumprimento se referia.
Pelo que, ainda que tais rendas que a Requerida pagou (Setembro a Novembro) não tenham sido fundamento da comunicação extra-judicial para efeitos de resolução do contrato, o que é certo é que a Requerida pretendeu liquidá-las com o pagamento daquele montante, com o intuito de pôr fim à mora quanto aos mesmos.
Por maioria de razão, não poderá considerar-se o seu contrário, ou seja, que a Requerida tenha querido proceder ao pagamento da indemnização de 20% tal como alega no seu articulado, não restando dúvidas que, o pagamento efectuado e descrito no ponto n.º 12 dos factos provados, não integrava o direito à indemnização no montante de 20% do valor em dívida.
Nesse conspecto, por forma a bloquear a resolução do contrato, impunha-se à Requerida pôr termo à mora no prazo de um mês, através do pagamento do valor em dívida acrescida da respectiva indemnização, o que, no entender deste Tribunal, a mesma não o veio a fazer, quanto ao pagamento da referida indemnização, uma vez que o mesmo não integrava o pagamento que efectuou (ponto n.º 12 dos factos provados).
Ora, atendendo aos fundamentos supra invocados e às disposições legais, poderá considerar-se que, o pagamento efectuado pela Requerida – por não integrar o valor de 20% da indemnização devida – não foi suficiente para pôr fim à mora e travar a resolução extrajudicial do contrato de arrendamento em apreço, nos termos dos artigos 1041.º n.º 1, 1042.º n.º 1, 1048.º n.º 4 e 1084.º n.º 3 todos do Código Civil.
Sucede, porém que, no entender do Tribunal, os fundamentos de resolução do contrato de arrendamento constantes do n.º3 do artigo 1083.º do Código Civil não operam de forma automática, sendo tal enumeração exemplificativa e mera concretização da cláusula geral4 constante do n.º 2 do mesmo artigo.
O legislador da Lei n.º 6/2006 retirou a taxatividade das causas de resolução que vigorava no regime anterior, introduzindo, porém, no proémio do n.º 2 do artigo 1083.º um alargamento dos fundamentos de resolução legal, inserindo uma cláusula geral resolutiva que se funda na justa causa, a qual se encontra exemplificada nas suas várias alíneas.
Portanto, face ao NRAU não basta alegar e provar o fundamento (tipificado, ou não na nova lei) da resolução do contrato, impondo-se, ainda, alegar e provar que tal situação preenche a aludida cláusula geral (indeterminada) resolutiva, ou seja, que a conduta do arrendatário é de tal forma grave que “pela sua gravidade ou consequências torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”.
É verdade que, “sendo a renda a obrigação principal do sinalagma contratual que impende sobre o arrendatário por força do preceituado nos artigos 1022.º, in fine, e 1038.º alínea a), ambos do CC, facilmente se compreende que o legislador considere que o incumprimento de tal obrigação por um período temporal igual ou superior a três meses quebre tal vínculo sinalagmático, tornando inexigível ao senhorio que continue a cumprir a respetiva obrigação principal de proporcionar ao arrendatário o gozo da coisa, prevista desta feita na primeira parte do referido artigo 1022.º e no artigo 1031.º, alínea a), daquela codificação. Estamos, pois, perante a consagração legal de um fundamento de resolução que opera pela verificação de um incumprimento considerado pela lei como objetivamente grave, e que torna inexigível ao senhorio a manutenção da relação contratual, sendo dispensável o recurso à ação de despejo.”5
Contudo, importa apreciar se a mora em causa nos autos atinge a gravidade ou consequências que torne inexigível à Requerente a manutenção do arrendamento.
E tal apreciação deverá materializar-se no contexto do incumprimento e na economia do contrato, por forma a apurar se o incumprimento da Requerida é ou não significante à luz do interesse unitário da Requerente.
Em primeiro lugar, constata-se que, a origem do fundamento da resolução do contrato, teve por base o não pagamento do diferencial das rendas, na sequência da actualização das mesmas, reportando-se ao valor €16,70, por cada renda, pelo que, se está perante um incumprimento parcial da renda e não um incumprimento do valor total, pelo período de 4 meses.
Em segundo lugar, para além do valor devido ser parcial e relativamente diminuto, atento ao valor global da renda, verifica-se que, no momento em que a Requerida foi notificada da resolução do contrato através da Notificação Judicial Avulsa, a mesma procedeu ao imediato pagamento do valor de €118,60 que, ainda que não integrasse o valor de 20% da indemnização, tal pagamento integrava rendas que – ainda que vencidas – não foram fundamento da resolução do contrato no âmbito da comunicação extra-judicial operada através da NJA.
O que significa que, tais rendas vencidas não foram abarcadas pelo fundamento de resolução convocado pela Requerente, cabendo a esta, relativamente às rendas vencidas excluídas do fundamento de resolução aqui apreciado (e caso as mesmas não tivessem sido pagas pela Requerida), o direito de suscitar nova resolução extra-judicial ou judicial com fundamento em tais rendas, não podendo o presente procedimento especial de despejo apreciar a resolução do contrato com base no eventual não pagamento daquelas rendas.
Em terceiro lugar, não obstante o pagamento pela Requerida das rendas vencidas e que foram fundamento da resolução do contrato e bem assim das demais que se encontravam excluídas da resolução, a Requerente avançou com a presente acção por forma a fazer operar – definitivamente – a resolução do contrato, por não lhe ter sido paga a respectiva indemnização de 20% do valor em dívida, e que corresponde ao valor de €13,36, o que se mostra igualmente diminuto.
Com interesse a respeito dos critérios de valoração do incumprimento parcial, dispõe o artigo 802.º, n.º 2, do CC, que “o credor não pode resolver o negócio se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse tiver escassa importância”.
Tem sido defendido na doutrina6 que o artigo 802.º, n.º 2 do CC, “consagra um juízo valorativo de uma possibilidade resolutiva com base num incumprimento parcial significante e num interesse unitário (…) do credor e que se exclui “a resolução (total ou parcial) nos casos de incumprimento insignificante ou com «escassa importância» e introduzem assim (invocando o princípio da boa fé ou o critério do abuso do direito) limites «normativos» ao exercício do direito de resolução”, avançando que “num sistema geral de exercício resolutivo por mera declaração (art. 436.º, n.º 1, do CC), a secundarização do papel do juiz na apreciação da significância ou insignificância da «perturbação» contratual parcial pode ser atenuada por iniciativa do devedor, quando julgar que a sua culpa deve ser excluída (em nome do princípio da boa fé) ou puder invocar a irrelevância do seu incumprimento ou o incumprimento equivalente do seu credor.”
Nesse conspecto, e considerando que a apreciação da relevância do incumprimento da Requerida se situa na fase da admissão da resolução, deverá balizar os princípios gerais de boa-fé entre as partes no âmbito do cumprimento das obrigações contratuais.
Ora, atendendo aos pontos factuais supra referidos, entendemos que o incumprimento parcial da Requerida mostra-se de escassa importância, atendendo à economia do contrato, à durabilidade do mesmo (há mais de 68 anos), ao interesse unitário da Credora na parte da prestação que ficou em falta e aos deveres gerais de boa-fé, quando, para além de as quantias devidas serem diminutas face ao valor da renda, a Requerida procedeu ao pagamento das mesmas (e de outras quantias que não se integrariam no fundamento da resolução do contrato) dentro do prazo de um mês, pelo que, na óptica da Requerente, estaria apenas em causa o não pagamento da indemnização de 20%, que justificou a abertura do presente procedimento especial com vista à efectivação das consequências legais da resolução do contrato, reportando-se tal indemnização ao valor de €13,36, sem prejuízo de, na presente data, estarem todas as quantias liquidadas (pontos n.ºs 11, 12 e 13 dos factos provados).
Atentos os princípios da boa fé e do dever de cumprimento integral e pontual do contrato que impendem sobre ambas as partes, tendo a Requerida recebido já aquele valor, a mora no cumprimento por banda da arrendatária configura um incumprimento contratual insignificante, que não assume o grau de gravidade fundador da inexigibilidade da manutenção do contrato de arrendamento, já que uma execução contratual de boa fé deve atender aos interesses recíprocos dos contraentes [Nesse sentido, Ac. TRE 23-11-2023 Relator Albertina Pedroso e TRP 18-02-2019 Relator Miguel Balaia de Morais].
Efectivamente, ainda que tenha estado em causa o não pagamento pontual pela arrendatária dum diferencial de renda mensal €66,80, certo é que a Requerida – após a notificação judicial avulsa – passou a liquidar a renda em conformidade com a actualização comunicada, promoveu o pagamento da quantia em dívida – não só relativamente aos meses que fundamentaram a comunicação extrajudicial como dos meses seguintes – e já procedeu – ainda que tardiamente – ao pagamento da indemnização correspondente dos 20% do valor em dívida.
Ademais, nada indica nos autos que a sua actuação da Requerida e o não recebimento do valor da parte das prestações incumpridas tenha prejudicado de forma minimamente relevante os interesses da Requerente.
Tal como defendido nos referidos Acórdãos, “a previsão contida no nº 2 do artigo 802º do Código Civil é aplicável ao contrato de arrendamento, posto se trata de um princípio geral da resolução dos contratos que as normas específicas da locação não afastam, fundando-se no princípio geral expresso no nº 2 do artigo 762º do mesmo diploma legal. Trata-se de uma válvula de segurança que obsta à resolução do contrato de arrendamento - ficando, por isso, excluída a aplicação dos normativos que fundamentam tal resolução - sempre que, mesmo que em termos técnicos a situação provada constitua fundamento legal de resolução, a parcela não cumprida da prestação traduza um prejuízo de “escassa importância” para o senhorio.”
Pelo que, determinar a resolução do contrato de arrendamento com fundamento em incumprimento que se reputa como de “escassa importância”, tal seria injustificado e manifestamente desproporcional, porque contrário aos ditames da boa-fé.
Face ao exposto e sem necessidade de mais considerações, declara-se que o incumprimento contratual da Requerida é de “escassa importância”, pelo que, inexiste fundamento legal para operar a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, nos termos dos artigos 802.º n.º2 e 1083.º do Código Civil[2]. (fim de citação da sentença recorrida).
Na essência do presente recurso temos apenas para discutir se a invocação do fundamento de resolução descrito no artigo 1083º nº 3 do Código Civil opera de forma absolutamente independente e indiferente ao regime geral da resolução dos contratos, aflorado mais em concreto para o caso do arrendamento, nos nº 1 e nº 2 do preceito. Como se, a partir duma qualquer mora no pagamento da renda, neste caso, desde que pelo tempo descrito no nº 3, se tivesse de imediato de concluir pela legalidade da resolução que o senhorio, com tal fundamento, quisesse operar. Como uma resolução que o legislador haja querido desligar de qualquer outra circunstância, característica ou ressonância de quaisquer princípios jurídicos.
A sentença mostra-se bem fundamentada, pelo que a secundamos, e resolve, desde logo, uma questão que opôs as partes, a de saber se o valor pago para por fim à mora inclui ou não o valor da indemnização de 20%. Resolve tal questão através das regras jurídicas sobre a imputação dos pagamentos às dívidas: - se o devedor imputou o pagamento às diferenças entre a renda antiga e a actualizada durante mais meses do que aqueles que foram considerados/invocados como fundamento de resolução, então o montante pago não foi suficiente para cobrir também a indemnização.
É certo que a sentença também dá conta, e valora, aquilo que é absolutamente evidente nestes autos: - o fundamento da resolução invocado/comunicado é por menos diferenças de rendas em mora e o valor total pago para fazer cessar a mora e caducar o direito potestivo de resolução, excede em muito os 20% da indemnização. E se apenas, portanto, o devedor não houvesse descrito os títulos de dívida pelos quais dividia o montante pago, se apenas o devedor se houvesse limitado a pagar as diferenças relativas aos quatro meses que foram invocados como em mora – 66 euros – acrescido de mais 13 euros de indemnização, nenhuma discussão haveria de ter-se nem em primeira instância nem em recurso. Com este cenário, mais que manifesto é que não tem qualquer sentido, qualquer utilidade económica nem qualquer justificação fazer cessar um contrato de arrendamento que dura desde 1957 por um valor em falta de 13 euros e mais alguns cêntimos, sem alegação de qualquer outro incumprimento ao longo das décadas que durou o contrato.
Mas, não havendo ampliação do objecto do recurso de modo a contrariar-se a tese do tribunal (e a da requerente, na resposta à oposição) sobre a imputação da dívida, nada podemos censurar.
Assim, a questão é mesmo restrita à não conformação da recorrente com a tese do tribunal recorrido que julgou que a resolução não tinha fundamento legal, pelos termos concretos do fundamento invocado e em face da recondução da resolução prevista no nº 3 do artigo 1083º do Código Civil à cláusula geral de resolução, processada pela consideração de que o incumprimento parcial é de escassa importância, conceito consagrado no artigo 802º do mesmo Código.
A recorrente cita uma série de acórdãos a seu favor, os quais, todavia dizem o que sabemos e é pacífico: - na economia do artigo 1083º do Código Civil, o regime do nº 3 dispensa a prova da gravidade necessária para fundar uma resolução contratual, declarando o legislador que não é exigível ao senhorio manter o contrato de arrendamento perante a violação da obrigação principal do arrendatário, de pagar a renda. Certo, o legislador considera que o não pagamento de renda, pelo tempo previsto na norma, é suficientemente grave para que o senhorio possa resolver o contrato. Ao possibilitar a operação extrajudicial da resolução neste caso, sem dúvida que o legislador atribui um direito potestativo ao senhorio, e expressamente também estabelece que o mesmo direito cede se o arrendatário cumprir a obrigação em falta num tempo subsequente legalmente definido.
Repare-se que, nesta última parte, estamos a falar dos mecanismos legais da titularidade do direito potestativo e do modo como se consagrou à contraparte um direito à ineficácia daquele direito. Porém, o que é basilar, é que para se poder afirmar que alguém é titular de um direito potestativo, as condições em que esse direito se forma têm de verificar-se.
Melhor analisando – e sendo que em matéria de interpretação jurídica procuramos além do mais não nos quedar pelo simples sentido literal, antes tentamos reconstruir o pensamento do legislador segundo os cânones do artigo 9º do Código Civil – o que o nº 3 do artigo 1083º refere, como condição, é o não pagamento da “renda, encargos ou despesas”.
O legislador não se pronuncia expressamente sobre o não pagamento de parte da renda. É o intérprete que vai convocar uma outra norma jurídica, cujo intuito normativo não está ligado especificamente aos interesses em jogo no arrendamento, a saber a norma que diz que a prestação – qualquer que seja – tem de ser cumprida integralmente.
Perceba-se então que não podemos defender a independência de uma norma, pelo seu texto, do contexto sistemático do preceito em que se insere, nem podemos defender a sua independência relativamente a todas as outras normas que fazem parte do sistema jurídico, nem podemos entender uma específica e intensa vontade legislativa num determinado sentido sem a utilização das expressões que inequivocamente demonstrem essa vontade.
A pergunta é: - o legislador do NRAU quis, entendeu, que era mesmo muitíssimo relevante o interesse do senhorio em receber a renda, de tal modo que se faltasse durante três meses o pagamento de um cêntimo em cada renda mensal, o senhorio teria o direito potestativo de resolver o contrato? Foi esta a lógica, foi este o interesse social e económico que o legislador quis proteger, foi esta a maneira como instrumentou a paz social, fim último do sistema jurídico? Foi para isto que o legislador estabeleceu a imperatividade das normas relativas à resolução do contrato de arrendamento?
A resposta é não. Porque para o objectivo último, mas sempre presente, de pacificação social, não se concebem – senão como manifestamente contraproducentes e radicalmente perigosas – soluções jurídicas absurdas e iníquas.
Mas o legislador não se presume inteligente e conhecedor do sistema jurídico na sua globalidade, e por isso, não deve entender-se que não precisava de expressar um fundamento que abrangesse também o incumprimento parcial do pagamento da renda? Sim, mas também se presume que o legislador sabe exprimir-se na melhor utilização da língua portuguesa, e que tem conhecimento dos modos – e das expressões e técnicas a utilizar – para legislar correctamente.
Não estamos, entenda-se, a dizer que o incumprimento parcial não é, em abstracto, fundamento de resolução. Estamos a demonstrar que a norma do artigo 1083º nº 3 do Código Civil não é autossuficiente nem pode ser lida desligada dos princípios gerais do funcionamento do ordenamento jurídico.
No caso concreto, vemos ainda como o intérprete, a saber o julgador de primeira instância, foi convocar uma outra norma, que nada tem com a questão do arrendamento nem com os interesses em jogo que o legislador haja querido acautelar, que é, como já se referiu, a norma jurídica relativa à imputação do pagamento à dívida. Convocação que foi feita, como também já dissemos, a inteiro benefício da senhoria.
Mais uma razão para entender que a leitura, interpretação e sobretudo a aplicação de uma norma jurídica, seja o artigo 1083º nº 3 do Código Civil, não se faz isoladamente.
Devendo então presumir-se que o legislador tem conhecimento, e usa, os princípios gerais de direito – para chegar a uma solução lógica, coerente, sistemática e eficiente – é manifesto que não podemos perspectivar o direito potestativo à resolução e o direito à ineficácia dele, por via do pagamento da dívida acrescido de indemnização, sem a rede de protecção que é a disciplina geral da resolução dos contratos, e ainda mais, sem o apelo à regra basilar do exercício do direito e do cumprimento do dever de acordo com os ditames da boa-fé.
Como se sabe, a resolução é remédio/libertação que o legislador concede àquele que cumprindo, não é recompensado pelo cumprimento da sua contraparte negocial – e é isto que é concretizado para o caso do arrendamento no referido artigo 1083º do Código Civil – se, evidentemente, a não recompensa, o grau de ofensa à satisfação do direito próprio, for significativa, for grave, se tornar intolerável, isto é, romper, perigar, a paz social, onerando excessivamente e sem qualquer justificação uma das partes, assim, finalmente, injustiçada.
Estamos assim com a sentença recorrida quando sistematiza, radica e enquadra a resolução a que se refere o nº 3 do artigo 1083º do Código Civil, na lógica da resolução prevista nos números anteriores do preceito e mais especificamente no nº 2 do mesmo preceito.
Só assim conseguimos chegar a uma interpretação coerente com a, e respeitadora da unidade do sistema jurídico, que simultaneamente serve de válvula de escape que garante a eficácia da satisfação legislativa dos interesses em jogo.
Estamos em crer que basta o recurso à cláusula geral da “gravidade ou consequências” que tornam “inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento” para, no caso concreto, de um arrendamento com quase 70 anos de duração, sem nota de qualquer outro incumprimento, com um valor de diferencial de renda, entre renda antiga e renda actualizada, de €16.70, por 4 meses, no valor global de €66,80, se concluir que inexistia o fundamento capaz de constituir o direito potestativo de resolução. Não é defensável que esta solução inviabilize o direito de resolução no caso de rendas baixas, porque não estamos a falar de rendas baixas, estamos a falar de um diferencial de actualização de renda em concreto, relativamente a um enquadramento concreto – duração contratual, ao qual são inoponíveis considerações meramente abstractas.
A sentença, como vimos, avançou para a consideração de um outro conceito jurídico – incumprimento parcial de escassa relevância – considerando que o efectivo valor pelo qual a autora pretendeu a desocupação era apenas de cerca de 13 euros, correspondente à indemnização de 20% sobre o valor dos diferenciais de renda de quatro meses.
Fez a sentença apelo ao artigo 802º nº 2 do Código Civil, ao que a recorrente opõe a inaplicabilidade derivada do conceito de escassa importância se inserir nas disposições que regulam a impossibilidade da prestação e não a mora do devedor.
Não tem razão. Como se lê no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.11.2019, processo 1668/17.4T8PVZ.P1.S1 (Rel. Conselheiro Bernardo Domingos):
“I – O disposto no nº2 do art.º 802º do CC, constitui um afloramento do principio geral do direito de que no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé e por isso não pode deixar de ser aplicável ao contrato de arrendamento. II – Sendo o incumprimento parcial, objectivamente de escassa relevância para o credor, não lhe assiste o direito de resolver o contrato com tal fundamento. (…)”.
No texto do referido acórdão lê-se ainda:
“No acórdão recorrido (…) a Relação apreciou a questão de saber se, mesmo estando preenchidos os requisitos (técnicos) que integram o fundamento de resolução por falta de pagamento de rendas, a dimensão do incumprimento da ré arrendatária (duma pequena parte das rendas devidas), será obstáculo a que se decrete a resolução do ajuizado contrato de arrendamento, por aplicação da regra enunciada no nº 2 do art. 802º.
Analisando tal problemática, considerou que «..contrariamente à posição sustentada pela apelante, não se antolha razão válida que obstaculize o recurso ao aludido normativo em matéria arrendatícia, pois o mesmo encerra um princípio geral do direito das obrigações, rectius, um princípio geral da resolução dos contratos.
Dispõe o referido normativo que “[O] credor não pode, todavia, resolver o negócio, se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver escassa importância”.
Assim, de acordo com tal comando normativo, se aquilo que o contraente deixou de satisfazer apresentar para o outro escassa importância, a faculdade de resolução deve considerar-se excluída, sendo que, a este propósito, a doutrina pátria[4] tem enfatizado que esta disposição se funda no princípio geral, expresso no nº 2 do art. 762º, de que as partes, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem proceder de boa-fé.
Daí que, em concretização desse princípio, se venha entendendo[5] que o nº 2 do art. 802º constitui uma válvula de segurança que obsta à resolução do contrato sempre que, sem embargo da verificação técnica de um fundamento legal de resolução, a parcela não cumprida da prestação tiver um carácter insignificante, na perspectiva do senhorio, sendo que a afirmação dessa “escassa importância” deve ser aferida por um critério objectivo: a gravidade do incumprimento resultará da projecção do concreto inadimplemento (da sua natureza e da sua extensão) no interesse actual do credor, ou seja, deverá ser aferido pelas utilidades concretas que a prestação lhe proporciona ou proporcionaria.
(…)
A recorrente pugna pela inaplicabilidade da disciplina constante do nº 2 do art.º 802º do CC, fundamentalmente por considerar que o regime legal da resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, designadamente quando, como é o caso, a mora é superior a quatro meses, é um regime excepcional que não consente sequer a caducidade do direito com o depósito previsto no art.º 1041º do CC e muito menos a aplicação do regime geral.
(…) não tem razão quando sustenta que não pode fazer-se apelo ao regime geral de resolução dos contratos e muito menos ao regime constante do nº 2 do art.º 802º do CC, reportado ao incumprimento ou impossibilidade de cumprimento parcial e que “o credor não pode resolver o negócio, se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver escassa importância”.
Sabemos que há quem defenda que a mencionada regra apenas se aplica aos contratos de execução instantânea, excluindo os de execução continuada, como o contrato de arrendamento, por se entender que nestes um incumprimento, ainda que de menor importância, pode legitimar a resolução se, pela sua natureza, e pelas circunstâncias de que se rodeou, for de molde a fazer desaparecer a confiança do credor no cumprimento das prestações subsequentes. Ao que acresce o facto de o contrato de arrendamento ser celebrado intuitu personae, estando-lhe subjacente uma relação de confiança recíproca entre os contraentes, que resultaria abalada com um incumprimento, mesmo parcial. Entendem os defensores desta tese que neste âmbito não há espaço para a valoração pelo devedor, pelo credor ou pelo juiz, da gravidade da violação contratual, para, em função do resultado dessa apreciação, admitir ou excluir o direito de resolução.
E quando admitem que se possa ponderar a gravidade do incumprimento, como pressuposto do direito de resolução, relacionada com algumas das obrigações que emergem do contrato de arrendamento, já não a admitem quando esteja em causa a prestação fundamental do arrendatário, considerando como tal o pagamento da renda convencionada, dado que a mora deste superior a três meses, na economia jurídica do contrato, perturba sempre de forma grave a relação contratual e torna inexigível a manutenção do contrato de arrendamento (art. 1083.º/3).
Argumentam que o entendimento contrário conduziria ao resultado absurdo e indesejável da exclusão do direito de resolução no tocante a contratos de arrendamento com rendas de valor baixo, insignificante ou mesmo vil.
Assim, não haveria razão para com base no diminuto valor da prestação devida não satisfeita, recusar ao senhorio o direito de resolução do contrato[6].
Ao invés e tal como se decidiu no acórdão recorrido, entendemos que a mencionada norma é aplicável ao contrato de arrendamento, por se tratar de um princípio geral da resolução dos contratos que as normas específicas da locação não afastam, antes aceitam, conforme decorre do n.º 1 do art. 1083º/1 CC, ao dizer que “qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte”, dessa forma aceitando o princípio geral contido no n.º 2 do art. 762º: “No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”.
Tal como se decidiu no acórdão recorrido e na jurisprudência aí citada, também o acórdão da RP de 17.04.2008, Proc. 0831655 disponível in www.dgsi.pt, considerou que a aplicabilidade da mencionada norma constitui uma válvula de segurança que obsta à resolução do contrato de arrendamento, sempre que, mesmo que em termos técnicos a situação provada constitua fundamento legal de resolução, a parcela não cumprida da prestação traduza um prejuízo de “escassa importância” para o senhorio[7].
Também este Supremo Tribunal já teve o ensejo de se pronunciar sobre a matéria tendo-o o feito no sentido da aplicabilidade da regra estabelecida no art.º 802º nº 2 do CC. Com efeito ponderou-se no acórdão do STJ, de 3.7.1997, publicado no BMJ nº 469, pág. 486 e seguintes, proferido sobre caso de resolução de contrato de arrendamento que do disposto nos artigos 762º nº 2 (“no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”) e 334º do Código Civil (“é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”), resulta que “o direito de resolução conhece como limite o incumprimento parcial, atendendo ao interesse do credor, apreciado através de «critério objectivo», ser de escassa importância, de tal sorte que aquela gravosa consequência, a da resolução do contrato, face aos ditames da boa fé, deixa de encontrar justificação”.
O disposto no nº2 do art.º 802º do CC, constitui um afloramento do principio geral do direito de que no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé e por isso não pode deixar de ser aplicável ao contrato de arrendamento. E sendo aplicável, temos de concordar que, no caso dos autos tal normativo tem plena aplicação e não consente o reconhecimento do direito à resolução do contrato de arrendamento celebrado entre a A. e a 1ª ré, porquanto o incumprimento da ré, no contexto do contrato e dos montantes envolvidos é objectiva e indiscutivelmente de escassa importância e consequentemente não pode reconhecer-se ao A. o impetrado direito de resolver o contrato de arrendamento, como bem se decidiu no acórdão recorrido”. (fim de citação).
Concordamos integralmente, é vital para o sistema jurídico, é imperioso para a sua coerência e teleologia.
Mesmo que, no caso concreto, disséssemos que o único mecanismo para afastar a resolução extrajudicial fosse o pagamento das quantias em dívida acrescido da indemnização de 20%, e que portanto já não nos situássemos na constituição do direito à resolução, mas sim na constituição do direito (do arrendatário) em tornar a resolução ineficaz, ainda aqui teríamos de voltar a convocar os princípios gerais de direito, e concretamente o princípio da boa-fé, que se aplica tanto ao exercício do direito quanto ao cumprimento do dever, para sancionar um equilíbrio contratual: - não pode invocar-se que o pagamento feito pelo arrendatário não satisfez os interesses do senhorio que se encontravam insatisfeitos pela mora, não conseguindo assim tornar ineficaz o direito de resolução, quando materialmente, economicamente, monetariamente, tais interesses foram mesmo satisfeitos, pois que certo é que o que fundamentou a resolução foi apenas a mora por quatro meses, sendo irrelevante para a resolução operada, que o arrendatário não tenha liquidado ainda as diferenças de renda por mais alguns meses. E como se viu, no caso concreto, a senhoria aproveitou a mora, num aproveitamento que já não pertencia ao fundamento que havia invocado, para baseando-se na imputação do pagamento, vir a juízo pretender um despejo em função dum remanescente de dívida de 13 euros.
Em suma, não encontramos qualquer razão para discordar da sentença recorrida, nem para concordar com os fundamentos do recurso, o qual julgamos improcedente.
Tendo nele decaído, é a recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.
*
V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso e em consequência confirmam a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
Lisboa, 05 de Junho de 2025
Eduardo Petersen Silva
Cláudia Barata
Vera Antunes
_______________________________________________________ [1] Beneficia do relatório da sentença recorrida. [2] As notas de rodapé do trecho da sentença transcrito são:
3 in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 3ª ed., págs. 56 e 57;
4 NRAU, ARRENDAMENTO URBANO, Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa 2009, págs. 375, 409 a 413.
5 Cfr. ALBERTINA PEDROSO, no estudo intitulado A RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO NO NOVO E NOVÍSSIMO REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO, in Revista JULGAR, n.º 19, pág. 51;
6 José Carlos Brandão Proença In A RESOLUÇÃO DO CONTRATO NO DIREITO CIVIL, DO ENQUADRAMENTO E DO REGIME – reimpressão, Coimbra Editora, 2006, págs. 110 a 113 e VAZ SERRA, de um lado, que “só admite a resolução total quando a prestação parcial não tiver qualquer interesse para o credor”, e de outro, a ANTUNES VARELA e BAPTISTA MACHADO, que dão resposta positiva à questão.