REVELIA OPERANTE
MANIFESTA SIMPLICIDADE DA CAUSA
FUNDAMENTAÇÃO SUMÁRIA DA SENTENÇA
Sumário

I - A «manifesta simplicidade da causa» a que alude o artigo 567º nº 3, do Código de Processo Civil, ocorre nos casos em que o juiz se limita a verificar se os factos alegados e o direito invocado na petição inicial suportam, sem qualquer duvida, a pretensão deduzida.
II - Nessa situação, de revelia operante, pode a sentença na sua fundamentação limitar-se a remeter para os fundamentos de facto e de direito constantes da petição inicial.

Texto Integral

Proc. 12080/24.9T8PRT.P1





Sumário:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


AA e BB demandaram CC e DD, formulando pedido de resolução cessação do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas e subsequente condenação dos réus a entregar o imóvel livre de pessoas e bens no pagamento das rendas vencidas e vincendas até entrega do imóvel.
Os réus citados, regularmente, não contestaram no prazo legal.
Foram declarados confessados os factos articulados na petição inicial, por força do preceituado no art.º 567.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Sequentemente foi proferida a seguinte sentença:
(…)
“Atento o disposto no art.º 154.º, n.º 1, do Código de Processo Civil - a lei que permite o mais nos pedidos não controvertidos (falta de fundamentação) permite o menos (fundamentação por remissão) –, adiro à fundamentação de facto e à fundamentação de direito alegada na petição inicial.
Pelo exposto, julgo a ação procedente e condeno os réus no pedido formulado”.


DESTA SENTENÇA APELARAM OS RR QUE FORMULARAM AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
I – O presente recurso tem como objeto a matéria de direito, concretamente a arguição de nulidade da sentença que sofre do vicio de falta de fundamentação tal como o plasmado nos arts 154º nº1 al.b) e na al.b) do nº 1 do artº 615º do Código de Processo Civil.
II- Na fundamentação da sentença objeto de recurso, o tribunal “recorre” apenas à fundamentação por remissão à petição inicial do Autor. sendo omissa quanto á motivação do Juiz da causa
III - O tribunal a quo decidiu com manifesta violação do Art. 154º nº 1 do Código de Processo Civil
VI - Existe um dever de especificação dos fundamentos de direito e de facto nas decisões judiciais sob pena de estarmos perante uma falta de fundamentação, um vício, que impõe a nulidade da sentença!
VII - A acrescentar que, o tribunal recorrido não se pronuncia sequer acerca da validade do contrato de arrendamento, nem das normas legais que a sustentam!
VIII- A decisão do tribunal a quo é omissa quanto á sua motivação, não espenicando matéria de facto e de direito, e às normas aplicáveis no que concerne à entrega imediata do imóvel pela Ré!
IX – A nulidade da sentença prevista no art. 615º nº 1, al.b) do Código de Processo Civil verifica-se quando esta não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão judicial, como é comumente aceite na jurisprudência.
X – O tribunal a quo, pura e simplesmente, não apresenta qualquer justificação da decisão!
Em consequência deve - ser a sentença declarada ferida de nulidade por falta absoluta de fundamentação.
RESPONDERAM OS AA A SUSTENTAR QUE:
2- A lei permite a remissão para o petitório em caso de manifesta simplicidade da lide, o que é o caso, pois trata-se de ação de resolução de contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, que é facto objetivo, e não passível de diversas interpretações.
3- A sentença respeita o art. 567 do Código de Processo Civil.

Nada obsta ao mérito.



O OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Atentas as conclusões dos recorrentes a única questão a decidir é a de saber se a sentença proferida por remissão para a petição inicial é nula por falta de fundamentação.



O MÉRITO DO RECURSO:

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra.



I. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
I.1
De acordo com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil é nula a sentença quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Sobre a fundamentação das decisões judiciais conforme vem dito no Acórdão da Relação de Guimarães de 17/11/2004, in www.dgsi.pt/jtrg: «O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), repetidamente aconselha que: a extensão da obrigação de motivação pode variar consoante a natureza da decisão e deve analisar-se à luz das circunstâncias do caso concreto; a motivação não deve revestir um caráter exageradamente lapidar, nem estar por completo ausente (cf. Vincent e Guinchard, Procédure Civile, Dalloz, §1232, e arestos aí citados).
Também a este respeito Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, pág. 72) referem que: «o conteúdo essencial do dever de fundamentação analisa-se na comunicação das razões que justificam a decisão», sendo que as exigências de fundamentação não são iguais relativamente a todo o tipo de decisões judiciais, variando as mesmas não só em função do objecto de cada tipo de decisão, como de outros elementos, tais como novidade da questão com o que se defronta o tribunal e/ou originalidade da sua decisão.
I.1.1
A necessidade de fundamentação das decisões dos tribunais constitui princípio constitucional conforme o artigo 205.º, n.º 1, da CRP, o qual prescreve: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
A remessa para a lei ordinária faz com que o mandado constitucional de fundamentação continue a ser um mandado aberto à atuação constitutiva do legislador, a quem incumbirá definir a «forma» em que a fundamentação se deve traduzir, sem que, contudo, ele possa esvaziar o sentido útil daquele mandado (cf. Acórdão do TC nº 59/97, in Diário da República, II Série, n.º 65, de 18 de Março de 1997) – qualquer que seja essa forma, ela terá sempre que permitir o conhecimento das razões que motivam a decisão.
I.1.2
No domínio do Código de Processo Civil, este dever de fundamentação decorre, designadamente, dos artigos 607.º, n.ºs 3 e 4 e 154º nº 1, ambos do Código de Processo Civil, dispondo esta norma que: “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”, acrescentando o seu n.º 2 que “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.
Sem prejuízo, na situação dos autos tem aplicação o disposto no artigo 567 nº 3, do Código de Processo Civil, norma que estabelece: “Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado”.
Esta norma é aqui a regra aplicável uma vez que esta ação não foi contestada, e os factos articulados foram julgados confessados, nos termos do disposto no artigo 567º nº 1, do Código de Processo Civil e, porquanto a «manifesta simplicidade da causa» ocorrerá quando em face dos factos constantes da petição inicial, do pedido formulado e do direito aplicável aí referido, se torna evidente a decisão a proferir sendo desnecessário por inútil aditar novos argumentos jurídicos, em face designadamente da inexistência de controvérsia sobre a «queastio» de facto e de direito em apreço.
Sobre o conceito de «manifesta simplicidade» diremos que se pode afirmar que é simples a causa em que o juiz limita-se a verificar se os factos alegados e direito invocado suportam, sem qualquer duvida, a pretensão deduzida.
Por outro lado, assiste-se hoje em dia, a um movimento de simplificação processual e das decisões judiciais, o qual, a nosso ver, harmoniza-se com a possibilidade de, nos casos em que se verifica o pressuposto da clareza e simplicidade do objeto do processo em face dos factos e do direito articulado na petição inicial, a sentença se limitar a remeter, quanto aos factos provados, para o alegado para a petição inicial; isto porquanto, tais factos são do conhecimento dos RR que citados não contestaram e satisfazendo-se a menção ao direito por igual com a remissão para aquele articulado.
I.1.3
Na presente a ação a petição inicial elenca cabalmente os factos constitutivos do direito à resolução contratual peticionado – contrato de arrendamento e não pagamento das rendas o que não é questionado pelos recorrentes –tratando-se pois de uma daquelas situações em que a lei comina para tais factos, sem apelo, o efeito jurídico peticionado – resolução do contrato.
Assim, nestas situações como a presente em que a petição contempla de forma clara e simples os factos e o direito, dado que a obrigação de fundamentação da sentença não pode ser igual em relação a todo o tipo de decisões, dependendo das razões que justificam a mesma, está a nosso ver dentro dos limites exigidos pelo artigo 567º nº 3, do Código de Processo Civil, a sentença recorrida, que se limita na fundamentação decisória a remeter para aquele articulado. Neste sentido veja-se o acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 14-01-2020 RODRIGUES PIRES 5544/19.8T8PRT.P1, in dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler: II - Em caso de revelia operante, revestindo-se a causa de manifesta simplicidade, na sentença respetiva a fundamentação sumária do julgado pode ser feita por mera remissão para os fundamentos contidos na petição inicial, desde que esta contenha a exposição dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação., e para norma idêntica no âmbito laboral o acórdão do TRE de 12-10-2017 JOÃO NUNES, 793/16.3T8BJA.E1, in dgsi.




SEGUE DELIBERAÇÃO.

NÃO PROVIDO O RECURSO. CONFIRMADA A SENTENÇA.

Custas pelos Recorrentes.






Porto, 2025/6/4.

Isoleta de Almeida Costa
Carlos Carvalho
Paulo Silva