DESTITUIÇÃO DE GERENTE
JUSTA CAUSA
PRESCRIÇÃO
Sumário

I - Aquilo que fundamenta o pedido de destituição, por justa causa, de um gerente de uma sociedade comercial são, antes de mais, factos com relevância na vida societária. Seja devido à violação grave que eles revelem dos deveres funcionais do gerente, seja em resultado da incapacidade do mesmo para o exercício normal das respetivas funções.
II - É a partir do termo da conduta dolosa ou culposa do gerente, ou da sua revelação, se essa conduta tiver sido ocultada, e não a partir da avaliação da mesma por outras entidades, que deve ser contado o prazo de prescrição do direito de requerer a destituição judicial do gerente autor dessa conduta.
III - Depois de iniciada, a prescrição continua a correr, ainda que o direito passe, por sucessão, para novos titulares.

Texto Integral

Processo n.º 1197/23.7T8AMT.P1


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Sumário:

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Relator: João Diogo Rodrigues;
Adjuntos: Raquel Lima;
Rodrigues Pires.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório

1- AA, BB e CC, instauraram a presente ação[1], no dia 13/09/2023, contra a sociedade, A..., Ldª e DD, pedindo a destituição deste último das funções de gerente da sociedade antes indicada.

Baseiam este pedido, essencialmente, na circunstância do referido R., DD, ter violado as suas obrigações para com a dita sociedade, porquanto desrespeitou o cumprimento dos seus deveres de organização da contabilidade, adotou comportamentos com relevância penal que prejudicam a sociedade, para além de ter omitido aos restantes sócios a existência de processo de natureza penal em que figura como arguido pela eventual prática de factos criminosos que comprometem igualmente a sociedade, violando com tal comportamento, grave, continuadamente e sem justa causa, os deveres de cuidado e de diligência de um gestor criterioso e ordenado, bem como os deveres de habilitação da necessária competência técnica e os deveres de lealdade para com a sociedade e os interesses dos sócios.

2- Contestaram os Réus, arguindo a prescrição do direito dos AA. a peticionarem a destituição do cargo de gerente do Réu e, subsidiariamente, a renuncia a esse direito, bem como o exercício abusivo do mesmo, através desta ação. Além disso, consideram ainda que inexiste fundamento para a referida destituição.

Terminam pedindo a procedência das referidas exceções e, subsidiariamente, a improcedência desta ação, com a condenação dos AA. como litigantes de má-fé, em multa e indemnização.

3- Os AA. responderam pugnando pela improcedência das ditas exceções e da má-fé que lhes é imputada.

4- Realizada a audiência prévia (na qual os AA. reproduziram a resposta anteriormente referida), foi, depois, proferida sentença na qual se decidiu julgar a presente ação procedente, por provada e, em consequência, destituir o Requerido, DD, do cargo de gerente da sociedade, A..., Ldª, por justa causa.

5- Inconformados com esta sentença, dela interpuseram recurso os RR., terminando a sua motivação com as seguintes conclusões:

“I- A decisão recorrida mostra-se ferida de nulidade, porquanto, na sua contestação, os Recorrentes invocaram a exceção perentória de abuso do direito que os Recorridos pretendem exercer com a presente ação – cfr. em especial alínea B), artº.s 118.º, 120.º, 121.º, 123.º a 126.º, 130.º a 195.º. da contestação.

II- Na decisão recorrida o Tribunal a quo não toma qualquer posição relativamente à referida exceção de abuso do direito, sobre a qual sequer se pronuncia em algum momento.

III- Nos termos do artº. 608.º, n.º 2 do CPC, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, onde se incluem necessariamente as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência do pedido formulado na ação.

IV- No caso, a exceção de abuso do direito invocada pelos Recorrentes tem relevância para a decisão a proferir nos autos, na medida em que, vindo a ser julgada procedente, é suscetível de levar à improcedência do pedido formulado nos autos pelos Requerentes, ora Recorridos.

V- A exceção de abuso do direito invocada pelos Recorrentes não ficou prejudicada pela solução dada pelo Tribunal a quo a outras questões decididas, na medida (i) é exceção diferente e independente daquelas outras que foram resolvidas pelo Tribunal a quo no sentido da sua improcedência (prescrição e renúncia ao direito de pedir a destituição do cargo de gerente) e (ii) é questão prévia ao conhecimento do mérito da ação, pelo qual não se verifica a exceção prevista no artº. 608.º, n.º 2 do CPC.

VI- O Tribunal a quo estava obrigado a decidir da exceção de abuso do direito invocada pelos Recorrentes, sob pena de nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do artº. 615.º, n.º 1, d), do CPC.

VII- Em virtude do exposto, impõe-se que deve a decisão recorrida ser declarada nula e ser proferida decisão sobre invocada exceção de abuso do direito.

VIII- Acresce que, afigura-se aos Recorrentes que os autos dispõem de prova suficiente à procedência da exceção de abuso do direito por aqueles invocada, na medida em que, além dos factos dados como provados na sentença recorrida sob os pontos 5.º, 6.º, 8. a 13., a prova documental carreada para os autos permite dar como provados outros factos – conforme adiante melhor se especificará em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto – que, por si só, determinariam procedência daquela exceção.

IX- No entanto, entendem os Recorrentes que os autos não estar o Tribunal em condições de decidir pela improcedência da exceção de abuso do direito sem que seja feita prova em sede de julgamento de outros factos oportunamente invocados pelos Recorrentes em que também baseiam aquela exceção – cfr. artº.s 148.º a 152.º da contestação.

X- Assim, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a exceção de abuso do direito e, em consequência, absolva os Recorrentes dos pedidos formulados pelos Recorridos na presente ação.

XI - Caso assim não se entenda, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos para produção de prova com vista ao posterior conhecimento da exceção de abuso do direito.

XII - O presente recurso visa também impugnar a decisão do Tribunal a quo no que concerne à matéria de facto assente.

XIII – Existem uma série de factos alegados pelos Recorrentes com relevância para a boa decisão da causa, além dos acima referidos que foram dados como assentes na decisão recorrida, nomeadamente para a decisão sobre as exceções invocadas pelos Recorrentes (de prescrição, renúncia ao direito de pedir a destituição do cargo de gerente e abuso do direito) e para a decisão sobre o pedido de condenação dos Recorridos em litigância má-fé, os quais deveriam também ter sido dados como provados na sentença recorrida, em virtude de se encontrarem igualmente provados por documentos juntos aos autos com força plena e/ou não impugnados.

XIV- Com efeito, notificados da contestação dos Recorrentes, os Recorridos limitaram-se a impugnar a força probatória dos documentos ali juntos alegando que os mesmos não são aptos a provar o alegado.

XV- Assim, no artº. 22.º da contestação, os Recorrentes alegaram que o falecido EE revelou, logo na contestação que ofereceu em 2016.12.02 no Proc. 1678/12.8TBMCN, pleno conhecimento acerca da relação comercial estabelecida entre a Requerida B... e a sociedade C... – Unipessoal, Lda. (adiante, C...), e das conclusões da Autoridade Tributária acerca dessa mesma relação em sede de inspeção realizada à B..., nomeadamente quanto ao alegado crime praticado, seus autores, e montante do alegado prejuízo, espelhado em relatório daquela entidade de 2013.12.18.

XVI- O alegado pelos Recorrentes resulta documentalmente demonstrados nos autos, em concreto nos artº.s 30.º a 32.º da contestação do falecido EE no Proc. 1678/12.8TBMCN, que os Recorrentes juntaram como docº. n.º 5 à contestação oferecida nos presentes autos e não foi impugnado, exceto quanto à sua força probatória.

XVII- A matéria de facto em questão é relevante para a boa decisão da causa, na medida em que permite concluir, como os Recorrentes alegaram na sua defesa, que o Senhor EE e os Herdeiros, ora Recorridos, há muito tinham perfeito conhecimento da atividade e dos negócios da B..., bem como dos factos e das decisões proferidas no Processo-Crime e no Processo Fiscal onde agora sustentam o pedido de suspensão e destituição de gerente do Requerido DD, o que releva para efeitos da decisão a proferir sobre as exceções de prescrição, renúncia ao direito de pedir a destituição do cargo de gerente e abuso do direito invocadas pelos Recorrentes e para a decisão sobre o pedido de condenação dos Recorridos em litigância de má-fé formulados pelos Recorrentes contra os Recorridos.

XVIII- Importa também referir que o conhecimento dos factos e a conduta do falecido EE são relevantes porquanto, ao contrário do que o Tribunal a quo entendeu, não podem os seus Herdeiros, que lhe sucederam na titularidade da quota por força do seu falecimento, exercer direitos que já haviam prescrito na esfera jurídica do falecido EE, de que este houvesse abdicado ou cujo exercício por este fosse abusivo.

XIX- Devia, assim, o Tribunal a quo ter dado como provado o facto infra indicado, cujo aditamento se requer à matéria de facto assente na decisão recorrida: a) “Na contestação oferecida por EE, em 2016.12.02, no Proc. 1678/12.8TBMCN, foi por aquele alegado que DD provocou um grave litígio com o fisco que forçou a dar garantias de centenas de milhares de euros à fazenda pública; que no relatório de inspeção tributária feita à sociedade afirma-se que na cadeia de fornecimentos C... – A... Lda. - D... as regras de tributação relacionadas com o comércio intracomunitário foram utilizadas de forma abusiva e fraudulenta na medida em que os bens com origem em Espanha e que se destinavam ao mercado Espanhol e Alemão, originaram uma cadeia de liquidações de IVA e pedidos de reembolso deste imposto em Portugal que constitui um esquema organizado de fraude fiscal em resultado do qual o Estado ficou lesado em pelo menos 1.904.286,65€, e, ainda, que o relatório da Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu pela existência de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto na alínea c) do nº 1 do art. 103º e 104º do REGIT, cometido pelo sócio DD, estando em causa uma vantagem patrimonial de 1.904.286,65€.”

XX- Acresce que, são relevantes todos os factos de onde resulte o conhecimento invocado pelos Recorrentes na sua defesa no sentido de que o Senhor EE e os seus Herdeiros, ora Recorridos, há muito tinham perfeito conhecimento da atividade e dos negócios da B..., bem como dos factos e das decisões proferidas no Processo-Crime e no Processo Fiscal onde agora sustentam o pedido de suspensão e destituição de gerente do Requerido DD.

XXI- Afigura-se, por isso, indubitavelmente relevante que fiquem a constar dos factos assentes, além do que foi requerido pelo Réu EE na audiência de julgamento de 2018.05.15, no Proc. 1678/12.8TBMCN (que consta do ponto 8. dos factos provados na decisão recorrida), o que efetivamente veio a ser junto na sequência do ali requerido, na medida em que é o conhecimento desses documentos juntos que têm interesse para a decisão a proferir nestes autos nos termos já acima referidos.

XXII- Ora, os documentos juntos no Proc. 1678/12.8TBMCN na sequência da referida audiência de julgamento são os que foram juntos pelos Recorrentes à contestação apresentada nestes autos sob os docº.s 7 a 12, conforme o atesta a certidão judicial junta com o requerimento probatório dos Recorrentes 2024.03.25, e não foram impugnados pelos Recorridos exceto quanto à sua força probatória.

XXIII- Em virtude do exposto, a sentença recorrida devia ter dado como assente o facto abaixo indicado, pelo que deve a decisão recorrida ser substituída por outra que adite aos factos assentes o seguinte facto: b) “A ata de julgamento do Proc. 1678/12.8TBMCN data de 2018.05.15 e em 2018.05.24 foram juntos aos autos o relatório da inspeção tributária, datado de 2013.12.18; a sentença proferida em 2016.06.14 no Processo Fiscal n.º 366/14.5BEPNF e as alegações de recurso apresentadas nesse processo pela B...; a Acusação deduzida pelo Ministério Público no âmbito do Processo-Crime n.º 34/13.5TELSB e a contestação ali apresentada; a sentença proferida no processo que correu termos no Juiz 1 da 1.ª Secção Cível da Instância Central de Aveiro, sob o número de processo 60960/13.9YIPRT, que a C... instaurou contra a B....”

XXIV- Acresce que, os Recorrentes também alegaram, no artº. 25.º da contestação apresentada nos presentes autos, que as alegações apresentadas pelo falecido Senhor EE em 2018.10.15 no Proc. 1678/12.8TBMCN voltam a fazer expressa referência ao relatório da Autoridade Tributária de 2013.12.18, oque se mostra documentalmente provado pelo docº. n.º 13 junto à contestação pelos Recorrentes, o qual não foi impugnado pelos Recorridos, exceto quanto à sua força probatória.

XXV- É relevante para a decisão a proferir nos presentes autos – designadamente sobre as exceções invocadas pelos Recorrentes e sobre o pedido de condenação dos Recorridos em litigantes de má-fé – a data em que o falecido EE, anterior titular da quota de que atualmente os Recorridos são contitulares, teve conhecimento dos factos em que os Recorridos baseiam o pedido de destituição do Recorrente DD, como é o caso do relatório da Autoridade Tributária.

XXVI- Assim, a sentença recorrida devia ter dado como assente o facto abaixo indicado, pelo que deve a decisão recorrida ser substituída por outra que adite aos factos assentes o seguinte facto: c) “Nas alegações de recurso apresentadas por EE, no dia em 2018.10.15, no Proc. 1678/12.8TBMCN, aquele refere que em relatório de inspeção tributária feita à A..., Lda, afirma-se que na cadeia de fornecimentos C..., as regras de tributação relacionadas com o comércio intracomunitário foram utilizadas de forma abusiva e fraudulenta na medida em que os bens com origem em Espanha e que se destinavam ao mercado Espanhol e Alemão, originaram uma cadeia de liquidações de IVA e pedidos de reembolso deste imposto em Portugal que constitui um esquema organizado de fraude fiscal em resultado do qual o Estado ficou lesado em pelo menos 1.904.286,65€ e, ainda, que aquele relatório da Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu pela existência de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto na alínea c) do nº 1 do art. 103º e 104º do REGIT, cometido pelo sócio DD, estando em causa uma vantagem patrimonial de 1.904.286,65€”.

XXVII- Por outro lado, os Recorrentes alegaram, nos artº.s 26.º e 27.º da contestação, que, no Proc n.º 81/13.7TBMCN – no qual os Recorridos foram habilitados por sentença de 2021.06.28 –, foi proferida sentença em 2020.11.26, a qual também refere, no ponto 68. dos factos provados, a inspeção tributária de que a B... havia sido alvo, a sentença proferida em 1.ª Instância no Processo Fiscal que julgou improcedente a impugnação judicial das liquidações adicionais de IVA dos meses de maio, junho, julho, setembro e novembro de 2012 e respetivos juros compensatórios e de mora, no valor global de € 697.511,83, e a acusação proferida no Processo Crime.

XXVIII- E, ainda, que os Recorridos interpuseram recurso de apelação da referida sentença no indicado processo, tendo junto com as alegações a decisão proferida em 2021.02.15 pela 1.ª Instância no Processo-Crime.

XXIX- A referida sentença e as mencionadas alegações de recurso encontram-se juntas, respetivamente como docº.s n.ºs 14 e 15 com a contestação dos Recorrentes e não foram impugnados.

XXX- Na senda do que vem de ser exposto, a data em que o falecido EE e os Recorridos tiveram conhecimento dos factos em que estes últimos baseiam o pedido de destituição do Recorrente DD é relevante para a decisão a proferir quanto às exceções invocadas e ao pedido de litigância de má-fé formulado pelos Recorrentes na sua defesa.

XXXI- Nesta sequência, a sentença recorrida devia ter dado como assente os factos abaixo indicados, pelo que deve a decisão recorrida ser substituída por outra que adite aos factos assentes os seguintes factos: d) “Em 2020.11.26 foi proferida sentença no Proc. 81/13.7TBMCN, na qual foi dado como provado que a empresa fora alvo de investigação da Autoridade Tributária, conforme relatório da Autoridade Tributária de fls. 1432 e ss, que impugnou perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, tendo sido proferida sentença (ainda não transitada em julgado e estando pendente recurso) na ação n.º 366/14.5BEPNF, que julgou improcedente a impugnação judicial das liquidações adicionais de IVA dos meses de maio, junho, julho, setembro e novembro de 2012 e respetivos juros compensatórios e de mora, no valor global de € 697.511,83. A sociedade fora, ainda, alvo de investigação criminal relativa a factos tributários ocorridos nesse período de tempo, tendo sido proferida a acusação de fls. 1537 e ss.”; e) “Em 2021.09.03, os Autores recorreram da sentença proferida em 2020.11.26 no Proc. 81/13.7TBMCN, tendo junto às alegações de recurso a decisão proferida em 2021.02.15 pela 1.ª Instância no Processo-Crime.”

XXXII- Por outro lado, os Recorrentes alegaram que os Recorridos, em 2022.09.28, interpuseram recurso de apelação da sentença proferida no Proc. 409/15.5T8AMT e que desse recurso resulta, à saciedade, que era do inteiro e pleno conhecimento dos Recorridos os factos que estiveram na origem do Processo Fiscal e do Processo-Crime, bem como as decisões ali proferidas, nomeadamente a decisão de condenação dos ora Requeridos no âmbito deste último processo pelo Tribunal de 1.ª Instância – cfr. art.ºs 28.º e 29.º da contestação.

XXXIII- As referidas alegações de recurso estão juntas à contestação como docº. n.º 16 e não foram impugnadas pelos Recorridos senão quanto à sua força probatória.

XXXIV- Acresce que, os Recorrentes alegaram ainda que no âmbito daquele mesmo processo judicial em que os Recorridos também eram parte, o ali Autor FF juntou aos autos, em 2022.09.29, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2022.09.27 proferido no Processo-Crime, do qual os aqui Recorridos foram notificados naquela data, e que é o mesmo que estes juntaram ao seu petitório inicial no âmbito dos presentes autos para sustentar o pedido de destituição de gerência do Recorrente DD.

XXXV- Os Recorrentes juntam o referido requerimento e documento como docº. 17 à contestação, documentos esses que, uma vez mais, não foram impugnados pelos Recorrido exceto quanto à sua força probatória.

XXXVI- À semelhança do que tem vindo a ser referido, a data e o conhecimento dos Recorridos acerca dos factos em que estes últimos baseiam o pedido de destituição do Recorrente DD é relevante para a decisão a proferir quanto às exceções invocadas e ao pedido de litigância de má-fé formulado pelos Recorrentes na sua defesa.

XXXVII- Assim, a sentença recorrida devia ter dado como assente os factos abaixo indicados, pelo que deve a decisão recorrida ser substituída por outra que adite aos factos assentes os seguintes factos: f) “Em 2022.09.28, os Requerentes interpuseram recurso de apelação da sentença proferida no Proc. 409/15.5T8AMT, nas quais alegaram que foram os Réus, que depois de assumirem sozinhos a gestão da sociedade se associaram para montar um estratagema criminoso consistente numa falsa cadeia de fornecimentos (C... – A... Lda. – D...) para utilizar as regras de tributação relacionadas com o comércio intracomunitário de forma abusiva e fraudulenta, na medida em que os bens com origem em Espanha e que se destinavam ao mercado Espanhol e Alemão, originaram uma cadeia de liquidações de IVA e pedidos de reembolso deste imposto em Portugal que constitui um esquema organizado de fraude fiscal em resultado do qual o Estado ficou lesado em pelo menos 1.904.286,65 €; que os Réus sempre tiveram intenção de afastar o Autor e o Interveniente Chamado para se locupletarem à custa da sociedade; invocaram o Acórdão proferido em 15 de fevereiro de 2021 pelo Juízo Central Criminal de Lisboa (Juiz 22) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa no Processo crime comum coletivo nº34/13.5TELSB, através do qual o tribunal coletivo deliberou julgar a acusação pública e o pedido de indemnização civil formulado pelo MINISTÉRIO PÚBLICIO, em representação do ESTADO PORTUGUÊS, parcialmente procedentes e em consequência: a) Condenar o arguido DD (aqui 2º Réu e Recorrido) pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103º, nº1, al. c), e 104º, nºs 2, al. a), e 3, ambos do RGIT, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo a contar do trânsito em julgado do acórdão, mas ficando esta suspensão subordinada ao dever de aquele, no decurso do período de suspensão, entregar à Autoridade Tributária o montante global de € 48.000,00 (quarenta e oito mil euros) por conta do valor fixado a título de indemnização, devendo comprovar anualmente no processo o pagamento de €12.000,00 (doze mil euros); b) Condenar o arguido GG (3º Réu) pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103º, nº1, al. c), e 104º, nºs 2, al. a), e 3, ambos do RGIT, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo a contar do trânsito em julgado do acórdão, mas ficando esta suspensão subordinada ao dever de aquele, no decurso do período de suspensão, entregar à Autoridade Tributária o montante global de € 48.000,00 (quarenta e oito mil euros) por conta do valor fixado a título de indemnização, devendo comprovar anualmente no processo o pagamento de €12.000,00 (doze mil euros); c) Condenar a sociedade arguida A..., LDA. (aqui 1ª Ré e Recorrida), nos termos do disposto no art. 7º, nº1, do RGIT, pela prática de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103º, nº1, al. c), e 104º, nºs 2, al. a), e 3, ambos do RGIT, e pelos arts. 90º-A, nº1, e 90º-B, nºs 4 e 5, ambos do Código Penal, ex vi art. 3º do RGIT, na pena de 700 (setecentos) dias de multa, à taxa diária de €100,00 (cem euros), o que perfaz o montante global de €70.000,00 (setenta mil euros); d) Condenar solidariamente os arguidos/demandados DD, GG, A..., LDA., HH, C... – UNIPESSOAL, LDA., e D..., S.A., a pagarem à Fazenda Nacional o valor de €2.082.498,49 (dois milhões e oitenta e dois mil quatrocentos e noventa e oito euros e quarenta e nove cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa legal, vencidos desde a data da notificação dos arguidos/demandados para contestarem o pedido de indemnização civil, e vincendos, até integral pagamento [arts. 559º e 804º a 806º do Código Civil, e Portaria nº 291/2003, de 8 de abril].”; g) “Em 2022.09.29, os Recorridos foram notificados da junção ao Proc. 409/15.5T8AMT por FF do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2022.09.27 proferido no Processo-Crime, que é o mesmo que aqueles juntaram ao seu petitório inicial no âmbito dos presentes autos para sustentar o pedido de destituição de gerência do Recorrente DD.”

XXXVIII- Ainda: os Recorrentes alegaram que os sócios da B... tiveram também conhecimento dos factos que estiveram na origem da inspeção tributária de que a sociedade foi alvo, do relatório elaborado pela Autoridade Tributária na sequência da referida inspeção, do Processo Fiscal e do Processo-Crime pela sua qualidade de sócios, o que se encontra evidenciado nas atas da sociedade que juntaram como docº.s 18 a 30.

XXXIX- Os factos alegados pelos Recorrentes são relevantes para a boa decisão da causa na medida em que o seu conhecimento pelos Recorridos contende, como já acima referido, com as exceções invocadas pelos Recorrentes na sua defesa e com o pedido de condenação dos Recorridos em litigância de má-fé.

XL- Em particular, é relevante para a boa decisão da causa o conhecimento demonstrado por EE sobre os negócios entre a B... a C... espalhado na declaração de voto plasmada na ata n.º ... da B..., junta como docº. n.º 19 à contestação e que não foi impugnada pelos Recorridos, exceto quanto à sua força probatória.

XLI- Por sua vez, os Recorrentes também alegaram que o falecido EE também conhecia os processos de execução fiscal instaurados pela Autoridade Tributária contra a B... na sequência da inspeção tributária realizada a esta sociedade em virtude das relações comerciais estabelecidas entre aquela e a C... e a D..., e os respetivos valores, uma vez que na Assembleia Geral de 2014.05.23, foi deliberada a prestação de garantias pela B... a favor do Estado e da declaração de voto do falecido Senhor EE resulta o seu pleno conhecimento acerca do processo de execução fiscal e do relatório da Autoridade Tributária.

XLII- Os referidos factos estão documentalmente demonstrados pela ata da referida Assembleia Geral junta como docº. n.º 21 à contestação, a qual apenas se mostra impugnada pelos Recorridos quanto à sua força probatória.

XLIII- Os Recorrentes também alegaram que os Recorridos, na qualidade de herdeiros de EE, em 2022.03.15 e em 2023.03.15, manifestaram expressamente conhecer a decisão proferida pelo Tribunal da Relação no Processo-Crime, o que resulta documentalmente provado nos autos pelas atas n.º 87 e 88 juntas como docº.s n.ºs 29 e 30 à contestação apresentada pelos Recorrentes e que apenas foi impugnada pelos Recorridos quanto à sua força probatória.

XLIV- Em face do que ficou dito e se mostra documentalmente provado, entendem os Recorrentes que a sentença recorrida devia ter dado como provado os factos abaixo indicados, pelo que deve a referida sentença ser alterada no sentido de serem dados como assentes também os seguintes factos: h) “Na ata n.º ... da Assembleia Geral da B... de 2013.03.15, o Senhor EE fez uma declaração de voto na qual refere que “entre FEV.2012 e a data da minha reentrada na Empresa (SET.2012) a Empresa ter funcionado como um “Entreposto Comercial” e conhecida nos arredores por “C...” e não por “B...” que chegou a atingir cerca de 100 Camiões TIR por dia – uns a descarregar Matéria-Prima e outros a Carregar a mesma Matéria-Prima – em modelo de negócio de legalidade e fiscalidade duvidosa, pois se o negócio fosse saudável para a empresa, ele continuaria.””; i) “Na ata n.º ... da Assembleia Geral da B... de 2014.05.23, foi deliberada a prestação de garantias pela B... a favor do Estado – através da constituição de hipoteca sobre imóveis e de penhor sobre móveis – no âmbito dos processos de execução fiscal instaurados pela Autoridade Tributária contra a B... na sequência da inspeção tributária realizada a esta sociedade em virtude das relações comerciais estabelecidas entre aquela e a C... e a D...; estão identificados os números de processo de execução fiscal e respetivos valores, e dela consta a declaração de voto do falecido Senhor EE de onde resulta o seu conhecimento acerca do processo de execução fiscal e do relatório da Autoridade Tributária.”; j) “Na declaração de voto dos Recorridos feita nas atas n.ºs 87 e 88, respetivamente das Assembleias Gerais da B... de 2022.03.15 e 2023.03.15, os Recorridos manifestaram conhecer a decisão proferida pelo Tribunal da Relação no Processo-Crime “de condenar solidariamente os arguidos/demandados DD, GG, A..., LDA., HH, C... – UNIPESSOAL, LDA. e D..., S.A., a pagarem à Fazenda Nacional o valor de € 2.082.498,49 (…)” e que “a responsabilidade em causa, deriva, como resulta do acórdão proferido de comportamentos ilícitos de DD (…)””

XLV- Os Recorrentes alegaram na sua defesa (cfr. artº. 23.º da contestação), que na Acusação deduzida pelo Ministério Público no âmbito do Processo-Crime, constam detalhadamente descritos os factos pelos quais os aqui Requeridos foram indiciados, nomeadamente a configuração dada pelo Ministério Público à relação comercial estabelecida entre a B... e a C..., os crimes pelos quais foram acusados e o valor do pedido de indemnização cível deduzido contra aqueles e que os sócios da B... tiveram conhecimento daquela acusação em 2018.05.24.

XLVI- Os referidos factos são essenciais para a boa decisão da causa, uma vez que sustentam as exceções invocadas pelos Recorrentes na sua defesa e o pedido de condenação dos Recorridos em litigância de má-fé.

XLVII- Quanto à acusação proferida no Processo-Crime, a decisão recorrida apenas refere que aquela foi proferida em 2017.07.11 (ponto 7.).

XLVIII- Assim, a sentença recorrida devia ter dado como provado também o facto abaixo indicado, motivo pelo qual se requer que aquela decisão recorrida seja substituída por outra que adite à matéria assente o seguinte facto: k) “Na acusação proferida no Proc. 34/13.5TELSB, constam detalhadamente descritos os factos pelos quais os Requeridos foram indiciados, nomeadamente a configuração dada pelo Ministério Público à relação comercial estabelecida entre a B... e a C..., os crimes pelos quais foram acusados e o valor do pedido de indemnização cível deduzido contra aqueles.”

XLIX - Isto posto, o presente recurso visa também impugnar a decisão de direito proferida pelo Tribunal a quo, nomeadamente quanto à prescrição do direito dos aqui Recorridos requererem a destituição de DD da gerência que os Recorrentes invocaram na sua defesa.

L- Os Recorrentes alegaram que, pelo menos em 2014.05.02, aquando da receção dos documentos de suporte à Assembleia Geral de 2014.05.23, os sócios tiveram pleno conhecimento dos factos que agora invocam para sustentar a presente ação de suspensão e destituição do Recorrente DD da gerência e do relatório da autoridade tributária na sequência da inspeção tributária de que a B... foi alvo, pelo que, pelo menos naquela data, se iniciou o prazo de prescrição supra referido, na medida em que dali já resultava, quer os atos imputados ao aqui Recorrido DD, quer as consequências para a sociedade, a nível fiscal, criminal e cível.

LI- Pelo que se aquelas circunstâncias são fundamento da quebra de confiança dos sócios na gerência do Recorrente DD, como os Recorridos agora alegam nestes autos, já o eram desde aquele momento.

LII- Sem prescindir, os Recorrentes invocaram também que, pelo menos em 2018.05.24, os sócios da B... àquela data, tiveram conhecimento da acusação deduzida pelo Ministério Público que deu origem ao Processo-Crime, da sentença proferida em 1.ª Instância no Processo Fiscal e do relatório da Autoridade Tributária elaborado na sequência da inspeção fiscal de que foi objeto a C... na qual os Requeridos sustentam a presente ação.

LIII- Mais alegaram os Recorrentes que, pelo menos em 2021.09.03, os sócios, incluindo os Recorridos, tiverem conhecimento da sentença proferida em 1.ª instância no Processo-Crime, na qual se podem ler os mesmos factos que servem de fundamento à presente ação.

LIV- E, ainda, que, pelo menos em 2022.09.29, os sócios, incluindo os Recorridos, tiveram conhecimento do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2022.09.27 proferido no Processo-Crime com a qual agora instruíram a presente ação.

LV- A factualidade acima resulta da matéria de facto assente na decisão recorrida – em particular, dos pontos 5., 10., 11. e 12. – e, bem assim – da matéria constante das alíneas b), e), k) e g) que acima, em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto (capítulo II.) se requer que seja aditada aos factos assentes.

LVI- Entendem os Recorrentes que, ao direito de requerer a destituição de gerentes com justa causa, nos termos do artº. 257.º, n.º 4, do CSC, é aplicável o prazo de prescrição de 90 dias a contar da data do conhecimento dos factos previsto no artº. 254.º, n.º 6, do CSC.

LVII- A lei não prevê expressamente qual o prazo de prescrição aplicável ao direito de intentar ação com vista à suspensão ou destituição do gerente regulado no artº. 257.º, n.º 4, do CSC.

LVIII - O Tribunal a quo entendeu que, face à ausência de previsão específica que estabeleça outro prazo de prescrição para o direito de requerer a destituição de gerente e à ausência de remissão para o prazo de 90 dias previsto no artº. 254º., nº. 6, do CSC, deverá aplicar-se o prazo de 5 anos previsto no artº. 174º. do CSC.

LIX - No entanto, em primeiro lugar, não existem motivos lógicos ou razoáveis para que o legislador distinguisse o prazo de prescrição aplicável à destituição com fundamento em violação da obrigação de não concorrência que impende sobre o gerente dos demais fundamentos de destituição com justa causa, sendo a situação prevista no 254.º, n.º 6, do CSC a que reveste mais proximidade com a dos autos por se tratar, em qualquer um dos casos, da violação dos deveres dos gerentes que constituem justa causa para a destituição.

LX - Em segundo lugar, a prossecução dos interesses económicos e sociais pelas sociedades exigem uma intervenção constante dos gerentes, cujos atos e decisões exigem um escrutínio célere, com vista à estabilização dos quadros subjetivos relevantes, uma vez que a vida societária não é compatível com incertezas, motivo pelo qual, aliás, são próprias do direito comercial as exigências de celeridade.

LXI - O referido prazo prescricional de 90 dias é aquele que tem também vindo a ser pacificamente aplicado pela jurisprudência para o exercício judicial pela sociedade do direito de exclusão de sócio.

LXII - O prazo de 90 dias iniciou-se a partir do momento em que os sócios tiveram conhecimento dos factos praticados pelo Recorrido DD que são fundamento do pedido da sua suspensão e destituição da gerência.

LXIII - Ora, sendo de aplicar aos autos o prazo de prescrição de 90 dias, considerando que a contagem do prazo prescricional se iniciou em qualquer um dos momentos acima referidos, sempre se terá de concluir que há muito, havia decorrido o prazo de 90 dias a contar da data do conhecimento dos factos para os sócios da B..., querendo, requererem a suspensão e destituição do Recorrido DD da gerência da sociedade quando deram entrada da presente ação, motivo pelo qual o referido direito se mostrava prescrito.

LXIV - O artº. 254.º, n.º 6, do CSC prevê, além do referido prazo de 90 dias a contar do conhecimento, um outro prazo – de 5 anos – a contar do início dos factos que servem de fundamento à destituição de gerente, o qual corre independentemente do conhecimento por algum sócio daqueles factos, o qual se esgotou em maio de2017, na medida em que a relação comercial estabelecida entre a B... e a C... decorreu entre os meses de maio e outubro de 2012, pelo que não há dúvidas que o direito de os sócios requererem a suspensão e destituição judicial do Requerido DD com os fundamentos que servem de base à presente ação prescreveu há muito!

LXV - A sentença recorrida violou, assim, o disposto nos art.ºs 257.º, n.º 4, e 254.º, n.º 6, do CSC, pelo que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a exceção de prescrição do direito dos Recorridos requererem a destituição com justa causa do Recorrente DD, absolvendo os Recorrentes dos pedidos formulados nos presentes autos.

LXVI - Sem prescindir, ainda que se entendesse ser de aplicar ao caso concreto o prazo prescricional de cinco anos, nos termos do artº. 174.º, n.º b), do CSC, como fez a sentença recorrida, sempre se haveria de concluir pela prescrição do direito que os Recorridos pretendem exercer nos presentes autos, porquanto o prazo de cinco anos inicia-se com o termo da conduta dolosa ou culposa do gerente, sendo que, no caso dos autos, nunca seria de aplicar a última parte da referida disposição legal, na medida em que não é peticionada a obrigação de indemnizar a sociedade, pelo que a data da produção do dano é totalmente irrelevante.

LXVII - Por outro lado, não houve ocultação da conduta do Recorrente DD, pelo que o prazo de prescrição sempre se teria iniciado com o termo da conduta que serve de fundamento à presente ação, sendo que as relações comerciais estabelecidas entre a B... e a C... terminaram em outubro de 2012.

LXVIII - Acresce que, considerando a matéria de facto assente na decisão recorrida e os factos que, conforme pugnado no presente recurso, devem ser considerados assentes, é inevitável concluir que, pelo menos em 2014.05.02, aquando da receção dos documentos de suporte à Assembleia Geral de 2014.05.23, os sócios tiveram pleno conhecimento das relações comerciais estabelecidas entre a B... e a C..., o que significa que sempre se teria de considerar que, pelo menos naquela data, os factos que servem de fundamento à presente ação foram revelados aos sócios da sociedade.

LXIX - Sublinha-se também que, no caso dos autos, não é aplicável a extensão do prazo prescricional prevista no n.º 5 do artº. 174.º do CSC, uma vez que a referida extensão do prazo está prevista e apenas se justifica quando a ação a desencadear visa a condenação do agente no pagamento de uma indemnização fundada em factos ilícitos que constituem crime, o que não é manifestamente o caso.

LXX - A sentença recorrida entendeu – erradamente – que, por estar em causa um comportamento com relevância penal, o momento do conhecimento dos factos a considerar para o início da contagem do prazo de prescrição deve ser o momento em que os Recorridos podiam tomar conhecimento da decisão final de condenação dos Recorrentes no Processo-Crime, que entende só ter ocorrido depois da prolação do acórdão proferido em 1.ª Instância, uma vez que antes existia uma mera investigação no âmbito da inspeção tributária e depois uma acusação do Ministério Público, mas os ali arguidos poderiam vir a ser absolvidos da prática dos factos, no entanto este entendimento não tem o mínimo respaldo na lei.

LXXI - O que desencadeia o início da contagem do prazo é o ato ilícito (o seu termo) ou a sua revelação (do ato ilícito), se houver ocultação da conduta, isto é, mais uma vez, ocultação do ato ilícito, sendo que o ato ilícito é a violação dos deveres de gerente, que ocorre com a prática dos factos, e não a condenação do gerente no âmbito de um processo-crime, não sendo necessário que o gerente tenha sido condenado em processo-crime para que nasça o direito a requerer a sua destituição por violação dos seus deveres legais.

LXXII- Nesta sequência, ainda que se considerasse aplicável o prazo prescricional previsto no artº.174.ºdoCSC – oque não se concede, mas por mera hipótese de raciocínio se admite – sempre haveria de concluir pela prescrição do direito de requerer a suspensão e destituição de gerente em outubro de 2017.

LXXIII - Ou, no limite, em 03.05.2019, isto é, decorridos cinco anos desde a data em que os sócios da B... tiveram conhecimento do relatório da Autoridade Tributária elaborado na sequência da inspeção de que aquela sociedade foi alvo, o que, como acima se referiu, se situou, pelo menos, em 2014.05.02.

LXXIV - Ou, ainda, em 2023.05.25, data em que os sócios da B... tiveram conhecimento da acusação deduzida pelo Ministério Público.

LXXV - Também não tem razão a decisão recorrida quando refere que o conhecimento dos factos prévio a 2020.11.17 – data em que os Recorridos sucederam na posição do primitivo sócio, o falecido EE, de quem são herdeiros –não lhes poderia ser imputável, uma vez que não eram sócios e, por isso, não poderiam exercer quaisquer direitos societários, o que apenas poderiam fazer após a sucessão por morte do primitivo sócio, uma vez que, conforme resulta expressamente do artº. 308.º do CC, depois de iniciada, a prescrição continua a correr, ainda que o direito passe para novo titular.

LXXVI - E, aliás, nem outra solução seria de admitir, sob pena de se subverter facilmente o regime legal da prescrição, reiniciando consecutivamente os prazos de prescrição sempre que o direito mudasse de titular, por exemplo, por simples cessão de quotas.

LXXVII - Em face do exposto, ainda que se entenda aplicável aos autos o prazo de prescrição de 5 anos, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento e é violadora do disposto no artº. 174.º, n.º 1, b) do CSC e no artº. 308.º do CC, motivo pelo qual deve ser substituída por outra que julgue procedente a exceção de prescrição do direito dos Recorridos requererem a destituição com justa causa do Recorrente DD, absolvendo os Recorrentes dos pedidos formulados nos presentes autos.

LXXVIII - Sem prescindir, o presente recurso visa impugnar a decisão do Tribunal a quo no que concerne à exceção de renúncia (tácita) ao direito de interpor a ação de destituição pelos sócios da B..., designadamente pelo falecido EE e também depois pelos Recorrido, também invocada pelos Recorrentes na sua defesa.

LXXIX - A sentença recorrida julgou improcedente a referida exceção desde logo por entender (mal) que tal renúncia teria de ser expressa, não bastando a renúncia tácita, o que não corresponde à verdade, nem o Tribunal a quo fundamentou aquele entendimento, pois, nos termos do artº. 217.º, n.º 1, do CC, a declaração negocial pode ser expressa ou tácita.

LXXX - Por outro lado, a causa de pedir dos presentes autos é – só pode ser – a violação dos deveres dos gerentes, que, a verificar-se, ocorre com a prática dos factos, e não com a condenação em processo-crime, razão pela qual não se vislumbra fundamento para entender, como a decisão recorrida fez, que os atos demonstrativos da vontade de abdicar do direito de requerer a destituição de gerente tivessem de ter sido praticados após a prolação do Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa no Processo-Crime.

LXXXI- Em terceiro lugar, ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo, entendem os Recorrentes que são relevantes para efeitos de renúncia ao direito de requerer a destituição os atos praticados pelo anterior titular da quota, sob pena de estar encontrada a forma de contornar os efeitos da renúncia, que poderia passar a conseguir-se com uma simples cessão de quotas.

LXXXII- Sendo certo que, a considerar-se, como os Recorrentes defendem, que essa renúncia tácita ocorreu ainda por atos do falecido EE e sendo a consequência dessa renúncia a extinção do direito, é apenas lógico concluir que esse direito – com base nos mesmos factos – não renasce pela mudança do titular da quota.

LXXXIII- Dos factos assentes na decisão recorrida e daqueles cujo aditamento à matéria assente se requer através do presente recurso, resulta que há vários anos que o sócio EE e, após o seu falecimento, os Recorridos, na qualidade de seus herdeiros, não só tinham integral conhecimento das circunstâncias que agora invocam para requerer a suspensão e destituição do Recorrente DD da gerência, como renunciaram tacitamente ao direito de requerer a suspensão e destituição do Recorrente DD das suas funções de gerente, uma vez que nunca requereram a suspensão e a destituição do Recorrente DD da gerência da sociedade, tendo, ao invés, continuado a confiar-lhe a gestão da sociedade durante longos anos, o que demonstra que mantiveram intacta a confiança que agora alegam ter sido quebrada.

LXXXIV- A decisão recorrida ao julgar improcedente a exceção de renúncia ao direito a requerer a destituição da gerência de DD violou o disposto no artº. 217.º, n.º 1, do CC.

LXXXV- Em virtude do exposto, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a referida exceção de renúncia.

LXXXVI - Caso assim não se entenda, entendem os Recorrentes que sempre deverá ser ordenado o prosseguimento dos autos para que seja produzida prova em julgamento acerca da referida exceção.

LXXXVII - Sem prescindir, o presente recurso visa ainda impugnar a decisão de direito do Tribunal a quo quanto ao mérito da causa, na qual concluiu existir justa causa para a destituição do Recorrente DD do cargo de gerente da sociedade B....

LXXXVIII - O Tribunal a quo deu como assente no ponto 5. da decisão recorrida os crimes pelos quais os aqui Recorrentes foram condenados no Processo-Crime e deu também como assente no ponto 6. Que no Processo-Crime foram dados como provados os factos que depois transcreve – note-se que o que consta da decisão recorrida é que os factos descritos nas alíneas 1) a 71) do ponto 6. da matéria assente foram considerados provados no Processo-Crime.

LXXXIX - Os factos descritos nas alíneas 1) a 71) do ponto 6. da matéria assente não foram julgados provados na decisão recorrida, isto é, nos presentes autos, a nosso ver bem, porquanto, na sua defesa nos presentes autos, os Recorrentes sempre negaram e propuseram demonstrar não ter praticado aqueles factos – cfr., em particular, os artº.s 255.º a 389.º da contestação –, tendo os Recorrentes impugnado a força probatória das decisões proferidas no Processo-Crime nos presentes autos – cfr. artº. 472.º da contestação.

XC - Por outro lado, como os Recorrentes têm vindo a pugnar ao longo do processo, inexiste, no nosso ordenamento jurídico, uma presunção inilidível que impeça os arguidos condenados em processo-crime de voltar a discutir os factos que integram os pressupostos da punição, os elementos do tipo legal de crime e as formas do crime nos processos cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração, motivo pelo qual tais factos provados no Processo-Crime não são transponíveis para os presentes autos, não podendo aqui ser dados como provados.

XCI - Não existe nenhuma norma inequívoca sobre a oponibilidade dos factos provados da sentença penal em ação cível conexa em que seja réu aquele que foi condenado no processo-crime, nem essa presunção inilidível é possível retirar a contrario da norma ínsita no art.º 623.º do CPC.

XCII - A presunção prevista no artº. 623.º do CPC é um problema de eficácia probatória da própria sentença, e não um fenómeno de caso julgado, estando em causa uma presunção diferente das presunções stricto sensu na medida em que não resulta da dificuldade de prova dos factos presumidos, mas de uma “confiança” na averiguação dos factos feita pelo juiz penal, no entanto, nada justifica uma presunção absoluta de verdade no sentido de impedir o arguido condenado em processo penal de voltar a discutir os factos provados na sentença criminal em processo cível no qual se discutam factos conexos, a qual não existe no nosso ordenamento jurídico nem deve o julgador retirar uma presunção inilidível da omissão do legislador.

XCIII- Ora, em face do exposto e tendo os Recorrentes impugnado e requerido produção de prova sobre os factos que foram alegados pelos Recorridos na petição inicial por referência aos factos provados no Processo-Crime, essa matéria é controvertida, pelo que deveria ter integrado os temas da prova que deveriam ter sido levados a julgamento, caso não fossem procedentes as exceções invocadas pelos Recorrentes na sua defesa.

XCIV- Dito isto, sublinha-se que os Recorrentes entendem que os factos descritos no ponto 5. e nas alíneas 1) a 71) do ponto 6. não estão dados como provados pela sentença recorrida nos presentes autos, limitando-se esta sentença a reconhecer que eles foram dados como provados no Processo-Crime,

XCV- Caso contrário sempre haverá de se considerar impugnado pelos Recorrentes os pontos 5. e 6. da matéria de facto assente, com os fundamentos acima aduzidos, devendo em consequência ser alterada a decisão recorrida no sentido de os mesmos serem excluídos da matéria de facto assente, sob pena de violação do princípio a inoponibilidade ao demandado civil da sentença penal em que foi condenado.

XCVI- Isto posto, é necessário concluir que o Tribunal a quo não dispunha de base factual provada para concluir, como erradamente concluiu, que o Recorrente DD, em representação da B..., aderiu ao plano engendrado por outros arguidos no Processo-Crime e aceitou que a sociedade integrasse um circuito de faturação fictícia com vista a defraudar a Fazenda Nacional em sede IVA.

XCVII- Sendo que é nessa conduta que o Tribunal a quo imputa ao Recorrente DD, como se estivesse assente nos presentes autos (e não está!), para concluir que aquele atuou de forma culposa e dolosa contra os interesses da sociedade e dos seus sócios.

XCVIII- O ilícito em causa nos presentes autos não é o ilícito criminal e não basta para afirmar a existência do ilícito civil – violação dos deveres de gerente – que o gerente e/ou a sociedade tenha sido condenado em processo-crime.

XCIX- Ao longo da sua contestação – em particular nos artº.s 272.º a 370.º - os Recorrentes alegaram e explicaram as relações comerciais encetadas pela B... com a C... e a D..., juntando e requerendo prova para o demonstrar.

C - Os Recorrentes alegaram que não sabiam, nem tinham como saber que a C... não entregou ou não tencionava entregar ao Estado o IVA das faturas emitidas por aquela empresa à B...; que não tinham quaisquer motivos para suspeitar das motivações ou atos dos outros sujeitos, e correspondendo as transações comerciais celebradas entre a B... e a C... e a primeira e a D..., objeto das faturas e pagamentos entre as três sociedades, a negócios reais, a B... tinha efetivamente direito a deduzir o IVA devido na compra da matéria-prima à C..., tendo o feito sem intenção, consciência ou conhecimento de que pudesse, de alguma forma, estar a contribuir, facilitar ou participar em qualquer ato ilícito, fosse de natureza fiscal ou de qualquer outra natureza.

CI - A provar-se o alegado pelos Recorrentes na sua defesa, concluir-se-ia não ter o Recorrente DD violado os seus deveres de gerente.

CII- Contudo, o Tribunal a quo entendeu (mal) estar em condições de decidir do mérito da causa no despacho saneador, coartando aos Recorrentes a possibilidade de demonstrarem que DD agiu de forma diligente, na persecução dos interesses da sociedade.

CIII- Note-se que os Recorrentes também alegaram, em particular nos artº.s 372.º a 384.º da contestação, não só que, se tudo tivesse corrido como era expectável, considerando que a B... receberia da D... o preço correspondente à matéria-prima que lhe vendeu com uma margem de € 35,00/tonelada, a B... teria obtido um lucro de € 560.000,00 [15.053 tons x € 35,00] com os negócios realizados, para além dos benefícios decorrentes da compra da matéria-prima que destinou ao fabrico dos produtos que comercializa a preço inferior ao que normalmente pagava e, ainda que, o volume de negócios da B..., em 2012, por força da nova área de negócio, aumentou em mais de 9,5 milhões de euros, o que não deixa dúvidas de que se tratava efetivamente de uma oportunidade de negócio atrativa e lucrativa.

CIV- Como também alegaram e demonstraram que o volume de negócios da B..., sob a gestão do Recorrente DD tem vindo a crescer de forma constante e substancial, razão pela qual os sócios da B... efetivamente continuaram a confiar na sua gestão dos negócios da sociedade.

CV- Aos Recorrentes assiste o direito de contrariar, nos presentes autos, o que resulta dos factos provados no Processo-Crime e, bem assim, que o Recorrente DD não violou os seus deveres como gerente.

CVI- Mas diga-se também que, ainda que assim não se entendesse, e se considerasse que o Recorrente praticou um facto ilícito, violando os seus deveres como gerente – o que não se concede, mas por mera hipótese de raciocínio se admite –, sempre se teria de aferir da culpa do Recorrente DD, sendo este juízo de culpa civilista, e não pode ser importado do juízo feito no Processo-Crime.

CVII- Ora, mais uma vez, não existe matéria assente nos presentes autos que sustente o juízo de culpa (civil) que a sentença recorrida imputou ao Recorrente DD.

CVIII- Mais se diga que a decisão recorrida afirma que o Recorrente DD despojou a sociedade de um valor elevado, superior a dois milhões de euros, quando não se mostra provado, nem é verdade, que a sociedade B... tenha pago aquela quantia, sendo certo que, apesar de condenada a pagar uma indemnização de cerca de dois milhões de euros, o foi solidariamente com outros sujeitos.

CIX - A decisão recorrida também afirma, sem base factual provada para o efeito, que essa quantia de dois milhões de euros era necessária ao exercício da atividade da sociedade e que, em contrapartida, não entrou nos cofres da sociedade o correspondente valor monetário, pelo que a conclusão do Tribunal a quo de que o Recorrente DD, com o seu comportamento, dissipou o património da sociedade é manifestamente desprovida de fundamento.

CX - Assim como também é infundada a conclusão de que essa alegada dissipação de património ocorreu em benefício do Recorrente DD e de terceiros, sendo certo que, em momento algum, foi provado que o Recorrente DD tenha retirado algum benefício próprio da conduta que o Tribunal a quo lhe imputa.

CXI - Da mesma forma, é sem qualquer fundamento que o Tribunal a quo conclui, como se lê na decisão recorrida, que o Recorrente DD manchou irremediavelmente a imagem da sociedade e que o facto de esta ter sido alvo do Processo-Crime gerou consequências nefastas evidentes e notórias junto da Banca, dos trabalhadores e dos clientes, dano esse de imagem que o Tribunal a quo considerou de difícil e demorada reparação, uma vez que nenhum facto assente incide os alegados danos provocados na sociedade B..., sendo aquele juízo meramente especulativo.

CXII- Na mesma senda, sem qualquer base factual que o sustente, o Tribunal a quo conjetura ainda que no futuro próximo os sócios da B... ficarão privados de quinhoar nos lucros porque estes terão de ser afetos ao pagamento da indemnização a que a sociedade foi condenada a pagar ao Estado, em mais um exercício meramente especulativo, desde logo porquanto não está provado que a sociedade tenha pago a referida indemnização, por um lado, nem é certo que a venha a ter de pagar, na medida em que existem outros obrigados solidários ao seu pagamento.

CXIII- Por fim, é desprovida de fundamentação de facto a conclusão do Tribunal a quo no sentido em que o Recorrente DD prosseguiu o seu interesse pessoal e de terceiros.

CXIV- Não se encontram provados factos que permitam concluir pela violação dos deveres de gerente pelo Recorrente DD, nem que este agiu com culpa, pelo que não se mostram provados factos que permitam concluir pela existência de justa causa de destituição, como o Tribunal a quo erradamente fez.

CXV- No caso, não só não há ilícito, na medida em que, a circunstância de os Recorrentes terem sido condenados no Processo-Crime não permite concluir pela violação dos deveres de gerente por DD, como também não se mostra provada a culpa.

CXVI- Em virtude do exposto, é evidente que o Tribunal a quo andou mal ao julgar procedente a ação e destituir o Recorrente DD de gerente, violando os art.ºs 64.º e 257.º, n.º 4, do CSC.

CXVII- Assim, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a ação improcedente.

CXVIII- Caso assim não se entenda, sempre haverá de substituir a decisão recorrida por outra que ordene o prosseguimento dos autos para julgamento a fim de ser produzida prova sobre os factos alegados que permanecem controvertidos, designadamente invocados pelos Recorrentes nos artº.s 255.º a 389.º da contestação.

CXIX- Noutra ordem de considerações, para a eventualidade de se entender que a sentença recorrida não se mostra ferida de nulidade por omissão de pronúncia no que concerne à exceção de abuso do direito invocada pelos Recorrentes na sua defesa – o que apenas por mera cautela de raciocínio se admite – entendem os Recorrentes que a decisão recorrida deve ser alterada por outra que julgue procedente a referida exceção.

CXX- Com efeito, ainda que se entendesse que existe na esfera jurídica dos Recorridos o direito de requerer a suspensão e a destituição do Recorrente DD da gerência – o que não se concede, mas por mera hipótese de raciocínio se admite –, sempre se teria de concluir que o exercício desse direito pelos Recorridos é manifestamente abusivo porque contrário aos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, nos termos do disposto no artº. 334.º do CC, quer na modalidade de venire contra factum proprium, quer na modalidade da suppressio.

CXXI - Atendendo aos factos provados na decisão recorrida – em particular, os pontos 5., 6., 8., 8., 9., 10., 11., 12. e 13. – e, bem as assim os factos cujo aditamento aos factos provados se requer no presente recurso (cfr. alíneas a) a k) do capítulo II.) – resulta inequivocamente demonstrado que os sócios da B..., incluindo o falecido EE e os Recorridos, mesmo tendo conhecimento de tudo quanto agora invocam para fundar a presente ação, nunca requereram a suspensão e a destituição do Requerido DD da gerência da sociedade, tendo, pelo contrário, continuado a confiar-lhe a gestão da sociedade durante longos anos.

CXXII - Conforme invocado pelos Recorrentes, a conduta dos sócios da B..., nomeadamente dos Recorridos, ao longo de todos estes anos em que, sabendo das circunstâncias em que agora fundamentam a ação, nada fizeram para impedir que o Recorrente DD prosseguisse com a gestão dos negócios da sociedade, nem a contestaram, demonstra que mantiveram intacta a confiança que agora alegam ter sido quebrada,

CXXIII- Com efeito, durante mais de uma década – durante a qual era do seu conhecimento as circunstâncias em que fundam o pedido que agora formulam – os sócios da B..., incluindo o falecido EE, e depois os Recorridos, nunca requereram, nem manifestaram intenção de requerer, a suspensão e destituição do Requerido da gerência da sociedade com tal fundamento, tendo continuado sempre a confiar no Recorrente DD para prosseguir com a gestão dos negócios da sociedade.

CXXIV - Como é consabido, o legislador consagrou no artº. 334.º do CC o abuso do direito, impondo limites ao exercício de direitos quando, apesar de reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica, o seu exercício contrarie os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desses direitos, caso em que o seu exercício pelo respetivo titular passa a ser ilegítimo.

CXXV- Quanto ao venire contra factum proprium, no caso, o comportamento anterior do anterior titular da quota dos Recorridos, o falecido EE, e dos próprios Recorridos – demonstrando pleno conhecimento das circunstâncias em que agora fundam a presente ação, designadamente das relações comerciais estabelecidas entre a B..., a C... e a D... e não requerendo ou manifestando intenção de requerer a destituição do Recorrente DD da gerência – gerou no último uma confiança legítima de que não o iriam fazer, levando-o a continuar a investir o seu tempo, esforço, know-how em prol da sociedade, que fez crescer e que valorizou.

CXXVI- Afigura-se manifestamente abusivo que, subitamente, os Recorridos decidam, com base em circunstâncias há muito deles conhecidas, e contra a sua própria conduta até aí verificada, que é momento de procurar retirar o Recorrente DD da gerência da sociedade.

CXXVII - Acresce que, incorrem também os Requerentes, no caso concreto, em abuso do direito no campo processual.

CXXVIII - De facto, de tudo quanto ficou já exposto, resulta evidente que os Recorridos carrearam para os autos uma sucessão de factos que sabem serem totalmente falsos, começando, desde logo, pelo momento em que tomaram conhecimentos dos factos em que fundamentam a presente ação, mas também porque, ao mentirem quanto ao momento em que tomaram conhecimento daqueles factos, deliberadamente quiseram omitir ao Tribunal que, durante longos anos, agiram de modo consentâneo com a manutenção da confiança na gestão de DD que agora invocam estar irremediavelmente comprometida.

CXXIX- Já no que concerne à suppressio, teremos, em princípio, as seguintes características, a aferir caso a caso: (i) um não-exercício prolongado; (ii) uma situação de confiança, daí derivada; (iii) uma justificação para essa confiança; (iv) um investimento de confiança; (v) a imputação da confiança ao não-exercente.

CXXX- Sublinha-se que, o Supremo Tribunal de Justiça já afirmou que, para se verificar uma situação de abuso do direito, na modalidade da suppressio, não é necessário que o titular do direito tenha tido algum comportamento anterior que pudesse criar a confiança na contraparte de que o direito não seria exercido, uma vez que esta modalidade de abuso do direito se distingue do venire contra factum proprium pela ausência de conduta anterior.

CXXXI - De acordo com o Supremo Tribunal de Justiça, apesar de o período de tempo durante o qual o direito não foi exercido pelo seu titular necessário para que se possa afirmar a suppressio dever ser aferido casuisticamente, esse lapso temporal sempre deverá ser inferior ao prazo de prescrição, de forma a acautelar a utilidade do instituto.

CXXXII - Independente da existência ou não do direito na esfera jurídica do titular que o exerce, e antes mesmo da sua indagação, pode e deve o tribunal declarar o abuso de direito de ação sempre que seja de concluir que, ainda que existisse, o exercício do direito pelo seu titular é manifestamente abusivo, subsumindo-se a uma daquelas situações excecionais em que deve ser negado, por abusivo, o exercício do direito de ação.

CXXXIII- Note-se que a suppressio não depende de culpa do titular do direito, bastando que a situação objetiva seja criada a partir da sua inércia, geradora de justificada confiança da pessoa contra quem o direito se dirigia - cfr. o já citado e muito importante acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.06.2018.

CXXXIV- Ora, a inação dos sócios da B..., incluindo dos Recorridos e do anterior titular da quota agora titulada por estes, ao longo de mais de uma década, criou no Recorrente DD a legítima expectativa de que o falecido EE, e depois os Requerentes, não requereriam a sua destituição com justa causa com fundamento nas circunstâncias há muito conhecidas de todos e que não lhes mereceu qualquer ação ou reação.

CXXXV- Este enorme período de total inércia dos Recorridos e do anterior titular da quota destes, sem que antes manifestassem qualquer intenção de exercício dos direitos que agora reclamam, impõe que se declare a verificação de uma situação de abuso do direito, na modalidade da suppressio.

CXXXVI- Com efeito, decorridos todos estes anos, o falecido EE e os Recorridos criaram no Recorrente DD a legítima expectativa de que o direito relativamente ao qual pedem agora tutela judicial, além de não existir, nunca seria exercido.

CXXXVII- Por tudo quanto vem de ser exposto, conclui-se, assim, sem grandes dificuldades, que a instauração da presente ação configura, manifestamente, um abuso do direito, motivo pelo qual devia a sentença recorrida ter julgado procedente a exceção de abuso do direito e, não o tendo feito, violou o disposto no artº. 334.º do CC.

CXXXVIII- Nestes termos, deve a sentença recorrida ser substituída por outra que julgue verificada a exceção de abuso do direito invocada pelos Recorrentes e os absolva dos pedidos.

CXXXIX- Por fim, em face da decisão proferida o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o pedido de condenação dos Recorridos em litigância de má-fé formulado pelos Recorrentes na contestação.

CXL- Sucede que, em face da alteração da decisão sobre a matéria de facto e sobre a matéria de direito nos termos propugnados no presente recurso, que se espera vir a proceder, deve o Tribunal pronunciar-se sobre o pedido de condenação em litigância de má-fé.

CXLI- Com efeito, nos artº.ºs 156.º a 168.º da contestação, os Recorrentes invocaram a litigância de má-fé dos Recorridos, peticionando, a final, sob a alínea f) do pedido, a sua condenação, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 542.º, do CPC, em multa condigna a fixar por este douto Tribunal, bem como em indemnização a pagar aos Recorrentes pelos prejuízos sofridos em virtude da má-fé dos Recorridos ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 543.º do mesmo código.

CXLII- Vindo a ser julgada improcedente a ação, e em face da matéria de facto provada na decisão recorrida e aquela que se requereu que fosse aditada (indicados sob as alíneas a) a k) do capítulo II.), existe matéria de facto suficiente e fundamento de direito para decidir (e deferir) do pedido de condenação dos Recorridos em litigância de má-fé, o que se requer”.

6- Os AA. responderam, pugnando pela confirmação do julgado. Isto porque, em síntese, entendem que o seu direito a requerer a destituição do Apelante não se encontra prescrito (até por aplicação do prazo de prescrição do procedimento criminal, que é aqui aplicável), nem houve da sua parte, renúncia a esse direito, como sustentado na sentença recorrida. Têm ainda por inútil a modificação da matéria de facto e refutam igualmente a má fé que lhes imputada.

7- Considerando que este processo não é urgente, o recurso foi admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foi ainda, no mesmo despacho, suprida a nulidade imputada a sentença recorrida, quanto ao abuso de direito, invocado pelos RR. tendo aí sido decidido julgar improcedente essa exceção.

8- Os RR. vieram, então, alargar o âmbito do recurso, terminando a correspondente peça processual com as seguintes conclusões:

“I - A decisão recorrida fundamenta a inexistência de abuso do direito nos mesmos fundamentos que invocou para fazer improceder a exceção de prescrição do direito de os aqui Recorridos peticionarem a destituição de gerente do Recorrente DD e a renúncia dos Recorridos do direito de peticionar essa destituição, isto é, (i) que é aplicável o prazo de prescrição de 5 anos previsto no artº. 174.º do CSC e (ii) que só a partir da data da decisão final de condenação dos Réus proferida no âmbito do processo-crime, ou seja, em 15.02.2021, se pode considerar que os autores estariam em condições de conhecer a prática dos factos e a condenação pela prática do crime

II- No entanto, além de se discordar – pelos motivos já expostos no recurso de apelação interposto – do prazo prescricional que o Tribunal a quo considerou aplicável ao caso dos autos, certo é que, caso fosse de aplicar o prazo de 5 anos invocado na decisão recorrida, o momento do conhecimento dos factos pelos Autores não se confunde com o momento da condenação dos Réus em processo-crime, sendo que o que desencadeia o início da contagem do prazo é o ato ilícito (o seu termo), sendo este a violação dos deveres de gerente, que ocorre com a prática dos factos, e não a condenação do gerente no âmbito de um processo-crime.

III- Assim, também para efeitos de apreciação da exceção de abuso do direito, o que releva, e resulta demonstrado nos autos – na matéria de facto assente na decisão recorrida e na que ali deve ser aditada nos termos requeridos no recurso de apelação interposto – é que, pelo menos em 2014.05.02, aquando da receção dos documentos de suporte à Assembleia Geral de 2014.05.23, os sócios tiveram pleno conhecimento dos factos que servem de base ao pedido de destituição formulado nos presentes autos e do relatório da autoridade tributária na sequência da inspeção tributária de que a B... foi alvo.

IV- Por outro lado, na fundamentação da decisão recorrida a propósito da prescrição, o Tribunal a quo também refere entender que o conhecimento do anterior sócio EE não pode considerar-se conhecimento dos Autores, seus herdeiros, já que estes, naquelas datas, não eram sócios da sociedade, por isso, não poderiam exercer quaisquer direitos societários, o que apenas podiam fazer após sucessão por morte do primitivo sócio, que apenas ocorreu em 17.11.2020.

V- No entanto, não assiste razão ao Tribunal a quo, quanto à prescrição, por força do regime previsto no artº. 308.º do CC e, quanto a qualquer outro instituto, sob pena de se subverter facilmente os impedimentos previstos na lei que afetem o titular de uma quota, bastando para isso que, sempre que algum obstáculo se verifique, se faça mudar o respetivo titular, por exemplo, por simples cessão de quotas.

VI – Aos Autores, aqui Recorridos, é imputável o conhecimento dos factos pelo anterior titular da quota, Senhor EE, que ocorreu, como vimos, em 2014.05.02.

VII- Em consequência, os factos relevantes para o conhecimento da exceção de abuso do direito são todos aqueles que foram praticados ou omitidos desde 2014.05.02, seja pelo falecido Senhor EE seja pelos Autores, aqui Recorridos.

VIII- Acresce que, na fundamentação vertida pelo Tribunal a quo na parte em que aprecia a exceção de abuso do direito, a decisão recorrida faz apelo ao prazo de prescrição de 5 anos para afirmar que entende não se poder considerar abuso do direito que os Autores tenham aguardado pela decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo-crime.

IX- O argumento avançado pelo Tribunal a quo apenas faz sentido na apreciação do abuso do direito, na modalidade de suppressio, e já não na modalidade de venire contra factum proprium também invocada pelos Recorrentes, uma vez que não é pressuposto desta última – mas apenas da primeira – o não exercício do direito por um período prolongado.

X- De todo o modo, ainda que para a apreciação do abuso do direito na modalidade de suppressio, com o devido respeito por opinião contrária, o argumento invocado pelo Tribunal a quo não pode colher, na medida em que, sob pena de tornar inútil o instituto, o período de não exercício do direito terá de ser necessariamente inferior ao prazo de prescrição do direito, devendo ser apreciado caso a caso.

XI- Ora, no caso dos autos, mesmo que fosse de considerar a data da prolação do acórdão em 1.ª instância no Processo-Crime como defende a decisão recorrida (2021.02.15) – o que não se concede –, teríamos que os Recorridos aguardaram mais de dois anos e meio até à interposição da presente ação.

XII- O que, considerando o direito que se pretende exercer nos presentes autos, que, pelos motivos já explanados nas alegações de recurso a propósito do prazo de prescrição, exigem uma atuação célere para a rápida estabilização das relações, configura inequivocamente um período prolongado de não exercício do direito gerador de abuso do direito na modalidade de suppressio.

XIII- Acresce que, o Tribunal a quo invoca não terem sido alegados factos de onde o Tribunal pudesse concluir pela verificação de uma situação de confiança nos Réus que os legitimasse a acreditar que os Autores não pediriam a destituição de DD com base nesses factos.

XIV- Mais uma vez, o argumento avançado pelo Tribunal a quo apenas faz sentido na apreciação do abuso do direito, na modalidade de suppressio, e já não na modalidade de venire contra factum proprium também invocada pelos Recorrentes, uma vez que não é pressuposto desta última – mas apenas da primeira – uma situação de confiança derivada do não uso do direito.

XV- Não se pode concordar com a decisão recorrida, a qual, aliás, se contraria a ela própria, pois, logo no início da apreciação da exceção, a decisão recorrida expõe os factos concretos invocados pelos Recorrentes que demonstram e concretizam a confiança criada no Recorrente DD de que os Recorridos não requereriam a sua destituição.

XVI - Atendendo aos factos provados na decisão recorrida – em particular, os pontos 5., 6., 8., 8., 9., 10., 11., 12. e 13. – e, bem as assim os factos cujo aditamento aos factos provados se requer no presente recurso (cfr. alíneas a) a k) do capítulo II. da motivação apresentada em 2025.02.11) – resulta inequivocamente demonstrado que os sócios da B..., incluindo o falecido EE e os Recorridos, mesmo tendo conhecimento de tudo quanto agora invocam para fundar a presente ação, nunca requereram a suspensão e a destituição do Requerido DD da gerência da sociedade, tendo, pelo contrário, continuado a confiar-lhe a gestão da sociedade durante longos anos.

XVII- A conduta dos sócios da B..., nomeadamente dos Recorridos, ao longo de todos estes anos em que, sabendo das circunstâncias em que agora fundamentam a ação, nada fizeram para impedir que o Recorrente DD prosseguisse com a gestão dos negócios da sociedade, nem a contestaram, demonstra que mantiveram intacta a confiança que agora alegam ter sido quebrada.

XVIII- Durante mais de uma década – durante a qual era do seu conhecimento as circunstâncias em que fundam o pedido que agora formulam – os sócios da B..., incluindo o falecido EE, e depois os Recorridos, nunca requereram, nem manifestaram intenção de requerer, a suspensão e destituição do Requerido da gerência da sociedade com tal fundamento.

XIX- Os sócios da B..., incluindo o falecido EE, e depois os Recorridos, mesmo depois de tomarem conhecimento de qualquer uma das circunstâncias em que agora fundam esta ação, continuaram a confiar no Recorrente DD para prosseguir com a gestão dos negócios da sociedade.

XX- Assim, ainda que se entendesse que existe na esfera jurídica dos Recorridos o direito de requerer a suspensão e a destituição do Recorrente DD da gerência – o que não se concede, mas por mera hipótese de raciocínio se admite –, sempre se teria de concluir que o exercício desse direito pelos Recorridos é manifestamente abusivo porque contrário aos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, nos termos do disposto no artº. 334.º do CC, quer na modalidade de venire contra factum proprium, quer na modalidade da suppressio.

XXI - Como é consabido, o legislador consagrou no artº. 334.º do CC o abuso do direito, impondo limites ao exercício de direitos quando, apesar de reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica, o seu exercício contrarie os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desses direitos, caso em que o seu exercício pelo respetivo titular passa a ser ilegítimo.

XXII - Quanto ao venire contra factum proprium, no caso, o comportamento anterior do anterior titular da quota dos Recorridos, o falecido EE, e dos próprios Recorridos – demonstrando pleno conhecimento das circunstâncias em que agora fundam a presente ação, designadamente das relações comerciais estabelecidas entre a B..., a C... e a D... e não requerendo ou manifestando intenção de requerer a destituição do Recorrente DD da gerência – gerou no último uma confiança legítima de que não o iriam fazer, levando-o a continuar a investir o seu tempo, esforço, know-how em prol da sociedade, que fez crescer e que valorizou.

XXIII - Afigura-se manifestamente abusivo que, subitamente, os Recorridos decidam, com base em circunstâncias há muito deles conhecidas, e contra a sua própria conduta até aí verificada, que é momento de procurar retirar o Recorrente DD da gerência da sociedade.

XXIV - Acresce que, incorrem também os Requerentes, no caso concreto, em abuso do direito no campo processual.

XXV - De facto, de tudo quanto ficou já exposto, resulta evidente que os Recorridos carrearam para os autos uma sucessão de factos que sabem serem totalmente falsos, começando, desde logo, pelo momento em que tomaram conhecimentos dos factos em que fundamentam a presente ação, mas também porque, ao mentirem quanto ao momento em que tomaram conhecimento daqueles factos, deliberadamente quiseram omitir ao Tribunal que, durante longos anos, agiram de modo consentâneo com a manutenção da confiança na gestão de DD que agora invocam estar irremediavelmente comprometida.

XXVI- Já no que concerne à suppressio, teremos, em princípio, as seguintes características, a aferir caso a caso: (i) um não-exercício prolongado; (ii) uma situação de confiança, daí derivada; (iii) uma justificação para essa confiança; (iv) um investimento de confiança; (v) a imputação da confiança ao não-exercente.

XXVII- Sublinha-se que, o Supremo Tribunal de Justiça já afirmou que, para se verificar uma situação de abuso do direito, na modalidade da suppressio, não é necessário que o titular do direito tenha tido algum comportamento anterior que pudesse criar a confiança na contraparte de que o direito não seria exercido, uma vez que esta modalidade de abuso do direito se distingue do venire contra factum proprium pela ausência de conduta anterior.

XXVIII- De acordo com o Supremo Tribunal de Justiça, apesar de o período de tempo durante o qual o direito não foi exercido pelo seu titular necessário para que se possa afirmar a suppressio dever ser aferido casuisticamente, esse lapso temporal sempre deverá ser inferior ao prazo de prescrição, de forma a acautelar a utilidade do instituto.

XXIX- Independente da existência ou não do direito na esfera jurídica do titular que o exerce, e antes mesmo da sua indagação, pode e deve o tribunal declarar o abuso de direito de ação sempre que seja de concluir que, ainda que existisse, o exercício do direito pelo seu titular é manifestamente abusivo, subsumindo-se a uma daquelas situações excecionais em que deve ser negado, por abusivo, o exercício do direito de ação.

XXX- Note-se que a suppressio não depende de culpa do titular do direito, bastando que a situação objetiva seja criada a partir da sua inércia, geradora de justificada confiança da pessoa contra quem o direito se dirigia - cfr. o já citado e muito importante acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.06.2018.

XXXI- Ora, a inação dos sócios da B..., incluindo dos Recorridos e do anterior titular da quota agora titulada por estes, ao longo de mais de uma década, criou no Recorrente DD a legítima expectativa de que o falecido EE, e depois os Requerentes, não requereriam a sua destituição com justa causa com fundamento nas circunstâncias há muito conhecidas de todos e que não lhes mereceu qualquer ação ou reação.

XXXII- Este enorme período de total inércia dos Recorridos e do anterior titular da quota destes, sem que antes manifestassem qualquer intenção de exercício dos direitos que agora reclamam, impõe que se declare a verificação de uma situação de abuso do direito, na modalidade da suppressio.

XXXIII- Com efeito, decorridos todos estes anos, o falecido EE e os Recorridos criaram no Recorrente DD a legítima expectativa de que o direito relativamente ao qual pedem agora tutela judicial, além de não existir, nunca seria exercido.

XXXIV- Por tudo quanto vem de ser exposto, conclui-se, assim, sem grandes dificuldades, que a instauração da presente ação configura, manifestamente, um abuso do direito, motivo pelo qual devia a sentença recorrida ter julgado procedente a exceção de abuso do direito e, não o tendo feito, violou o disposto no artº. 334.º do CC.

XXXV- Nestes termos, deve a sentença recorrida ser substituída por outra que julgue verificada a exceção de abuso do direito invocada pelos Recorrentes e os absolva dos pedidos.

XXXVI- Caso assim não se entenda, sempre haverá de substituir a decisão recorrida por outra que ordene o prosseguimento dos autos para julgamento a fim de ser produzida prova sobre os factos alegados pelos Recorrentes que permaneçam controvertidos com relevo para a decisão da exceção de abuso do direito, designadamente invocados pelos Recorrentes nos artº.s 255.º a 389.º da contestação”

9- Os AA. responderam pedindo, novamente a improcedência do recurso.

10- Recebido o mesmo nesta instância, verifica-se que ele é o próprio e nada obsta ao conhecimento do respetivo objeto. Inclusivamente, não obsta a esse conhecimento a intempestividade alegada pelos RR, uma vez que esse objeto versa sobre a decisão que foi proferida na ação e não no procedimento cautelar, não sendo, assim, caso de processo urgente, como se decidiu no Tribunal recorrido.

11- Deste modo, preparada que está a deliberação, importa tomá-la.


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II- Mérito do recurso

A- Definição do seu objeto

Tendo em conta que a nulidade imputada à sentença recorrida (derivada da falta de apreciação do abuso de direito, invocado pelo Apelante), foi suprida e, nessa sequência, ampliado o objeto do recurso, cinge-se esse objeto, à luz das conclusões das alegações dos recorrentes – que, como é sabido, delimitam o poder cognitivo do tribunal de recurso, sem prejuízo, designadamente, das questões de conhecimento oficioso [artigos 608º, nº 2, “in fine”, 635º, nº 4, e 639º, nº1, do Código de Processo Civil (CPC)] -, a saber se:

1- Deve haver lugar à requerida modificação da matéria de facto;

2- O direito dos AA. a pedirem a destituição do R. do cargo de gerente da Ré, se encontra prescrito;

3- Os AA. renunciaram a esse direito;

4- Os AA. agem em abuso de direito;

5- O R. não deve ser destituído, por justa causa, das funções de gerente da Ré;

6- Os AA. atuam de má fé e por isso devem ser sancionados.


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B- Fundamentação

1.1- Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:

1. Os Autores são titulares em comum e sem determinação de parte ou direito, de uma quota no valor nominal de 62 259,95 euros, no capital social da sociedade “A..., Lda.”, por sucessão de EE.

2. EE faleceu em 17.11.2020.

3. A sociedade “A..., Lda.” tem como objeto social a indústria de produtos de alumínio e de redes de arame.

4. Os gerentes da sociedade “A..., Lda. (B...)” são o Réu DD e II.

5. No Processo n.º 34/13.5TELSB, que correu termos pelo Juízo Central Criminal de Lisboa (Juiz 22), foi proferido Acórdão no Tribunal da Relação de Lisboa em 27.09.2022, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.07.2023, que confirmaram integralmente o Acórdão proferido em 1.ª Instância, em 15.02.2021, tendo tais decisões transitado em julgado, quanto ao ali arguido DD, em 05.09.2023, e quanto à sociedade “A..., Lda.”, em 20.10.2024, após Acórdão do Tribunal Constitucional proferido em 08.10.2024, onde estes arguidos foram condenados, respetivamente: o arguido DD pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos. 103.º, n.º 1, al. c), e 104.º, n.ºs 2, al. a), e 3, ambos do RGIT, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo a contar do trânsito em julgado do acórdão de condenação, ficando esta suspensão subordinada ao dever de aquele, no decurso do período de suspensão, entregar à Autoridade Tributária o montante global de €48.000,00 (quarenta e oito mil euros) por conta do valor fixado a título de indemnização, devendo comprovar anualmente no processo o pagamento de €12.000,00 (doze mil euros); a sociedade arguida “A..., Lda.”, pela prática de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º 1, al. c), e 104.º, n.ºs 2, al. a), e 3, ambos do RGIT, e pelos artigos. 90.º-A, n.º 1, e 90.º-B, n.ºs 4 e 5, ambos do Código Penal, ex vi art. 3.º do RGIT, na pena de 700 (setecentos) dias de multa à taxa diária de €100,00 (cem euros), o que perfaz o montante global de €70.000,00 (setenta mil euros); ambos os arguidos condenados solidariamente com outros arguidos do processo, a pagarem à Fazenda Nacional o valor de €2 082 498,49 (dois milhões e oitenta e dois mil quatrocentos e noventa e oito euros e quarenta e nove cêntimos), acrescido juros de mora à taxa legal, vencidos desde a data da notificação dos arguidos/demandados para contestarem o pedido de indemnização civil, e vincendos, até integral pagamento [arts. 559.º e 804.º a 806.º, todos do Código Civil, e Portaria n.º 291/2003, de 08.04].

6. No Processo n.º 34/13.5TELSB foram considerados provados os seguintes factos:

“1) O arguido HH engendrou um plano tendo em vista a aquisição por parte da sociedade arguida de direito espanhol, por si representada, D..., S.A. (D...), de ferro vendido pelas empresas, também de direito espanhol, E..., S.A. (E...), e F..., SL (F...), sem que para o efeito aquela tivesse de suportar o pagamento de imposto sobre o valor acrescentado (IVA).

2) De acordo com o plano formulado pelo arguido HH, a mercadoria seria adquirida às referidas empresas espanholas pela sociedade arguida de direito português C... — UNIPESSOAL, LDA. (C...), também representada por aquele, sem haver lugar ao pagamento de IVA, por se tratar de transação intracomunitária.

3) O referido plano engendrado pelo arguido HH previa que, na realidade, a sociedade arguida C... venderia a mercadoria à sociedade arguida D... que, por seu turno, efetuaria o respetivo pagamento.

4) No entanto, o mesmo plano previa ainda que a sociedade arguida C... iria faturar a mercadoria à sociedade arguida A..., LDA. (B...), que, por sua vez, faturaria tal mercadoria, sem liquidar IVA, por se tratar de aparente transação intracomunitária, à sociedade arguida D....

5) Ainda de acordo com o aludido plano engendrado pelo arguido HH, os pagamentos da mercadoria, a realizar pela sociedade arguida D... à sociedade arguida C... passariam primeiro pela conta bancária titulada pela sociedade arguida B..., após o que seriam encaminhados por esta para a conta bancária da sociedade arguida C....

6) A fim de ser mantida a aparência da realização de verdadeiras transações entre as sociedades arguidas C... e B..., e entre esta e a sociedade arguida D..., o referido plano previa ainda que a mercadoria passaria pelas instalações da sociedade arguida B... e daí transitaria para os destinatários indicados pelo arguido HH em representação da sociedade arguida D....

7) O plano engendrado pelo arguido HH previa também que as despesas com o transporte da mercadoria faturada pela sociedade arguida B... à sociedade arguida D..., das instalações daquela empresa para os destinatários indicados pelo primeiro, seriam suportadas pela D... e que, para tanto, a B... emitiria as correspondentes faturas.

8) Por fim, o plano elaborado pelo arguido HH previa que o IVA faturado pela sociedade arguida C... à sociedade arguida B..., por um lado, não seria entregue ao Estado Português pela sociedade arguida C... e, por outro lado, seria objeto de pedido de reembolso por parte da sociedade arguida B....

9) Os arguidos DD e GG, em representação da sociedade arguida B..., aderiram ao descrito plano e aceitaram que esta empresa integrasse o referido circuito de faturação.

10) Os arguidos DD e GG, em representação da sociedade arguida B..., nunca quiseram comprar nem vender o ferro que, de acordo com o plano, seria adquirido pela sociedade arguida C... às empresas espanholas E... e F..., e que seria depois encaminhado para os destinatários indicados pelo arguido HH.

11) O arguido HH, em representação da sociedade arguida C..., nunca quis vender à sociedade arguida B... a mercadoria que seria depois encaminhada para os destinatários pelo mesmo indicados.

12) O arguido HH, em representação da sociedade arguida D..., nunca quis comprar a mercadoria à sociedade arguida B....

13) Os arguidos HH, DD e GG combinaram entre si que a sociedade arguida B... receberia como contrapartida pela entrada da mesma no aludido circuito de faturação a diferença entre o valor que lhe seria faturado pela sociedade arguida C... e o valor que aquela iria faturar à sociedade arguida D....

14) Ainda de acordo com o combinado, tal contrapartida a ser recebida pela sociedade arguida B... seria paga através da diferença entre o valor das transferências bancárias da sociedade arguida D... para a conta da sociedade arguida B... e o valor das transferências bancárias desta para a conta da sociedade arguida C....

15) O arguido HH, em representação da sociedade arguida C..., delineou ainda um plano que previa que esta não entregasse ao Estado Português o montante pela mesma devido a título de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC).

16) Na execução do planeado nos termos mencionados, o arguido HH, em representação das sociedades arguidas C... e D..., e os arguidos DD e GG, em representação da sociedade arguida B..., agiram pela forma a seguir descrita.

17) Em 08.02.2012, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Ílhavo a constituição, pelo arguido HH, da sociedade arguida C....

18) O arguido HH indicou como sede da sociedade arguida C... a Avenida ..., ..., ..., Aveiro.

19) A sociedade arguida C..., com o NIPC ..., tem como objeto social a compra e venda de ferro e produtos similares, importação e exportação a que corresponde o CAE 46 720-R3.

20) A sociedade arguida C... encontra-se enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal, com periodicidade trimestral, e encontra-se coletada no Serviço de Finanças de Ílhavo.

21) Desde a data da constituição da sociedade arguida C..., foi sempre o arguido HH quem tomou todas as decisões referentes às opções e destino da empresa, sendo o responsável pela administração e gestão dos pagamentos aos credores da mesma, nomeadamente pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado Português e pela gestão da contabilidade da empresa e pela emissão de faturas.

22) Em 15.02.2012, o arguido HH procedeu à abertura de uma conta bancária na agência do ..., em Aveiro, em nome da sociedade arguida C..., com o n.º ....

23) No ano de 2012, a sociedade arguida C... adquiriu às empresas E... e F..., sedeadas em Espanha, um total de 19.998,94 toneladas de ferro.

24) No ano de 2012, a empresa E... emitiu a favor da sociedade arguida C... faturas correspondentes à venda a esta de 6.113,920 toneladas de ferro, pelo valor total de €3.248.569,80, a um preço médio de € 531,34 por tonelada, conforme o quadro seguinte, não tendo a primeira liquidado IVA, por se tratar de transação intracomunitária de bens:


25) No ano de 2012, a empresa F... emitiu a favor da sociedade arguida C... faturas correspondentes à venda a esta de 13.885, 020 toneladas de ferro, pelo valor total de €7.185.940,54, 61 um preço médio de €517,53 por tonelada, conforme o quadro seguinte, não tendo a primeira liquidado IVA, por se tratar de transação intracomunitária de bens:




26) A sociedade arguida B..., como NIPC ... e com sede na Rua ..., ... e ..., dedica-se desde 1940 à indústria de produtos de alumínio e de redes de arame, a que corresponde o CAE 25931-R3.

27) A sociedade arguida B... encontra-se enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal, com periodicidade mensal.

28) O arguido DD é desde 04.09.1971 sócio e gerente da sociedade arguida B....

29) No ano de 2012, foram sempre os arguidos DD e GG que tomaram todas as decisões referentes às opções e destino da sociedade arguida B..., sendo os responsáveis pela administração e gestão dos pagamentos aos credores desta, nomeadamente pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado Português e pelo pedido de reembolso de IVA, bem como pela gestão da contabilidade da empresa e pela emissão de faturas.

30) O arguido GG assumiu formalmente o cargo de gerente da sociedade arguida B... entre 05.11.2012 e 04.03.2015.

31) No ano de 2012, a sociedade arguida C... emitiu a favor da sociedade arguida B... faturas correspondentes à aparente venda a esta de 17.958,620 toneladas de ferro pelo valor total de €11.326.765,99, sendo €9.208.752,83 relativos ao valor da mercadoria, a um preço médio de €512,78 por tonelada, e tendo a primeira liquidado IVA no valor de €2.118.013,15, conforme o quadro seguinte:

32) Da referida quantidade total de 17.958,620 toneladas de ferro, 1.905,328 toneladas, correspondentes às faturas 1/2012, 2/2012, 3/2012, 5/2012, 6/2012, 7/2012, 8/2012, 9/2012, 10/2012, 14/2012, 16/2012, 20/2012, 22/2012, 25/2012, 34/2012 e 39/2012, ficaram em poder da sociedade arguida B....

33) Para pagamento de parte do valor titulado pelas faturas elencadas no ponto 31, entre 02.03.2012 e 12.11.2012, na sequência do combinado com os arguidos HH e GG nos moldes acima expostos, o arguido DD, em representação da sociedade arguida B..., ordenou a transferência para a mencionada conta bancária titulada pela socieda de arguida C..., a que corresponde o NIB  ..., do montante global de € 4.543.157,73, conforme o quadro seguinte:


34) A sociedade arguida D..., com o NIF-... e com sede na Calle ... de ..., Parque Industrial ..., ..., ... .../..., ..., Espanha, dedica-se, para além do mais, à construção civil, iniciou a sua atividade em 25.02.2008 e mostra-se registada desde 31.12.2011 para efeitos de transações intracomunitárias.

35) A partir de 10.06.2009, o arguido HH passou a ocupar o cargo de administrador único da sociedade arguida D..., situação que se manteve ao longo do ano de 2012.

36) No ano de 2012, a sociedade arguida B... emitiu a favor da sociedade arguida D... faturas correspondentes à aparente venda a esta de 16.053,292 toneladas de ferro, pelo valor total de € 8.839.821,99, a um preço médio de € 550,65 por tonelada, conforme o quadro seguinte, não tendo a primeira liquidado IVA, por se tratar de aparente transação intracomunitária de bens:

37) A mercadoria faturadas pela sociedade arguida B... à sociedade arguida D... foi recebida nas instalações daquela proveniente diretamente das empresas espanholas E... e F..., tendo estas, por seu turno, faturado tal mercadoria à sociedade arguida C... que, por sua vez, a faturou à B... nos moldes acima expostos.

38) Tais 16.053,292 toneladas de mercadoria faturadas pela sociedade arguida B... à sociedade arguida D... deram entrada nas instalações daquela empresa e foram reexpedidas, sem sofrerem qualquer transformação, para as instalações de empresas sedeadas em Espanha e na Alemanha, indicadas pelo arguido HH.

39) Para pagamento de parte do valor titulado pelas referidas faturas, entre 07.06.2012 e 30.11.2012, na sequência do combinado com os arguidos DD e GG, o arguido HH, em representação da sociedade arguida D..., ordenou a transferência para a conta bancária a que corresponde o NIB  ..., da Banco 1..., titulada pela sociedade arguida B..., do montante global de €3.665.325,00, conforme o quadro seguinte:

40) Em execução do citado plano, foi faturado pela sociedade arguida B... o custo do transporte da mercadoria faturadas por esta à sociedade arguida D..., das instalações daquela empresa para os destinatários indicados pelo arguido HH, situados em Espanha e na Alemanha, conforme o quadro seguinte, e sem que a primeira liquidasse IVA, por se tratar de prestação de serviços intracomunitária:

41) Dando execução ao descrito plano, por ordem dos arguidos DD e GG em representação da sociedade arguida B..., esta solicitou à Autoridade Tributária o reembolso do IVA liquidado pela sociedade arguida C... correspondente à mercadoria faturadas pela C... à B..., e que esta transmitiu à sociedade arguida D....

42) O valor total do IVA correspondente à mercadoria faturadas pela sociedade arguida C... à sociedade arguida B... que esta transmitiu à sociedade arguida D... é de €1.904.286,65.

43) Nesta sequência, foi pago à sociedade arguida B... o reembolso do aludido IVA relativo aos meses de Maio, de Junho e de Julho de 2012, no valor total de €686.100,81.

44) Com vista a permitir a dedução do IVA que incidiu sobre o valor faturado pela sociedade arguida C... à sociedade arguida B..., o arguido HH acordou com JJ e com KK a constituição de duas empresas.

45) Em execução do acordado, no dia 29.03.2012 foi constituída a sociedade G... UNIPESSOAL, LDA. (G...), tendo na escritura sido indicada como sede da empresa a morada da empresa “H...”, sita na Avenida ..., ..., Lisboa.

46) A sociedade G..., com o NIPC ..., tem como objeto social a “comercialização de metais”, a que corresponde o CAE ....

47) Esta sociedade encontra-se enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal, com periodicidade trimestral, e mostra-se coletada no Serviço de Finanças de Lisboa.

48) Desde a data da constituição da sociedade G..., foi sempre JJ o responsável pela administração e gestão dos pagamentos aos credores da empresa, nomeadamente pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado Português e pela gestão da contabilidade daquela e pela emissão de faturas.

49) Ainda em execução do acordado com o arguido HH, no dia 09.10.2012, KK procedeu à constituição da sociedade I... UNIPESSOAL, LDA. (I...), tendo indicado como sede desta a morada da empresa “H...”, sita na Avenida ..., ..., Lisboa.

50) A sociedade I..., com o NIPC ..., tem como objeto social a “comercialização de metais”, a que corresponde o CAE 46720-R3.

51) Esta sociedade encontra-se enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal, com periodicidade trimestral, e mostra-se coletada no Serviço de Finanças de Lisboa.

52) Desde a data da constituição da sociedade I..., foi sempre KK o responsável pela administração e gestão dos pagamentos aos credores da empresa, nomeadamente pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado Português e pela gestão da contabilidade daquela e pela emissão de faturas.

53) Após a constituição da sociedade I..., KK, com o conhecimento do arguido HH e agindo em representação daquela sociedade, procedeu em data não determinada à emissão das faturas a seguir indicadas, que foram registadas na respetiva contabilidade, a favor da sociedade G...:

54) A emissão destas faturas não assentou na realização de qualquer transação real entre as sociedades G... e I..., e apenas serviu para permitir a dedução de IVA por parte da primeira.

55) Por sua vez, o arguido HH registou na contabilidade da sociedade arguida C... as seguintes faturas emitidas por JJ em representação da sociedade G..., respeitantes à aparente compra por aquela empresa de 17.175,972 toneladas de ferro pelo valor de €9.054.341,05, a que acresce IVA no montante de €2.082.498,49, a um preço médio de €527,15:

56) A emissão destas faturas não assentou na realização de qualquer transação real entre a sociedade arguida C... e a sociedade G..., e apenas serviu para permitir a dedução pela primeira do IVA correspondente aos valores documentados nas faturas emitidas pelo arguido HH em representação da sociedade arguida C... a favor da sociedade arguida B....

57) Com base nas referidas faturas emitidas por JJ em representação da sociedade G..., o arguido HH, em representação da sociedade arguida C..., deduziu os montantes de IVA a seguir indicados, com referência aos trimestres de 2012 que também de seguida se indicam:

58) Sem a contabilização das referidas faturas emitidas pela sociedade G... a favor da sociedade arguida C..., que não assentam na realização de qualquer transação real, foi apurada em sede de IRC uma matéria coletável, relativamente à sociedade arguida C..., que deu origem à liquidação desse imposto, no montante de € 2.643.850,75.

59) O arguido HH, agindo em representação da sociedade arguida C..., registou na contabilidade desta relativa ao ano de 2012 aquisições à sociedade arguida de direito espanhol J..., S.L. (J...).

60) A sociedade arguida J..., com o NIF-ES ... e com sede em Calle ..., ..., Espanha, dedica-se, para além do mais, à comercialização de máquinas de vending e de produtos alimentícios, de bebidas e de tabaco, tendo iniciado a sua atividade em 13.10.2008 e, para efeitos de transações intracomunitárias, em 06.02.2013.

61) A partir de 29.07.2009, o arguido HH passou a ocupar o cargo de sócio-gerente da sociedade arguida J..., situação que se mantinha no ano de 2012.

62) O arguido HH, em representação da sociedade arguida J..., emitiu em Fevereiro e em Marco de 2012, a favor da sociedade arguida C..., faturas correspondentes à aparente aquisição por esta de 425,54 toneladas de ferro, pelo valor global de € 219.153,10.

63) No ano de 2012, para além das vendas que efetuou à sociedade arguida B..., a sociedade arguida C..., vendeu igualmente ferro à sociedade arguida de direito espanhol D... e à sociedade arguida de direito alemão K..., U.G.(K...), a um preço inferior ao da aquisição, num total de 39.067,66 toneladas, pelo valor global de €22.342.010,43, a um preço médio de €517,676 por tonelada.

64) O arguido HH tinha conhecimento dos factos acima descritos.

65) O arguido HH quis agir pela forma mencionada, em representação da sociedade arguida C..., e em comunhão de esforços e de intenções com JJ e com KK, que agiram em representação, respetivamente, das sociedades G... e I..., na sequência de plano por aquele gizado e a que estes aderiram.

66) O arguido HH atuou pela forma descrita com o intuito de a sociedade Arguida C... não entregar ao Estado Português o IVA correspondente aos valores documentados nas faturas emitidas pela mesma a favor da sociedade arguida B....

67) O arguido HH quis ainda agir pela forma mencionada, em representação da sociedade arguida D..., e em comunhão de esforços e de intenções com os arguidos DD e GG, que agiram em representação da sociedade arguida B..., na sequência de plano elaborado pelo primeiro e a que estes aderiram, tendo em vista a obtenção pela sociedade arguida B... do reembolso do IVA correspondente a valores documentados nas faturas emitidas pela sociedade arguida C... a favor da B....

68) O arguido HH sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

69) Os arguidos DD e GG tinham conhecimento dos factos acima descritos aos mesmos e à sociedade arguida B... respeitantes, bem como que o plano engendrado pelo arguido HH incluía a não entrega ao Estado Português do IVA correspondente aos valores documentados nas faturas emitidas por este em representação da sociedade arguida C... a favor da sociedade arguida B....

70) Os arguidos DD e GG quiseram agir pela forma mencionada, em representação da sociedade arguida B..., e em comunhão de esforços e de intenções com o arguido HH, na sequência de plano elaborado por este e a que aqueles aderiram, tendo em vista a obtenção pela sociedade arguida B... do reembolso do IVA correspondente a valores documentados nas faturas emitidas pelo arguido HH em representação da sociedade arguida C... a favor daquela.

71) Os arguidos DD e GG sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. (…)».

7. No processo n.º 34/13.5TELSB, a acusação foi proferida em 11.07.2017.

8. Em ata de julgamento realizada no processo n.º 1678/12.8TBMCN, que correu ter-mos no J3 do Juízo de Comércio de Amarante, em que é Autora a sociedade “A..., Lda.”, ali representada pelo seu gerente DD, e Réus EE e FF, consta ter sido requerida a junção aos autos, pelo Réu EE, do relatório da inspeção tributária, bem como da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de primeira instância de Penafiel, relativamente a este processo e também da acusação deduzida pelo Digno Magistrado do Ministério Público no processo crime instaurado contra o ali depoente DD e outros, na sequência deste relatório da autoridade tributária, bem como da contestação apresentada, seguindo-se o seguinte despacho: “No decurso de depoimento e declarações de parte da Autora, representada aqui pelo seu gerente DD, fora referido pelo mesmo a existência de um relatório da Autoridade Tributária, em que estaria em causa a prática de fraude fiscal pela Autora, bem assim uma sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância que confirmaria o relatório da Autoridade Tributária, estando pendente recurso quanto a essa questão. Mantém que a Autora não praticou essas condutas referidas no relatório. Refere, ainda, que terá sido deduzida acusação pelo Ministério Público contra a Autora e contra si, que terá já decorrido o prazo de contestação e que terão indicado testemunhas, não sabendo no entanto precisar qual o crime que é imputado naquela acusação.

Embora tais factos digam respeito à gerência de DD na autora, e não à gerência dos requeridos, sendo que o que está em causa nestes autos é a destituição de FF e EE das funções de gerente da Autora, o certo é que é indicado como matéria de defesa e consta aliás do ponto 45º dos temas de prova, factos relativos à gerência de DD e relacionados com a investigação criminal decorrentes de factos tributários ocorridos no período de tempo e ações judiciais em causa nos autos.

Também se verifica que já constava no artigo 31º da contestação de EE um requerimento de junção de documentos relativos a esses mesmos processos. Tal requerimento acabou por passar despercebido ao Tribunal, uma vez que constava apenas no articulado (artigo 31º) e não constava a final nos requerimentos probatórios, nem tal tendo sido reiterado pela parte na audiência prévia realizada.

Ponderando tudo o exposto, e por poder vir afigurar-se relevante para a boa decisão da causa e por tal não acarretar atrasos na programação da presente audiência de julgamento, sendo que a parte já se pronunciou sobre tais documentos, não sendo necessário confrontação da parte com tais documentos, determina-se a junção dos aludidos documentos aos autos, notificando-se DD para até à próxima sessão de audiência de julgamento juntar aos autos o referido relatório da Autoridade Tributária, em que são imputados à Autora factos integradores de fraude fiscal, a sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância de Penafiel e as alegações de recurso apresentadas nesse mesmo processo e ainda a acusação deduzida pelo Ministério Público e referente a esses mesmos factos, e bem assim, a contestação ou rol de testemunhas apresentado nesse processo.”

8. Da ata de julgamento realizada no processo n.º 1678/12.8TBMCN consta ainda em assentada que se seguiu ao depoimento do gerente DD o seguinte: “Refere que em termos fiscais não está a fazer uma má gestão, mas reconheceu a existência do relatório da autoridade tributária em que são imputados factos à autora (“A..., Lda.”), praticados por si enquanto gerente que (segundo a AT) constituirão a prática de carrossel e alude ainda a uma sentença de primeira instância, estando pendente de recurso e ainda a acusação do Ministério Público, documentos cuja junção fora ordenada nesta audiência.

Mantém que se encontra de consciência tranquila e que a sociedade através de si não praticou tais factos.”

9. Por sentença de habilitação proferida em 28.06.2021, no processo n.º 81/13.7TBMCN, que correu termos no J1 deste Juízo de comércio de Amarante, os Autores foram habilitados como sucessores do ali Autor EE.

10. Em declaração escrita datada de 12.05.2014, EE declarou ter recebido, entre outros, os seguintes documentos: Proposta da Gerência para a Assembleia Geral Extraordinária de 23 de maio de 2014, Relatório de Inspeção Tributária com a referência ..., Citação postal relativa ao processo no ..., Citação postal relativa ao processo n o ..., Citação postal relativa ao processo no ..., Citação postal relativa ao processo n o ..., Citação postal relativa ao processo no ..., Citação postal relativa ao processo no ....

11. Por sentença proferida em 14.06.2016, no processo n.º 366/14.5BEPNF, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, foi julgada improcedente a impugnação apresentada pela sociedade “A..., Lda.”, referente às liquidações adicionais de IVA dos meses de maio, junho, julho, setembro e novembro de 2912 e respetivos juros compensatórios e de mora, no valor global de 697 511,83 euros.

12. No Relatório de Inspeção Tributária, realizada à sociedade Ré, datado de 16.12.2013, consta que os factos ali descritos configuram, à data, a prática do crime de fraude fiscal qualificada tipificado na alínea c) do n.º 1 do artigo 103.º e do n.º 2 do artigo 104.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), sendo que a vantagem patrimonial ilegítima conseguida pelos intervenientes, em sede de IVA, foi de 1 904 286,65 euros.

13. Em Assembleia Geral da sociedade ré, realizada em de 15.03.2023, onde esteve presente a autora AA em representação dos herdeiros do sócio EE, a mesma abordou a sentença de condenação proferida em 1.ª instância no processo n.º 34/13,5TELSB, com condenação da sociedade e do seu gerente, o Réu DD, e ainda a sentença proferida em 1.ª instância no do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, processo n.º 366/14.5BEPNF.

14. Em Assembleia Geral da sociedade Ré, realizada em 11.12.2023, foi deliberado pelos sócios a nomeação de LL, registado na CMCM com o n.º ..., para o cargo de Revisor Oficial de Contas da sociedade.


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C- Análise dos fundamentos do recurso

Em ordem à apreciação e decisão das exceções por si invocadas (prescrição, renúncia ao direito de pedir a destituição do cargo de gerente e abuso do direito) e para sustentar a decisão sobre o pedido de condenação dos AA. como litigantes de má-fé, pretendem os RR. (ora Apelantes) que se amplie a matéria de facto fixada na sentença recorrida, introduzindo-lhe diversos factos por si alegados que, a seu ver, por não terem sido oportunamente impugnados e resultarem da documentação junta aos autos, devem ser julgados demonstrados.

Acontece que, como veremos ulteriormente, essa pretendida ampliação da matéria de facto é totalmente inútil para aqueles efeitos, uma vez que, apenas com base nos factos já julgados provados na sentença recorrida, é possível concluir que o direito que os AA. se propõem exercer nesta ação está prescrito, ficando assim prejudicada a apreciação das demais exceções e a sorte do pedido relativo à má fé que os RR. imputam àqueles também não está dependente de tal ampliação.

Mas, vamos por partes.

Aquilo que fundamentalmente está em causa nesta ação, a propósito da referida prescrição, é, por um lado, saber qual era o prazo para os sócios da Ré pedirem, em juízo, a destituição do R. como gerente dessa sociedade, com base em justa causa; e, por outro lado, desde quando devia esse direito ter sido exercido.

Quanto ao primeiro aspeto, na sentença recorrida seguiu-se o entendimento plasmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/06/2020([2]), nos termos do qual o direito de requerer a destituição judicial de administradores ou gerentes de sociedades comerciais, fundada em “justa causa”, promovida pela sociedade ou por sócios, está sujeito ao prazo especial de prescrição societária regulado no artigo 174.º, n.º 1, al. b), do Código das Sociedades Comerciais (CSC), com recurso à extensão teleológica desta norma. Ou seja, dito por outras palavras, está sujeito ao prazo de prescrição de cinco anos, contados do termo da conduta dolosa ou culposa do sujeito responsável [fundador, gerente, administrador, membro do conselho fiscal, do conselho geral e de supervisão, revisor ou liquidatário] ou da sua revelação, se aquela conduta houver sido ocultada.

E, assim, aplicando esta orientação ao caso presente, considerou-se naquela sentença que o direito que os AA. se propõem exercer nesta ação não está prescrito.

Isto porque “estando em causa um comportamento com relevância penal […] o momento do conhecimento dos factos pelos Autores, a considerar para inicio da contagem do prazo de prescrição, deverá ser o momento em que os Autores podiam tomar conhecimento da decisão final de condenação dos Réus proferida no âmbito do invocado processo crime e este só ocorreu depois da prolação do Acórdão em 1.ª Instância, quando são fixados os factos provados em julgamento, já que antes, existia uma mera investigação da prática de tais factos no âmbito da inspeção tributária, e depois uma acusação proferida pelo Ministério Público, mas onde os arguidos poderiam vir a ser absolvidos da prática de tais factos quer no âmbito da fase de instrução quer em sede de julgamento”.

Ademais - continua a mesma sentença -, “tendo o Réu DD negado sempre no âmbito dos diversos processos em que foi parte conjuntamente com os Autores, e também nas diversas Assembleias Gerais da sociedade, a prática dos factos que lhe foram imputados a si em representação da sociedade, no Relatório da Inspeção Tributária e mais tarde na Acusação proferida no processo n.º 34/13.5TELSB, que correu termos pelo Juízo Central Criminal de Lisboa (Juiz 22), e presumindo-se inocente até ser condenado, é abusivo que os Réus venham agora invocar o conhecimento de tais factos pelo antecessor dos Autores, o sócio EE, para contabilizar o inicio do prazo de prescrição do direito dos autores, enquanto sucessores daquele primitivo sócio, peticionarem a sua destituição do cargo de gerente com base na prática de tais factos”.

Deste modo, “tendo a condenação do Réu DD e da sociedade sido decidida por Acórdão proferido em primeira instância em 15.02.2021, só a partir desta data se pode considerar que os autores estavam em condições de conhecer a prática dos factos e a condenação pela prática do crime, portanto só a partir desta data se poderia iniciar a contagem do prazo de 5 anos, logo, quando intentaram a ação de destituição do cargo de gerente ainda não haviam decorrido 5 anos.

Mas ainda que assim se não entenda, e se pudesse considerar que, com a dedução da acusação pelo Ministério Público, em 11.07.2017 (facto provado em 7), os factos podiam ser conhecidos pelo sócio antecessor dos Autores EE, ou poderiam ter sido conhecidos por este sócio EE aquando da emissão do Relatório de Inspeção Tributária, em 16.12.2013 (facto provado em 12), e que tal conhecimento por parte deste sócio EE sempre terá ocorrido, como invocam os Réus, em 12.05.2014, a verdade é que entendemos que tal conhecimento não pode considerar-se conhecimento dos Autores, já que estes, naquelas datas não eram sócios da sociedade, por isso, não poderiam exercer quaisquer direitos societários, o que apenas podiam fazer após sucessão por morte do primitivo sócio, e esta apenas ocorreu em 17.11.2020, assim, também por aqui não teria ocorrido a prescrição do direito pessoal dos autores peticionarem a destituição do Réu do cargo de gerente.

Não obstante, presumindo-se os Réus inocentes até ao trânsito em julgado da sentença de condenação proferida no processo n.º 34/13.5TELSB e sendo a causa de pedir desta ação essa mesma condenação e as suas nefastas consequências para a sociedade Ré, designadamente a sua condenação no pagamento à Autoridade Tributária de uma indemnização no valor de €2 082 498,49 (dois milhões e oitenta e dois mil quatrocentos e noventa e oito euros e quarenta e nove cêntimos), cremos que apenas com o conhecimento da decisão final proferida em tal processo se iniciou o prazo de prescrição dos Autores virem a juízo pedir a destituição do cargo de gerente do réu DD, com base nessa mesma condenação.

Ora, no identificado processo crime foi proferido Acórdão no Tribunal da Relação de Lisboa em 27.09.2022, que confirmou integralmente a factualidade provada em primeira instância e a condenação dos réus pela prática do crime de fraude fiscal e no pagamento da indemnização à Fazenda Nacional, e foi proferido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em 06.07.2023, que igualmente confirmou o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

Assim sendo, cremos que, sendo apenas possível o recurso da matéria de direito para o Supremo Tribunal de Justiça, a factualidade imputada aos Réus tem de se considerar definitivamente assente e, como tal, com possibilidade de ser conhecida dos Autores, após a prolação do Acórdão proferido no Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou os factos provados em 1.ª instância, e esta ocorreu em 27.09.2022, pelo que, tendo a ação sido instaurada em 13.09.2023, manifesto é que ainda não ocorreu a prescrição do direito dos Autores peticionarem a destituição do Réu DD com base na sua condenação e da sociedade de que é gerente pela prática de um crime de fraude fiscal e no pagamento da indemnização à Fazenda Nacional no valor de €2 082 498,49 (dois milhões e oitenta e dois mil quatrocentos e noventa e oito euros e quarenta e nove cêntimos), já que antes não existia tal condenação, ou seja, não existia o dano invocado para a sociedade por factos praticados pelo seu gerente DD”.

Os RR., todavia, não se conformam com este entendimento.

E, além de continuarem a sustentar, como sustentaram antes, que o prazo de prescrição aqui aplicável é o previsto no artigo 254.º, n.º 6, do CSC (90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da atividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, cinco anos contados do início dessa atividade), defendem também que, mesmo seguindo a tese adotada na sentença recorrida, há muito que a prescrição do direito à destituição exercido nestes autos pelos AA. se verificou. Isto porque, para além do mais, não tendo havido ocultação, nem sendo aplicável ao caso presente a extensão do prazo de prescrição prevista no artigo 174.º, n.º 5, do CSC (porque não foi pedida nenhuma indemnização nestes autos), os sócios da Ré há muito tomaram conhecimento dos factos que servem de base à pretensão formulada nesta ação. Tomaram conhecimento, pelo menos, no dia 02/05/2014 dos documentos de suporte à Assembleia Geral realizada no dia 23/05/2014; no dia 24/05/2018, “da acusação deduzida pelo Ministério Público que deu origem ao Processo-Crime, da sentença proferida em 1.ª Instância no Processo Fiscal e do relatório da Autoridade Tributária elaborado na sequência da inspeção fiscal de que foi objeto a C...”; no dia 03/09/2021 “da sentença proferida em 1.ª instância no Processo-Crime, na qual se podem ler os mesmos factos que servem de fundamento à presente ação”; e, ainda, no dia 29/09/2022, “do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2022.09.27 proferido no Processo-Crime com a qual agora instruíram a presente ação”.

Assim, uma vez que os AA. sucederam na posição antes ocupada pelo falecido, EE, tendo em conta o disposto no artigo 308.º, n.º 1, do Código Civil, deve ter-se por verificada a referida prescrição.

E, a nosso ver, os RR. têm razão. Como já antes adiantámos, o direito que os AA. se propõem exercer nesta ação está prescrito.

Com efeito, como se provou, os AA. são, atualmente, contitulares de uma quota no valor nominal de 62.259,95€, no capital social da sociedade, A..., Ldª (B...). Mas são-no por sucessão de EE, antigo sócio (e, nalguns períodos temporais, também gerente[3]) daquela sociedade, falecido no dia 17/11/2020.

Acontece que, como também já está provado, este mesmo EE, em escrito datado de 12/05/2014, “declarou ter recebido, entre outros, os seguintes documentos: Proposta da Gerência para a Assembleia Geral Extraordinária de 23 de maio de 2014, Relatório de Inspeção Tributária com a referência ..., Citação postal relativa ao processo nº ..., Citação postal relativa ao processo nº ..., Citação postal relativa ao processo nº ..., Citação postal relativa ao processo nº ..., Citação postal relativa ao processo nº ..., Citação postal relativa ao processo nº ...”.

E, mais tarde, num processo em que figurou como R. [com vista à sua destituição de gerente da B... (Processo n.º 1678/12.8TBMCN)], ele próprio requereu, no dia 14/05/2018, a junção aos autos “do relatório da inspeção tributária, bem como da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de primeira instância de Penafiel, relativamente a este processo e também da acusação deduzida pelo Digno Magistrado do Ministério Público no processo crime instaurado contra o ali depoente DD e outros, na sequência deste relatório da autoridade tributária, bem como da contestação apresentada”, o que foi deferido. Aliás, na contestação que apresentou nesse processo já tinha aludido a alguns desses elementos, designadamente, ao dito Relatório (artigos 30.º a 32.º - doc. 5, apresentado com a contestação destes autos).

Ora, se analisarmos estes elementos, mas particularmente o referido Relatório de Inspeção Tributária (que se encontra junto aos autos com doc. 7, apresentado com a contestação), facilmente verificamos que os factos que motivam o pedido de destituição do R. são os mesmos que aí vêm descritos (ainda que não pelas mesmas palavras). E são de resto, no essencial, também os mesmos que deram origem às liquidações adicionais de IVA, posteriormente impugnadas na jurisdição Administrativa e Fiscal, e à acusação e decisões penais proferidas no âmbito do processo n.º 34/13.5TELSB. Aliás, como está provado (ponto 12), “[n]o Relatório de Inspeção Tributária, realizada à sociedade Ré, datado de 16.12.2013, consta que os factos ali descritos configuram, à data, a prática do crime de fraude fiscal qualificada tipificado na alínea c) do n.º 1 do artigo 103.º e do n.º 2 do artigo 104.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), sendo que a vantagem patrimonial ilegítima conseguida pelos intervenientes, em sede de IVA, foi de 1 904 286,65 euros”; tanto quanto, como também se provou no âmbito do aludido processo criminal (ponto 42 dos factos atinentes a esse processo), “[o] valor total do IVA correspondente à mercadoria faturadas pela sociedade arguida C... à sociedade arguida B... que esta transmitiu à sociedade arguida D...”.

Neste contexto, assim, só se pode concluir que os factos em questão, quer para desencadear qualquer um dos procedimentos indicados, quer para motivar o pedido de destituição do R. nesta ação, são os mesmos.

E, não se diga que os distingue, no fundo, é a sua relevância penal e as consequências que, nesse âmbito, lhe foram atribuídas, de que os AA. se afirmam, só agora, conhecedores (artigo 3.º da petição inicial). Ou mesmo a relevância de tais factos no plano tributário.

Na verdade, como decorre do disposto no artigo 257.º, n.ºs 4 e 6, do CSC, aquilo que fundamenta o pedido de destituição, por justa causa, de um gerente de uma sociedade comercial são, antes de mais, factos. Factos, obviamente, com relevância societária. Seja devido à “violação grave dos deveres do gerente”, seja em resultado da “sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções”. É necessário, no fundo, que ocorra uma “situação que atendendo aos interesses da sociedade e do gerente, torna inexigível àquela manter a relação orgânica com este, designadamente porque o gerente violou gravemente os seus deveres, ou revelou incapacidade ou ficou incapacitado para o exercício normal das suas funções”[4]. Pressupõe-se, pois, tal como na resolução dos contratos em geral, uma ideia de inexigibilidade para a perda do interesse do credor na prestação do devedor, em virtude de um facto ou situação gravemente lesiva desse mesmo interesse. Não um interesse qualquer, obviamente, mas um interesse juridicamente relevante, uma vez que só este justifica semelhante rutura[5].

E é a esta luz que os factos devem ser analisados. Não, necessariamente, à luz de outras consequências.

Ora, como vimos, pelo menos desde que recebeu o Relatório de Inspeção Tributária, ou seja, desde o dia 12/05/2014, o já aludido EE (enquanto sócio), passou a ser conhecedor dos factos nos quais os AA., agora, baseiam o pedido de destituição do R., DD.

Por conseguinte, a partir de então, podia ter pedido essa destituição, com tal fundamento.

Mas, não o fez. De modo que se pode concluir que, quando faleceu e os AA. lhe sucederam na sua posição societária, ou seja, no dia 17/11/2020, já o direito a tal destituição estava prescrito. Isto, independentemente da tese por que se opte. Na verdade, mesmo considerando a tese seguida na sentença recorrida, que nos parece também ser a preferível, em face da argumentação expendida no já citado Acórdão do STJ de 16/06/2020, sobretudo tendo em conta a situação específica regulada no artigo 254.º, do CSC, o prazo máximo de prescrição, como vimos, é de cinco anos, contados do termo da conduta dolosa ou culposa do sujeito responsável ou da sua revelação, se aquela conduta houver sido ocultada.

Ora, no caso, como acabámos de ver, essa conduta foi dada a conhecer ao referido antecessor dos AA., pelo menos no dia 12/05/2014. Logo, quando o mesmo faleceu, em 17/11/2020, já se tinha completado o referido prazo de prescrição.

E outro prazo não pode aqui ser considerado. Designadamente, o previsto no artigo 174.º, n.º 5, do CPC, uma vez que, nesta ação, não está em causa nenhuma obrigação de indemnizar a sociedade e só nessa hipótese é que “[s]e o facto ilícito de que resulta a obrigação constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, será este o prazo aplicável]. De resto, nem na sentença recorrida, nem qualquer das partes coloca a hipótese de aplicação deste preceito.

De modo que o prazo de prescrição a considerar é o já referido e, de acordo com ele, tendo em conta os dados já avançados, é manifesto que o direito que os AA. se propõem exercer nesta ação está prescrito.

Em todo o caso, importa acrescentar que, mesmo que assim não se considerasse e se entendesse que só mais tarde, aquando do processo que foi movido ao já referido, EE, com vista à sua destituição da gerência da Ré (processo n.º 1678/12.8TBMCN), é que esse conhecimento foi por si revelado, seja na contestação que aí apresentou, seja, depois, no dia 14/05/2018, quando requereu a junção aos autos do já falado Relatório de Inspeção Tributária e de outros elementos, também aí o direito em causa já estava prescrito à data da propositura desta ação.

É que os AA. não pretendem aqui fazer valer um direito novo que tenha surgido na sua esfera jurídica com o ingresso na estrutura societária da Ré. Pelo contrário, esse direito baseia-se em factos anteriores a esse ingresso e, como vimos, já era detido pelo seu antecessor, ou seja, o já referido, EE, pelo que, ocupando o lugar que a este último competia, o prazo de prescrição que então estivesse em curso, manter-se-ia como tal. O artigo 308.º, n.º 1, do Código Civil, é claro a este propósito: “Depois de iniciada, a prescrição continua a correr, ainda que o direito passe para novo titular”. Ou seja, não se interrompe, nem se suspende, seja qual for a causa da transmissão do direito. “A accesio temporis” - refere António Menezes Cordeiro[6] - torna-se uma evidência, justamente se se considerar a situação em si e não a pessoa: é indiferente que ocorra uma cessão singular ou universal e a parte creditoris ou debitoris”. Logo, a transmissão da posição societária daquele sócio para os AA. nenhuma perturbação introduziu no referido direito, que, assim, também nesta hipótese, já estaria extinto, por prescrição, à data da propositura da presente ação.

Consequentemente, nada mais resta do que declará-lo, ficando, assim, prejudicada a apreciação das demais questões colocadas pelos RR., relacionadas com a renúncia a esse direito e o seu putativo uso abusivo.

Resta a questão da má fé.

Sobre esta problemática, dispõe o artigo 542.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, o seguinte:

“1- Tendo litigado com má-fé, a parte é condenada em multa e indemnização à parte contrária, se esta a pedir.

2- Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.

No fundo, consagrou-se neste normativo a noção que já vinha desde o Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, que introduziu nesta matéria importantes alterações.

Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, instituiu-se, expressamente, o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por ação ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjetivos[7].

As partes, pois, e os seus Mandatários estão obrigadas a agir de boa-fé. E agir de boa-fé pressupõe que não incorram em nenhuma das condutas já referenciadas e tipificadas como sinónimo do comportamento contrário.

Mas não só. Pressupõe igualmente que estas condutas típicas sejam adotadas com dolo ou negligência grave; isto é, com consciência e vontade de as realizar ou mesmo, de forma temerária, com culpa grave ou erro grosseiro[8]. Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/09/2012 ([9]), “a litigância de má-fé exige a consciência de que quem pleiteia de certa forma, tem a consciência de não ter razão”.

Pois bem, no caso presente, cremos que essa má-fé, da parte dos AA., não está evidenciada.

Daquilo que os AA. se queixam, no fundo, é de os AA. terem exercido o já referido direito de destituição quando o mesmo estava prescrito; de a ele terem renunciado; e também de tal exercício ter sido abusivo.

Ora, ainda que se tenha julgado procedente o primeiro destes fundamentos, daí não decorre que os AA. tenham atuado de má-fé na propositura da presente ação. Pelo contrário, face à sua tese de que os dados essenciais ao exercício de tal direito só tinham chegado ao seu conhecimento antes de decorrido o prazo de prescrição e considerando até que na sentença recorrida foi dada guarida a essa tese, bem se vê que nunca esse exercício poderia ser enquadrado no instituto da má-fé. E o mesmo se diga dos demais fundamentos que também foram rejeitados na sentença recorrida, na qual se considerou, inclusive, que abusivo é “que os Réus venham agora invocar o conhecimento de tais factos pelo antecessor dos Autores, o sócio EE, para contabilizar o inicio do prazo de prescrição do direito dos autores, enquanto sucessores daquele primitivo sócio, peticionarem a sua destituição do cargo de gerente”. Não significa isto que se secunde esta posição, da qual já nos afastámos. Mas, o que se pretende significar com esta menção é que a tese defendida pelos AA. nesta ação não se pode considerar reveladora de má-fé, no sentido já assinalado.

Assim, pois, o pedido de condenação a este título é de julgar improcedente.

Já a principal pretensão do recurso, pelo contrário, é de julgar procedente e, nessa medida, revogada a sentença recorrida, declarando prescrito o direito à destituição de que os AA. se arrogaram titulares nesta ação.


*

III- Dispositivo

Pelas razões expostas, acorda-se em:

1º) Julgar o presente recurso parcialmente procedente e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida e declara-se prescrito o direito à destituição do R. como gerente da Ré, de que os AA. se arrogaram titulares nesta ação;

2.º) Absolver os RR. do pedido da sua condenação como litigantes de má fé.


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- Em função deste resultado, as custas deste recurso serão suportadas pelos AA. - artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC.


Porto, 27/5/2025
João Diogo Rodrigues
Raquel Correia de Lima
Rodrigues Pires
______________
[1] A par da ação, os AA. requereram igualmente, a título cautelar, a suspensão imediata das funções do gerente DD, a sua destituição, bem como a nomeação de um outro gerente, tendo aquela suspensão sido decretada, por sentença proferida no dia 14/01/2024, sem audiência prévia dos RR.
Estes últimos deduziram oposição a esse procedimento juntamente com a contestação, mas, apesar de ter sido iniciada a produção de prova presencial, foi na sentença recorrida considerado que, atenta a prolação de tal sentença, ficava “prejudicada, por inutilidade superveniente, a diligência de produção de prova no âmbito da oposição à providência de suspensão decretada”, pelo que a mesma foi dada sem efeito.
[2] Processo n.º 2231/17.5T8STS.P1.S2, consultável em www.dgsi.pt.
[3] Cfr. certidão junta como doc. 1, com a petição inicial.
[4] Jorge M. Coutinho de Abreu (Coord.) e Outros, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. IV, 2ª edição, Almedina, pág. 128. No mesmo sentido, o Autor citado Jorge M. Coutinho de Abreu), in Curso de Direito Comercial, Vol. II, 6ª edição, Almedina, pág. 589.
[5] Neste sentido, por exemplo, Ac. STJ de 22/02/2022, Processo n.º 1917/18.1T8AMT.P2.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[6] Tratado de direito Civil Português, I, Parte Geral, Vol IV, 2005, Livraria Almedina, pág.
[7] Texto adaptado do preâmbulo ao Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro.
[8] Neste sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3ª Ed., Almedina, pág.456.
[9] Processo n.º 2326/11.09TBLLE.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt