RESPONSABILIDADE POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário

I - Tendo a lesada, que contava 45 anos de idade à data do acidente, ficado afetada por um défice funcional permanente da integridade física de 7 pontos percentuais, que implicam esforços suplementares para a sua atividade profissional de empregada de balcão em estabelecimento de ervanário, onde auferia o salário mensal de 940,00€, entendemos que para a reparação do dano biológico é justa e adequada a verba de 30.000,00€.
II - Para a reparação, neste mesmo caso, do dano não patrimonial sofrido pela lesada, onde se terão em conta as dores resultantes das lesões sofridas e dos tratamentos efetuados com um “quantum doloris” fixado no grau 4/7, a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixada no grau 2/7 e a repercussão permanente na atividade sexual fixada no grau 2/7, consideramos que a importância de 30.000,00€ é justa e equitativa no que concerne à reparação desse dano.
III – É também indemnizável, nos termos dos arts. 562º e 564º, nº 2 do Cód. Civil, a perda de rendimentos sofrida pela lesada, em virtude de, como consequência do acidente, ter deixado de receber um prémio de desempenho anual, correspondente a dois salários mensais, que pela sua regularidade e permanência deve considerar-se que integra a retribuição.

Texto Integral

Proc. nº 3180/22.0 T8PRT.P1

Comarca do Porto – Juízo Central Cível do Porto – ...

Apelação

Recorrente: AA

Recorrida: “A... – Companhia de Seguros, S.A.”

Relator: Eduardo Rodrigues Pires

Adjuntos: Desembargadores Pinto dos Santos e Rui Moreira

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

A autora AA, com residência na Rua ..., Porto, intentou a presente ação comum contra a ré A... – Companhia de Seguros, S.A.”, com sede na Rua ..., Porto, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia global de 208.353,44€, assim discriminada:

a) 60.000,00€ como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos;

b) 50.000,00€ a título de indemnização pelo dano biológico;

c) 41.653,44€ a título de perda de rendimentos do trabalho;

d) 4.140,00€ relativos a despesas havidas pela autora até ao presente momento com empregada doméstica que teve que contratar para assegurar as lides domésticas que exigem maior esforço físico;

e) 52.560,00€ correspondente ao dano patrimonial decorrente da incapacidade provocada à autora pelas lesões e consequente necessidade de contratar uma empregada doméstica que assegure as lides domésticas futuras que implicam maior esforço físico, para toda a vida;

f) Na quantia que vier a ser liquidada relativamente às despesas que a autora venha a realizar com transportes, tratamentos, consultas médicas, fisioterapia, exames de diagnóstico, medicamentos e todos e demais atos que venham a ser considerados úteis ou necessários ao seu tratamento e sejam consequência ou relacionados com o atropelamento, ou quaisquer outras lesões e sequelas ou consequências de que venha a sofrer em virtude do mesmo e despesas inerentes, quantias estas acrescidas de juros contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Alega nesse sentido que foi interveniente em acidente de viação causado por culpa de condutora de veículo seguro na ré, acidente que lhe causou danos patrimoniais e não patrimoniais.

A ré foi regularmente citada, tendo apresentado contestação, na qual aceitou parcialmente a dinâmica do acidente e se pronunciou pela procedência parcial do pedido.

Foi citado o Instituto de Solidariedade e Segurança Social, o qual formulou pedido de condenação da ré no pagamento da quantia 2.671,50€, paga a título de concessão provisória de subsídio de doença à autora.

Foi proferido o despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizou-se audiência de julgamento com observância do legal formalismo.

Por fim, proferiu-se sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia global de 75.000,00€, acrescida de juros de mora contados desde o dia seguinte ao da prolação da sentença, à taxa de 4%, até efetivo e integral pagamento, absolvendo a ré do demais pedido.

Mais condenou a ré a pagar ao Instituto de Segurança Social, a título de reembolso dos montantes pagos a título de subsídio de doença, a quantia global de 2.671,50€, acrescida de juros de mora contados desde a data da notificação do pedido, à taxa de 4%, até efetivo e integral pagamento.

A autora, inconformada com o decidido, interpôs recurso de apelação, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. Os depoimentos das testemunhas BB e CC, conjugados com o teor do documento junto pela recorrente em audiência final e com o teor das conclusões da Perícia, impunham ao Tribunal “a quo” considerasse provados os factos alegados no artigo 49 da petição inicial.

II. Em consequência, tal matéria de facto deve ser levada aos factos provados mediante aditamento de um novo ponto sob o n.º 58 com a redacção que a seguir se sugere, o que se requer, eliminando-se as alíneas g) e h) dos factos não provados:

58. No exercício das suas funções de atendimento ao balcão, tem de sentar-se permanentemente durante o horário de trabalho para aliviar as dores, e necessita constantemente da ajuda, condescendência e tolerância das suas colegas de trabalho, e da sua entidade patronal para essas paragens.

III. Considerando os depoimentos das testemunhas DD, EE e BB, conjugados com o teor das conclusões da Perícia, impunham ao Tribunal recorrido considerasse provados os factos alegados no artigo 53 e 54 da petição inicial.

IV. Consequentemente, tem para si a recorrente que tal matéria deverá constar dos factos provados, mediante aditamento de novos pontos sob os n.ºs 59 e 60, com a seguinte redacção, o que se requer, eliminando-se as alíneas i) e j) dos factos não provados:

59. Após o acidente a Autora passou a ser uma pessoa fechada e introvertida, e também complexada pela situação estética.

60. A Autora mantém uma posição defensiva do pescoço, em virtude das dores que sente.

V. Tendo em conta os depoimentos das testemunhas DD e EE, conjugados com o teor das conclusões da Perícia, impunham ao Tribunal recorrido considerasse provados os factos alegados no artigo 57 e 58 da petição inicial.

VI. Decorrentemente, entende a recorrente que tais factos deverão constar dos factos provados, mediante aditamento de novos pontos sob os n.ºs 61 e 62, com a seguinte redacção, o que se requer, eliminando-se as alíneas k) e l) dos factos não provados:

61. A Autora chora frequentemente a pensar no acidente e nas limitações que sente, o que muito a contraria e perturba.

62. A Autora tem receio de fazer brincadeiras com as suas duas filhas menores, devido às dores que lhe posam causar.

VII. Considerando os depoimentos das testemunhas DD e EE, conjugados com o teor das conclusões da Perícia, impunham ao Tribunal “a quo” considerasse provados os factos alegados nos artigos 65, 66, 67 e 68 da petição inicial.

VIII. Em consequência, tem para si a recorrente que deverá aditar-se tais factos sob os n.ºs 63, 64, 65 e 66 aos factos provados, com o teor que a seguir se sugere, e eliminadas as alíneas q), r), s) e t) dos factos não provados:

63. Depois do acidente a Autora nunca mais conduziu e tem pavor de andar de automóvel.

64. Quando anda de carro fica muito tensa e nervosa.

65. Quando viaja de carro com o marido, está-lhe sempre a chamar à atenção pois todo os movimentos de outros veículos lhe parecem que vão atingir novamente o carro no qual se desloca.

66. Se o marido ultrapassar a velocidade de 50 a 60 Km/hora, começa a gritar e quer sair a todo o custo.

IX. Tendo em conta a matéria de facto provada, que traduz uma repercussão acentuada para a vida da Autora, um dano de extensão considerável e com reflexos permanentes e irreversíveis na sua vida, tem para si a recorrente que o quantum das indemnizações a fixar a título de danos não patrimoniais e do dano biológico deverá ser superior ao decidido pelo Tribunal recorrido.

X. Considerando o referido contexto factual considerado provado, e confrontando-o com a Jurisprudência dos Tribunais Superiores, tem para si a recorrente como equilibrada, proporcional e equitativa a fixação da quantia de €35.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, e a quantia de €35.000,00 como indemnização pelo dano biológico, considerando a situação existente à data da Decisão, nas quais a Seguradora recorrida deverá ser condenada.

XI. O critério adoptado pelo Tribunal recorrido para fixar o valor de €25.000,00, que considerou equitativo a título de indemnização pela perda de rendimentos em virtude da privação da parte da retribuição correspondente ao prémio anual, recebido em duodécimos da entidade patronal, não foi correctamente aplicado, com repercussão negativa na indemnização arbitrada.

XII. Ao ancorar a base de cálculo nas regras previstas na lei laboral para a fixação dos montantes de indemnização aos trabalhadores, concretamente no disposto no artigo 48.º n.º 3, alínea c) da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, o Tribunal “a quo” estava vinculado a considerar aquele regime legal como um todo, pelo que a perda efectiva é reduzida a 70% do seu valor, mas calculada considerando que tal perda é legalmente havida como vitalícia, e não apenas até à idade provável de reforma, como se fez na Sentença sob recurso.

XIII. Considerando que a esperança média de vida das mulheres em Portugal é de 83,67 anos, significa que o hiato de tempo a considerar para o cálculo desse valor futuro perdido é de 36 anos, e não 18, como fez o Tribunal recorrido (83-47=36), pelo que o valor a arbitrar é de €47.376,00 (€1.880,00 x 70% x 36 anos), só assim se fazendo plena aplicação do critério escolhido pelo Tribunal, valor no qual a Seguradora recorrida deverá ser condenada, uma vez que os limites contidos no artigo 609.º, n.º 1, do CPC, têm de ser entendidos como referidos ao valor do pedido global e não às parcelas em que aquele valor se desdobra.

XIV. Ainda que se entenda que o limite superior do hiato de tempo a considerar é o da esperança de vida activa - situação que aqui se equaciona por cautela e dever de patrocínio - então em obediência ao disposto no art.º 562.º e 564, n.ºs 1 e 2, ambos do Código Civil, o dano deverá ser integralmente reparado, pelo que o resultado obtido é de €33.840,00 (€1.880,00 x 18 anos).

XV. A demandar actualização equitativa para quantia de €40.000,00, considerando os naturais aumentos da remuneração mensal, que foram a base de cálculo da referida gratificação, por só assim se conseguir a maior aproximação possível à perda de rendimento efectiva, na qual a Seguradora deverá ser condenada.

XVI. Ao decidir em sentido diverso do exposto na presente alegação, a Sentença recorrida violou o disposto nos art.ºs 483º, n.º 1, 496º, n.º 1, 562.º, 564.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil, e art.º 48.º n.º 3, alínea c) da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro.

Pretende assim a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que, alterando a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos requeridos, fixe os valores indemnizatórios a atribuir à recorrente nos termos agora referidos.

A ré apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido.

O recurso foi admitido como apelação, com efeito devolutivo, subida imediata e nos próprios autos.

Cumpre, então, apreciar e decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO

O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.


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As questões a decidir são as seguintes:

I. Reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto;

II. Valor das indemnizações atribuídas para ressarcimento do dano biológico e de danos não patrimoniais sofridos pela autora;

III. Valor da indemnização atribuída à autora pela privação da parte da retribuição correspondente ao prémio anual recebido em duodécimos.


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Os factos dados como provados na sentença recorrida são os seguintes:

1. A autora nasceu em ../../1973;

2. No dia 2 de março de 2019, pelas 14:55 horas, a A. seguia como passageiro no veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca “Renault”, modelo ... e matrícula ..-RJ-.., na Rua ..., Cidade do Porto;

3. O RJ é propriedade da sociedade B..., Lda;

4. Na altura conduzido pelo marido da A., EE;

5. O trânsito na Rua ... processa-se em duas faixas de rodagem de sentido único descendente (norte - sul);

6. O RJ circulava pela faixa da direita a velocidade aproximada de 30 Km/hora.

7. A par do RJ, pela faixa do lado esquerdo e no mesmo sentido descendente, circulava o veículo de marca “Audi”, modelo ... e matrícula ..-DO-..;

8. Propriedade de FF;

9. E na altura por si conduzido.

10. Com o risco de circulação transferido, por contrato de seguro válido e então vigente, para com a Ré, titulado pela apólice n.º ...12.

11. Ambos os veículos circulavam lado a lado, animados sensivelmente da mesma velocidade, e aproximavam-se do entroncamento que dá para a Rua ... (à direita).

12. Alguns metros antes do referido entroncamento, inicia-se uma linha contínua central entre ambas as faixas, que se prolonga para além do mesmo.

13. No momento em que ambos passavam pelo entroncamento, o DO, que mantinha a marcha na faixa esquerda, guinou repentinamente para a sua direita.

14. Transpôs a linha contínua e invadiu a faixa direita onde circulava o RJ.

15. Embatendo com violência com a sua frente lateral direita na lateral e frente lateral esquerda do RJ.

16. Em consequência do embate, o veículo RJ foi embater num poste de iluminação pública que se encontrava no passeio da artéria em causa;

17. Foi então admitida no SU, no mesmo dia, referindo queixas de cervicalgia, sem défices neurovasculares;

18. No SU realizou radiografia e TC cervical que revelaram: “fratura com trajeto vertical que se estende pela massa lateral esquerda (envolvendo a faceta articular superior) pelo corpo vertebral de C2 (vertente posterior) até à lâmina direita.

19. Achados sugestivos de fratura tipo III.

20. O canal vertebral apresentava amplitude dentro da normalidade.

21. Não se observaram alterações osteo-discais com repercussão intracanalar ou foraminal significativa;

22. Ficou internada, apresentando uma boa evolução no internamento.

23. Teve indicação para tratamento conservador com colar de Minerva com apoio mentoniano;

24. Teve alta em 04/03/2019.

25. A autora realizou várias consultas exames médicos, nomeadamente:

a) 13 consultas de ortopedia, 6 (seis) das quais no Hospital 1...,

b) 4 no Hospital 2..., 2 (duas) na Clínica de Ortopedia C..., Lda, e 1 (uma) na Clínica D..., todos na Cidade do Porto.

c) 2 consultas de Neurocirurgia no Hospital 1..., Porto.

d) 2 consultas de Medicina Física e Reabilitação no Hospital 1..., Porto.

e) 2 intervenções de enfermagem para imobilizações, no Hospital 1..., Porto.

f) 1 TAC ao Crânio no Hospital 1..., Porto.

g) 1 TAC à Coluna Cervical no Hospital 1..., Porto.

h) 1 Rx Cervical no Hospital 1..., Porto.

i) 1 Electrografia dos membros superiores na Clínica “E...”, no Porto.

j) 1 TAC à Coluna Cervical no Hospital 2..., Porto.

k) 1 Ressonância Magnética no Hospital 3..., no Porto.

l) 1 Ressonância Magnética da Coluna lombo-sagrada na Clínica F..., no Porto.

m) 1 Ressonância Magnética da Coluna Cervical na Clínica G..., no Porto.

n) 1 Radiograma Digital da Coluna Cervical, no Hospital 4....

o) 60 sessões de fisioterapia, no Hospital 1..., Porto (uma sessão diária durante dois meses, ininterruptamente).

26. Realizou depois TC da coluna cervical em 22/04/2019, que indicou ligeira diminuição da amplitude dos topos ósseo das fraturas de C2 que abrangem o corpo e massas laterais, interessando o buraco intertransversário direito, e a lâmina direita, ainda sem evidentes sinais de consolidação ou formação de pontes de ossificação (…) C3-C4 protusão discal posterior mediana que contacta anteriormente o cordão medular. C4-C5 e C5-C6 protusões disco-osteofitárias posteriores de base larga que molda anteriormente o cordão medular.

27. Realizou uma RMN crânio-encefálica em 25/05/2019.

28. Manteve acompanhamento em consulta de Ortopedia, e cumpriu imobilização cervical durante 12 semanas com colar rígido e, posteriormente, recomendado uso de colar de espuma, com registo de melhoria clínica e imagiológica nas consultas de seguimento.

29. Alta da consulta de trauma a 20/09/2019.

30. Do acidente não resultaram sequelas ao nível psiquiátrico;

31. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 20/09/2019;

32. O período de Défice Funcional Temporário Total foi de 3 dias;

33. Período de Défice Funcional Temporário Parcial foi de 200 dias;

34. O Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total foi de 193 dias;

35. Já o período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial foi de 10 dias;

36. O quantum Doloris é fixável no grau 4/7;

37. O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica e fixável em 7 pontos.

38. As sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares;

39. A repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 2 /7.

40. A Repercussão permanente na Atividade Sexual fixável no grau 2 /7;

41. Tem de recorrer a medicação analgésica, nomeadamente para os períodos de agravamento do quadro álgico.

42. É empregada por conta de outrem num estabelecimento de ervanário, no Porto, propriedade da sociedade “H..., Lda”, onde exerce as funções de balconista;

43. Sendo que, em 2022, recebia o salário mensal de €940,00;

44. À data do acidente a autora era uma pessoa alegre e bem-disposta, feliz e amante da vida.

45. Era muito sociável e extrovertida;

46. À data do acidente, a A. e família (marido e as duas filhas menores) tinham uma viagem de férias marcada (e paga) entre os dias 4 e 12 de abril de 2019, para a realização de um cruzeiro no mediterrâneo com saída de Barcelona, que há vários anos desejava fazer;

47. Fruto do acidente das lesões sofridas teve que cancelar a viagem, o que muito a entristeceu.

48. Desde, pelo menos, 2016, e até Outubro de 2020, a autora recebeu, anualmente, o correspondente a 16 salários, sendo dois deles correspondentes a compensação pela disponibilidade e empenho da execução do trabalho;

49. Os quais eram pagos em duodécimos;

50. E dependiam, ano a ano, de decisão da gerência da sua entidade patronal:

51. Sendo que, pelo facto de passar a ter um acréscimo de esforço na execução do seu trabalho, deixou de receber esses dois salários mensais a mais, a partir de Outubro de 2020;

52. Sempre foi a autora a fazer a gestão da casa e, de uma maneira geral, quem executava os atos necessários a assegurar a lide doméstica do agregado familiar;

53. Até porque o marido trabalha em empresa multinacional e passa vários períodos fora de casa;

54. Desde março de 2019, por sentir mais dificuldade na realização da gestão da casa, a autora tem tido a necessidade de se socorrer de empregada doméstica aos sábados, por período de 5 (cinco) horas, para a passagem de roupa e ferro, mudar as roupas de cama, lavagem e tratamento de roupas da família e roupas de cama, aspirar o chão e limpeza das casas de banho, entre outras;

55. E cujos serviços prestados por terceiro são remunerados à razão de €6,00/hora, num total aproximado de €120,00 mês;

56. A Ré, por carta datada de 10/05/2019, assumiu a responsabilidade exclusiva da condutora do DO na produção do acidente, e já suportou as despesas com medicamentos, transportes, consultas e fisioterapia, ocorridas até à data da propositura da ação.

57. Pelo tempo em que perdurou a incapacidade temporária para o trabalho que teve origem no acidente de trabalho, o ISS pagou à autora a quantia: de €2.671,50 a título de subsídio de doença - 2019/03/03 a 2019/08/29;


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Os factos não provados são os seguintes:

a) que o estado de saúde da autora tenha vindo a piorar;

b) que tenha mais dores e maior rigidez do pescoço;

c) e que possa vir a ser sujeita a uma artrodese C1 / C2 (neurocirurgia);

d) que qualquer movimento, por pequeno que seja, lhe cause dores;

e) Que não suporte qualquer tipo de cargas, mesmo ligeiras, nem consiga realizar a maioria parte das tarefas domésticas, como aspirar, fazer camas, passar a ferro entre outras;

f) Que necessite sempre da ajuda de terceiro para a realização dessas tarefas e para transportar as compras que faz para casa (sacos de compras);

g) Que no exercício das suas funções de atendimento ao balcão, tenha de sentar-se permanentemente durante o horário de trabalho para aliviar as dores;

h) E que necessite constantemente da ajuda das suas colegas de trabalho, e da sua entidade patronal para essas paragens;

i) Que após o acidente tenha passado a ser uma pessoa fechada e introvertida, e também complexada pela situação estética;

j) Que tenha de manter uma posição defensiva do pescoço, em virtude das dores que sente;

k) Que chore frequentemente a pensar no acidente e nas limitações que sente;

l) Que não consiga fazer brincadeiras com as suas duas filhas;

m) Que ande sempre tensa e apreensiva;

n) Não consiga realizar qualquer tarefa doméstica, como cozinhar, limpar, passar a ferro ou mudar as roupas de cama;

o) Que tenha uma sensação constante de “peso na nuca”, com permanente necessidade de encolher os ombros para aliviar e descomprimir;

p) Que esteja contraindicada a prática de qualquer actividade desportiva para toda a vida, o que lhe provoca tristeza e infelicidade;

q) Que depois do acidente nunca mais tenha sido capaz de conduzir e tem pavor de andar de automóvel;

r) Que apenas viaje de carro por absoluta necessidade, e que fique muito tensa e nervosa;

s) Que quando viaja de carro com o marido, está-lhe sempre a chamar à atenção pois todo os movimentos de outros veículos lhe parecem que vão atingir novamente o carro no qual se desloca;

t) E que se qualquer veículo onde viaja ultrapassar a velocidade de 50 a 60 Km/hora, comece a gritar e a querer sair a todo o custo;

u) Que tenha de fazer regularmente sessões de fisioterapia, por causa das lesões sofridas com o acidente em discussão nos autos;

v) Ou que tenha de recorrer regularmente a médicos ortopedistas, em virtude do acidente.


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Passemos à apreciação do mérito do recurso.

I. Reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto

1. A autora/recorrente, no seu recurso, impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, pretendendo que as alíneas g), h), i), j), k), l), q), r), s) e t) sejam eliminadas dos factos não provados, transitando para a factualidade assente sob nºs 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65 e 66 com a seguinte redação:

58. No exercício das suas funções de atendimento ao balcão, tem de sentar-se permanentemente durante o horário de trabalho para aliviar as dores, e necessita constantemente da ajuda, condescendência e tolerância das suas colegas de trabalho, e da sua entidade patronal para essas paragens.

59. Após o acidente a Autora passou a ser uma pessoa fechada e introvertida, e também complexada pela situação estética.

60. A Autora mantém uma posição defensiva do pescoço, em virtude das dores que sente.

61. A Autora chora frequentemente a pensar no acidente e nas limitações que sente, o que muito a contraria e perturba.

62. A Autora tem receio de fazer brincadeiras com as suas duas filhas menores, devido às dores que lhe posam causar.

63. Depois do acidente a Autora nunca mais conduziu e tem pavor de andar de automóvel.

64. Quando anda de carro fica muito tensa e nervosa.

65. Quando viaja de carro com o marido, está-lhe sempre a chamar à atenção pois todo os movimentos de outros veículos lhe parecem que vão atingir novamente o carro no qual se desloca.

66. Se o marido ultrapassar a velocidade de 50 a 60 Km/hora, começa a gritar e quer sair a todo o custo.

Decorre esta matéria factual do alegado nos arts. 49º, 53º, 54º, 57º, 58º, 65º, 66º, 67º e 68º da petição inicial e no sentido das alterações pretendidas indica a autora, com referências horárias, passagens dos depoimentos prestados pelas testemunhas BB, CC, DD e EE e ainda o documento denominado “ficha de aptidão para o trabalho” junto aos autos na audiência de julgamento e também o relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível.

2. Uma vez que a autora observou os ónus previstos no art. 640º do Cód. Proc. Civil, ir-se-ão reapreciar os pontos factuais impugnados.

Procedemos assim à audição dos depoimentos testemunhais que foram indicados.

BB é colega de trabalho e amiga da autora. Disse que esta, após o acidente, perdeu o prémio da empresa (I...), porque o seu rendimento diminuiu e deixou de trabalhar ao sábado, em que habitualmente fazia 4 horas. Sabe disto porque viu os recibos de vencimento da autora. Mesmo à semana ela cansa-se muito e já chega a casa cheia de dores. Mais referiu que durante o trabalho tem que fazer pausas e ainda que ficou mais lenta. As paragens que faz no trabalho são normalmente de 10 minutos a cada duas ou três horas. Toma analgésicos.

CC é sócia-gerente da entidade patronal da autora (I...). Disse que a autora recebia normalmente um prémio de desempenho que deixou de receber após o acidente. Correspondia este prémio a mais dois meses de salário pagos em duodécimos. Após o acidente a autora passou a ter muitas dores, mal pode mexer o pescoço, não pode ir ao armazém buscar produtos e tem uma posição muito hirta. Não pode virar o pescoço para falar com um cliente e também não consegue subir escadas para ir buscar produtos e precisa de alguém disponível para fazê-lo. Deixou igualmente de ir trabalhar ao sábado e passou a ter que estar sempre acompanhada por alguém. Por comparação com as outras colaboradoras teve que deixar de lhe pagar a gratificação, o que se verificou em 2020. Referiu ainda que sempre que a autora vai à Medicina no Trabalho, vem com notas a dizer que não pode pegar em pesos com mais de 5 Kg. e que tem de descansar frequentemente. Por isso, faz paragens constantemente. Salienta ainda que a autora não consegue entregar a um cliente uma embalagem com 6 litros de leite.

DD é amigo de infância do marido da autora. Disse que há uma AA (autora) antes do acidente e uma outra depois. Tornou-se uma pessoa diferente, exibindo um olhar triste, ela que antes era uma pessoa alegre. A sua expressão evidencia que tem dores. Continua com medo de andar de carro, não chegando a ser necessário atingir grande velocidade para que esse medo se manifeste, bastando para tal uma maior aproximação de outro carro. Acrescenta que a autora tem medo de brincar com as filhas.

EE é o marido da autora. Disse que a sua mulher está rígida e não olha lateralmente. Tem muitas dores. Depois do acidente nunca mais conduziu, nunca mais fez desporto, tem medo de sair de casa, tem medo de andar de carro. Passou a ser uma pessoa muito triste, perdeu a felicidade. Para ter menos dores começou a adotar uma posição defensiva, com a cabeça para a frente, em jeito de tartaruga. As filhas não conseguem abraçar a mãe, porque ela reage defensivamente como forma de evitar a dor. Chora frequentemente à noite. Mais referiu que é um suplício conduzir com a autora ao lado, pois ela vai continuamente em tensão e faz-lhe contínuas chamadas de atenção em relação aos outros veículos. Na auto-estrada, circulando na faixa da direita, chega a ser ultrapassado por camiões, porque a autora não aceita viajar acima de certas velocidades. Já fez terapia para abandonar esse medo, mas sem sucesso.

Da ficha de aptidão para o trabalho, elaborada em 7.11.2024 no âmbito do serviço de saúde do trabalho e junta ao processo aquando da realização da audiência de julgamento, consta o seguinte em sede de recomendações:

“Evitar elevação manual de cargas superiores a 5 Kg

Evitar movimentos de rotação cervical frequente

Realizar pausas de poucos minutos ou a cada 3 horas.”

Do relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível efetuado em 29.2.2024 decorre o seguinte:

“A examinada sofreu acidente de viação no dia 02/03/2019, do qual resultou: ferimento na região parietal esquerda e fratura de C2, com posterior evolução para artrose pós-traumática da articulação C1-C2 direita.”

Como dependências permanentes de ajudas mencionou-se:

“Ajudas medicamentosas, neste caso medicação analgésica, nomeadamente para os períodos de agravamento do quadro álgico, referindo tomar bem-u-ron e brufen em SOS.”

Por sua vez, em sede de lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento escreveu-se:

“A examinanda apresenta as seguintes sequelas:

Ráquis: movimenta-se em bloco (cervical + tronco), sem movimentar muito a cervical; sem alterações da região cervical à inspeção;

Dor à palpação das apófises espinhosas cervicais; contratura muscular paravertebral à esquerda;

Pouco colaborante na avaliação das mobilidades da coluna cervical, contrariando os movimentos passivos;

Mobilidades da coluna cervical limitadas por dor em todos os movimentos, particularmente nos movimentos de inclinação lateral;

Força muscular da coluna cervical preservada, mas com dor nos movimentos contra resistência.”

3. O Mmº Juiz “a quo”, no que concerne à motivação da decisão de facto, escreveu o que se passa a transcrever:

“No que se refere à convicção do Tribunal importa dizer que foi essencial o relatório pericial, que descreve os tratamentos recebidos pela autora, e as consequências das lesões sofridas em virtude do acidente para os vários aspetos da sua vida, tendo em conta a sua imparcialidade, e o juízo técnico sobre as efetivas consequências para o dia a dia [d]a autora, com base nas sequelas do acidente em discussão no autos, bem como no que se refere às descrição dos tratamentos a que foi submetida, da relação entre o acidente e as consequências para a autora, da questão das dores.

As testemunhas, pela sua proximidade à autora (marido, amigos próximos, colegas de trabalho e representante da entidade patronal) acabaram por relatar constrangimentos na vida da autora (nomeadamente ao nível do trabalho, e da vida em casa) que não têm total correspondência com as conclusões da perícia (que fala em possibilidade de exercer a sua atividade profissional e a vida doméstica, no que se refere a esforços físicos), embora com maior esforço do que o anterior. Assim, os referidos depoimentos não foram levados em conta.

(…).

4. O art. 662º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil diz-nos que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»

A Relação, nesta reapreciação, goza de autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção sobre os meios de prova sujeitos a livre apreciação, sem exclusão do uso de presunções judiciais.

Como tal, a livre convicção da Relação deve ser assumida em face dos meios de prova que estão disponíveis, impondo-se que o tribunal de recurso sustente a sua decisão nesses mesmos meios de prova, descrevendo os motivos que o levam a confirmar ou infirmar o resultado fixado em 1ª instância.[1]

5. Para além do que se deixou referido em 2. há ainda que ter em atenção o relatório de psiquiatria forense datado de 20.12.2023, onde se consignou o seguinte:

“Não teve consultas nem tratamento em psiquiatria.

Terá feito uma consulta única sem tratamento nem seguimento em 2020.

Não faz tratamento com psicofármacos.

Não existem queixas que configurem diagnóstico de quadro psiquiátrico; e não existe qualquer dado ao exame directo nem documental que permita apurar existência deste em tempo prévio e com nexo de causalidade com o evento.

Assim, apura-se que do evento não resultaram sequelas psiquiátricas.”

Prosseguindo, da avaliação dos depoimentos produzidos pelas testemunhas BB, colega de trabalho da autora, e CC, legal representante da sua entidade patronal, acima sintetizados, que se conjugaram com os elementos resultantes da perícia efetuada e também da ficha de aptidão para o trabalho apresentada em audiência, entendemos que tais meios probatórios são de molde a dar como assente que a autora, para aliviar as dores, tem que fazer paragens de cerca de 10 minutos a cada três horas.

Assim, adita-se à factualidade assente o nº 58 com a seguinte redação:

“No exercício das suas funções de atendimento ao balcão, durante o horário de trabalho, a autora, para aliviar as dores, tem que fazer paragens de cerca de 10 minutos a cada três horas.”

Do relatório pericial flui ainda que a autora tem a mobilidade da sua coluna cervical limitada, por dor, em todos os movimentos, em particular, nos de inclinação lateral, a que acresce referir-se na ficha de aptidão para o trabalho que esta deve “evitar movimentos de rotação cervical frequente”. Por seu lado, a testemunha CC salientou, no seu depoimento, que a autora mal pode mexer o pescoço, tem uma posição muito hirta e não pode virar o pescoço para falar com um cliente e a testemunha EE, seu marido, frisou que a sua mulher está rígida e não olha lateralmente.

Ora, neste contexto probatório, entendemos que se deverá aditar à factualidade assente o nº 59 com a seguinte redação:

“A autora mantém uma posição defensiva do pescoço, em virtude das dores que sente.”

Simultaneamente suprimir-se-ão da factualidade não provada as alíneas g), h) e j).

Já quanto à demais matéria factual que a autora/recorrente pretende ver aditada, referente ao seu atual estado de tristeza e introversão com choro frequente, ao receio de fazer brincadeiras com as suas filhas, ao temor que tem relativamente à condução automóvel e até quanto ao simples ato de ser transportada em automóvel, consideramos que a prova produzida nos autos é insuficiente para tal, isto porque, na ausência de outros elementos probatórios, se circunscreve a depoimentos testemunhais prestados por pessoas que com ela têm relações de grande proximidade, mais concretamente o seu marido EE e DD, amigo de infância do marido, donde flui a sua reduzida isenção.

A que acresce a circunstância de o relatório de psiquiatria forense efetuado não se coadunar com um quadro psicológico e factual deste tipo, pois nele se concluiu que o exame direto e os elementos documentais reunidos não permitem apurar que, com nexo de causalidade com o acidente, tenham resultado sequelas de natureza psiquiátrica.

Assim, porque inexistem elementos periciais que permitam confirmá-lo, manter-se-ão como não provados os factos constantes das alíneas i), k), l), q), r), s) e t).


*

Em suma, a impugnação da matéria de facto da autora/recorrente obterá parcial procedência e, em consequência, aditar-se-ão à factualidade provada os nºs 58 e 59 com a seguinte redação:

“58 - No exercício das suas funções de atendimento ao balcão, durante o horário de trabalho, a autora, para aliviar as dores, tem que fazer paragens de cerca de 10 minutos a cada três horas.”

“59 - A autora mantém uma posição defensiva do pescoço, em virtude das dores que sente.”

Paralelamente, serão eliminadas da factualidade não provada as alíneas g), h) e j).


*


II. Valor das indemnizações atribuídas para ressarcimento do dano biológico e de danos não patrimoniais sofridos pela autora

1. Na sentença recorrida considerou-se que a verba justa e equitativa para ressarcir o dano biológico e os danos não patrimoniais sofridos pela autora deveria ascender, em cada um dos casos, a 25.000,00€.

Essa quantificação teve a discordância da autora que, em sede recursiva, pugna em ambas as situações pela elevação deste montante indemnizatório para a quantia de 35.000,00€.

2. Principiemos pelo denominado dano biológico, que constitui, no fundo, um dano à saúde, violador da integridade física e do bem-estar físico, psíquico e social.

a) Conforme se escreve no Ac. STJ de 13.4.2021 (p. 448/19.7 T8PNF.P1.S1, relator FERNANDO BAPTISTA DE OLIVEIRA, disponível in www.dgsi.pt.) «este dano vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais. É um prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, susceptível de afectar o seu dia-a-dia nas vertentes laborais, sociais, sentimentais, sexuais, recreativas. Determina perda das faculdades físicas e/ou intelectuais em termos de futuro, perda essa eventualmente agravável em função da idade do lesado. Poderá exigir do lesado esforços acrescidos, conduzindo-o a uma posição de inferioridade no mercado de trabalho[2]. Ou, por outras palavras, é um dano que se traduz na diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre.
Ora, o dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como pode ser compensado a título de dano moral; tanto pode ter consequências patrimoniais como não patrimoniais. Ou seja, depende da situação concreta sob análise, a qual terá de ser apreciada casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, e por si só, uma perda da capacidade de ganho ou se se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, sem prejuízo do natural agravamento inerente ao decorrer da idade. Tem a natureza de perda ‘in natura’ que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar[3].
Como quer que seja visto ou classificado este dano, o certo é que o mesmo é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial. É indemnizável em si mesmo, independentemente de se verificarem consequências para o lesado em termos de diminuição de proventos.
Também ARMANDO BRAGA[4] observa que “A jurisprudência (…) tem considerado que a incapacidade permanente parcial para o trabalho constitui em si mesma um dano patrimonial, mesmo nos casos em que a vítima prossiga a sua actividade profissional habitual e sem que se verifique diminuição da retribuição.”.
Assim é entendimento pacífico que mesmo as pequenas incapacidades ainda quando não impliquem directamente uma redução da capacidade de ganho, constituem sempre um dano patrimonial indemnizável (seja de natureza patrimonial, sem como dano não patrimonial – ou, se quisermos, classificado naquele tertium genus), dada a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física, quanto à resistência e capacidade de esforço.
Com efeito, uma incapacidade permanente parcial não se esgota na incapacidade para o trabalho, constituindo em princípio um dano funcional, mas sempre, pelo menos, um dano em si mesmo que perturba a vida da relação e o bem-estar do lesado ao longo da vida. Pelo que é de considerar autonomamente esse dano, distinto do referido dano patrimonial, não se diluindo no dano não patrimonial, na vertente do tradicional pretium doloris ou do dano estético.»
b) Regressando ao caso dos autos verifica-se que em consequência do acidente de viação descrito nos nºs 2 a 16 da factualidade assente a autora ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 7 pontos e que as sequelas daí resultantes, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da sua atividade habitual, mas implicam esforços suplementares (nºs 37 e 38).
Daqui decorre que a autora, apesar do défice de 7 pontos, pôde continuar a exercer a sua atividade profissional, que é a de empregada de balcão num estabelecimento de ervanário (nº 42)
Ora, casos há em que as lesões físicas não causam nenhum acréscimo, para o lesado, de esforço na atividade profissional que ele exerce. Uma ligeira desvalorização no plano físico, mesmo que relacionada com a mobilidade, não tem para um lesado que desenvolve uma atividade profissional sedentária e marcada pelo esforço intelectual, qualquer repercussão nesta.

Por isso, em certas situações justifica-se que, apesar da comprovada desvalorização do lesado no plano físico em consequência do acidente, o dano correspondente seja ressarcido apenas no plano não patrimonial, por este não se repercutir, direta ou indiretamente, na sua situação profissional, tanto em termos de remuneração como de carreira.

Acontece que não é esta a situação da lesada nos presentes autos.

Esta, apesar das sequelas sofridas serem compatíveis com o exercício da sua atividade profissional de empregada de balcão em estabelecimento de ervanário, tem para tal efeito que desenvolver esforços suplementares, estando, inclusive, provado que durante o horário de trabalho, para aliviar as dores, tem que fazer paragens de cerca de 10 minutos a cada três horas (nºs 38 e 58, aditado).

Assim, é de concluir que as limitações físicas de que a autora ficou a padecer, e que se objetivam num défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos, afetam-na na sua atividade profissional, se bem que não a impeçam.

Com efeito, as sequelas decorrentes do acidente condicionam a sua futura capacidade de ganho, nomeadamente quando seja confrontada com profissionais com funções idênticas cuja atividade não dependa do esforço acrescido de que ela necessita para eficazmente conseguir desempenhar as suas tarefas.

Neste sentido, bastará pensar nos casos em que o lesado aufere retribuição que não foi alterada por causa do acidente, embora tenha passado a sofrer de uma incapacidade física que o leva a realizar com maior esforço uma determinada tarefa no mesmo período de tempo; isso significa que, sem esse esforço acrescido, ele realizaria a tarefa em tempo superior. O custo da sua capacidade produtiva não é menor, porque esse esforço suplementar é realizado. Ora esse esforço, se não houvesse diminuição física, não seria necessário: tal esforço corresponde a uma perda patrimonial real posto que não nominal.[5]

Por conseguinte, as lesões sofridas pela autora, concretizadas num défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos, terão consequências económicas no futuro e serão, por isso, fonte de futuros lucros cessantes a compensar como verdadeiros danos patrimoniais nos termos do art. 564º, nº 2 do Cód. Civil.[6]

Há então que passar à fixação do quantitativo desta indemnização, o que assentará em critérios de equidade (cfr. art. 566º, nº 3 do Cód. Civil).

c) Na ausência de uma definição legal, a doutrina portuguesa acentua que o julgamento pela equidade “é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição”.[7]

Também sobre a equidade escreve o seguinte DARIO MARTINS DE ALMEIDA (in “Manual de Acidentes de Viação, 1987, Almedina, págs. 107/110):

“Quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. A equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo. (...) A equidade não equivale ao arbítrio; é mesmo a sua negação. A equidade é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio. (...) Em síntese, a proporção, a adaptação às circunstâncias, a objectividade, a razoabilidade e a certeza objectiva são as linhas de força da equidade quando opera, com os ditames da lei, na análise e compreensão e solução do caso concreto.”

Julgar segundo a equidade significa assim que o juiz não está sujeito à estrita observância do direito aplicável, devendo antes orientar-se por critérios de justiça concreta, procurando a solução mais justa face às características da situação em análise.

Sem embargo da utilização de critérios pautados por um maior grau de objetividade, a solução baseada na equidade postula uma razoável ponderação dos elementos estruturais que emergem do quadro fáctico, sendo que o uso paralelo da aritmética apenas pode servir como fator adjuvante e auxiliar do percurso decisório.[8]

d) Nesta linha orientadora, retornando de novo ao caso concreto, entendemos que são de destacar os seguintes aspetos factuais:

- i) o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que a autora ficou a padecer (7 pontos) e que implicam esforços suplementares para a sua atividade profissional de empregada de balcão em estabelecimento de ervanário, tendo, inclusive, que fazer paragens de cerca de 10 minutos a cada três horas (nºs 37, 38, 42 e 58, aditado);

- ii) a idade da autora à data do acidente – 45 anos -, uma vez que nasceu em ../../1973 (nº 1);

- iii) a esperança média de vida (e não o número de anos até à idade previsível da reforma, uma vez que as necessidades básicas não cessam no momento da reforma, antes se prolongam até à morte[9]), a qual se colocava para a autora, em 2019, em aproximadamente mais 37,5 anos[10];

- iv) o seu salário mensal que em 2022 ascendia a 940,00€ (nº 43);

- v) a ausência de culpa concorrencial na eclosão do acidente.

Com base nestes elementos fácticos, na determinação do “quantum” indemnizatório relativo ao dano biológico há também que ter em atenção os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, face ao que se preceitua no art. 8º, nº 3 do Cód. Civil, onde se diz que nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.[11]

Ora, a 1ª instância, tendo apelado ao decidido em casos com alguma similitude tratados nos Acórdãos da Rel. Guimarães de 24.3.2022[12] e da Rel. Coimbra de 25.10.2023[13], fixou em 25.000,00€ a indemnização devida pelo dano biológico.

Procuremos, porém, apoio em decisões proferidos pelo nosso mais alto tribunal em situações que se poderão ter por similares e, nesta pesquisa, destacaremos as seguintes:

- a uma lesada que ficou a padecer de uma incapacidade geral permanente de 2 pontos, de 31 anos de idade, operária fabril, foi arbitrada no âmbito do dano biológico a importância de 20.000,00€ [Acórdão do STJ de 6.12.2017, p. 559/10.4 TBVCT.G1.S1, relatora MARIA DA GRAÇA TRIGO, disponível in www.dgsi.pt.];

- a um lesado com uma incapacidade fixável em 10 pontos, de 40 anos de idade e que auferia uma remuneração mensal líquida de 2.200,00€, foi arbitrada uma indemnização por dano biológico de 60.000,00€ [Acórdão do STJ de 6.12.2018, p. 652/16.0T8GMR.G1.S2, relatora MARIA DO ROSÁRIO MORGADO, disponível in www.dgsi.pt.];

- a um lesado com uma incapacidade avaliável em 7 pontos, de 27 anos de idade e que auferia um salário mensal líquido de 962,05€, foi fixada a indemnização por dano biológico em 30.000,00€ [Acórdão do STJ de 13.4.2021, p. 448/19.7 T8PNF.P1.S1, relator FERNANDO BAPTISTA DE OLIVEIRA, disponível in www.dgsi.pt.);

- a uma lesada que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos, de 51 anos de idade, empregada de hotel, foi fixada a indemnização pelo dano biológico em 50.000,00€ [Acórdão do STJ de 26.5.2021, p. 763/17.4T8GRD.C1.S1, relator PINTO DE ALMEIDA, disponível in www.dgsi.pt.];

- a um lesado que ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9 pontos, com 34 anos de idade à data do acidente, serralheiro de profissão, foi fixada a indemnização pelo dano biológico em 50.000,00€ [Acórdão do STJ de 24.2.2022, proc. 1082/19.7T8SNT.L1.S1, relatora MARIA DA GRAÇA TRIGO, disponível in www.dgsi.pt.];

- a um lesado com uma incapacidade avaliável em 6 pontos, de 33 anos e 6 meses de idade, que exerce a atividade de médico dentista em que auferia o salário mensal bruto de 5.131,30€, foi fixada a indemnização pelo dano biológico em 80.000,00€ [Acórdão do STJ de 9.5.2023, p. 7509/19.0 T8PRT.P1.S1, relator JORGE ARCANJO, disponível in www.dgsi.pt.];

- a uma lesada com um défice funcional permanente de 12 pontos, de 35 anos de idade, com a profissão de cabeleireira, foi fixada em 60.000,00€ a indemnização pelo dano biológico [Acórdão do STJ de 6.6.2023, p. 9934/17.2 T8SNT.L1.S1, relator MANUEL CAPELO, disponível in www.dgsi.pt.];

- a um lesado com uma incapacidade fixável em 10 pontos, de 38 anos de idade, empregado de mesa, foi fixada a indemnização pelo dano biológico em 35.000,00€ [Acórdão do STJ de 28.1.2025, p. 6781/20.8 T8LRS.S1, relator JORGE LEAL, disponível in www.dgsi.pt.].

e) Uma vez feito este breve excurso jurisprudencial por decisões do nosso mais alto tribunal que poderão apresentar alguma similitude com a presente, o que sobressai é um conjunto de valores onde se anota alguma disparidade, mas donde se extrai que o fixado pela 1ª Instância no caso dos autos poderá ser elevado.

Deste modo, ponderados todos os aspetos que acima se deixaram mencionados, entendemos que a indemnização pelo dano biológico, decorrente da incapacidade funcional permanente da autora, deverá ser elevada para 30.000,00€, o que significará, neste segmento, a procedência parcial do recurso interposto.

3. Passemos agora à indemnização por danos não patrimoniais que foi fixada na sentença recorrida em 25.000,00€, pretendendo a autora em sede recursiva que esta seja elevada para 35.000,00€.

Vejamos então.

a) Dispõe o art. 496º, nº 1 do Cód. Civil que na fixação da indemnização se deverá atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e o nº 4 do mesmo preceito diz-nos que o respetivo montante indemnizatório será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo-se em atenção as circunstâncias referidas no art. 494º, que são o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado e as demais circunstâncias do caso que se justifiquem.

A equidade será também no que concerne a esta parcela indemnizatória o critério determinante para a fixação do seu montante, sendo certo que com a mesma se procura proporcionar ao lesado momentos de prazer que contribuam para atenuar a dor sofrida[14].

Ora, a gravidade dos danos não patrimoniais deverá medir-se por padrões objetivos em face das circunstâncias de cada caso, tendo presente que eles emergem direta e principalmente da violação da personalidade humana, não integrando propriamente o património do lesado, antes incidindo em bens como a vida, a saúde, a liberdade, a honra, o bom nome e a beleza, abrangendo vários danos como os derivados de receios, perturbações e inseguranças, causados pela ameaça em si mesma, e que o seu ressarcimento resulta diretamente da lei, assumindo uma função essencialmente compensatória, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória (cfr. RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA in “O Direito Geral de Personalidade”, págs. 458 e 459 e acórdão do STJ de 22.9.2005, proferido no processo n.º 05B2470, relator SALVADOR DA COSTA, disponível em www.dgsi.pt). Neste último aresto, escreveu-se mesmo que “A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar, como é natural, no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana.”[15]

Não sofre dúvidas que, em virtude do acidente em causa nos autos, a autora sofreu danos de natureza não patrimonial de gravidade suficiente para justificar o seu ressarcimento.

De qualquer modo, há a salientar que tendo sido atrás fixada, de modo autónomo, a indemnização devida pelo dano biológico causado ao lesado, não podem agora no segmento relativo aos danos não patrimoniais terem-se em conta fatores que já foram ponderados em sede de compensação daquele dano biológico, sob pena de ocorrer uma indevida duplicação do montante indemnizatório[16].

Tal significa, pois, que não poderá ser considerado o défice funcional permanente de integridade físico-psíquica (7 pontos), já devidamente ponderado em sede de dano biológico.

b) Assim, são os seguintes os aspetos factuais a ter em atenção para a fixação, neste caso, da indemnização por danos não patrimoniais:

- Foi admitida no SU, no mesmo dia do acidente, referindo queixas de cervicalgia, sem défices neurovasculares (nº 17);

- No SU realizou radiografia e TC cervical que revelaram: “fratura com trajeto vertical que se estende pela massa lateral esquerda (envolvendo a faceta articular superior) pelo corpo vertebral de C2 (vertente posterior) até à lâmina direita, achados sugestivos de fratura tipo III (nºs 18 e 19);

- Ficou internada, apresentando uma boa evolução no internamento (nº 22);

- Teve indicação para tratamento conservador com colar de Minerva com apoio mentoniano (nº 23);

- Teve alta em 4.3.2019 (nº 24);

- A autora realizou várias consultas e exames médicos, nomeadamente:

a) 13 consultas de ortopedia, 6 (seis) das quais no Hospital 1...,

b) 4 no Hospital 2..., 2 (duas) na Clínica de Ortopedia C..., Lda., e 1 (uma) na Clínica D..., todos na Cidade do Porto,

c) 2 consultas de Neurocirurgia no Hospital 1..., Porto,

d) 2 consultas de Medicina Física e Reabilitação no Hospital 1..., Porto,

e) 2 intervenções de enfermagem para imobilizações, no Hospital 1..., Porto,

f) 1 TAC ao crânio no Hospital 1..., Porto,

g) 1 TAC à Coluna Cervical no Hospital 1..., Porto,

h) 1 Rx Cervical no Hospital 1..., Porto,

i) 1 Electrografia dos membros superiores na Clínica “E...”, no Porto,

j) 1 TAC à Coluna Cervical no Hospital 2..., Porto,

k) 1 Ressonância Magnética no Hospital 3..., no Porto,

l) 1 Ressonância Magnética da Coluna lombo-sagrada na Clínica F..., no Porto;

m) 1 Ressonância Magnética da Coluna Cervical na Clínica G..., no Porto,

n) 1 Radiograma Digital da Coluna Cervical, no Hospital 4...,

o) 60 sessões de fisioterapia, no Hospital 1..., Porto (uma sessão diária durante dois meses, ininterruptamente). (nº 25);

- Realizou depois TC da coluna cervical em 22.4.2019, que indicou ligeira diminuição da amplitude dos topos ósseo das fraturas de C2 que abrangem o corpo e massas laterais, interessando o buraco intertransversário direito, e a lâmina direita, ainda sem evidentes sinais de consolidação ou formação de pontes de ossificação (…) C3-C4 protusão discal posterior mediana que contacta anteriormente o cordão medular. C4-C5 e C5-C6 protusões disco-osteofitárias posteriores de base larga que molda anteriormente o cordão medular (nº 26);

- Realizou uma RMN crânio-encefálica em 25.5.2019 (nº 27);

- Manteve acompanhamento em consulta de Ortopedia, e cumpriu imobilização cervical durante 12 semanas com colar rígido e, posteriormente, recomendado uso de colar de espuma, com registo de melhoria clínica e imagiológica nas consultas de seguimento (nº 28);

- Teve alta da consulta de trauma a 20.9.2019 (nº 29);

- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 20.9.2019 (nº 31);

- O período de Défice Funcional Temporário Total foi de 3 dias (nº 32);

- O Período de Défice Funcional Temporário Parcial foi de 200 dias (nº 33);

- O Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total foi de 193 dias (nº 34);

- O período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial foi de 10 dias (nº 35);

- O “quantum doloris” é fixável no grau 4/7 (nº 36);

- A repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer é fixável no grau 2/7 (nº 39);

- A repercussão permanente na atividade sexual é fixável no grau 2/7 (nº 40);

- Tem de recorrer a medicação analgésica, nomeadamente para os períodos de agravamento do quadro álgico (nº 41);

- A autora mantém uma posição defensiva do pescoço, em virtude das dores que sente (nº 59, aditado).

c) Ora, da valoração que fazemos de todos estes elementos factuais, com particular relevância para o “quantum doloris” (4/7), a repercussão nas atividades desportivas e de lazer (2/7) a repercussão permanente na atividade sexual (2/7), as consultas e exames efetuados, as sessões de fisioterapia, a imobilização cervical e o internamento a que foi sujeita, entendemos que a quantia destinada à reparação dos danos não patrimoniais sofridos pela autora deverá ser elevada para 30.000,00€, por esta verba se nos afigurar mais equitativa e adequada aos concretos contornos do presente caso.

Por conseguinte, também nesta parte o recurso interposto pela autora obterá parcial procedência.


*

III. Valor da indemnização atribuída à autora pela privação da parte da retribuição correspondente ao prémio anual recebido em duodécimos

1. Na sentença recorrida foi também fixada a verba indemnizatória de 25.000,00€ em virtude da autora, como consequência do acidente, ter deixado de receber uma compensação, que lhe foi paga pela entidade patronal pelo menos entre 2016 e outubro de 2020, pela disponibilidade e empenho evidenciados na execução do seu trabalho, compensação que correspondia a dois salários mensais e era paga em duodécimos.

A autora discorda da forma como foi calculado este segmento da indemnização. Entende que se na sentença recorrida se aplicaram as regras previstas na lei laboral, mais concretamente na Lei nº 98/2009, operando-se uma redução de 70% no valor a arbitrar, de tal forma que a perda teria que ser havida como vitalícia e não apenas até à idade da reforma, como se fez. Assim, esse valor deveria ascender a 47.376,00€ (1.880,00€ x 70% x 36 anos).

Não se aplicando as regras laborais, neste caso sustenta a autora que poderia realmente tomar-se como referência o limite da vida ativa e, nesta perspetiva, em obediência ao disposto nos arts. 562º e 564º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, o valor obtido seria de 33.840,00€ (1.880,00€ x 18 anos), ainda assim superior ao arbitrado na sentença recorrida, valor este, a seu ver, suscetível de ser elevado para 40.000,00€ com base num juízo equitativo.

Vejamos então.

2. Da matéria fáctica dada como assente decorre o seguinte:

- Desde, pelo menos, 2016, e até Outubro de 2020, a autora recebeu, anualmente, o correspondente a 16 salários, sendo dois deles correspondentes a compensação pela disponibilidade e empenho da execução do trabalho, os quais eram pagos em duodécimos, e dependiam, ano a ano, de decisão da gerência da sua entidade patronal (nºs 48, 49 e 50);

- Pelo facto de passar a ter um acréscimo de esforço na execução do seu trabalho, deixou de receber esses dois salários mensais a mais, a partir de Outubro de 2020 (nº 51).

O art. 260º do Cód. do Trabalho no seu nº 1, al. c) diz-nos que não se consideram retribuição «as prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respetivos, não esteja antecipadamente garantido

Mas depois este mesmo preceito no seu nº 3, al. a) estatui que a alínea c) do nº 1 não se aplica «às prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa quando, quer no respetivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam caráter estável, independentemente da variabilidade do seu montante

Tal como se afirma na sentença recorrida, resulta da factualidade assente que o pagamento da quantia aqui em causa assume caráter de permanência e regularidade, tendo sido pago à autora pelo menos durante cinco anos e correspondendo a dois salários mensais, pagos no ano seguinte ao da avaliação do desempenho do trabalhador.

Ora, o prémio de desempenho pago pelo empregador, com caráter de regularidade e permanência, constitui prestação devida por este e, por isso, deve considerar-se que integra a retribuição.[17]

3. Sucede que a integração deste prémio na retribuição paga à autora pela sua entidade patronal não é questionada pela ré seguradora em via recursiva, tal como também não é questionada por esta a atribuição de um segmento indemnizatório pela perda de rendimentos em virtude da privação deste prémio anual como consequência do acidente aqui em causa.

A discordância em relação a esta verba indemnizatória, atribuída no montante de 25.000,00€, surge apenas da parte da própria autora que considera incorreta a forma como ela foi calculada.

Na sentença recorrida, nesta parte, escreveu-se o seguinte:

“Como calcular a indemnização?

Sabendo que devemos recorrer à equidade, e por forma a adotarmos um critério o mais objetivo possível, parece-nos ser de seguir as regras previstas na lei laboral para a fixação dos montantes de indemnização aos trabalhadores, por força de danos patrimoniais causados por acidentes de trabalho.

Nos termos do artigo 48º nº 3 c) da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, tem direito ao capital de remição de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho.

Assim, entendemos ser de considerar esta percentagem de 70 % do valor que deixou de receber como base do cálculo da indemnização a ser arbitrada a autora.

Tendo por base a remuneração mensal base em 2022, temos a autora, nesse ano, deixou de receber o montante global de 1.880,00€ (correspondente a 2 salários), pelo que 70 % desse valor ascende ao montante de 1.316,00€.

Considerando, como refere a autora, os 18 anos de vida ativa, contados desde Outubro de 2020 até aos 65 anos de idade, teríamos um valor de 23,688,00€.

Tendo em conta os naturais aumentos da remuneração mensal, base de cálculo da referida gratificação, reportamos como equitativo o valor de 25.000,00€, levando em conta a presente data.”

4. Salvo melhor opinião, não concordamos com a via seguida pelo Mmº Juiz “a quo”, pois entendemos não existir fundamento para no cômputo da perda de rendimentos referente ao prémio de desempenho se recorrer às regras previstas na legislação laboral para a reparação de acidentes de trabalho – Lei nº 98/2009, de 4.9.

Desde logo porque não estamos perante um acidente de trabalho.

Por conseguinte, abstraindo de tais regras e atentando-se no preceituado nos arts. 562º e 564º, nº 2 do Cód. Civil, no cálculo desta parcela indemnizatória deveremos ter por base a remuneração mensal da autora que em 2022 ascendia a 940,00€ (nº 43), donde decorre que por ano esta deixou de receber a verba correspondente a dois salários, ou seja 1.880,00€.

Considerando-se depois mais 18 anos de vida ativa para a autora, contados a partir de outubro de 2020, teremos então um valor indemnizatório de 33.840,00€ [1.880,00€ x 18 anos] que se justificará elevar para 35.000,00€, com base num juízo equitativo, de modo a abranger os naturais aumentos da remuneração mensal e também do prémio de desempenho aqui em causa.

Como tal, igualmente nesta parte, o recurso interposto pela autora merecerá parcial procedência.


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Em suma: a indemnização a atribuir à autora será elevada para 95.000,00€.


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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. Proc. Civil):

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DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela autora AA e, em consequência, altera-se a decisão recorrida, condenando-se a ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar à autora a importância de 95.000,00€ (noventa e cinco mil euros).

No mais, mantém-se o decidido.

Custas em ambas as instâncias por autora e ré na proporção do decaimento.

Porto, 27.5.2025

Eduardo Rodrigues Pires

Pinto dos Santos

Rui Moreira

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[1] Cfr. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., págs. 823 e 825.
[2] Ac. STJ de 2.12.2013, p. 1110/07.9 TVLSB.L1.S1, relator GARCIA CALEJO, disponível in www.dgsi.pt.
[3] Ac. STJ de 27.10.2009, proc. nº 560/09.0 YFLSB, relator SEBASTIÃO PÓVOAS, disponível in www.dgsi.pt.  
[4] In “A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual”, pág. 132.
[5] Cfr. Ac. STJ de 21.3.2013, p. 565/10.9 TBPVL.S1, relator SALAZAR CASANOVA, disponível in www.dgsi.pt.
 [6] Cfr. também o Ac. da Rel. do Porto de 24.2.2015, proc. 435/10.0 TVPRT.P1, relator PINTO DOS SANTOS, disponível in www.dgsi.pt, onde se escreve que se o lesado ficou afetado de alguma percentagem de IPG ou Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, mesmo que compatível com o exercício da atividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, o cálculo do montante indemnizatório deve seguir os parâmetros do dano patrimonial futuro.
[7] Cfr. MENEZES CORDEIRO, “O Direito”, 122º/272”.
 [8] Cfr. Ac. Rel. Porto de 5.5.2014, p. 779/11.4 TBPNF.P1, relator MANUEL DOMINGOS FERNANDES, disponível in www.dgsi.pt.
[9] No sentido de que mantendo-se o dano fisiológico para além da vida ativa se deverá apelar, para determinar o montante indemnizatório, não ao limite desta, mas sim à esperança média de vida, cfr. Acórdãos do STJ de 21.10.2010, p. 1331/2002.P1.S1 (LOPES DO REGO) e de 19.4.2012, p. 3046/09.0 TBFIG (SERRA BAPTISTA), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[10] Dados decorrentes da consulta do site “Pordata” e do Portal do INE.
[11] Cfr. Ac. do STJ, de 15.4.2009, p. 08P3704, relator RAUL BORGES, disponível in www.dgsi.pt.
[12] Proc. 2114/19.4 T8VRL.G1, relator AFONSO CABRAL DE ANDRADE, disponível in www.dgsi.pt.
[13] Proc. 987/21.0 T8GRD.C1, relator CARLOS MOREIRA, disponível in www.dgsi.pt.
[14] Cfr. Ac. STJ de 7.7.2009, p. 858/05.7TCGMR, relator SEBASTIÃO PÓVOAS, disponível in www.dgsi.pt.
[15] Cfr. Ac. Rel. Porto de 10.12.2013, p. 2236/11.0 TBVCD.P1, relator FERNANDO SAMÕES, disponível in www.dgsi.pt.
[16] Cfr. Ac. STJ de 18.9.2018, proc. 181/12.0 TBPTG.E1.S1, relator JOSÉ RAINHO, disponível in www.dgsi.pt.
[17] Cfr. Acs. Rel. Porto de 11.5.2015, p. 883/08.6 TMMTS.P1 (FERNANDA SOARES) e Rel. Coimbra de 10.5.2012, p. 518/11.0 T4AVR.C1 (MANUELA FIALHO), disponíveis in www.dgsi.pt.