CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
SEGURANÇA SOCIAL
CO-ARGUIDO
GERENTE DE SOCIEDADE
PERDA DE VANTAGENS
PRESSUPOSTOS
NATUREZA
FINALIDADE
PEDIDO CÍVEL
CONDENAÇÃO
AMPLITUDE
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
DIREITO DE REGRESSO
Sumário

I - Constituem pressupostos da declaração de perda de vantagens a favor do Estado a prática de um facto ilícito típico pelo agente e a existência de vantagens económicas, directa ou indirectamente dele resultantes, para o agente ou para outrem.
II - Os fins e objectivos pretendidos com esse instituto - impedir que o agente ou outrem mantenha as vantagens económicas obtidas com a prática de um crime - são distintos daqueles que visa o pedido de indemnização civil - reparação dos danos sofridos pelo ofendido / lesado -, pelo que a dedução e procedência deste último não obsta à igual procedência daquele.
III – Contudo, a declaração de perda apresenta uma relação de subsidiariedade relativamente à satisfação do direito do ofendido/lesado, não sendo o agente do crime obrigado a pagar duas vezes, coexistindo ambos apenas na medida em que se torne necessário para, em qualquer circunstância, evitar que o agente do crime ou outrem fique enriquecido com as vantagens obtidas com a prática criminosa.
IV – A perda de vantagens do crime constitui um instrumento de política criminal, com finalidades preventivas, através do qual o Estado exerce o seu ius imperium, anunciando ao agente do crime, ao potencial delinquente e à comunidade em geral que, mesmo onde a cominação de uma pena não alcança, nenhum benefício poderá resultar da prática de um ilícito criminal, dando sentido ao aforismo “o crime não compensa”.
V - A prática de um crime tem sempre subjacente um estímulo, a obtenção de uma vantagem (lucro), seja de que natureza for, pois que é próprio da natureza humana agir em vista de resultados que proporcionam prazer ou trazem benefícios, seja para o próprio agente ou para outrem.
VI - O conceito de agente de facto ilícito típico admite qualquer forma de comparticipação criminosa, seja ela a autoria/co-autoria – mediata ou imediata –, a instigação ou a cumplicidade (arts. 26.º e 27.º do C. Penal).
VII - A declaração de perda de vantagens não depende da demonstração de um efectivo enriquecimento ou obtenção de benefício pessoal pelo agente do facto ilícito, sendo que a lei (al. b) do n.º 1 do art. 110.º do C. Penal) consagra a possibilidade de a vantagem económica resultante daquele facto ser “para o agente ou para outrem”, aqui cabendo qualquer pessoa, singular ou colectiva.
VIII - O que releva é a causa - a razão - da obtenção da vantagem e não o seu concreto beneficiário, pois que se assim não fosse claramente que muitas das situações ocorridas não permitiriam a declaração de perda, como seriam os casos em que não se apurava quem, concretamente, teve esse benefício patrimonial, designadamente qual dos arguidos com ele se locupletou (no caso de comparticipação), ou até a proporção em que foi repartido entre os comparticipantes.
IX – Desse modo não seriam atingidas as finalidades do referido instituto, na medida em que, estando embora provada a existência de uma vantagem económica resultante do crime, não se lograva a sua declaração de perda por não se saber quem com ela efectivamente beneficiou.
X - Não tendo a pessoa colectiva voz e vontade próprias, mas sim as dos seus representantes, agindo estes em nome e no interesse e benefício daquela, além do natural interesse pessoal no sucesso do giro comercial e económico da representada, a perda deve ser declarada também contra os co-arguidos, gerentes da sociedade, pois que foi a sua actuação ilícita típica que possibilitou e determinou a obtenção do benefício patrimonial para aquela.

(Sumário da responsabilidade do relator)

Texto Integral

Processo: 4333/23.0T9AVR.P1

Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I

Nos presentes autos de Processo Comum Singular n.º 4333/23.0T9AVR, do Juízo de Competência Genérica ..., foi proferida sentença, em 10-01-2025, com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, tendo em atenção a fundamentação acima e as normas legais citadas, julgo procedente por provada a acusação pública e, em consequência:

a) condeno AA pela prática, como co-autor material, na forma consumada e continuada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punível pelos arts. 6.º, n.º 1, e 107.º, n.º 1, do RGIT e arts. 30.º, n.º 2, e 79.º, ambos do Código Penal, aplicando-lhe a pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, no quantitativo diário de 6,00 € (seis euros), num total de 780,00 € (setecentos e oitenta euros);

b) condeno BB pela prática, como co-autor material, na forma consumada e continuada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punível pelos arts. 6.º, n.º 1, e 107.º, n.º 1, do RGIT e arts. 30.º, n.º 2, e 79.º, ambos do Código Penal, aplicando-lhe a pena de 100 (cem) dias de multa, no quantitativo diário de 6,00 € (seis euros), num total de 600,00 € (seiscentos euros);

c) condeno a sociedade comercial A..., Ld.ª, pela responsabilidade penal estabelecida pelos arts. 7.º, n.º 1, 12.º e 107.º, n.º 1, do RGIT e arts. 30.º, n.º 2, e 79.º, ambos do Código Penal, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma consumada e continuada, aplicando-lhe a pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, no quantitativo diário de 10,00 € (dez euros), num total de 1.800,00 € (mil e oitocentos euros);

d) condeno os arguidos nas custas criminais do processo, fixando-se a taxa de justiça devida por cada um deles em 3 (três) UC’s, levando em consideração o disposto no art.º 513.º, n.º 1, do Código do Processo Penal e art.º 8.º, n.º 9, e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais;

e) julgo procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto de Segurança Social, I.P., condenando solidariamente os arguidos no pagamento da quantia peticionada de 17.745,14 € (dezassete mil setecentos e quarenta e cinco euros e catorze cêntimos), acrescida de juros de mora até integral pagamento;

f) condeno os arguidos/demandados nas custas cíveis, ao abrigo do disposto no art.º 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.º 523.º do Código de Processo Penal.

Mais declaro a perda a favor do Estado da vantagem económica do facto ilícito típico, no valor de 14.848,15 € (catorze mil oitocentos e quarenta e oito euros e quinze cêntimos), condenando a arguida A..., Ld.ª, ao respectivo pagamento, ao abrigo do disposto no art.º 110.º, n.º 1, alínea b). e n.ºs 4 e 6, do Código Penal.” (ref.ª 136586708).


*

O Exm.º Magistrado do Ministério Público interpôs recurso de tal decisão, tendo apresentado a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

“I. Não se conformando com a douta sentença na parte que, em suma, indeferiu a promovida declaração de perda, a favor do Estado, de vantagem, nos termos do artigo 110.º, n.º 1, alínea b), n.º 4 e n.º 6, do Código Penal, relativamente aos arguidos AA e BB, dela vem o Ministério Público recorrer.

II. O Ministério Público discorda do entendimento propugnado pelo Tribunal a quo relativamente ao facto de, tendo os arguidos AA e BB sido condenados como co-autores materiais de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, não lhes ter sido aplicado o instituto da perda de vantagem.

III. A perda de vantagem do facto ilícito a favor do Estado ou a chamada “perda clássica” prevista no artigo 110.º do Código Penal tem subjacente o princípio ético-jurídico de que o crime nunca pode compensar.

IV. In casu não foi questionado que a actuação dos arguidos fosse susceptível de gerar uma vantagem patrimonial, tanto mais que a douta sentença recorrida condenou a sociedade arguida na perda da vantagem obtida com a prática do crime.

V. O que entendeu a douta sentença recorrida foi que não se provou que os arguidos pessoas singulares hajam retirado qualquer benefício pessoal na prática do ilícito, concretamente que a totalidade ou parte daquele valor haja ingressado no seu património pessoal, o qual não se confunde com o da sociedade, argumentando-se que nem sequer qualquer deles é/era titular de qualquer parte do capital social da arguida, pelo que não se cogita o aproveitamento indirecto enunciado.

VI. Afigura-se-nos, porém, que devem ser declaradas perdidas a favor do Estado, as vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridas, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.

VII. Com a perda de vantagens, o legislador pretendeu consagrar um sistema de reposição da situação que existia antes da prática do crime, impedindo que os seus autores retirem algum proveito disso ou proporcionem benefícios económicos indevidos a terceiros, ainda que essa vantagem reverta directamente apenas a favor de um dos agentes.

VIII. A decisão de declaração da perda de vantagens é uma consequência necessária da prática de um facto ilícito criminal, procurando-se com ela reconstituir a ordem jurídica patrimonial antes da sua prática, ou seja, de modo a que o seu agente e/ou beneficiário fiquem sem qualquer benefício da prática do crime, assim percebendo que o crime não compensa.

IX. A perda de vantagens é, assim, declarada contra todos os agentes/co-arguidos do facto ilícito típico, independentemente de a vantagem patrimonial ilícita ter ingressado apenas na esfera patrimonial de um deles.

X. O Tribunal a quo, ao indeferir a promovida declaração de perda de vantagem a favor do Estado, violou o disposto no artigo 110.º, n.º 1, alínea b), e n.º 4 do Código Penal.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se parcialmente a douta sentença recorrida e, em consequência, condenando-se os arguidos AA e BB na perda a favor do Estado das vantagens adquiridas pela prática do crime pelo qual foram condenados.

V. Exas. certamente decidirão fazendo, como sempre, JUSTIÇA.” (ref.ª 17301551).


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Admitido regularmente o recurso e notificados do respectivo despacho e motivação apresentada, não foi oferecida resposta, designadamente pelos arguidos recorridos (ref.ªs 137266677 e 137411582/83).

*

Remetidos os autos a este Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no qual referiu assistir razão ao Exm.ª Magistrado no recurso que interpôs, bem fundamentado e seguindo jurisprudência deste Tribunal da Relação, ao qual adere sem necessidade de considerações acrescidas, pelo que o recurso merece provimento, devendo ser alterada a decisão recorrida em conformidade, condenando-se os arguidos AA e BB na perda a favor do Estado as vantagens adquiridas pela prática do crime em que foram condenados, no valor total de 14.848,15€ (ref.ª 19343940).

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Notificados de tal parecer, os recorridos não responderam ao mesmo (ref.ªs 19345675 e 19345676).


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Foi proferido despacho liminar e colhidos os vistos, com decisão em conferência.

II

As conclusões da motivação apresentada, acima transcritas, delimitam o objecto do recurso (art. 412.º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso que pudessem suscitar-se, como é o caso dos vícios indicados no n.º 2 do artigo 410.º do mesmo Código, mesmo quando o recurso verse apenas sobre matéria de direito (cfr. Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/95, de 19-10-1995, in DR I, de 28-12-1995).

Não se detectando outras que devam conhecer-se, cumpre apreciar a questão suscitada pelo recorrente, para o que importa ter presentes os factos dados como provados e não provados pelo Tribunal a quo, os quais são os seguintes:

“A. Da matéria de facto provada:

Com interesse para a boa decisão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:

1 – A arguida A..., Ld.ª, é uma sociedade por quotas, com o NIPC ...54, actualmente e à data dos factos descritos na acusação com sede no ..., ... ..., ..., e que tem por objecto a indústria de padaria e o comércio e distribuição de pão.

2 – À data dos factos descritos na acusação, a gerência da sociedade arguida era exercida conjuntamente pelos arguidos AA e BB.

3 – Nos períodos a que se reportam os factos descritos na acusação, os arguidos AA e BB praticaram todos os actos indispensáveis ao regular funcionamento da sociedade arguida, designadamente, contratando trabalhadores, procedendo ao pagamento de salários e impostos, deduzindo das remunerações dos seus trabalhadores as quantias correspondentes às quotizações devidas por estes à Segurança Social, adquirindo bens, contraindo empréstimos bancários, sendo os rostos visíveis daquela sociedade nas relações comerciais mantidas com clientes, fornecedores e entidades bancárias.

4 – Nos períodos compreendidos entre 01.09.2019 e 31.12.2019 e entre 01.06.2020 e 30.01.2022 os arguidos AA e BB, no exercício daquela gerência, de comum acordo, em união de esforços e agindo em nome e no interesse da sociedade arguida, deduziram das remunerações dos seus trabalhadores as quantias correspondentes às quotizações devidas por estes à Segurança Social, retiveram-nas e não as entregaram nos cofres desta entidade até ao vigésimo dia do mês imediatamente seguinte àquele a que respeitavam, fazendo-as suas.

5 – Os referidos arguidos não procederam à entrega das quantias mencionadas em 4-, sequer, nos noventa dias subsequentes ao prazo mencionado nesse ponto.

6 – Acresce que os três arguidos foram notificados para procederem ao pagamento, em trinta dias, da totalidade das supra apontadas quantias, acrescidas dos respetivos juros e do valor da coima aplicável, não tendo procedido a tal pagamento nesse prazo.

7 – Em face da conduta supra descrita, assumida pelos três arguidos, tais valores nunca chegaram a dar entrada nos cofres da Segurança Social, antes tendo sido apoderados e gastos pela sociedade arguida em proveito próprio, conforme o seguinte:

(…)

Valor total em dívida: 17.369,23€ (17.650,77€ - 281,54€).

8 – Os arguidos AA e BB praticaram os factos supra descritos mediante acordo de vontades e em união de esforços, agindo sempre em nome e no interesse da sociedade arguida, com o intuito único e logrado de fazerem coisa desta sociedade os montantes referidos em 4-, 5- e 7-, no valor global de 17.369,23 € (dezassete mil trezentos e sessenta e nove euros e vinte e três cêntimos), e assim obterem para a A..., Ld.ª, uma indevida vantagem patrimonial equivalente a tais montantes, retidos e não pagos à Segurança Social, com a consequente lesão patrimonial desta entidade naqueles valores, acrescidos dos respetivos juros de mora.

9 – Os arguidos AA e BB agiram do modo supra descrito pese embora soubessem que as quantias acima indicadas não lhes pertenciam, nem à sociedade arguida que representavam, que estavam obrigados a entregá-las à Segurança Social e que, fazendo-as da sociedade arguida, agiam sem a autorização e contra a vontade daquela entidade.

10 – Os arguidos AA e BB agiram livre, deliberada e conscientemente, cientes de que praticavam actos proibidos e punidos por lei.

11 – Após os prazos referidos em 5- e 6-, os arguidos e a sociedade arguida efectuaram pagamentos para abatimento do valor global em dívida referido em 8-, o qual, à data de hoje, deduzidos esses pagamentos, se cifra no montante global de 14.848,15 € (catorze mil, oitocentos e quarenta e oito euros e quinze cêntimos).

12 – A falta de entrega da quantia referida em 7- e 8- causou prejuízo ao Estado (Segurança Social) e, bem assim, o valor correspondente aos juros de mora vencidos e vincendos até ao integral pagamento devido.

13 – O arguido AA é gerente comercial e aufere um rendimento mensal aproximado de 800,00 € (oitocentos euros).

14 – É casado e a sua mulher encontra-se desempregada, não recebendo qualquer prestação social.

15 – Vive em casa arrendada pelo valor de 500,00 € (quinhentos euros) por mês, renda cujo pagamento que está a ser assegurado pela sua mãe.

16 – Tem frequência universitária.

17 – Foi condenado por sentença proferida em 17.04.2024, transitada em julgado em 17.05.2024, no âmbito do processo comum perante o Tribunal Singular n.º ..., do Juízo de Competência genérica ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, pela prática, em 04.2019, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na pena de cem dias de multa, no quantitativo diário de 7,50 € (sete euros e cinquenta cêntimos).

18 – O arguido BB é gestor e aufere um rendimento mensal aproximado de 800,00 € (oitocentos euros).

19 – Tem dois filhos dependentes.

20 – Vive em casa arrendada pelo valor mensal de 400,00€ (quatrocentos euros).

21 – Possui o 12.º ano de escolaridade.

22 – Foi condenado por sentença proferida em 17.04.2024, transitada em julgado em 17.05.2024, no âmbito do processo comum perante o Tribunal Singular n.º ..., do Juízo de Competência Genérica ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, pela prática, em 04.2019, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na pena de cem dias de multa, no quantitativo diário de 6,00 € (seis euros).

23 – Actualmente a sociedade arguida mantém o seu estabelecimento comercial em funcionamento, empregando três trabalhadores.

24 – A sociedade arguida não possui antecedentes criminais.

B. Da matéria de facto não provada:

Com relevo para a boa decisão da causa não resultou provado:

1 – Que, por via indirecta, também para si enquanto gerentes da sociedade arguida, os arguidos AA e BB obtiveram a indevida vantagem patrimonial referida em 8- dos factos provados.”

*

E importa, também, ter presente a fundamentação vertida na sentença quanto à perda de vantagens a favor do Estado, a qual foi a seguinte:

“V. Do pedido de declaração de perda das vantagens do facto ilícito típico a favor do Estado:

Veio o Ministério Público requerer que sejam os arguidos condenados solidariamente [a pagar] ao Estado a quantia de 14.848,15 € (catorze mil oitocentos e quarenta e oito euros e quinze cêntimos), por terem enriquecido os seus patrimónios mediante a prática do ilícito pelo qual agora são condenados.

Determina o art.º 110.º do Código Penal que: “1. São declarados perdidos a favor do Estado: a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objectos que tiverem sido produzidos pela sua prática; b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, directa ou indirectamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem. 2. O disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem. 3. A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objecto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado. 4. Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A. 5. O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz. 6. O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido.”

Tal como se escreve no douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo n.º 2706/16.3T9FNC, disponível para consulta em www.dgsi.pt, “A perda de vantagens do crime constitui instrumento de política criminal, com finalidades preventivas, através do qual o Estado exerce o seu ius imperium anunciando ao agente do crime, ao potencial delinquente e à comunidade em geral que, mesmo onde a cominação de uma pena não alcança, nenhum benefício resultará da prática de um ilícito [v.g. “o crime não compensa”, nem os seus agentes dele retirarão compensação de qualquer natureza]. Reconhece-se, assim, que o agente deverá voltar ao estado inicial antes de beneficiar da vantagem patrimonial demonstrada na acusação, e causada em consequência de um facto antijurídico. Este retorno, sublinhe-se, deverá ocorrer mesmo que o pedido de indemnização civil não tenha sido formulado, por algum motivo tenha sido julgado improcedente ou seja relativo a valor inferior à vantagem patrimonial que ocorra.”

Ora, decorre dos factos provados que a arguida A..., Ld.ª, com a prática do crime que se concluiu ter sido cometido, alcançou um benefício de valor equivalente ao montante das quotizações retidas aos trabalhadores, que fez seu e não entregou, como devia, à Segurança Social, portanto, de 17.369,23 € (dezassete mil trezentos e sessenta e nove euros e vinte e três cêntimos). Nessa medida sempre deverá a dita arguida ser condenada a pagar ao Estado tal valor descontado da quantia que comprovadamente já se mostra paga, perfazendo os referidos 14.848,15 € (catorze mil oitocentos e quarenta e oito euros e quinze cêntimos). A propósito veja-se, entre muitos outros, o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo n.º 276/17.4IDPRT, datado de 10.11.2021, onde se escreveu: “(…) Ponderados os factos provados dúvidas não restam de que os custos deduzidos em sede de IRC e a quantia recebida a título de IVA e não entregues à AT no quadro da comissão de um crime de fraude fiscal, constitui vantagem que pode ser declarada perdida a favor do Estado. E sufragando nós, não só pode, como tem que ser declarada perdida a favor do Estado, pois, sendo essa perda ou confisco geral (cfr. João Conde Correia e Hélio Rigor Rodrigues, nos seus Estudos publicados na Revista Julgar On Line de Janeiro de 2015 e Janeiro de 2017, em anotação a acórdão do TRG e ao do TRP supra referido de 23/11/2016) imposta pelo art.º 110º n.º 1 alínea b) do CP, na redacção actualmente em vigor, depois das alterações decorrentes das Leis 32/2010, de 02/09 e 30/2017, de 30/05, a mesma tem que ser declarada, designadamente, e como se diz naquele segundo texto, porque, “...o legislador português, como (insistimos) resulta claramente do art.º 130º do Código Penal, deu preferência ao confisco enquanto manifestação do jus imperium estadual...”.

A perda de vantagens do crime como medida sancionatória análoga a uma medida de segurança, como é considerada quase unanimemente pela doutrina e jurisprudência, é determinada pela “...prevenção da criminalidade em globo, ligada à ideia – antiga, mas nem por isso menos prezável – de que “o crime” não compensa. Ideia que se deseja reafirmar tanto sobre o concreto agente do ilícito-típico (prevenção especial ou individual), como nos seus reflexos sobre a sociedade no seu todo (prevenção geral)...” (Professor Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime). E isto independentemente da existência ou inexistência de pedido de indemnização civil, ou de execuções já movidas pela Autoridade Tributária para receber o imposto em dívida, “Apesar da eventual inutilidade prática, o mero valor pedagógico da decisão não é despiciendo, não podendo ser esquecido.”, impondo a declaração da perda de vantagem do crime, sempre que esta exista, porque “A obrigação do confisco é geral...” e “O confisco dos proventos do crime tem uma finalidade preventiva pelo que a omissão da sua declaração (a sua execução posterior já será outra coisa) frustra este propósito politico-criminal e emite um sinal errado para a comunidade.” (op. cit.).

De qualquer forma, mesmo que não seja o Estado o lesado, como o é no caso dos crimes fiscais, sempre os direitos dos lesados são assegurados, independentemente do confisco, como o impõe o n.º 6 do art.º 110.º do Código Penal, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio, que transpõe para o direito português a Directiva 2014/42/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 03.04.2014 sobre o congelamento e a perda de instrumentos e produtos do crime na EU, e que, salvo melhor opinião, impõe a posição que assumimos sobre a questão aqui em causa. Ao que acresce que, nos crimes fiscais, em que o lesado é o Estado, a execução fiscal ou mesmo a dedução de pedido de indemnização civil não constituem sempre formas suficientes para assegurar as finalidades subjacentes ao confisco. A necessidade de restauração da ordem patrimonial dos bens corresponde a um “(...) instrumento de profilaxia do enriquecimento ilícito (…)”, in “A admissibilidade de (co)existência do confisco e outros mecanismos de recuperação de vantagens no âmbito dos crimes tributários”, de Filipa Nunes da Cunha, RMP 151.

Assim, pelas razões supra expostas, e porque independentemente de o Estado vir a receber quaisquer quantias por via das execuções instauradas ou de uma eventual reclamação de créditos em caso de insolvência, o montante correspondente à vantagem patrimonial obtida pela arguida com a prática do crime em causa nos autos só pode ser recebido pelo Estado uma vez, tenha este quantos títulos executivos tiver, e nos termos dos n.º 1 alínea b) e n.º 3 do art.º 110.º do Código Penal, tem a pretensão do Ministério Público que proceder.

Porém, essa procedência verifica-se apenas relativamente à sociedade A..., Ld.ª; na verdade e face à factualidade provada, apenas esta adquiriu a vantagem resultante da não entrega das quotizações à Segurança Social. No nosso entendimento e no que respeita a AA e a BB impõe-se conclusão diversa: com efeito, não se provou que estes hajam retirado qualquer benefício pessoal na prática do ilícito, concretamente que a totalidade ou parte daquele valor haja ingressado no seu património pessoal, o qual não se confunde com o da sociedade. Sequer qualquer deles é/era titular de qualquer parte do capital social da arguida, pelo que não se cogita o aproveitamento indirecto enunciado.” (fim de transcrição).


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Apreciando.

Refere o recorrente Ministério Público, em síntese, que discorda do entendimento do Tribunal a quo relativamente ao facto de, tendo os mesmo sido condenados como co-autores do crime imputado, não ter sido aplicado aos arguidos AA e BB o instituto da perda de vantagem, atento o disposto no artigo 110.º, n.ºs 1, alínea b), 4 e 6, do Código Penal, pois que ele tem subjacente o princípio ético-jurídico de que o crime nunca pode compensar, desincentivando a prática de ilícitos criminais, com efeitos preventivos especiais e gerais, pelo que o agente não poderá retirar quaisquer dividendos da sua acção criminosa, ou seja, qualquer vantagem patrimonial, além de que a declaração de perdimento tem lugar independentemente da formulação, ou não, de pedido de indemnização civil ou da existência de qualquer título executivo, ainda que não se traduza numa dupla penalização para o agente. Mais refere que, ao contrário do sustentado na sentença recorrida, deverão ser declaradas perdidas as vantagens que, através de facto ilícito típico, tiverem sido adquiridas, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie, sendo, por isso, responsáveis todos os co-autores do crime que participaram com as suas condutas para a obtenção da vantagem patrimonial ilícita, mesmo que esta seja canalizada, por via indirecta ou directa, apenas para um deles ou não se logre provar para que esfera patrimonial reverteu essa vantagem, devendo, assim, a perda ser declarada contra todos os agentes / co-arguidos do facto ilícito típico, independentemente de a vantagem patrimonial ilícita ter ingressado apenas na esfera patrimonial de um deles, pois que, de outra forma, esse instituto não cumpriria as suas finalidades preventivas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, designadamente deste Tribunal da Relação, tendo sido violado o disposto no artigo 110.º, n.ºs 1, alínea b), e 4, do Código Penal (págs. 3 a 9 da motivação).

Vejamos.

Versando o recurso sobre matéria de direito, a lei que sejam indicadas, designadamente, “as normas jurídicas violadas” e “o sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela deveria ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada” (als. a) e b) do n.º 2 do art. 412.º do CPP).

Está em causa essencialmente o disposto no artigo 110.º do Código Penal (na sua actual redacção, introduzida pela Lei n.º 30/2017, de 30-05), que tem por epígrafe “Perda de produtos e vantagens”, segundo o qual, no que agora releva:

1 - São declarados perdidos a favor do Estado:

(…)

b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, directa ou indirectamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.

(…)

4 – Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.

(…)

6 - O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido.”

Não é questionado no recurso, mas antes aceite, que o aludido valor de 14.848,15€, relativo a contribuições devidas à Segurança Social e não pagas, constitui uma vantagem patrimonial resultante de facto ilícito típico, em cujo pagamento ao Estado foi condenada a sociedade arguida A..., Ld.ª.

A questão que importa apreciar, em face dos argumentos nele apresentados, consiste em saber se também os co-arguidos AA e BB, então gerentes da referida sociedade e agindo nessa qualidade, deverão ser responsabilizados por esse pagamento, ao abrigo do disposto no referido artigo 110.º, n.ºs 1, alínea b), e 4, do Código Penal.

Como princípio, o pedido de decretamento de perda de vantagens a favor do Estado, nos termos do referido normativo legal, deve proceder sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, sendo eles:

- a prática de um facto ilícito típico pelo agente; e

- a existência de vantagens económicas, directa ou indirectamente dele resultantes, para o agente ou para outrem.

Na verdade, trata-se aqui de um imperativo legal e não de um poder discricionário do Juiz, que, como tal, não poderá condicionar a procedência de tal pedido a quaisquer outros requisitos, designadamente à não formulação de pedido de indemnização civil por parte do lesado ou à sua improcedência.

Com efeito, tal como se assinalou no Acórdão deste Tribunal da Relação de 13-12-2023, proferido no Processo n.º 2999/21.4T9AVR.P1 (acessível em www.dgsi.pt, o qual foi relatado pelo também agora Relator), tendo em conta que os fins e objectivos pretendidos com o referido instituto (no essencial, o impedir que o agente mantenha vantagens económicas obtidas com a prática de um crime) são distintos daqueles que visa o pedido de indemnização civil (a reparação dos danos sofridos pelo ofendido / lesado), considera-se que a dedução e procedência deste último não obsta à igual procedência daquele, nem o substitui, conforme também se referiu na sentença.

Na verdade, uma coisa é a condenação – na restituição ao Estado da vantagem obtida e no valor indemnizatório ao ofendido - e outra, distinta, é a execução de ambos os direitos assim reconhecidos.

Com efeito, nesta vertente há consenso no sentido de que o arguido não é obrigado pagar em duplicado pois que, como se referiu, o que se pretende é que não obtenha vantagens económicas e não a sua sujeição a uma nova penalização decorrente da prática do crime, esta de natureza económica e que conduziria ao seu “empobrecimento ilícito”.

Se é certo que os ofendidos não podem ser prejudicados pela condenação decorrente do decretamento da perda dos produtos ou vantagens a favor do Estado (n.º 6 do referido art. 110.º), então perante o pagamento efectuado ao ofendido cai qualquer possibilidade de o Estado obter o pagamento da vantagem económica resultante de facto ilícito, em igual medida, mesmo que tenha havido condenação do agente do crime nesse sentido.

Assim, nas situações em que o valor do eventual pedido civil formulado é igual ou superior ao valor da “vantagem”, se o arguido é condenado a pagar a totalidade desse valor ao lesado - que dispõe da aludida “preferência” –, e efectua tal pagamento, já não terá que pagar ao Estado. Na verdade, nessas situações, este último pagamento (ao Estado) só ocorrerá em casos residuais, designadamente quando o lesado, por qualquer motivo, se desinteresse ou desista da cobrança total ou parcial da quantia - caso em que, por força do decretamento da perda a favor do Estado, este poderá exigir o pagamento em causa, impedindo assim que o agente do crime mantenha a vantagem obtida com a sua prática.[1]

Ou seja, o instituto da perda a favor do Estado apresenta uma relação de subsidiariedade relativamente à satisfação do direito do ofendido / lesado, coexistindo ambos apenas na medida em que se torne necessário para, em qualquer circunstância, evitar que o arguido ou outrem fique enriquecido com a vantagem obtida pela prática do crime.

Em síntese, a lei assegura a primazia da satisfação dos direitos do ofendido, sendo que o agente do crime, caso haja também declaração de perda de vantagens a favor do Estado, nunca poderá ser compelido a pagar duas vezes, o que resulta do disposto no referido n.º 6 do artigo 110.º e também do n.º 2 do artigo 130.º do Código Penal.

As divergências jurisprudenciais que havia sobre esta questão foram, entretanto, resolvidas com a publicação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2024 (DR I, de 09-05-2024), o qual uniformizou a seguinte jurisprudência:

Nos termos do disposto no artigo 111.º, n.ºs 2 e 4, do Código Penal, na redacção dada pela Lei n.º 32/2010, de 02/09, e no artigo 130.º, n.º 2, do Código Penal, na redacção anterior à Lei n.º 30/2017, de 30/05, as vantagens adquiridas pela prática de um facto ilícito típico devem ser declaradas perdidas a favor do Estado, mesmo quando já integram a indemnização civil judicialmente pedida e atribuída ao lesado pelo mesmo facto.”

Ainda que este Acórdão se reporte ao regime anterior ao instituído pela dita Lei n.º 30/2017, a verdade é que o estabelecido em tal artigo 111.º, n.ºs 2 e 4, corresponde, apesar da alteração da redacção, ao disposto no actual artigo 110.º, n.ºs 1, alínea b), 4 e 6, do Código Penal.

Assim, apesar de deduzido nos autos pedido de indemnização cível pelo Instituto de Segurança Social, IP, relativo aos prejuízos ocasionados pela prática do crime, o qual foi julgado procedente, com condenação solidária dos três arguidos no pagamento ao demandante da quantia peticionada de 17.745,14 €, acrescida de juros de mora até integral pagamento (ponto e) do dispositivo), tal não impediu que fosse também declarada a perda da vantagem directamente obtida pela sociedade arguida, com a sua condenação do respectivo valor ao Estado, tal como não impediria a condenação dos co-arguidos AA e BB, em observância do disposto no referido artigo 110.º, n.ºs 1, alínea b), 4 e 6, do Código Penal.

É verdade que neste caso o Estado, no seu sentido mais amplo, é o beneficiário nas duas vertentes (pedido cível / perda de vantagem), sendo espectável que o demandante / lesado Instituto de Segurança Social, IP, não deixe que fazer valer o direito de recebe o dito valor em que os três arguidos foram condenados a pagar-lhe, ainda que pela via coerciva, o que tornará a declaração de perda de vantagem sem qualquer utilidade e, assim, também a procedência do presente recurso interposto pelo Ministério Público.

Em todo o caso, nunca poderá excluir-se, de antemão, uma qualquer circunstância que conduza à não exigência, total ou parcial, do valor das contribuições por parte da Segurança Social, situação em que deverá actuar o regime da perda da vantagem, sendo que da (eventual) dupla condenação não advém, por si só, qualquer prejuízo para os responsáveis, incluindo ao nível das custas processuais, pois que a procedência da perda de vantagem, sendo uma decorrência da própria responsabilidade criminal, não está sujeita a tributação, ao contrário do pedido cível, ressalvada, neste caso, a eventual isenção legal em virtude do seu valor (art. 4.º, n.º 1, l. n), do RCP).

Equacionada assim a questão, vejamos, então, a concreta pretensão do recorrente, a qual se coloca ao nível do(s) beneficiário(s) da referida vantagem económica, sustentando-se na sentença recorrida que, por não se ter provado que os arguidos AA e BB hajam retirado qualquer benefício pessoal da prática do ilícito, concretamente que a totalidade ou parte daquele valor haja ingressado no seu património pessoal, dizendo-se que o mesmo não se confunde com o da sociedade, não sendo eles sequer titulares de qualquer parte do capital social da arguida, não se cogitar o aproveitamento indirecto por parte dos referidos sócios-gerentes. Será assim?

É sabido, tal como se enunciou na sentença recorrida, que a perda de vantagens do crime constitui um instrumento de política criminal, com finalidades preventivas, através do qual o Estado exerce o seu ius imperium, anunciando ao agente do crime, ao potencial delinquente e à comunidade em geral que, mesmo onde a cominação de uma pena não alcança, nenhum benefício poderá resultar da prática de um ilícito criminal, dando sentido ao aforismo o crime não compensa, nem os seus agentes dele retirarão benefício de qualquer natureza, seja para quem for.

Mas a resposta àquela questão é tudo menos pacífica, tendo merecido soluções divergentes da jurisprudência, a qual se divide em duas correntes distintas:[2]

- Uma delas sustenta que, verificando-se a prática de um facto ilícito típico e tendo havido um enriquecimento, ainda que para terceiro, designadamente a sociedade representada do agente, impõe-se a declaração de perda da vantagem, por ela respondendo também este, pois que a declaração de perda do valor das vantagens do crime não depende da demonstração de um efectivo enriquecimento ou obtenção de benefício pessoal pelo autor do incremento patrimonial, antes e só que da actuação típica ilícita do mesmo resultou - nexo causal - uma vantagem patrimonial para si ou para outrem.[3]

- Já a outra sustenta que a condenação no pagamento das vantagens não deve ser decretada contra o agente do crime que não tiver obtido para si qualquer benefício económico, mas apenas contra quem beneficiou dessas vantagens, designadamente as arguidas sociedades nos casos de representação pelo referido agente.[4]

Tratando-se claramente de uma interpretação da lei, importa atentar no disposto no artigo 9.º do Código Civil, segundo o qual:

1 – A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2 - Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3 - Na fixação do sentido e alcance da norma o intérprete presumirá que o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

A respeito desta disposição do compêndio substantivo civil, referem Pires de Lima e Antunes Varela que “o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei. Quando, porém, assim não suceda, o Código faz apelo franco, como não poderia deixar de ser, a critérios de carácter objectivo, como são os que constam do n.º 3.”[5]

Estes parâmetros por que deve guiar-se a interpretação das leis levam a afirmar que a função do decisor não é puramente mecânica, mas antes deve desenvolver um esforço de interpretação normativa para a sua correcta aplicação ao caso concreto.

Efectivamente, se a interpretação das normas legais deve sempre ter em conta, como primeiro critério, o seu teor literal, o intérprete deverá ter presentes todos aqueles factores e partir do pressuposto que o legislador consagrou a solução mais acertada. E se a lei não distingue, o intérprete também não deverá distinguir.

O instituto da perda de bens e produtos resultantes do crime tem longa tradição no nosso sistema jurídico, encontrando já consagração no Código Penal de 1886, ainda que somente através de esporádicas referências a casos específicos de perda que classificava como efeito não penal da respectiva condenação, vindo o Código Penal de 1982 a efectuar uma regulação específica da perda de instrumentos, produtos, recompensas e vantagens (arts. 107.º a 109.º, na versão do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23-09).

As posteriores alterações desse regime, em parte motivadas pela transposição para o ordenamento jurídico interno de Directivas Europeias, como sucedeu com a Directiva 2014/42/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 03-04-2014, sobre o congelamento e perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia, a qual levou à publicação da Lei n.º 30/2017, de 30-05 (que consagrou a redacção actual do art. 110.º), foram sempre no sentido de alargar o seu âmbito de aplicação.

Trata-se, no fundo, de abranger a perda a favor do Estado de todos os “efeitos patrimoniais” do facto lícito típico, sejas eles as vantagens económicas obtidas com o mesmo ou pela sua prática, ou seja, directa ou indirectamente resultantes desse facto. Por outro lado, poderá tratar-se de vantagens para o próprio agente do facto ilícito típico ou para outrem, tal como resulta do referido preceito legal (acima transcrito).

Este instituto, assenta, como já dito, em finalidades preventivas, ao nível da prevenção geral e especial, na medida em que deve assegurar que os agentes que praticam factos ilícitos típicos devem ficar privados dos proventos e benefícios obtidos com essa actividade, seja para eles próprios ou para terceiros (outrem, na expressão da lei). No fundo, trata-se de corrigir a situação patrimonial resultante da prática do crime, repondo o status quo anterior, ainda que os seus autores não possam ser punidos (n.º 5 do referido art. 110.º).

A prática de um crime tem sempre subjacente um estímulo, a obtenção de uma vantagem (lucro), seja de que natureza for, pois que é próprio da natureza humana agir em vista de resultados que proporcionam prazer ou trazem benefícios, seja para o próprio agente ou para outrem.

E o conceito de agente do facto ilícito típico admite qualquer forma de comparticipação criminosa, seja ela a autoria / co-autoria – mediata ou imediata –, a instigação ou a cumplicidade (arts. 26.º e 27.º do C. Penal).

Conforme se refere no Acórdão desta Relação de 26-01-2022 – Proc. 2769/16.1T9PRT.P1 (in www.dgsi.pt), “o instituto da perda de vantagens decorrentes da prática do crime tem finalidades próprias como mecanismo eficaz de dissuasão da criminalidade que visa o lucro (evitando que a prática do crime se traduza nalgum benefício económico)”, assim pretendendo o legislador “anular” a vantagem patrimonial obtida pelo agente do facto ilícito para si ou para outrem.[6]

No caso presente, os arguidos AA e BB foram condenados como co-autores materiais, na forma consumada e continuada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punível pelos arts. 6.º, n.º 1, e 107.º, n.º 1, do RGIT e arts. 30.º, n.º 2, e 79.º, ambos do Código Penal, tendo actuado como gerentes da co-arguida sociedade A..., Ld.ª, a qual não pagou, nos termos e prazos legais, as contribuições devidas à Segurança Social, durante os períodos indicados, no montante global de 17.369,23€, sendo que posteriormente liquidaram parte desse valor, restando em débito a quantia de 14.848,15 € (factos 1. a 11. supra).

Entendemos, contudo, que o facto de não ter sido dado como provado que, “por via indirecta, também para si, enquanto gerentes da sociedade arguida, os arguidos AA e BB obtiveram a indevida vantagem patrimonial referida em 8- dos factos provados” (ponto B. 1, supra),[7] não os isenta da peticionada declaração de perda de tal valor a favor do Estado e consequente condenação ao seu pagamento, como o foi a sociedade sua representada A..., Ld.ª.

Na verdade, seguindo a primeira das referidas correntes jurisprudenciais, cremos que esta é a interpretação que melhor se coaduna com o texto da lei e o pensamento do legislador, porquanto o instituto em análise não faz depender a declaração de perda da vantagem da demonstração de um efectivo enriquecimento ou obtenção de benefício pessoal pelo agente do facto ilícito. Por outro lado, a própria norma consagra a possibilidade de a vantagem económica resultante daquele facto ser para o agente ou para outrem.

Nesse outrem cabe qualquer pessoa, singular ou colectiva, seja ela também agente do facto ilícito ou um terceiro que nada teve a ver com o mesmo.

E importa referir que a declaração de perda da vantagem económica a favor do Estado e a consequente condenação ao seu pagamento somente poderão ser determinadas no âmbito do concreto processo-crime e contra quem nele tem a posição de arguido (agente do facto ilícito típico), ressalvado o disposto no n.º 2 do artigo 111.º do Código Penal.

Sendo esta uma verdade insofismável, apenas se fez essa menção para reforçar a ideia de que a declaração de perda opera contra o agente do facto ilícito típico, mesmo que a vantagem económica resultante do crime que cometeu não tenha ingressado na sua esfera patrimonial, mas a sim na de outrem.

Com efeito, importa não esquecer que foi a actuação do agente do crime, seja agindo por si só ou em comparticipação, que levou à obtenção da vantagem, não relevando, à face da lei, que o seu efectivo beneficiário tenha sido o mesmo agente ou outrem.

O que revela é a causa - a razão - da obtenção da vantagem e não o seu concreto beneficiário. Se assim não fosse, ou seja, se a lei exigisse a prova no processo de que a vantagem económica resultante da prática do ilícito criminal originou um efectivo incremento patrimonial para o seu agente, claramente que muitas das situações ocorridas não permitiriam a declaração de perda nos termos do referido artigo 110.º do Código Penal.

Atente-se nas situações em que não se apurava quem, concretamente, teve esse benefício patrimonial, designadamente qual dos arguidos com ele se locupletou (no caso de comparticipação), ou até a proporção em que foi repartido entre os comparticipantes.

Naturalmente que, se assim fosse, não seriam atingidas as finalidades desse instituto, na medida em que, estando embora provada a existência de uma vantagem económica resultante do crime, não se lograva a sua declaração de perda por não se saber quem com ela efectivamente beneficiou. Neste contexto, ficariam totalmente neutralizadas as finalidades preventivas inerentes a tal medida.

Ademais, no caso da representação societária, é sabido que a pessoa colectiva não tem voz e vontade própria, mas sim a dos seus representantes, sendo que estes, em princípio, como aqui era o caso, agem em nome e no interesse e benefício daquela. Mas não se pode negar o natural interesse pessoal no sucesso do giro comercial e económico da representada, sendo estes o escopo societário (art. 1.º do CSC).

Neste contexto, a perda deve ser declarada contra o agente que, através de uma actuação ilícita típica, possibilitou e determinou a obtenção do benefício patrimonial para outrem. E por maioria de razão deve aplicar-se tal raciocínio se esse benefício patrimonial reverteu para a co-arguida sociedade, por si representada.[8]

Tal como se escreveu no dito Acórdão de 02-04-2025 - Proc. 255/17.IDPRT.P1 (Rel. Maria Deolinda Dionísio, no qual o agora Relator foi Adjunto), “a exigência de demonstração de obtenção directa da vantagem patrimonial pelos autores do crime equivale a uma restrição do funcionamento dos mecanismos do confisco que não se encontra legalmente prevista, sendo até contraditória com o elemento literal que se extrai do citado artigo 110.º, n.º 1, alínea b), acrescendo a circunstância de colidir com a natureza e finalidade marcadamente preventivas do instituto em causa. Deste modo, acompanhando os argumentos exarados no citado acórdão deste tribunal da Relação do Porto de 19/04/2023, para a demonstração de que o crime não compensa e que não se pode tolerar a manutenção de uma situação patrimonial contrária ao direito, deve proceder-se à declaração da perda a favor do Estado das vantagens resultantes do facto ilícito típico, responsabilizando-se os seus autores, ainda que não tenham sido eles os directos beneficiados mas antes a sociedade sua representada.”

E subscreve-se igualmente o defendido no citado Acórdão de 19-04-2023 - Proc. 2460/20.4T8VFR.P1 (Rel. João Pedro Pereira Cardoso, no qual o agora Relator foi Adjunto), invocado na motivação do recurso, onde se escreveu que “a perda ocorre aquando da verificação de um facto ilícito típico e do qual resultou a existência de uma vantagem económica para o agente ou outrem. Exige-se apenas um concreto facto ilícito típico e a existência de vantagens com ele obtidas, e do nexo de causalidade entre ambos, independentemente da esfera patrimonial, para a qual resultou a vantagem, pertencer ao arguido ou a um terceiro.”

Em conclusão, na procedência do recurso, impõe-se a condenação dos arguidos AA e BB no pagamento ao Estado do valor de 14.848,15€ (catorze mil oitocentos e quarenta e oito euros e quinze cêntimos), correspondente ao valor da vantagem patrimonial obtida a favor da co-arguida A..., Ld.ª.

III

Pelo exposto, decide-se julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, condenando-se os arguidos AA e BB no pagamento ao Estado do valor de 14.848,15€ (catorze mil oitocentos e quarenta e oito euros e quinze cêntimos), correspondente à vantagem patrimonial obtida, com a prática do crime, para a co-arguida A..., Ld.ª.

Sem custas.


*

Notifique.

*


Porto, 04-06-2025.

Raul Cordeiro

(Relator)

João Pedro Pereira Cardoso

(1.º Adjunto)

William Themudo Gilman

(2.º Adjunto, com o voto de vencido que segue)

[Declaração de voto de vencido:

Voto vencido porque entendo, tal com na decisão recorrida, que não se provando que os arguidos pessoas físicas hajam retirado qualquer benefício pessoal da prática do ilícito de abuso de confiança cometido, concretamente que a totalidade ou parte do valor não pago à Segurança Social haja ingressado no seu património pessoal, não poderão face ao disposto no artigo 110.º, n.º 1, do Código Penal ver a perda de vantagens decretada contra si.

Com efeito, sobre a perda de vantagens determina o artigo 110.º, n.º 1, al. b), do Código Penal que 1-São declaradas perdidas a favor do Estado: (…) b)As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.

A essência político-criminal da perda das vantagens do crime, como ensina Jorge de Figueiredo Dias, é primariamente um propósito de prevenção da criminalidade em globo, ligado à ideia de que o crime não compensa. Esta afirmação da ideia de que o crime não compensa tem efeitos de prevenção especial, agindo sob os motivos do crime, e de prevenção geral positiva, reforçando a confiança da comunidade na validade das normas, através da anulação do enriquecimento de causa ilícita criminosa (ilícita típica), demonstrando o Estado que não é tolerável uma situação patrimonial antijurídica. Trata-se em suma de uma imposição de justiça: a restauração da ordenação dos bens correspondente ao direito.

Uma leitura acertada do artigo 110.º, n.º 1, do Código Penal tem de responder com justiça e proporção à finalidade do instituto da perda de vantagens: a anulação do enriquecimento de causa ilícita criminosa (ilícita típica) e a restauração da ordenação dos bens correspondente ao direito.

Condenar-se na perda de vantagens quem com o crime não enriqueceu não só não cumpre a finalidade do instituto, pois por definição não impede o enriquecimento de causa criminosa nem restaura a ordem patrimonial adequada ao direito, como ainda leva a um empobrecimento sem causa da pessoa que não adquiriu vantagens com o crime.

Ora, direito injusto é uma contradição nos termos, pelo que a interpretação de uma norma num sentido que leve ao injusto é manifestamente errada, especialmente havendo outras interpretações possíveis.

Se atentarmos na letra da lei, o que se diz na norma é que são perdidas a favor do Estado as vantagens do facto ilícito típico, quer o beneficiário seja o agente do crime ou outrem, que o mesmo é dizer: todas as vantagens do crime são perdidas para o Estado, independentemente da esfera jurídica patrimonial onde tenham ido parar, pois que ninguém pode enriquecer com a prática de um crime.

O enfoque é colocado na vantagem económica e não em quem cometeu o crime.

Para quem simplesmente cometeu o crime já lá está a pena, o mal que se vai sofrer pelo ilícito penal praticado.

Daqui resulta que a perda de vantagens do crime só pode ser declarada contra quem delas beneficiou.

Não se provando o enriquecimento do agente ou de um dos agentes do crime, a perda de vantagens não pode contra ele ser decretada.

Assim, confirmaria a sentença recorrida.]


_____________________________________________
[1] Neste mesmo sentido podem ver-se os Acórdãos deste Tribunal da Relação de 28-10-2021 (José Carreto), de 29-06-2022 (Liliana de Páris Dias) e de 12-07-2017 (Jorge Langweg) e da Relação de Évora de 07-09-2021 (Nuno Garcia), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] Sem que se saiba ter sido desencadeado até ao momento, designadamente pelo Ministério Público, o procedimento legal para fixação de jurisprudência, nos termos dos artigos 437.º a 445.º do CPP.
[3] Neste sentido podem ver-se, designadamente, os Acórdãos deste Tribunal da Relação do Porto de 19-04-2023 - Proc. 2460/20.4T8VFR.P1 (Rel. João Pedro Pereira Cardoso, no qual o agora Relator foi Adjunto), de 29-06-2022 – Proc. 638/17.7IDPRT.P1 (Rel. Liliana Páris Dias), de 13-09-2023 – Proc. 2111/21.0T9VFR.P1 (Rel. Liliana Páris Dias), de 03-04-2024 – Proc. 2390/18.0T9AVR.P1 (Rel. Liliana Páris Dias) e de 06-03-2024 – Proc. 1010/15.9IDPRT.P1 (Rel. Lígia Figueiredo), todos in www.dgsi.pt, bem como o Acórdão de 02-04-2025 – Proc. 255/17.IDPRT.P1 (Rel. Maria Deolinda Dionísio, no qual o agora Relator foi Adjunto). 
[4] Neste sentido, podem ver-se, designadamente, os Acórdãos deste Tribunal da Relação do Porto de 30-04-2019 - Proc. 1325/17.1T9PRD.P1 (Rel. Élia São Pedro), de 11-10-2021 - Proc. 276/17.4IDPRT.P1 (Rel. João Pedro Nunes Maldonado) de 18-01-2023 – Proc. 7930/19.4T9PRT.P1 (Rel. William Themudo Gilman, Adjunto nestes autos), de 17-05-2023 – Proc. 234/18.1IDAVR.P1 (Rel. Francisco Mota Ribeiro) e de 13-12-2023 – Proc. 12/19.0FAPRT.P1 (Rel. José António Rodrigues da Cunha), bem como o artigo do referido Des. William Themudo Gilman “A perda de vantagens do crime – reflexões breves”, in Julgar Digital, Revista do ano 2024, Tomo 3, págs. 178 a 196.
[5] In Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, págs. 58 e 59.
[6] Assim também o referido Acórdão de 19-04-2023 - Proc. 2460/20.4T8VFR.P1 (Rel. João Pedro Pereira Cardoso), que cita esse Acórdão de 26-01-2022.
[7] Ainda que, certamente por lapso, no facto provado 4 tenha ficado a contar, no final, “fazendo-as suas”, referindo-se às quantias “correspondentes às cotizações”.
[8] Este entendimento é também sustentado no artigo da autoria da Des. Liliana Páris Dias, que se encontra publicado (também em Separata) na Revista do Ministério Público, n.º 171 (Out – Dez 2022), a qual refere a “desnecessidade de demonstração de um efectivo incremento no património do arguido, agente do crime, para que seja decretado o confisco”, pois que tal exigência, além de não estar legalmente prevista, colide com a natureza e finalidade marcadamente preventivas do instituto, sendo “a única congruente com o regime legalmente previsto para regular as situações em que os instrumentos, produtos ou vantagens pertençam a um terceiro. Neste caso, a perda (ou pagamento do valor equivalente à vantagem) pode ser decretada, desde que se verifique qualquer uma das situações contempladas nas diversas alíneas do nº 2 do art.º 111.º do CP. E é manifesto que estas hipóteses não se restringem às situações em que o terceiro retirou benefícios do facto ilícito cometido por outrem.” (cfr. págs. 193 a 195).