I - Se o arguido tiver sido condenado por crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, em que as vítimas sejam crianças menores de idade está excluída a possibilidade de não transcrição da condenação quando o registo criminal seja solicitado para finalidades de validação da idoneidade para o exercício de profissões, funções ou atividades que implicam contactos com menores.
II - Fora destas situações pode o juiz determinar a não transcrição da condenação, desde que estejam verificados os requisitos formais e material: 1) ter sido condenada a pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade; 2) não ter o arguido sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza; e 3) das circunstâncias que acompanharam o crime presente não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.
III - O juízo de prognose efetuado para a suspensão de execução da pena de prisão não é coincidente com o que deve ser formulado para a decisão de eventual não transcrição da sentença: a pena de prisão será suspensa quando seja efetuado um juízo de prognose favorável; já a condenação não será transcrita, quando, das circunstâncias que rodearam a prática do ilícito se puder concluir que não existe perigo da prática de novos crimes, ou seja, quando não seja efetuado um juízo de prognose desfavorável ao arguido.
(Sumário da responsabilidade da relatora)
Relatora: Isabel Matos Namora
1ª Adjunta: Cláudia Sofia Rodrigues
2ª Adjunta: Maria Deolinda Dionísio
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
1. 1. Decisão condenatória
Nos presentes autos, por despacho datado de 25/10/2024 foi decidido em relação ao arguido AA deferir o por si peticionado e não transcrever no Certificado do Registo Criminal a condenação por si sofrida, que lhe foi aplicada por acórdão datado de 19-03-2024, na pena de 5 anos de prisão pela autoria material e sob a forma consumada, da prática de dois crimes de abuso sexual de criança p.p. art.º 171º nº1 do Código Penal, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo e sujeita à condição de não praticar crimes ofensivos do mesmo bem jurídico, de frequentar o programa da DGRSP de reabilitação de agressores sexuais e de entrega a uma IPSS da quantia de 5000,00 até ao final do prazo da suspensão, procedendo ainda ao pagamento em cada ano da quantia de €1000,00.
1. 2. Recurso interposto pelo Ministério Público
O Ministério Público não se conformou com esta decisão, tendo interposto recurso e a final apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1) Nos presentes autos foi o arguido condenado pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança p.p. 171º nº1 e 177º nº1 c) do C. Penal, na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita à condição de não praticar crimes ofensivos do mesmo bem jurídico, de frequência do programa da DGRSP de reabilitação de agressores sexuais e de entrega a uma IPSS da quantia de 5000,00 até ao final do prazo da suspensão, procedendo ao pagamento em casa ano da quantia de €1000,00.
2) Requereu o condenado a não transcrição da mesma no seu certificado de registo criminal nos termos do disposto no art.º 13º, nº1, da Lei nº 37/2015, de 05.05.
2) O Tribunal deferiu o requerido aplicando mutatis mutandis o juízo realizado no âmbito da suspensão da execução de uma pena de prisão ao abrigo do disposto no art.º 50.º do Código Penal.
3) Nos termos do disposto no art.º 13º, nº1, da Lei nº 37/2015, de 05.05, “a não transcrição da condenação nos certificados de registo criminal para fins de emprego ou para o exercício de profissão ou atividade depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: um pressuposto formal que consistente na condenação do arguido em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade e dois pressupostos materiais (ou substantivos): exige-se que o condenado não tenha sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e que das circunstâncias que acompanharam o crime não se possa induzir o perigo de prática de novos crimes.
4) A lei indica ao julgador como critério a utilizar para aquilatar da verificação ou não deste último requisito a valoração das circunstâncias que acompanharam o cometimento do crime e não as verificadas posteriormente a este.
5) Tal juízo é distinto daquele que é efetuado no âmbito da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do disposto no art.º 50º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
6) Com efeito, no âmbito de tal normativo, é necessário a existência de juízo de prognose positivo favorável à realização das finalidades da punição, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça de prisão dela adveniente, ainda que subordinada ao cumprimento de deveres, à observância de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova, realizam de forma adequada as finalidades de prevenção geral e especial.
7) Os primeiros dois requisitos exigidos para a não transcrição mostram-se verificados.
8) Contudo, em nosso entender, como alegamos na promoção sobre a qual incidiu o despacho judicial recorrido, o último já não.
9) Não se vislumbra como é que o tribunal concluiu que das circunstâncias que acompanharam o crime que não é possível induzir perigo da prática de novos crimes.
10) O tribunal, no despacho recorrido, não valorou os factos dados como provados no acórdão e que teriam de ser tidos em conta, nada aí se mencionou sobre a gravidade dos factos cometidos, nem nada se disse sobre terem sido exercidos em dias diferentes sobre a vítima, repetição essa que não é favorável em termos de risco de futuros acontecimentos. Também não atendeu ao facto do aproveitamento da situação de quase indefesa para agressões como as sofridas em que a vítima se encontrava, na altura com 9 anos de idade, bem como o facto do condenado ser atualmente companheiro da mãe da vítima, vivendo com ambas, o que sucede, sensivelmente, desde a data da prática dos crimes (tal como resulta dos factos provados relativos à situação pessoal do arguido).
11) Para além disso, tal como resulta do acórdão, considerou o tribunal, nessa sede, que as exigências de prevenção geral que eram elevadas; o grau de ilicitude também se mostrava elevado; a circunstância do facto ter ocorrido em a situação em que não era viável a intervenção de terceiros; a concreta idade da vítima (9 anos) à data dos factos e a circunstância de ter atuado na presença da sua própria filha; o dolo que foi direto; os concretos atos que praticou em cada uma das duas ocasiões.
12) Das circunstâncias que acompanharam os crimes, podemos concluir que há algum risco do cometimento de novos crimes.
13) É certo que o risco do cometimento de novos crimes, até pelo efeito da condenação sofrida e em execução, é baixo, mas não é negligenciável.
14) Assim, não deveria ter sido concedida a não transcrição da decisão condenatória proferida nos autos nos certificados a que se referem os nºs 5 e 6 do artigo 10º n.º 1 da Lei n.º 37/2015, de 05 de maio, pelo que se pugna pela revogação da decisão recorrida e pelo indeferimento da não transcrição.
15) Tudo conjugado e não obstante se ter feito do arguido um juízo de prognose social favorável em termos de suspensão da execução da pena de prisão, considera-se que para efeitos do art.º 13º, n.º 1, Lei n.º 37/2015, se deve entender que existe algum risco da prática de novos crimes, o que obsta à não transcrição da condenação, para efeitos civis e de obtenção de trabalho.
16) Desta forma, tudo visto e ponderado, andou mal o Tribunal ao não indeferir o requerimento do arguido de não transcrição da decisão condenatória para efeito dos certificados mencionados nos nºs 5 e 6 do art.º 10º da Lei nº 37/2015, de 05.05, e ao fazê-lo, violou o disposto no art.º 13º, nº1, da Lei nº 37/2015, de 05.05.
1. 3. Resposta apresentada pelo arguido
O arguido respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público, reclamando a sua improcedência, nos termos que se passam a assinalar:
I. O MP não se conformou com a decisão de não transcrição da condenação no registo criminal do arguido/recorrido.
II. Porém, o douto Despacho acha-se corretamente elaborado e devidamente fundamentado, tomando posição sobre a questão suscitada no recurso, concluindo conforme de direito,
III. e tem o mérito de desembocar num corolário lógico de indagação, perfeita interpretação e adequada aplicação das normas jurídicas ao caso concreto, de resto concretizador da verdade objetiva e material.
IV. O Douto despacho em recurso aprecia perfeitamente a matéria factual apurada, aplica-lhe sabiamente os respetivos comandos jurídicos e, doutamente, analisa e fundamenta uma e outra na determinação da decisão,
V. e, em razão disso, o Recorrido discorda inteiramente das motivações do Recurso interposto pelo MP, subscrevendo in totum o teor do despacho recorrido.
VI. O douto despacho refere os motivos de facto e de direito que serviram de base à formação da sua convicção e ancora a sua decisão no facto de a pena aplicada ao arguido ter sido suspensa na sua execução, tribunal ad quo,
VII. que formou a sua convicção de forma livre, isenta, objetiva, imparcial e imediata, balizada naquilo que é o conjunto de factos em apreciação e a personalidade manifestada pelo recorrido nos crimes em causa, considerando a ausência de criminalidade e a sua atual situação de vida, em conformidade com a lei e na linha da melhor e maioritária jurisprudência.
VIII. O recorrido não tem antecedentes criminais nem processos pendentes – é primário - a sua conduta anterior e posterior aos factos tem sido irrepreensível – tem vivido uma vida reta e honesta e não pauta – nem nunca pautou – a sua conduta por comportamentos desviantes; está familiarmente e socialmente inserido e é bem considerado pelas pessoas que o conhecem.
IX. E, pelas aludidas razões, bem andou o Sr. Juiz a quo, ao decidir autorizar a não transcrição da pena no Registo Criminal, pelo que se impõe julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida».
1. 6. Parecer
Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, corroborando as alegações do Magistrado do Ministério Público da 1ª instância, devendo a decisão recorrida ser revogada.
2. Questões a decidir
Constitui jurisprudência uniforme que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta, conclusões essas que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-6-1998, in B.M.J.478, pág. 242, de 3.2.1999, in B.M.J. 484, pág. 271 e de 28.4.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 193). Mais concretamente, o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P. dispõe que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido que formula.
No recurso em análise a única questão que importa decidir prende-se com o preenchimento dos requisitos previstos pelo legislador para o deferimento da pretensão do arguido de não ver transcrito a condenação dos autos no seu CRC para efeitos de emprego.
3. Iter processual a considerar
3.1. Sentença condenatória:
O arguido foi condenado, no âmbito do processo comum singular n.º 5052/21.7JAPRT, do Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia – Juiz 1 -, por sentença proferida em 11 de Dezembro de 2019, transitada em julgado no dia 19 de Março de 2024, pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança p.p. art.º 171º nº1 do Cód. Penal, na forma agravada – art.º 177º, nº 1, c) do Cód. Penal, na pena de 3 anos e de 4 anos e 4 meses; em cúmulo jurídico foi-lhe aplicada a pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita à condição de não praticar crimes ofensivos do mesmo bem jurídico, de frequência do programa da DGRSP de reabilitação de agressores sexuais e de entrega a uma IPSS da quantia de 5000,00 até ao final do prazo da suspensão, procedendo ao pagamento em casa ano da quantia de €1000,00.
3.1. Factos dados como provados na sentença condenatória com relevo para a decisão:
1. A ofendida BB, nasceu em ../../2005.
2. No ano de 2014, a ofendida BB, de menor idade, residia com a sua progenitora e os seus avós, numa habitação sita na Av. ..., ..., ..., ..., ....
3. O arguido AA, residia sozinho numa habitação, também, sita na Av. ..., ..., ..., ....
4. O arguido tem uma filha, CC, um ano mais nova que a ofendida, que vivia em França com a progenitora e nas férias escolares passava-as com o seu progenitor, aqui arguido, na residência deste.
5. A ofendida, no ano de 2014, nas férias escolares do Verão, passou a brincar com a filha do arguido e passava os dias com o arguido e a filha deste, pois a sua mãe ia trabalhar e deixava-a com eles.
6. No ano de 2014, no Verão, em dia e mês não concretamente apurados, tinha a ofendida 9 anos, foi a ofendida, BB, para a praia com o arguido e a filha deste.
7. Nesse dia, após terem regressado da praia, a ofendida e a CC estavam a tomar banho, quando o arguido entrou na banheira completamente nu.
8. As menores ficaram incomodadas e saíram da banheira para se limparem.
9. O arguido decide ajudar as menores a limparem-se e em relação à ofendida começou a tocar-lhe com a mão na vagina enquanto dizia “deixa ver se ainda tens areia”, acariciando-a.
10. Nesse mesmo Verão, em dia não concretamente apurado, mas perto do episódio descrito anteriormente, a ofendida foi convidada pela filha do arguido para dormir com ela lá em casa, o que a ofendida fez com a autorização da sua progenitora.
11. A ofendida e a CC estavam a dormir, com o arguido na mesma cama, quando a ofendida acordou com aquele a tirar-lhe as cuecas.
12. Após lhe ter tirado as cuecas o arguido de imediato começou a colocar a boca dele na vagina da ofendida, acariciando-a.
13. Atenta a idade da ofendida, 9 anos, esta ficou sem reação, sem perceber bem o que estava a acontecer, mas ficou incomodada, tendo pedido ao arguido para ir á casa de banho, o que fez.
14. O arguido nessa noite ainda beijou a menor na boca, introduzindo a sua língua do interior da boca da ofendida.
15. No dia a seguir o arguido disse-lhe “não podes contar a ninguém”.
16. Posteriormente o arguido passou a namorar com a progenitora da ofendida, viveram juntos, até ao ano de 2021 e em 18 de Julho de 2018, o arguido enviou-lhe mensagens para o seu telemóvel a pedir-lhe que esquecesse os factos supra descritos e que não os contasse a ninguém.
17. O arguido tinha perfeito conhecimento da idade da menor, BB, nomeadamente que tinha 9 anos, quando a abordou.
18. O arguido, agiu livre, voluntária e conscientemente, em todas as situações descritas, com o propósito de satisfazer os seus desejos libidinosos com perfeito conhecimento da idade da menor bem sabendo que isso ofendia gravemente a moral sexual, atentando contra a liberdade de determinação sexual e prejudicando, dessa forma, o desenvolvimento da personalidade da menor.
19. Sabia, igualmente, que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
21. Em 2014, data dos factos pelos quais vem acusado, AA residia sozinho no 1º andar da habitação sita na Avenida ..., ..., ... .... Tratava-se de um andar moradia de tipologia 3, arrendado, com condições razoáveis de habitabilidade.
22. O arguido, que apresenta o 9º ano de escolaridade como habilitações literárias, desempenhava à data, funções de motorista numa empresa da área dos transportes.
23. O vencimento, equivalente ao salário mínimo nacional, era a sua única fonte de rendimento, face a um encargo fixo mensal médio de 500 euros, dos quais cerca de 400 euros destinavam-se a despesas com a habitação (renda, consumos domésticos e comunicações) e 100 euros à pensão de alimentos relativa à filha.
24. No rés-do-chão desse mesmo andar moradia residia a ofendida do presente processo, a sua progenitora, DD e os avós maternos. Sensivelmente a partir das datas dos alegados factos, o arguido e DD estabeleceram relação de namoro sem coabitação, até que em setembro de 2017 resolveram constituir agregado autónomo juntamente com a ofendida. Desse modo, arrendaram moradia de tipologia 3, com boas condições de habitabilidade, sita na Rua ..., ..., ... ....
25. No que diz respeito às condições socioeconómicas, as despesas com a habitação passaram a rondar os 650 euros, dos quais 450 euros destinavam-se à renda e os restantes a consumos domésticos e comunicações. Por outro lado, no capítulo dos rendimentos, o agregado contava com o vencimento de DD como administrativa numa empresa de gestão de condomínios, na ordem dos 800 euros, e o vencimento de AA, que se mantinha aproximado ao salário mínimo nacional numa outra empresa da área dos transportes. O arguido foi desempenhando atividade profissional como motorista em sucessivas empresas, que ia alternando com a expetativa de melhores condições de trabalho. No início de 2020, com os constrangimentos impostos pela pandemia, AA iniciou um período de desemprego, que durou cerca de dois anos e que terminou com a celebração de um contrato com a empresa para a qual ainda presta serviço atualmente, como motorista de transporte de mercadoria para outros países europeus, auferindo um vencimento que ronda os 2000 Euros.
26. No ano de 2021, a relação do casal atravessou uma fase conturbada que, agravada pela formalização da queixa no final desse ano, e que esteve na origem do presente processo, culminou na saída de AA do agregado. Logo após a saída, de forma a suprir despesas que tinham sido assumidas enquanto casal, foi estabelecido o acordo de AA transferir mensalmente a quantia de 1000 Euros para DD.
27. Durante o ano de 2022 e a primeira metade do presente ano, o arguido não teve uma residência fixa, pernoitando no camião da empresa para a qual trabalha, em hotéis, pensões e, inclusivamente, na sua viatura pessoal. Durante esse período, a relação entre AA e DD foi evoluindo gradualmente no sentido da reaproximação, ao ponto de equacionarem a reintegração daquele no agregado. Por altura do verão do presente ano essa hipótese ganhou consistência, pelo que tiveram uma conversa com a ofendida com o objetivo de indagar a existência de eventual objeção a essa decisão.
28. Não se tendo verificado oposição de BB, AA reassumiu a habitação sita na Rua ..., ..., ... ... como a sua residência. O ambiente familiar entre os três coabitantes é descrito como pacífico e cordial, tendo sido destacado por todos o facto de o arguido passar a maior parte do tempo ausente por motivos laborais. No que diz respeito especificamente à relação entre AA e DD, salienta-se a diferença sobre como cada um dos elementos a perceciona: o arguido mostrou-se mais peremptório ao definir a relação como sendo de intimidade, inclusivamente com projetos para o futuro, ao passo que DD revelou alguma dificuldade em defini-la, preferindo transmitir a ideia de que ainda se encontra em evolução.
29. No capítulo socioeconómico, ambos foram unânimes ao afirmarem que se mantém em vigor o acordo celebrado há cerca de dois anos, mediante o qual ficou definida a transferência mensal de 1000 Euros para DD, que juntamente com o seu próprio vencimento de cerca de 800 Euros, permite a gestão das despesas correntes do agregado.
30. O arguido não mantém contacto com a sua família alargada. Refere não manter qualquer tipo de relação com o seu progenitor e descreve uma relação pautada pelo distanciamento com a progenitora. Também não mantém contacto com a sua filha há alguns anos, o que diz lamentar, atribuindo a responsabilidade por este afastamento à mãe dela. Afirma desconhecer se alguma destas pessoas está a par do presente processo.
31. AA afirma gerir o quotidiano em função da sua atividade laboral e os escassos tempos livres serão dedicados a tarefas domésticas.
32. AA reporta a ausência de qualquer contacto anterior com o sistema da justiça. Em relação ao presente processo, para além de verbalizar dificuldade de regulação emocional expressa sobretudo através de sintomatologia ansiosa, assinala como repercussão mais visível até ao momento, o impacto na relação estabelecida com a mãe de BB e na própria relação com a ofendida, entretanto restabelecidas.
33. A atitude do arguido face à presente situação, no que diz respeito às relações com companheira e ofendida, terá também contribuído para a aceitação da sua reintegração no agregado e para as dinâmicas positivas com que é caracterizado o atual ambiente familiar. Refira-se que, segundo os três elementos do agregado familiar, devido às respetivas ocupações diárias, os convívios entre arguido e ofendida são muito esporádicos e as conversas descritas como circunstanciais, pese embora BB afirme não se sentir constrangida na sua presença.
3.3. Fundamentação da suspensão da pena
Nesta sentença a suspensão da pena de cinco anos que lhe foi aplicada foi fundamentada nos seguintes termos:
Nos termos do disposto no artigo 50º do CPenal o tribunal suspende a execução da pena e prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, podendo subordinar a suspensão ao cumprimento de deveres e observância de regras de conduta.
É o que ocorre no caso dos autos:
- o arguido é primário, está bem integrado social e familiarmente.
Entende-se ser por estas razões de suspender a execução da pena pelo prazo de duração da pena. Sem embargo tal suspensão ficará subordinada, além da condição de não praticar crimes ofensivos do mesmo bem jurídico, à frequência de um programa da DGRSP de reabilitação de abusadores sexuais e à entrega a uma IPSS da quantia de €5000,00 até ao final do prazo da suspensão, procedendo ao pagamento em cada ano da quantia de €1000,00.
Aquele programa visa ajudar o arguido a procurar entender as causas da sua conduta e a abster-se de comportamentos análogos; a entrega da quantia visa o reforço pelo arguido do desvalor social da sua conduta.
Não se determina a obrigação de afastamento do arguido à vítima uma vez que dos factos provados com base no relatório social resulta como exposto que «a atitude do arguido face à presente situação, no que diz respeito às relações com companheira e ofendida, terá também contribuído para a aceitação da sua reintegração no agregado e para as dinâmicas positivas com que é caracterizado o atual ambiente familiar.» sendo que, «segundo os três elementos do agregado familiar, devido às respetivas ocupações diárias, os convívios entre arguido e ofendida são muito esporádicos e as conversas descritas como circunstanciais, pese embora BB afirme não se sentir constrangida na sua presença»
3.3. Despacho recorrido
“Veio o arguido requerer a não transcrição do acórdão proferido nestes autos – que o condenou pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança, p.p. 171º, nº 1 e 177º, nº 1, al. c) do Cód. Penal, na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, no seu certificado de registo criminal, porque pretende ingressar na profissão de motorista internacional de pesados.
O artº 13º da Lei 37/2015, de 5.05 estabelece que:
“1 - Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º.”
Assim sendo, no presente caso, mostram-se reunidos todos os pressupostos legais para que seja deferida a pretensão do arguido sendo que, ao suspender-se a execução da pena, o tribunal coletivo ponderou o perigo do cometimento de novos crimes pelo condenado e entendeu que, em concreto, tal perigo não se verificava. De outro modo, a execução da pena de prisão aplicada não teria sido suspensa.
Termos em que se defere a requerida não transcrição da pena aplicada no registo criminal para efeitos laborais sem prejuízo das situações a que alude a Lei nº 113/2009, de 17 de setembro.
Notifique e DN.”
3. Apreciando e decidindo
O despacho recorrido determinou a não transcrição no Certificado do Registo Criminal da condenação sofrida pelo arguido condenado, a qual lhe aplicou a pena de 5 anos de prisão pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança p.e p. art.º 171º nº1 do Código Penal, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo.
Tal decisão apoiou-se no disposto no art.º 13º da Lei 37/2015: não lhe foi aplicada uma pena privativa da liberdade, não sofreu condenação anterior por crime da mesma natureza e não existe perigo da prática de crimes da mesma natureza. Determinou, então, a não transcrição da pena aplicada no registo criminal para efeitos laborais, sem prejuízo das situações a que alude a Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro.
O Ministério Público manifestou a sua discordância e interpôs recurso, por entender que, não obstante o juízo de prognose favorável que foi efetuado para a suspensão da pena, existe o risco do cometimento de novos crimes.
§1. Do enquadramento legal da questão em análise - Lei nº 37/2015
A identificação criminal, regulada na Lei nº 37/2015, de 5 de maio, tem por objeto “a recolha, o tratamento e a conservação de extratos de decisões judiciais e dos demais elementos a elas respeitantes sujeitos a inscrição no registo criminal e no registo de contumazes, promovendo a identificação dos titulares dessa informação, a fim de permitir o conhecimento dos antecedentes criminais das pessoas condenadas e das decisões de contumácia vigentes” (art.º 2.º, nº 1).
E de acordo com o disposto no artº 6.º, al. a) e 7.º, nº 2, estão sujeitas a inscrição no registo criminal, entre outras, as decisões transitadas em julgado que apliquem penas e medidas de segurança, como foi o caso da pena aplicada ao arguido.
Assim registada, o acesso a esta informação é assegurado às entidades públicas indicadas no art.º 8º, exclusivamente para as finalidades aí previstas e que se prendem essencialmente com Justiça, a investigação criminal, instrução de processos de natureza criminal, aferição de idoneidade em processos de família e menores e de insolvência, com a Administração Pública, os procedimentos administrativos para concessão de emprego ou obtenção de licença, autorização ou registo de carácter público, ou de contratação pública, e com a segurança interna e internacional, investigação científica e fins estatísticos.
Por sua vez, o conhecimento da informação inscrita no registo criminal é garantido através da emissão do respetivo certificado de registo criminal (art.º9º), certificado esse que, na sua forma integral, contém todas as inscrições vigentes no registo, podendo ter menos informação, consoante a finalidade a que se destine.
Sob a epígrafe “conteúdo dos certificados” dispõe o art.º 10º:
“1. O certificado de registo criminal identifica a pessoa a quem se refere e certifica os antecedentes criminais vigentes no registo dessa pessoa, ou a sua ausência, de acordo com a finalidade a que se destina o certificado, a qual também é expressamente mencionada. (…)
3. Os certificados do registo criminal requisitados pelas entidades referidas nas alíneas a) a f), h) e i) do n.º 2 do artigo 8.º para as finalidades aí previstas contêm a transcrição integral do registo criminal vigente. (…)
5 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou atividade em Portugal, devem conter apenas:
a) As decisões de tribunais portugueses que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou atividade ou interditem esse exercício;
b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo;
c) As decisões com o conteúdo aludido nas alíneas a) e b) proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, comunicadas pelas respetivas autoridades centrais, sem as reservas legalmente admissíveis.
6 - Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou atividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com exceção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12.º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13.º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou atividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido.
7 - Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas coletivas ou entidades equiparadas contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes.
8 - Aos certificados do registo criminal pedidos por entidades públicas nos termos do n.º 3 do artigo 8.º é aplicável o disposto nos n.ºs 5 a 7.
9 - O acesso à informação para a prossecução de fins de investigação científica ou estatísticos processa-se e tem o conteúdo determinado no despacho de autorização, não podendo abranger elementos que permitam identificar qualquer registo individual.”
E o art.º13º/1, cujo âmbito aqui se discute, prescreve que:
“Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º.”
§2. O regime regra da transcrição de todas as inscrições vigentes à luz dos princípios da necessidade, subsidiariedade e da proporcionalidade
Deste enquadramento legal fica evidenciada a regra nesta matéria. O certificado de registo criminal deve apresentar a transcrição de todas as inscrições vigentes, sendo emitido um certificado com a transcrição integral do registo vigente (artº 2º e 9º) sempre que solicitado pelas entidades públicas indicadas nº art.º 8º (cfr. art.º 10º, nº 3).
Como refere Figueiredo Dias, o registo criminal na sua expressão mais simples “integra o repertório das decisões de natureza penal proferidas pelas instâncias judiciárias do Estado” e ao contemplar a menção de todos os antecedentes criminais dos indivíduos, “ele representa, desde logo, um instrumento indispensável para o funcionamento da justiça penal: não só no nível da determinação e medida das sanções (nomeadamente da escolha da pena), mas ainda com vista ao efetivo cumprimento das interdições de direitos porventura decorrentes da sentença; e não apenas no plano substantivo, como no plano do processo, onde o conhecimento dos antecedentes criminais pode relevar para os mais variados efeitos, desde a aplicação de uma medida de coação processual, aos de credibilidade de prova testemunhal ou das declarações do arguido e da própria comprovação do cometimento do facto”.
Daí que a normalidade em matéria de registo criminal é a transcrição, escreve-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/09/2019, “sendo a não transcrição a exceção, pois visando o registo criminal permitir o conhecimento dos antecedentes criminais das pessoas condenadas e das decisões de contumácia vigentes, a não transcrição só pode mesmo ser considerada uma exceção, a qual tem na base razões de não estigmatização do condenado, já que se reporta a certificados para fins do exercício de profissão e sempre associadas a crimes de pequena gravidade (…)”.
O registo criminal, prossegue Figueiredo Dias, assume uma natureza mista ou complexa, associada ao respetivo acesso, podendo constituir um “meio de prova”, quando acedido por magistrados e polícias, com vista à preparação e julgamento de processos criminais e um “instrumento/meio de prova”, quando acedido para deteção de incapacidades e interdições profissionais resultantes da lei ou decretadas pelo juiz na sentença. Já quando acedido para fins particulares e administrativos, “com fundamento em razões de prevenção especial “negativa”, ou seja, numa pura ideia de defesa social contra o perigo de futuras repetições criminosas”, constitui um “instrumento/medida de segurança”, devendo a respetiva disciplina “subordinar-se aos princípios da necessidade, subsidiariedade e da proporcionalidade” [1], o que justificou a opção legislativa de restringir o nível de informação apresentado no certificado de registo criminal em função da finalidade ao qual o mesmo se destina, de modo a que dele não conste mais do que a informação necessária para a finalidade visada, como resulta dos artigos 11.º e 12.º.
§3. O âmbito da transcrição em função da finalidade do registo criminal e da natureza do emprego ou atividade
Esta opção político-legislativa, acolhendo os princípios da necessidade, subsidiariedade e proporcionalidade quanto ao nível de informação que deverá constar do certificado de registo criminal, manifesta-se no cancelamento do registo criminal, mas também na não transcrição, quando acedido para os fins a que aludem os já citados n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º da Lei n.º 37/2015, se verificados os respetivos pressupostos.
Assim, quando a finalidade do certificado de registo criminal é o emprego, importa distinguir três situações, a saber
1) Quando seja requerido por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou atividade em Portugal o certificado deverá conter apenas as informações indicadas no nº 5 do artº 10º.
2) Quando seja requerido por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou atividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que seja requerido para qualquer outra finalidade deverá conter todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com exceção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12.º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13.º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições.
3) Quando seja requerido por pessoas singulares para o exercício de profissões, empregos, funções ou atividades, públicas ou privadas, ainda que não remuneradas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, o certificado que terá a menção de que se destina a situação de exercício de funções que envolvam contacto regular com menores deverá conter, para além da informação prevista nos n.ºs 5 a 8 do artigo 10.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, as condenações por crime previsto nos artigos 152.º, 152.º-A ou no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, as decisões que apliquem penas acessórias nos termos do n.º 1 do artigo 69.º-B, do artigo 69.º-C e do artigo 152.º do Código Penal, ou medidas de segurança que interditem a atividade, e as decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas nas alíneas anteriores e não tenham como efeito o cancelamento do registo.
Daí a importância da delimitação do âmbito do mencionado art.º 13º, que estabelece os pressupostos de que depende a não transcrição da condenação.
A explicação para a limitação do acesso à informação encontra-se, como dissemos já, nas exigências de concordância prática entre a ressocialização do condenado e os fins de defesa da comunidade, devendo a informação referente às condenações sofridas cingir-se ao estritamente indispensável para satisfação destes fins, de modo a que a informação disponibilizada não se transforme num fator de estigmatização e contrarie, assim, a desejada inserção social.
Sendo conhecidas as repercussões negativas que a publicidade ou divulgação de uma condenação criminal importa para a imagem social do condenado, concretamente na obtenção de emprego, pretende-se ultrapassar tais dificuldades, com o propósito de melhor alcançar as finalidades de integração social do condenado[2].
§4. O artº 13º da Lei nº 37/2015 e o exercício de atividades que envolvam o contacto regular com menores
Antes de analisar o caso dos autos não podemos deixar de referir que o poder-dever que o art.º 13º faz recair sobre o juiz depende da verificação dos pressupostos que aí são enunciados.
Com efeito, o citado preceito legal afasta do seu âmbito os crimes previstos nos artigos 152.º e 152.º-A (violência doméstica e maus tratos[3]) e os crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal (crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, em que as vítimas sejam crianças menores de idade), onde se incluem os crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo 171º nº1 e art.º 177º nº1 c) do C. Penal em que o arguido foi condenado, ao referir “Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal (…)”[4].
O legislador, ao fazer esta ressalva, excluiu do âmbito de aplicação do mencionado normativo todos os casos em que o arguido tenha sido condenado pela prática de crimes de violência doméstica, de maus tratos e ainda contra a liberdade e autodeterminação sexual, em que as vítimas sejam crianças menores de idade, sempre que o certificado em que se pretende ver não transcritas tais decisões condenatórias quando os certificados de registo criminal sejam solicitados para dar início ou prosseguir com atividades que envolvam o contacto regular com menores[5].
O legislador efetuou esta ressalva no âmbito do conjunto de medidas de proteção de menores, em cumprimento do artigo 5.º da Convenção do Conselho da Europa contra a Exploração Sexual e o Abuso Sexual de Crianças, medidas essas que incluem a consagração de um regime específico em matéria de identificação criminal, cujos contornos visam permitir a aferição da idoneidade dos candidatos ao exercício de profissões, empregos, funções ou atividades, públicas ou privadas, ainda que não remuneradas, cujo exercício envolva contacto regular com menores.
Sob a epigrafe “Recrutamento, formação e sensibilização das pessoas que trabalham em contacto com crianças”, o art.º 5º da citada Convenção dispõe o seguinte:
1. Cada Parte toma as necessárias medidas legislativas ou outras para sensibilizar as pessoas que contactam regularmente com crianças nos sectores da educação, saúde, proteção social, justiça e manutenção da ordem, bem como nos sectores relacionados com as atividades desportivas, culturais e de lazer, para a proteção e os direitos das crianças.
2. Cada Parte toma as necessárias medidas legislativas ou outras para garantir que as pessoas referidas no n.º 1 tenham um conhecimento adequado da exploração sexual e dos abusos sexuais das crianças, dos meios de os detetar e da possibilidade prevista no n.º 1 do artigo 12.º.
3. Cada Parte toma as necessárias medidas legislativas ou outras, em conformidade com o seu direito interno, para que as condições de acesso às profissões cujo exercício implique, de forma habitual, contactos com crianças permitam garantir que os candidatos a tais profissões não foram anteriormente condenados por atos de exploração sexual ou abusos sexuais de crianças.”
Ora, nestes casos em que os certificados de registo criminal são solicitados para dar início ou prosseguir com exercício de atividades que envolvam o contacto regular com menores aplicam-se a regra (as decisões têm obrigatoriamente que ser transcritas), informação que deverá constar do certificado de registo criminal que obrigatoriamente terá que ser apresentado para iniciar ou continuar a exercer tais funções ou atividades.
Este percurso, bem como o objetivo que presidiu à Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro encontra-se concretizado na Exposição de Motivos da respetiva Proposta de Lei (nº 257/X), onde se consignou o seguinte:
A lei atual não prevê, de forma generalizada, como requisito de acesso a essas profissões, a ponderação dos antecedentes criminais por crimes cometidos contra crianças (com algumas exceções, como é o caso do acesso à Administração Pública para funções docentes, em que é requisito de admissibilidade «não estar inibido do exercício de funções públicas ou interdito das funções a que se candidata» - alínea e) do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho). Assim, ainda que vigore uma pena acessória que interdite ao candidato o exercício da função, essa pena não chegará, em princípio, ao conhecimento do empregador se não for apresentado um certificado de registo criminal. Além disso, ainda que fosse pedida a apresentação de certificado, o conteúdo nem sempre abrangeria toda a informação relevante para efeitos de cumprimento da Convenção.
Por outro lado, na legislação atual não está previsto o conhecimento, por parte das autoridades, de factos constantes do registo criminal e possivelmente relevantes para a decisão em processos relativos à confiança de menores.
São as insuficiências acabadas de referir que justificam a presente iniciativa legislativa.
Na presente proposta de lei, entendeu-se que a solução deve ser encontrada no quadro das possibilidades oferecidas pelo sistema de identificação criminal (que, como resulta do artigo 1.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, tem como fim permitir o conhecimento dos antecedentes criminais), aproveitando o sistema já existente e evitando dispersão de informação sobre condenações criminais.
Assim, institui-se um mecanismo de controlo no recrutamento para profissões, empregos, atividades ou funções que impliquem contacto regular com crianças, estabelecendo-se a obrigatoriedade de exigência de certificado de registo criminal a quem seja recrutado, com vista a permitir à entidade empregadora a apreciação da idoneidade do candidato para o exercício das funções.
Prevê-se que o certificado requerido para estes fins contém, para além da informação que resultaria do regime geral da identificação criminal, informação sobre a vigência de penas acessórias como as acima referidas e sobre condenações (desde que não canceladas do registo) por crimes contra a autodeterminação sexual e, também, por crimes de violência doméstica e de maus tratos a menores.
É preciso notar que, segundo o Relatório Explicativo da Convenção, com o n.º 3 do artigo 5.º, pretendeu-se prever uma obrigação para os Estados «de velarem para que os candidatos às profissões cujo exercício comporta de maneira habitual contactos com crianças sejam objeto, antes do seu recrutamento, dum controlo destinado a garantir que eles não tenham sido condenados por atos de exploração ou de abuso sexual de crianças»; e que, segundo o mesmo Relatório, a expressão «em conformidade com o seu direito interno» permite aos Estados implementarem aquela disposição de uma maneira que seja compatível com a sua legislação, em particular com as normas constitucionais e outras disposições relativas à readaptação e à reinserção dos delinquentes, acrescentando-se que esta disposição “não pretende interferir com as disposições específicas da legislação dos Estados cujo direito prevê o cancelamento das condenações do registo criminal depois de um certo tempo”.
Tal preocupação e propósito em dotar o ordenamento jurídico português de um mecanismo que permita aferir da idoneidade dos candidatos ao exercício de profissões e atividades que impliquem contacto regular com crianças está também patente no nº 6 do artº 4º da Lei 113/2009, nos termos da qual[6]:
“A decisão de não transcrição de condenação prevista nos n.ºs 1 e 3, proferida ao abrigo do disposto no artigo 13.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, apenas opera relativamente a certificados que não se destinem aos fins abrangidos pelo artigo 2.º da presente lei.”
Do que acabamos de expor resulta que, se o arguido tiver sido condenado pela prática de crimes de violência doméstica, de maus tratos e contra a liberdade e autodeterminação sexual, em que as vítimas sejam crianças menores de idade, fica afastada a não transcrição da condenação quando o registo criminal é solicitado para finalidades de validação da idoneidade para o exercício de profissões, funções ou atividades que implicam contactos com menores.
Não é o caso dos autos.
§5. A verificação dos pressupostos previstos no art.º 13º da Lei nº 37/2015 no âmbito do exercício de atividades que não implicam contactos com menores
Fora das situações em que o certificado de registo criminal seja solicitado com as finalidades de validação da idoneidade para o exercício de profissões, funções ou atividades que implicam contactos com menores, sempre que estejam verificados os requisitos formais e material, pode o juiz determinar a não transcrição da condenação, ainda que a condenação tenha sido por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual, como se concluiu também no citado acórdão do TRL de 20-2-2024.
Ponderemos então o caso concreto.
O arguido, condenado pela prática de dois crimes de abuso sexual de menor, pretende que tais condenações não sejam transcritas no certificado de registo criminal que tem que apresentar para efeito de candidatura a uma profissão que exige a ausência de antecedentes criminais, mas que não envolve contacto regular com menores.
Com essa finalidade pretende que tais decisões não sejam transcritas nos termos do artigo 13.º, afastando-se a regra da transcrição, por se verificarem os pressupostos de que depende a aplicação deste normativo, pretensão que foi acolhida pelo tribunal a quo.
A decisão recorrida, com excessiva simplicidade, entendeu que se verificavam os pressupostos de que depende a aplicação do citado art.º 13º:
1) ter sido condenada a pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade;
2) o arguido não ter sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza; e
3) das circunstâncias que acompanharam o crime presente não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.
Ora, na sua análise o tribunal a quo deteve-se, apenas, neste último pressuposto para afirmar que:
“Assim sendo, no presente caso, mostram-se reunidos todos os pressupostos legais para que seja deferida a pretensão do arguido sendo que, ao suspender-se a execução da pena, o tribunal coletivo ponderou o perigo do cometimento de novos crimes pelo condenado e entendeu que, em concreto, tal perigo não se verificava. De outro modo, a execução da pena de prisão aplicada não teria sido suspensa.”
Aqui chegados cumpre referir que que nenhuma dúvida se coloca quanto ao preenchimento do dois primeiros pressupostos (formais), sendo de destacar que o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão n.º 13/2016, de 7 de Outubro, fixou jurisprudência no sentido da “(…) condenação em pena de prisão substituída por pena suspensa na sua execução preencher o requisito de condenação em pena não privativa da liberdade nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 10.08”. A pena de prisão suspensa na sua execução, ainda que aplicada em medida superior a um ano, é considerada uma pena não privativa da liberdade, para efeitos deste normativo.
O mesmo não acontece quanto ao requisito substantivo, uma vez que o juízo efetuado pelo tribunal da condenação que suspendeu a pena de prisão de 5 anos aplicada ao arguido não importa, para efeitos do referido art.º 13º, a conclusão de que se verifica o perigo da prática de novos crimes.
O juízo de prognose efetuado para a suspensão de execução da pena de prisão não é coincidente com o que deve ser formulado para a decisão de eventual transcrição da sentença. Se assim fosse, como refere o acórdão do TRP de 12-6-2019, “nos casos de suspensão de execução da pena de prisão ocorreria automaticamente a não transcrição da sentença nos certificados do registo criminal”.(…) Na verdade, uma coisa é a esperança tida como base na suspensão da execução de uma pena de prisão, de que o arguido não volte a delinquir e se possa conceder-lhe uma última oportunidade de adotar, em meio livre, uma conduta conforme ao direito. Outra, bem diferente, “é a ponderação do perigo da prática de novos crimes, considerando as circunstâncias que acompanharam o crime nos termos constantes do acórdão já transitado em julgado” [7].
Do exposto decorre que a substituição da pena de prisão pela suspensão da execução da prisão não tem como consequência a não transcrição no registo criminal da condenação sofrida, como entendeu o tribunal a quo.
A pena de prisão será suspensa quando seja efetuado um juízo de prognose favorável. A condenação não será transcrita, quando, das circunstâncias que rodearam a prática do ilícito, se não puder concluir que não existe perigo da prática de novos crimes, ou seja, quando não seja efetuado um juízo de prognose desfavorável ao arguido[8].
Analisemos o caso concreto.
Nos presentes autos, o arguido foi condenado na pena de 5 anos de prisão, pena que foi suspensa por idêntico período de tempo. A decisão de suspensão da pena considerou que o arguido era primário e estava bem integrado social e familiarmente, Com base nestes dois fatores efetuou um juízo de prognose favorável associado à simples censura do facto e à ameaça da prisão.
Coloca-se, então, a seguinte questão. Podemos afirmar que inexiste perigo da prática de novos crimes, atentas as circunstâncias em que foram praticados os dois crimes pelos quais foi o arguido condenado.
Entendemos que não. O arguido praticou os factos que preenchem o tipo legal de abuso sexual de menor por duas vezes, não podendo afirmar que se tenha tratado de um ato isolado, nem tal circunstância resultou provada. E praticou os factos sempre na presença da sua filha, também ela menor.
A ofendida é filha da companheira do arguido. O arguido está novamente a residir com a sua companheira e com a filha desta, a aqui ofendida.
Resultou ainda provado que AA, em relação ao presente processo, para além de verbalizar dificuldade de regulação emocional expressa sobretudo através de sintomatologia ansiosa, assinala como repercussão mais visível até ao momento, o impacto na relação estabelecida com a mãe de BB e na própria relação com a ofendida, entretanto restabelecidas.
Em face de toda esta factualidade não podemos concluir que este tenha sido um episódio isolado na vida do arguido. Em face das circunstâncias que acompanharam a prática dos crimes, concretamente o contexto familiar e a atual reaproximação daquele núcleo familiar, efetuamos um juízo de prognose desfavorável ao arguido quanto ao risco de praticar idêntico crime, por entendermos que se verificam níveis de perigosidade, o que obsta à não transcrição da condenação, para efeitos civis e de obtenção de trabalho.
Concluindo, por não se verificar o requisito material inerente à não transcrição da presente condenação no certificado de registo criminal do arguido para os fins por si indicados, nos termos do disposto no art.º10º/5 e 6 ex vi do art.º13º/1, da L. 37/2015, deverá proceder o recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, ser substituída a decisão recorrida por outra que indefira a pretensão do condenado de não transcrição da sua condenação, para efeitos civis, mesmo além dos casos em que não esteja em causa o contacto com menores, pois está legalmente excluída.
4. Dispositivo
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, substituir o despacho recorrido por outro que indefere o requerimento do condenado para que a sua condenação não conste do seu certificado de registo criminal, para efeitos civis e obtenção de emprego.
Sem custas.
Notifique.
Tribunal da Relação do Porto, 4 de junho de 2025
A desembargadora relatora,
Isabel Matos Namora
A desembargadora 1ª adjunta
Cláudia Sofia Rodrigues
A desembargadora 2ª adjunta
Maria Deolinda Dionísio (com voto de vencida)
[DECLARAÇÃO DE VOTO DE VENCIDA:
Pese embora a exaustiva e profusamente sustentada argumentação do douto acórdão que antecede e que acompanho no enquadramento jurídico, estou vencida quanto ao sentido da decisão.
Com efeito, embora a natureza e gravidade dos crimes em causa conduzisse, em regra, à denegação da pretensão de não transcrição da condenação no CRC, o certo é o que os factos datam do ano de 2014, tendo decorrido mais de 10 anos.
Ora, o arguido era primário à data dos factos e durante mais de uma década não foi associado a qualquer outra conduta desviante, inexistindo outras condenações ou sequer a notícia de alguma conduta criminosa sob investigação.
Acresce que os crimes em causa foram praticados em circunstâncias em tudo alheias à vida profissional do arguido, sendo certo que, tal como resulta da tese que fez vencimento, a profissão em causa (transporte internacional de mercadorias) não pressupõe o contacto com menores.
Assim, considerando o longo período temporal de observância normativa por parte do arguido, não vislumbro que seja possível sustentar, fundada e legitimamente, a existência de perigo concreto de reiteração da actividade criminosa.
Por isso manteria a decisão recorrida, não porque a pena tenha sido suspensa mas porque o decurso do lapso temporal de mais de 10 anos sem que fossem praticadas novas infracções permite, apesar da natureza e circunstâncias dos crimes que sustentam a condenação, formular um juízo de prognose positivo quanto à não verificação do perigo da prática de novos crimes pelo arguido.
A Desembargadora 2ª adjunta
[Maria Deolinda Gaudêncio Gomes Dionísio]].
_____________
[1] in Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, pág. 641 a 647.
[2] Cfr. acórdão do TRE de 5-12-2017, no proc. 1580/14.9PBSTB-A.E1. e acórdão do TRE de 26-6-2018, no proc. nº 1646/14.5GBABF.E1, disponível em www.dgsi.pt
[3] No sentido em que a restrição à transcrição se aplica às condenações pelos crimes previstos nos art.°s 152.°, 152.°, ainda que a vítima não seja menor pode consultar-se o acórdão do TRG de 25-02-2025, proferido no proc. 53/21.8T9BCL-A.G1; em sentido contrário o acórdão do TRL de 12-09-2019, proferido no proc. 171/17.7PBMTA-A.L1-9 “I- A restrição prevista no art.° 2°/4-a) da L 113/2009, de 17/09, não se aplica às condenações pelos crimes previstos nos art.°s 152.°, 152.°-A ou contra a liberdade e autodeterminação sexual, quando as vítimas não sejam menores, como decorre diretamente do art.° 1° da Lei 113/2009, de 17/09, conjugada com os art.°s 152.°, 152.°-A e 163° a 177° do CP, ou seja da possibilidade da não transcrição no registo criminal do arguido”, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.
[4] “I - Com o regime especial de identificação criminal constante da Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro, o legislador quis afastar a possibilidade de não transcrição da condenação por crime de violência doméstica, por crime de maus-tratos ou por crime contra a liberdade ou autodeterminação sexual nos certificados destinados a recrutamento e, posteriormente, a aferição anual da idoneidade para o exercício de profissões e actividades cujo exercício envolva contacto regular com menores. II– Quanto a esses crimes e para os certificados destinados ao início ou ao prosseguimento do exercício de actividades que envolvam o contacto regular com menores, não tem aplicação o n.º1 do artigo 13º da Lei n.º 37/2015.” - acórdão do TRL de 6-12-2017, proferido no proc. 229/16.0T9OER-D.L1-3; no mesmo sentido pode consultar-se o acórdão do TRL de 12-9-2019, proferido no proc. nº 171/17.7PBMTA-A.L1-9, e o acórdão do TRG de 25-2-2025, proferido no proc. 10/21.4GBBCL-A.G1, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[5]
[6] Como se refere no acórdão do TRL de 20-2-2024, “Da ressalva feita no citado nº1, do art.º 13º da L. 37/2015, ab initio para a L. 113/2009, de 17 de setembro, e do jogo normativo entre o preceituado nos art.ºs 2º/1 e 2 e 4º/6 deste último diploma, decorre ainda que, em casos como o presente, de condenação por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual, tendo por vítima menor, a não transcrição da condenação para o registo criminal não opera quando o certificado de registo criminal for solicitado no âmbito de recrutamento para profissões, empregos, funções ou atividades, públicas ou privadas, ainda que não remuneradas, cujo exercício envolva contacto regular com menores – art.º 2º/1 -, ou aferição anual da idoneidade para o seu exercício – art.º 2º/2.”
[7] Proferido no proc. nº 188/16.9JAAVR-D.P1, consultável em www.dgsi.pt
[8] Neste sentido pronunciou-se o acórdão do TRC de 2-2-2002, no proc. nº 174/19.7T9CTB-A.C1 : “Só não se decide pela não transcrição da sentença, quando, das circunstâncias que rodearam a prática do ilícito dos autos em causa, se não puder concluir que não existe perigo da prática de novos crimes, exigindo apenas a lei que não seja efectuado um juízo de prognose desfavorável ao arguido, diverso do juízo de prognose favorável ínsito, por exemplo, na análise dos requisitos para a aplicação de uma pena de suspensão da execução de uma pena de prisão.”