LIVRO DE RECLAMAÇÕES
APRESENTAÇÃO
FINALIDADE
OMISSÃO
CONTRAORDENAÇÃO GRAVE
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL
REGIME LEGAL
ILÍCITO DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL
PRAZOS
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
CAUSA DE INTERRUPÇÃO
Sumário

I – Face aos poderes conferidos pelo artigo 75º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10 (RGCO), nos processos de contraordenação, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito, funcionando como tribunal de revista, perante os factos que foram apurados em primeira instância, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso, a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto previstos no artigo 410º, nº 2, ou a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379º, nº 2 e 410º, nº 3, ambos do Código de Processo Penal.
II – A decisão proferida em processo contraordenacional, não impondo o mesmo grau de rigor na explanação dos factos que ocorre na sentença penal, exige ainda assim uma narração de factos passível de caracterização da tipicidade da acção ou omissão de cuja imputação se trate.
III – O DL nº 433/82, de 27/10, estabeleceu o regime geral do direito de mera ordenação social, definindo os princípios gerais aplicáveis à determinação de comportamentos que constituam contraordenações e às regras sobre o respetivo sancionamento (plano material), e a conformação do procedimento para aplicação das sanções (plano processual), não estabelecendo, porém, um regime material autónomo completo, remetendo-se, subsidiariamente, ao regime substantivo do direito penal.
IV – Conforme decorre do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15/09 que aponta para a “ratio legis” do diploma, “O livro de reclamações constitui um dos instrumentos que tornam mais acessível o exercício do direito de queixa, ao proporcionar ao consumidor a possibilidade de reclamar no local onde o conflito ocorreu. A criação deste livro teve por base a preocupação com um melhor exercício da cidadania através da exigência do respeito dos direitos dos consumidores”, pelo que a sua não apresentação quando solicitado pelo consumidor constitui contraordenação económica muito grave.
V – Nestes casos, não será de aplicar o Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, constante do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, mas antes o Regime Jurídico das Contraordenações Económicas, o Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro (RJCE), sendo este que disciplinará o regime legal da prescrição do procedimento contra-ordenacional.
VI – Nos termos do artigo 51º, nº 1 do RGCO, quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação, conforme nº 2 do mesmo preceito legal, previsão idêntica à prevista no nº 1 do artigo 25º do RJCE.
VII – Porém, a culpa reduzida será aquela que emerge de uma actuação com negligência ou em outras circunstâncias que atenuem a culpa do agente, o que claramente não sucede quando o infractor actua com dolo.

Texto Integral

Proc. n.º 376/24.4T9FLG.P1





Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:




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1. RELATÓRIO

A ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica aplicou à arguida “A..., Lda.”, a coima de € 3.000,00 (três mil euros), pela prática da contraordenação prevista no art. 3º, nº1, al. b) do Decreto-Lei nº 156/2005, de 15.09, sancionada, nos termos do nº3 do art. 9º do referido Decreto-Lei.

Daquela decisão a recorrente apresentou recurso de impugnação judicial.

Distribuídos os autos ao Juízo Local Criminal de … do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, com o nº 376/24.4T9FLG, o recurso foi admitido por despacho proferido em 11.06.2024, e realizada a audiência de julgamento, foi proferida decisão em 17.02.2025 que julgou improcedente a impugnação deduzida, na sequência do que foi integralmente mantida a sobredita decisão administrativa.

Desta decisão recorreu a arguida “A..., Lda.” para este Tribunal da Relação do Porto, com os fundamentos sintetizados nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem:

“a. Verifica-se nos presentes autos que os factos relativos à alegada infração ocorreram em a 12 de agosto de 2021.
b. Desde essa data já decorreram MAIS DE TRÊS ANOS, pelo que, se encontra o procedimento contraordenacional prescrito, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 27.º do RGCO, o que se invoca com as legais consequências.
Da Erro na Aplicação do Direito
c. Desde logo, sucede que contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a Recorrente não cometeu a infração pela qual foi condenada.
d. De facto, tal condenação assenta na errada valoração da prova levada a cabo pelo Tribunal a quo, uma vez que, não teve em consideração a prova testemunhal produzida nos autos ou pelo menos uma correta consideração que a nosso ver se revelava ter ocorrido.
e. Ora, a Recorrente entende que se justifica a alteração da matéria de facto dada como provada, bem como a censura da anunciada análise crítica da prova e direito aplicável ao caso.
f. De facto, foram erradamente dados como provados os factos vertidos em 2, 3 e 4, tal como foram erradamente dados como não provados todos factos dados como não provados supra transcritos, pois o Tribunal a quo fez uma errada valoração da prova testemunhal, retirando ilações baseadas na convicção pessoal, apenas baseadas naquilo que o denunciante relatou (sem sequer ter em consideração a inegável contradição no seu depoimento, porquanto numa fase inicial refere que o livro de reclamações lhe foi negado e posteriormente, quanto questionado pelo Tribunal, afirma que o livro de reclamações foi imediatamente disponibilizado após o ter solicitado).
g. Incorrendo o Tribunal a quo, salvo melhor e diverso entendimento, em erro notório na apreciação dos factos e das suas convicções pessoais do julgador, que dá como provados os factos de forma indireta sem considerar o relatado pelo legal representante da Recorrente e a testemunha por esta arrolada nos autos, que tem conhecimento pessoal dos factos ocorridos, o que implicará a nulidade da prova e do raciocino que levou a considerar aqueles factos como provados e não provados, o que não se aceita.
h. Entende a Recorrente que não pode ser dado como provado que a mesma tenha recusado o acesso do denunciante ao livro de reclamações, uma vez que tal assim não aconteceu.
i. De facto, salvo melhor e diversa opinião, nos presentes autos não foi produzida prova que permita determinar que o denunciante viu negado o acesso ao livro de reclamações e que apenas com a presença dos elementos da Guarda Nacional Republicana teve acesso ao mesmo.
j. Na verdade, e como o próprio denunciante (AA) expressamente admitiu nas suas declarações “(…) ao qual a funcionária do escritório, a Sr.ª BB lhe entregou prontamente (…)”, em momento algum a Recorrente negou ao denunciante o acesso ao livro de reclamações.
k. O denunciante solicitou o livro de reclamações, o qual foi prontamente entregue pela colaboradora da Recorrente (como resulta incontestável da prova testemunhal produzida nos autos), porém, e sem que nada o fizesse prever, o denunciante pura e simplesmente não escreveu qualquer reclamação, ficando com o livro de reclamações à sua frente a simular que estava a reclamar, a fazer telefonemas, a aconselhar-se junto de terceiros, o que fez por um substancial período (porém, não concretizado nos autos por qualquer prova testemunhal ou documental).
l. O que mais não foi do que uma tentativa de o denunciante protelar aquela situação de forma a que outros clientes da Recorrente observassem o que se estava a passar, assim tentando denegrir a imagem da Recorrente.
m. Nesse momento, e porque se encontravam outros clientes no interior das instalações da Recorrente, o seu legal representante solicitou, educadamente, ao denunciante que finalizasse a reclamação, devolvesse o livro de reclamações e saísse das instalações.
n. No entanto, o denunciante continuou a nada fazer, simplesmente a tentar dar nas vistas para que os restantes clientes tivessem a perceção que o mesmo tinha consigo o livro de reclamações para apresentar uma reclamação.
o. E como o denunciante não demonstrava qualquer sinal de que iria escrever a reclamação, o legal representante da Recorrente viu-se obrigado a pedir para o mesmo sair do interior das instalações e para ligar à Guarda Nacional Republicana (GNR) se pretendesse escrever uma qualquer reclamação.
p. Sendo, portanto, claro que não existiu qualquer recusa em fornecer o livro de reclamações após solicitação do denunciante (aliás, como o próprio admitiu na inquirição em sede de audiência de discussão e julgamento).
q. Daí que não possa a Recorrente ser sancionada por factos que não sucederam e por mero capricho (ou má fé) do denunciante que, sem qualquer motivo ou justificação, pediu o livro de reclamações para de seguida nada escrever.
r. Até porque, repete-se, o próprio admitiu que quando solicitado o livro de reclamações logo a funcionária da Recorrente disponibilizou o mesmo.
s. Versão dos factos que, ao contrário do raciocínio usado pelo Tribunal a quo, não merece menos credibilidade do que a versão apresentada no auto de contraordenação, no sentido de que a Recorrente efetivamente disponibilizou o livro de reclamações ao denunciante.
t. Sendo certo que a mesma foi integralmente confirmada pelas declarações do legal representante da Recorrente, bem como pela testemunha BB.
u. Aliás, o próprio denunciante nas declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, quando questionado pelo Tribunal, acabou por admitir que o livro de reclamações foi prontamente disponibilizado pela colaboradora da Recorrente após solicitação,
v. Não conseguindo explicar porque motivo não logrou apresentar a competente reclamação em tempo útil, levando a que o legal representante da Recorrente lhe tenha dito para ligar à GNR se efetivamente pretendesse apresentar reclamação.
w. Não resulta das regras da experiência e da lógica que quem atue da forma descrita no auto de contraordenação, entenda-se a disponibilização imediato do livro de reclamações e posteriormente o tenha solicitado, o faça com intenção e consciência de impedir o acesso ao livro de reclamações pelo consumidor/cliente.
x. Pelo que, salvo melhor e diverso entendimento, mal andou o Tribunal a quo ao não determinar o arquivamento dos presentes autos.
y. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal.
z. Trata-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual (nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma) ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
aa. A nulidade da sentença por aplicação do direito pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la.
bb. O que, salvo melhor e diverso entendimento, sucede na sentença proferida pelo Tribunal a quo e que aqui expressamente se argui para os devidos efeitos legais.
cc. Além do mais, entende a Recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal a quo é vaga e imprecisa, tal como é a decisão da entidade autuante.
dd. O Tribunal a quo, sem desmerecer a sua ciência, confunde factos com conclusões, retira ilações sem prévia motivação fáctica, elabora silogismos desprovidos de premissas e invocam essas conclusões, ilações e silogismos para aplicar o direito, esquecendo-se de que este se aplica a factos devidamente descritos.
ee. Por isso, entende a Recorrente que a decisão da entidade autuante, bem como o auto de contraordenação que a sustenta, são nulos e, como tal, deveria o Tribunal a quo ter declarado essa mesma nulidade, com a consequência da invalidade do processado respeitante à infração de que vem a Recorrente acusada e o respetivo arquivamento dos presentes autos.
ff. Mas mesmo que este entendimento não estivesse correto, à mesma conclusão se chegaria por força da aplicação do princípio da proporcionalidade à situação em concreto.
gg. A gravidade da infração pode aferir-se, numa visão objetiva, pela natureza do dano provocado, sob um ponto de vista subjetivo pelo grau da culpabilidade.
hh. Olhando para o caso concreto, constata-se que não foi provocado qualquer dano ao denunciante ou à sociedade em geral.
ii. A gravidade da infração, quer pelo grau de culpa, quer pelo dano (no caso inexistente) é, pois, insignificante.
jj. Portanto, mesmo que não operasse a integração da conduta na exceção a que atrás se fez referência, sempre seria forçoso concluir que se trataria de um comportamento contraordenacional bagatelar, e nessa medida, carecido de dignidade contraordenacional.
kk. Assim sendo, não se justificando qualquer punição, sendo certo que a aplicação de uma coima de €3.000,00 é claramente violadora do princípio da proporcionalidade, pelo que, também, por esta via, deve a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser revogada por outra decisão que determine o arquivamento dos autos.
ll. Por outro lado, ainda, considera a Recorrente que a aplicação da suspensão da coima especialmente atenuada, se mostra suficiente para acautelar as finalidades de punição no caso concreto, pois que estão verificadas as circunstâncias anteriores e posteriores que diminuem por forma acentuada a ilicitude dos factos, a culpa da Recorrente e a necessidade da coima.
mm. Reitere-se a Recorrente é primária, não tendo praticado qualquer contraordenação até à presente data.
nn. Nestes termos, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a revogação da decisão de aplicação da coima.
oo. Assim, nos termos do disposto no artigo 51.º do RGCO, “(…) quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação, uma vez que se trata de uma contraordenação ligeira, de reduzido grau de ilicitude (…)”.
pp. Pelo que, atendendo à factualidade invocada, caso por mera hipótese, não se entenda pelo arquivamento dos presentes autos, será bastante a aplicação de uma mera admoestação à alegada infração.
qq. Ademais, decorre da Constituição da República Portuguesa, do RGCO e do Código Penal, que a medida da pena tem de ser aferida na medida da culpa.
rr. Os factos praticados não são de gravidade que justifique a aplicação à primeira sanção, de uma coima no valor de €3.000,00.
ss. Ademais, a aplicação da lei, na interpretação contrária ao vindo de alegar, além de ilegal é manifestamente inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, motivo pelo qual deverão ser arquivados os presentes autos ou quando muito, como supra referido, ser aplicada uma admoestação ou a multa aplicada ser suspensa na sua execução mediante o cumprimento de injunções pela recorrente.
Termos em que,
Em face do sobredito, revogando a Douta Sentença e proferindo outra que consagre a tese da Recorrente, farão V/ Ex.as a Costumada Justiça!

Por despacho proferido em 24.03.2025 foi o recurso regularmente admitido para subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo.

O Ministério Público junto do Tribunal a quo apresentou resposta ao recurso, sufragando a posição adoptada pelo Tribunal a quo na douta sentença sindicada, julgando-se o recurso interposto pela recorrente improcedente, e que rematou com o seguinte quadro conclusivo:

“1. O procedimento contraordenacional, considerando a data da prática dos factos, 12.08.2021, não se encontra prescrito.
2. Ao prazo normal de prescrição desta contraordenação de 3 anos, acresce mais 1 ano e 6 meses, ou seja, é de 4 anos e 6 meses, ainda há que descontar (ou acrescer) os períodos de suspensão, pelo menos o de 6 meses.
3. O recurso nas contraordenações em segunda instância é restrito à matéria de direito.
4. Daí que, no caso, esteja legalmente vedado a esse Tribunal da Relação a sindicância da matéria de facto que o tribunal a quo deu como provada.
Consequentemente, a matéria de facto fixada tem que considerar-se inalterável, sendo de rejeitar o recurso.
5. A sentença está devidamente fundamentada e não padece de qualquer nulidade.
6. Também não assiste razão à recorrente ao pugnar pela simples aplicação de “admoestação”, ao banalizar a pouca gravidade dos factos, quando o legislador entendeu sancionar com uma coima mínima de € 3.000.00 e máxima de € 11.500,00, pelo que não será de aplicar mera admoestação.”

Já neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto formula parecer no sentido de que o recurso interposto pelo arguido não merece provimento, entendendo que na resposta do MP são criteriosamente identificadas e fundadamente rebatidas todas as questões suscitadas no recurso da arguida. E, em aditamento dessa improcedência, adita observações que se prendem com a patente a falta de razão da arguida recorrente quanto à sua pretensão de que o prazo de prescrição a considerar de 3 (três) anos, nos termos do artigo 27º, n.º 1, al. b), do RGCO, se mostra decorrido e, a rejeição do recurso no que concerne à impugnação da matéria de facto, atento o disposto no art. 75º do mesmo diploma legal.

Não foi produzida resposta ao parecer.

Colhidos os vistos legais foi o processo à conferência.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.



2. FUNDAMENTAÇÃO

É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art. 412.º, n.º 1 e 417º, nº 3, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.
E à luz do disposto no art. 75º nº 1 do DL nº 433/82, de 27/10, nos processos de contraordenação a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.
Isso não a impede, e até se lhe impõe, que conheça dos vícios referidos no art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, como resulta do Acórdão do STJ, nº 7/95, de 19/10, in DR 298/95, 1ª Série A, de 28/12/1995 que fixou a seguinte jurisprudência: «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito».

Nessa decorrência, e olhando às sobreditas conclusões apresentadas na motivação do recurso retiram-se como questões a dilucidar:

- Prescrição do procedimento contraordenacional
- Erro de julgamento no tocante aos factos dados como provados em 2, 3 e 4, e os factos dados como não provados e erro notório na apreciação dos factos
- Erro na aplicação do direito
- Aplicação de mera pena de admoestação ou a coima especialmente atenuada ser suspensa na sua execução mediante o cumprimento de injunções pela recorrente.

Importa, antes de mais, conferir a fundamentação de facto e de direito da decisão recorrida (transcrição):

II- Fundamentação:
A) Instruída e discutida a causa resultaram provados os seguintes factos (com pertinência para a sua decisão):
1) No dia 12 de Agosto de 2021, cerca das 16h50m, a GNR deslocou-se ao estabelecimento industrial explorado pela Sociedade Recorrente, sito na Rua ..., em ..., na ..., ..., em virtude de ali ter existido um problema com o livro de reclamações; tendo a GNR sido chamada ao local por AA.
2) Ali chegados, a GNR constatou e foi informada por AA que este havia solicitado o livro de reclamações, e que o mesmo lhe foi prontamente facultado pela funcionária da Sociedade Recorrente, BB, mas que, porém, e quando se preparava para escrever no referido livro, chegou perto de si, o Sr. CC, gerente da Sociedade arguida, que lhe retirou o livro de reclamações as mãos, sem que o mesmo ali tivesse escrito a reclamação.
3) A GNR questionou o Sr. CC, gerente da Sociedade arguida, o qual confirmou que a referida funcionária facultara o livro de reclamações a AA, mas, como aquele estava a demorar muito a escrever, retirou-lhe o livro das mãos, ordenando que aquele saísse do local.
4) Só após a chegada da GNR é que AA conseguiu redigir a sua reclamação no livro de reclamações.
5) Foi lavrado o auto de noticia constante de fls. 3 e 4 dos autos.
6) A sociedade arguida, através do seu legal representante, agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que o seu comportamento era punido por lei.

Mais se provou:
7) A sociedade recorrente não retirou do facto qualquer benefício económico, não tem antecedentes contra-ordenacionais conhecidos e o reclamante acabou por efectuar a sua reclamação.
8) A sociedade recorrente emprega 3 trabalhadores e dois sócios; e têm o referido estabelecimento comercial a laborar em instalações arrendadas e pelas quais pagam uma renda mensal de cerca de € 1.000,00; sendo que alugam material de valor considerável, apresentando uma faturação anual de cerca de 1 milhão de euros.

b) Factos não provados:

Não se provou:
- que o AA tivesse ficado com o livro de reclamações à sua frente, a simular que estava a reclamar, a fazer telefonemas, a aconselhar-se com terceiros, o que fez por mais de 2 horas, e que tal tivesse sido uma tentativa daquele denegrir a imagem da Recorrente;
- que perante tal situação, e porque se encontravam outros clientes no interior das instalações da Recorrente, o legal representante da mesma tivesse solicitado, educadamente, áquele que acabasse a reclamação e devolvesse o livro de reclamações e saísse das instalações; e ainda que, o AA tivesse continuado sem nada fazer, ao não ser simplesmente dar muito das vistas para que os outros clientes tivessem a percepção que o mesmo tinha consigo o livro de reclamações para apresentar uma reclamação, e que como aquele continuava a demonstrar qualquer sinal de que irai escrever a reclamação, o legal representante da Recorrente viu-se obrigado a pedir ao mesmo que apara sair das instalações e para ligar para a GNR se pretendesse escrever qualquer reclamação.
Todos os restantes factos alegados na decisão final e no requerimento de interposição de recurso apresentados que não estejam mencionados nos factos provados, os quais foram considerados como não relevantes para a decisão aqui em causa, os quais se afiguram conclusivos e de direito.

c) Convicção do Tribunal:
O tribunal baseou-se nos diversos elementos juntos aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, designadamente, o auto de notícia de contra-ordenação, constante de fls. 3 e 4, certidão permanente da sociedade recorrente de fls. 8 a 10, informação da Seg. Social de fls. 11, “print” de fls. 30, bem como, no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, mais concretamente, nas declarações de:
- do sócio gerente da sociedade Recorrente, CC, o qual veio apresentar e relatar em julgamento a defesa que apresentou em sede de impugnação judicial, começando por explicar alugaram uma máquina ao Reclamante e que teria existido um problema com uma máquina que alugaram, e o seu manuseamento, referindo que a sua
funcionária administrativa e porque aquele solicitou o livro de reclamações, lho forneceu de imediato; mas como o mesmo estava a demorar muito tempo a escrever e a impedir o funcionamento normal, acabou por lho tirar e colocar o reclamante fora das instalações da Recorrente. Mais referiu que o mesmo chamou a GNR, e quando lá foi a GNR, o livro de reclamações foi-lhe novamente entregue e aquele escreveu a reclamação.
O militar da GNR, DD, o qual prestou serviço no Posto da GNR ... desde 2016 até 2012, que foi militar que elaborou o auto de notícia, e que, de facto, confirmou que, foram chamados ao local aqui em causa e estabelecimento da sociedade Recorrente, e que encontrou umas pessoas à porta, que se queixaram que tinham lhe retirado o livro de reclamações, e que falou com a funcionária, a qual confirmou que, apesar de prontamente e quando solicitado ter entregue o livro de reclamações ao ora Reclamante, e como aquele estava a demorar muito tempo a escrever, o seu patrão, lhe retirou o livro e convidou os mesmos a saírem do local; acrescentando que, quando o legal representante veio ter com eles, este confirmou-lhe isso mesmo. Mais referiu que na presença da GNR, foi facultado o livro de reclamações ao referido senhor, e aquele escreveu a reclamação. Mais afirmou que o referido senhor lhe disse, que da primeira vez, nem teve tempo de escrever no livro de reclamações, porque o legal representante lho tirou, apesar daquele lhe ter sido fornecido.
Por sua vez, o militar da GNR, EE, o qual presta serviço no Posto da GNR ..., limitou-se a confirmar, também de modo credível e isento, o já avançado pela testemunha anterior e seu colega de patrulha…
Inquirido em sede de julgamento, o apresentante da reclamação, AA, de uma forma que se afigurou sincera e credível, e essencialmente isenta, começou por referir que o legal representante da Recorrente, Sr. CC, ficou incomodado por terem ido reclamar que a máquina que haviam alugado tinha um problema, e enervou-se bastante, e daí ter pedido o livro de reclamações, o qual lhe foi fornecido pela funcionária administrativa, mas que, logo depois lhe foi retirado pelo Sr. CC, enquanto estava com o mesmo e a ver o que ia escrever; sendo que o mesmo acabou por lhe retirar o livro e os expulsou do estaleiro; pelo que chamou a GNR. Depois da chegada da GNR, o livro foi-lhe fornecido e escreveu no mesmo.
A testemunha de defesa apresentada pela Recorrente, e funcionária administrativa da mesma, BB, acabou por trazer aos autos, a versão apresentada pelo seu patrão…o que será normal, atenta a relação laboral existente.
Que dizer?
De facto, a prova produzida em julgamento foi abundante, e o legal representante da Recorrente, de facto, se num primeiro momento disponibilizou o livro de reclamações, num outro momento, acabou por obstar a que o Reclamante escrevesse no mesmo, já que retirou o mesmo daquele, o que motivou a chamada da GNR.
No que concerne á às condições económicas da sociedade recorrente, além dos documentos já referidos, teve o tribunal em consideração, as declarações quanto a tal situação, prestadas pelo legal representante da sociedade Recorrente.
Relativamente aos factos dados como não provados, resultaram os mesmos de não se ter feito prova suficiente e bastante que convencesse o Tribunal nesse sentido (art. 127.º do CPP).


III- Enquadramento Jurídico

A sociedade Recorrente foi condenada por ter praticado factos que integram uma contra-ordenação p. e p. pelo disposto no art. 3º, nº1, al. b) do Dec.-Lei nº 156/2005, de 15.09, com a nova redacção dada pelo Dec.-Lei nº 371/2007, de 06.11 sancionada, nos termos da alínea a) do nº3 do art. 9º do referido Decreto-Lei com coima de € 1.500,00 a € 15.000,00, por se tratar de pessoa colectiva; sendo que no caso, de ter sido chamada a autoridade, o montante da coima não pode ser inferior ao montante da coima prevista.
O Dec.-Lei nº 156/2005 de 15.09, estabelece a obrigatoriedade de disponibilização do livro de reclamações a todos os fornecedores de bens ou prestadores de serviços que tenham contacto com o público em geral.
Dispõe o Artigo 3.º do referido Diploma Legal e sob a epígrafe “Obrigações do fornecedor de bens ou prestador de serviços”, o seguinte:
“1 - O fornecedor de bens ou prestador de serviços é obrigado a:
a) Possuir o livro de reclamações nos estabelecimentos a que respeita a actividade;
b) Facultar imediata e gratuitamente ao utente o livro de reclamações sempre que por este tal lhe seja solicitado;
c) Afixar no seu estabelecimento, em local bem visível e com caracteres facilmente legíveis pelo utente, um letreiro com a seguinte informação: «Este estabelecimento dispõe de livro de reclamações»;
d) Manter, por um período mínimo de três anos, um arquivo organizado dos livros de reclamações que tenha encerrado.
2 - O fornecedor de bens ou prestador de serviços não pode, em caso algum, justificar a falta de livro de reclamações no estabelecimento onde o utente o solicita pelo facto de o mesmo se encontrar disponível noutros estabelecimentos, dependências ou sucursais.
3 - Sem prejuízo da regra relativa ao preenchimento da folha de reclamação a que se refere o artigo 4.º, o fornecedor de bens ou prestador de serviços ou o funcionário do estabelecimento não pode condicionar a apresentação do livro de reclamações, designadamente à necessidade de identificação do utente.
4 - Quando o livro de reclamações não for imediatamente facultado ao utente, este pode requerer a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa ou de que essa autoridade tome nota da ocorrência e a faça chegar à entidade competente para fiscalizar o sector em causa.”
O art. 9º do citado Diploma Legal refere-se às contra-ordenações:
Estatui agora o art. 9º o seguinte:
Artigo 9.º
Contraordenações
1 - Constitui contraordenação económica grave, punível nos termos do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas (RJCE), a violação ao disposto nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 do artigo 3.º, nos n.os 1 e 2 do artigo 5.º, no n.º 3 do artigo 5.º-A, nos nºs 1 a 3 do artigo 5.º-B e nos nºs 1 e 3 do artigo 8.º
2 - Constitui contraordenação económica leve, punível nos termos do RJCE, a violação ao disposto no n.º 3 do artigo 1.º, nas alíneas c) e d) do n.º 1 e nos nºs 2, 3 e 5 do artigo 3.º, nos n.os 3 e 4 do artigo 4.º, nos n.os 4 e 5 do artigo 5.º, no n.º 4 do artigo 5.º-B, no n.º 6 do artigo 6.º e nos nºs 2 e 5 do artigo 8.º
3 - A violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º, acrescida da ocorrência da situação prevista no n.º 4 do mesmo artigo, constitui contraordenação económica muito grave, punível nos termos do RJCE.
4 - A negligência é punível nos termos do RJCE
Agora a Lei remete-nos para o RJCE.
Vejamos o que o mesmo refere:
Tal RJCE contempla tal matéria na SECÇÃO II:
Da coima e das sanções acessórias
Artigo 17.º
Classificação das contraordenações
As contraordenações económicas são classificadas como leves, graves e muito graves, considerada a relevância dos bens jurídicos tutelados.
Artigo 18.º
Montante das coimas
A cada escalão classificativo de gravidade das contraordenações económicas corresponde uma coima aplicável de acordo com os seguintes critérios gerais:
a) Contraordenação leve:
i) Tratando-se de pessoa singular, de (euro) 150,00 a (euro) 500,00;
ii) Tratando-se de microempresa, de (euro) 250,00 a (euro) 1 500,00;
iii) Tratando-se de pequena empresa, de (euro) 600,00 a (euro) 4 000,00;
iv) Tratando-se de média empresa, de (euro) 1 250,00 a (euro) 8 000,00;
v) Tratando-se de grande empresa, de (euro) 1 500,00 a (euro) 12 000,00;
b) Contraordenação grave:
i) Tratando-se de pessoa singular, de (euro) 650,00 a (euro) 1 500,00;
ii) Tratando-se de microempresa, de (euro) 1 700,00 a (euro) 3 000,00;
iii) Tratando-se de pequena empresa, de (euro) 4 000,00 a (euro) 8 000,00;
iv) Tratando-se de média empresa, de (euro) 8 000,00 a (euro) 16 000,00;
v) Tratando-se de grande empresa, de (euro) 12 000,00 a (euro) 24 000,00;
c) Contraordenação muito grave:
i) Tratando-se de pessoa singular, de (euro) 2 000,00 a (euro) 7 500,00;
ii) Tratando-se de microempresa, de (euro) 3 000,00 a (euro) 11 500,00;
iii) Tratando-se de pequena empresa, de (euro) 8 000,00 a (euro) 30 000,00;
iv) Tratando-se de média empresa, de (euro) 16 000,00 a (euro) 60 000,00;
v) Tratando-se de grande empresa, de (euro) 24 000,00 a (euro) 90 000,00.
Artigo 19.º
Classificação de pessoas colectivas
1 - Para efeitos do disposto no presente regime, as pessoas coletivas são classificadas como:
a) «Microempresa», quando empreguem menos de 10 trabalhadores;
b) «Pequena empresa», quando empreguem entre 10 e 49 trabalhadores;
c) «Média empresa», quando empreguem entre 50 e 249 trabalhadores;
d) «Grande empresa», quando empreguem 250 ou mais trabalhadores.
2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, tem-se em consideração o número de trabalhadores ao serviço a 31 de dezembro do ano civil anterior ao da data da notícia da infração autuada pela entidade competente, considerando-se como trabalhadores, para este efeito:
a) Os assalariados;
b) As pessoas que trabalham para essa empresa com um nexo de subordinação com ela e equiparados a assalariados de acordo com legislação específica;
c) Os proprietários-gestores;
d) Os sócios que exerçam uma atividade regular na empresa e beneficiem, em contrapartida, de vantagens financeiras da mesma.
3 - No caso de não ser possível determinar a dimensão da empresa para efeitos de aplicação dos números anteriores, aplica-se a moldura contraordenacional prevista para as médias empresas, sem prejuízo de poderem ser considerados novos elementos de facto que conduzam à alteração dessa classificação, trazidos aos autos por indicação do arguido, ou que sejam de conhecimento oficioso da autoridade administrativa que proceda à instrução ou decisão do processo.
4 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, consideram-se equiparadas:
a) Às microempresas, as fundações e pessoas coletivas de utilidade pública, bem como as freguesias;
b) Às pequenas empresas, os municípios e as restantes pessoas coletivas de direito público que não constituam empresas nem sejam abrangidas pela alínea anterior.
Artigo 20.º
Determinação da medida da coima
A determinação da medida da coima deve atender à gravidade da contraordenação, à culpa do agente, à sua situação económica e ao benefício económico obtido com a prática do facto ilícito.
Artigo 21.º
Fixação da coima concretamente aplicável
1 - Na fixação da coima concretamente aplicável, são atendíveis o incumprimento de quaisquer recomendações constantes de auto ou notificação e a prática pelo agente de atos de coação, falsificação, ocultação ou dissimulação tendentes a dificultar a descoberta da verdade.
2 - Na fixação da coima concretamente aplicável são ainda tomadas em consideração a conduta anterior e posterior à prática dos factos e as exigências de prevenção.
Artigo 22.º
Agravação especial da coima
Os limites mínimo e máximo da coima a aplicar às contraordenações graves e muito graves são elevados para o dobro quando:
a) Pela sua ação ou omissão, o agente tenha causado dano na saúde ou segurança das pessoas ou bens;
b) Quando o agente retire da infração um benefício económico calculável superior ao limite máximo da coima e não existirem outros meios de o eliminar.
Artigo 23.º
Atenuação especial da coima
1 - Para além dos casos expressamente previstos na lei, a autoridade administrativa atenua especialmente a coima quando existam circunstâncias anteriores ou posteriores à prática da contraordenação ou contemporâneas desta que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de aplicação de coima.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a autoridade administrativa atenua especialmente a coima quando se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias:
a) Reparação, até onde for possível, dos danos causados aos particulares, caso existam;
b) Cessação da conduta ilícita objeto da contraordenação ou contraordenações cuja prática lhe foi imputada, se a mesma ainda subsistir.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior:
a) O arguido, até à decisão final, tem de juntar aos autos prova suficiente do ressarcimento aos particulares, de preferência através de documento assinado por estes, dos prejuízos causados e da regularização da situação de incumprimento que lhe foi imputada;
b) A autoridade administrativa pode, quando estejam em causa direitos e legítimos interesses de grupos de consumidores, convidar as associações de consumidores a apresentar a sua opinião ou parecer técnico sobre as circunstâncias atenuantes.
4 - Sempre que haja lugar à atenuação especial da coima, os respetivos limites mínimo e máximo são reduzidos para metade.
5 - A atenuação especial da coima prevista no presente artigo não é cumulativa com a redução da coima aplicável em caso de pagamento voluntário

Ora, conforme resulta dos factos provados, no dia 12 de Agosto de 2021, cerca das 16h50m, a GNR deslocou-se ao estabelecimento industrial explorado pela Sociedade Recorrente, sito na Rua ..., em ..., na ..., ..., em virtude de ali ter existido um problema com o livro de reclamações; tendo a GNR sido chamada ao local por AA. Ali chegados, a GNR constatou e foi informada por AA que este havia solicitado o livro de reclamações, e que o mesmo lhe foi prontamente facultado pela funcionária da Sociedade Recorrente, BB, mas que, porém, e quando se preparava para escrever no referido livro, chegou perto de si, o Sr. CC, gerente da Sociedade arguida, que lhe retirou o livro de reclamações as mãos, sem que o mesmo ali tivesse escrito a reclamação. A GNR questionou o Sr. CC, gerente da Sociedade arguida, o qual confirmou que a referida funcionária facultara o livro de reclamações a AA, mas, como aquele estava a demorar muito a escrever, retirou-lhe o livro das mãos, ordenando que aquele saísse do local. Só após a chegada da GNR é que AA conseguiu redigir a sua reclamação no livro de reclamações.
A sociedade arguida, através do seu legal representante, agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que o seu comportamento era punido por lei.
Assim e do cotejo de tais factos, sempre se terá de concluir que a Sociedade Recorrente praticou a infracção imputada, uma vez que o livro de reclamações, depois de ter sido disponibilizado à pessoa que pretendia efectuar uma reclamação escrever a mesma naquele, acabou por, num segundo momento, lhe ser retirado, pelo legal representante da sociedade Recorrente, e, como tal, o direito de queixa do reclamante foi coartado, tendo este apenas conseguido lavrar a sua reclamação já na presença da autoridade policial, incorrendo assim a sociedade recorrente na prática da contra-ordenação imputada.



V- Determinação da Medida da Coima:

O artigo 18°, nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82 actualizado pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14/09 estipula que “a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa e da situação económica do agente e do benefício que este retirou da prática da contra-ordenação”.
Não nos podemos olvidar das normas especiais, que regulam agora esta matéria.
Artigo 20.º
Determinação da medida da coima
A determinação da medida da coima deve atender à gravidade da contraordenação, à culpa do agente, à sua situação económica e ao benefício económico obtido com a prática do facto ilícito.
Artigo 21.º
Fixação da coima concretamente aplicável
1 - Na fixação da coima concretamente aplicável, são atendíveis o incumprimento de quaisquer recomendações constantes de auto ou notificação e a prática pelo agente de atos de coação, falsificação, ocultação ou dissimulação tendentes a dificultar a descoberta da verdade.
2 - Na fixação da coima concretamente aplicável são ainda tomadas em consideração a conduta anterior e posterior à prática dos factos e as exigências de prevenção.
Artigo 22.º
Agravação especial da coima
Os limites mínimo e máximo da coima a aplicar às contraordenações graves e muito graves são elevados para o dobro quando:
a) Pela sua ação ou omissão, o agente tenha causado dano na saúde ou segurança das pessoas ou bens;
b) Quando o agente retire da infração um benefício económico calculável superior ao limite máximo da coima e não existirem outros meios de o eliminar.
Artigo 23.º
Atenuação especial da coima
1 - Para além dos casos expressamente previstos na lei, a autoridade administrativa atenua especialmente a coima quando existam circunstâncias anteriores ou posteriores à prática da contraordenação ou contemporâneas desta que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de aplicação de coima.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a autoridade administrativa atenua especialmente a coima quando se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias:
a) Reparação, até onde for possível, dos danos causados aos particulares, caso existam;
b) Cessação da conduta ilícita objeto da contraordenação ou contraordenações cuja prática lhe foi imputada, se a mesma ainda subsistir.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior:
a) O arguido, até à decisão final, tem de juntar aos autos prova suficiente do ressarcimento aos particulares, de preferência através de documento assinado por estes, dos prejuízos causados e da regularização da situação de incumprimento que lhe foi imputada;
b) A autoridade administrativa pode, quando estejam em causa direitos e legítimos interesses de grupos de consumidores, convidar as associações de consumidores a apresentar a sua opinião ou parecer técnico sobre as circunstâncias atenuantes.
4 - Sempre que haja lugar à atenuação especial da coima, os respetivos limites mínimo e máximo são reduzidos para metade.
5 - A atenuação especial da coima prevista no presente artigo não é cumulativa com a redução da coima aplicável em caso de pagamento voluntário
Artigo 18.º
Montante das coimas
A cada escalão classificativo de gravidade das contraordenações económicas corresponde uma coima aplicável de acordo com os seguintes critérios gerais:
a) Contraordenação leve:
i) Tratando-se de pessoa singular, de (euro) 150,00 a (euro) 500,00;
ii) Tratando-se de microempresa, de (euro) 250,00 a (euro) 1 500,00;
iii) Tratando-se de pequena empresa, de (euro) 600,00 a (euro) 4 000,00;
iv) Tratando-se de média empresa, de (euro) 1 250,00 a (euro) 8 000,00;
v) Tratando-se de grande empresa, de (euro) 1 500,00 a (euro) 12 000,00;
b) Contraordenação grave:
i) Tratando-se de pessoa singular, de (euro) 650,00 a (euro) 1 500,00;
ii) Tratando-se de microempresa, de (euro) 1 700,00 a (euro) 3 000,00;
iii) Tratando-se de pequena empresa, de (euro) 4 000,00 a (euro) 8 000,00;
iv) Tratando-se de média empresa, de (euro) 8 000,00 a (euro) 16 000,00;
v) Tratando-se de grande empresa, de (euro) 12 000,00 a (euro) 24 000,00;
c) Contraordenação muito grave:
i) Tratando-se de pessoa singular, de (euro) 2 000,00 a (euro) 7 500,00;
ii) Tratando-se de microempresa, de (euro) 3 000,00 a (euro) 11 500,00;
iii) Tratando-se de pequena empresa, de (euro) 8 000,00 a (euro) 30 000,00;
iv) Tratando-se de média empresa, de (euro) 16 000,00 a (euro) 60 000,00;
v) Tratando-se de grande empresa, de (euro) 24 000,00 a (euro) 90 000,00.
A contra-ordenação na qual a Recorrente incorreu, é sancionada, e tratando-se de pessoa colectiva - microempresa, nos termos da alínea a) do nº1 do art. 9º do citado Decreto-Lei e referido artigo 18º RJCE, com coima de € 3.000,00 a € 11.500,00, uma vez que é considerada uma contra-ordenação muito grave – Cfr. Art. 9º, nº3 do Citado Decreto-lei.
Á sociedade Recorrente foi-lhe aplicada a coima no montante de € 3.000,00, ou seja, correspondente ao mínimo legal; até porque a infracção que foi imputada à Sociedade Recorrente, e como resultava do dispositivo da decisão da ASAE, o foi a título doloso.
Por outro lado, a Entidade Administrativa teve em consideração, tal como o Tribunal a situação económica da sociedade Recorrente.
Sucede, que, efectivamente, nos presentes autos e face aos factos provados, e sobretudo tendo em consideração que a coima aplicada foi a correspondente ao mínimo legal, temos que entender, assim, e ainda assim que a mesma foi correcta e ponderadamente aplicada, e como tal, decide manter-se o seu montante, o qual, atentas as condições actuais económicas da Sociedade Recorrente e aqui também consideradas, e o benefício que resultou para a mesma, se mostra adequada e correcta. Atenta a existência de dolo, não se afigura possível a aplicação de um qualquer outro mecanismo legal, nomeadamente, o previsto no art. 23º do RJCE; nem as previstas no RGCCO.”



Progredindo para a apreciação do recurso, passemos então a analisar as suscitadas e elencadas questões:

Prescrição do procedimento contraordenacional

A recorrente começa por suscitar a questão da prescrição do procedimento contraordenacional, para tanto argumentando que os factos relativos à alegada infração ocorreram a 12 de agosto de 2021, pelo que, nos termos da alínea b) do art. 27º do Regime Geral das Contraordenações (aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27/10, e sucessivamente alterado pelos Decreto-Lei nº 356/89, de 17/10, Decreto-Lei nº 244/95, de 14/09, Decreto-Lei nº 323/2001, de 17/12, Lei nº 109/2001, de 24/12 e Decreto-Lei nº 91/2024, de 22/11 e doravante designado RGCO), encontra-se este procedimento de contraordenação prescrito, uma vez que já decorreram mais de três anos desde a prática da alegada infracção.
Sobre o tema se pronunciou o Ministério Público em ambas as instâncias, sustentando que não se verifica a invocada prescrição na medida em que o prazo é de 3 anos a que acresce mais 1 ano e 6 meses por força do disposto no art. 28º, nº 3 do RGCO (Interrupção da prescrição), ou seja, é de 4 anos e 6 meses, e ainda há que descontar os períodos de suspensão, de acordo com o previsto na alínea c) do n.º 1 do art. 27.º-A do citado diploma legal, pelo que, aos 4 anos e 6 meses, acresce a suspensão de 6 meses, e assim o procedimento contraordenacional não se encontra prescrito.
Ora, atento quer o regime geral, quer o especial regime que é de aplicar ao caso dos autos, é patente a falta de razão da recorrente, no que a este segmento do recurso se refere.
Mas examinemos.
No caso, não será de aplicar o Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, constante do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, como sustenta a recorrente e até o Ministério Público, mas antes o Regime Jurídico das Contraordenações Económicas, o Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro (RJCE), já que estamos em presença de uma contraordenação económica muito grave à luz do disposto no art. 9º, nº3 do Decreto-Lei nº 156/2005, de 15 de setembro, punível nos termos do referido RJCE.
Donde, não há incerteza que o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional em curso é de 5 (cinco) anos, tal como prescreve o art. 36º, al. a) do RJCE (Sem prejuízo das causas de interrupção e de suspensão previstas no artigo seguinte e em legislação especial, o procedimento de contraordenação extingue-se por efeito da prescrição quando sobre a data da prática dos factos tenham decorrido:
a) Cinco anos, no caso de contraordenações económicas graves e muito graves;)
e não o de 3 (três) anos previsto na al. b) do n.º 1 do art. 27º do RGCO.
Assim sendo, só em 12 de agosto de 2026, 5 anos volvidos sobre a data da prática da infração, isto é, dia 12 de agosto de 2021, se conclui tal prazo.
De qualquer forma o decurso desse prazo, está sujeito a vicissitudes várias com efeitos interruptivos e/ou suspensivos, sem prejuízo do limite máximo correspondente ao tempo inicial acrescido de metade, descontados os períodos de suspensão intercorrentes, tal como regulado no art. 37º do RJCE que decalca o disposto nos artigos 27º-A e 28º do RGCO.
Ali se dispõe:
Artigo 37.º
Interrupção e suspensão da prescrição do procedimento
1 - O prazo de prescrição do procedimento de contraordenação é interrompido:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação ao arguido para o exercício do direito de audição e defesa ou com as declarações por este prestadas no exercício desse direito.
2 - No caso do concurso de infrações previsto no artigo 27.º a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento contraordenacional.
3 - O prazo de prescrição do procedimento contraordenacional suspende-se:
a) Com o pagamento voluntário da coima durante o período que decorra entre a notificação ou o pedido do arguido e a data limite constante da respetiva guia para o seu pagamento;
b) Com a apresentação da impugnação judicial da decisão condenatória, até ao trânsito em julgado da mesma;
c) Durante o tempo em que o procedimento estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público e até à sua devolução à autoridade administrativa competente, nos casos previstos no artigo 55.º;
d) Durante o período de tempo fixado nos termos do n.º 2 do artigo 56.º e até ao arquivamento dos autos;
e) Quando, por força da lei, o processo de contraordenação não puder iniciar-se ou não puder continuar.
4 - A suspensão prevista no número anterior não pode ultrapassar:
a) Dois anos, no caso previsto na alínea b);
b) Um ano, no caso previsto na alínea c).
5 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade.

Do que resulta que, o curso do prazo do procedimento contraordenacional interrompe-se, reiniciando-se a contagem desde o inicio, após cada interrupção e sempre sem prejuízo daquele limite máximo (prazo da prescrição acrescido de metade), e suspende-se, pelo período máximo de um ou dois anos consoante as als. b) e c) do nº 3 do antedito normativo.
No caso, dúvidas não há, que não ocorreu a prescrição do procedimento contraordenacional como já se referiu, para além do que resulta da tramitação processual.
Assim e para tanto confira-se:
Em 28.09.2022 (cfr. pág. 12 da certidão inicial) e em 12.04.2024 (cfr. pág. 35 e ss. da certidão inicial), a arguida foi notificada para exercício do direito de defesa e/da decisão final da autoridade administrativa (cfr. als. a) e c) do nº 1), o que determinou que o referido prazo de 5 (cinco) anos se interrompesse, recomeçando a respetiva contagem nessas mesmas datas, sem que, em qualquer delas e/ou entre elas se tivessem esgotado 5 anos ou o prazo máximo de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses, limite máximo corresponde ao prazo inicial acrescido de metade.
Muito embora despiciendo, face à longitude do prazo máximo de prescrição, há ainda que referir que a arguida apresentou junto da ASAE recurso de impugnação dirigido ao Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este (...) e a autoridade administrativa remeteu o processo ao MP, que o rececionou em 14/5/2024 (registo nº 9642360), o qual providenciou pela respetiva apresentação ao Juízo local criminal de Felgueiras, tendo sido proferido despacho preliminar de apreciação no dia 11/6/2024.
Qualquer uma dessas circunstâncias produziu efeito suspensivo do prazo de prescrição do procedimento, por período que pode prolongar-se até 2 anos - b) Com a apresentação da impugnação judicial da decisão condenatória, até ao trânsito em julgado da mesma – nº 4, al. a) Dois anos, no caso previsto na alínea b).
Por conseguinte, não se verificou a prescrição do procedimento contraordenacional, como almeja a recorrente, pelo improcede esta concreta pretensão recursiva.
*

Erro de julgamento no tocante aos factos dados como provados em 2, 3 e 4, e os factos dados como não provados e erro notório na apreciação dos factos

A recorrente, na sua densificação recursiva, e em atinência à pretendida impugnação da matéria de facto, sustenta que não pode ser dado como provado que a mesma tenha recusado o acesso do denunciante ao livro de reclamações, uma vez que tal assim não aconteceu, e de imediato, sustenta que
foram erradamente dados como provados os factos vertidos em 2, 3 e 4, tal como foram erradamente dados como não provados todos factos dados como não provados, pois o Tribunal a quo fez uma errada valoração da prova testemunhal.
Porém, cumpre desde logo aclarar a questão, atentando no especifico regime dos recursos das contraordenações.
Com efeito, o regime dos recursos de decisões proferidas em primeira instância, em processo de contraordenação, está definido nos arts. 73º a 75º do RGCO, seguindo a tramitação dos recursos em processo penal - cfr. nº 4 do art. 74º, decorrente do princípio da subsidiariedade a que alude o seu art. 41º.
Assim sendo, neste âmbito, constituindo desvio ao princípio geral que as Relações conhecem de facto e de direito - cfr. art. 428º do CPP -, apenas se conhece, em regra, da matéria de direito, sem prejuízo de alteração da decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida ou de anulação e devolução do processo ao mesmo tribunal, conforme estipula o art. 75º do RGCO, decorrendo do seu nº 1 “se o contrário não resultar deste diploma, a 2ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões”.
Donde, face aos poderes conferidos pelo citado normativo, nos processos de contraordenação, como é o caso destes autos, o Tribunal da Relação (a segunda instância) apenas conhece da matéria de direito, funcionando como tribunal de revista, perante os factos que foram apurados em primeira instância.
O que quer dizer que a factualidade apurada e dada como assente na sentença proferida em primeira instância tem de considerar-se fixada, salvo se do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, resultar a ocorrência de algum dos vícios a que alude o art. 410º, nº 2, do CPP.
Acerca do tema em análise lê-se no Acórdão desta Relação do Porto de 18.05.2005 acessível in www.dgsi.pt. “O tribunal da Relação, em regra e no âmbito dos recursos de contraordenação, apenas conhece de direito. Constituem excepções a esta regra as que constam do art. 410º, nº 2, do CPP: A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e o erro notório na apreciação da prova. Tais vícios da matéria de facto têm de resultar do texto da decisão recorrida e sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, não sendo admissível, designadamente, o recurso a declarações ou de depoimentos exarados no processo, e não podendo basear-se em documentos juntos ao processo”.
Em consonância, este Tribunal ad quem apenas conhece, neste âmbito, de matéria de direito, muito embora sem prejuízo da apreciação das assinaladas questões de conhecimento oficioso, a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, ou a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos arts. 379º, nº 2 e 410º, nº 3, do CPP.
Posto isto, é inequívoco que o inconformismo da recorrente se dirige a alguma da matéria de facto, que identifica, procurando provocar o seu reexame, mas que, como vindo de referir, não é admissível.
O que quer dizer que a recorrente não teve em conta o regime legal aplicável nesta sede, do qual decorre que a matéria de facto provada está definitivamente fixada na decisão recorrida, e é sob esse aspeto imodificável o decidido, pois o Tribunal a quo esgotou os poderes de averiguação da matéria de facto.
Consequentemente, a matéria de facto fixada tem que considerar-se inalterável, e assim definitivamente fixada, sendo de rejeitar o recurso, nesta parte.
*

Olhando à alegação recursiva, a recorrente parece ainda querer convocar o vicio decisório erro notório na apreciação na apreciação da prova, porém, contrariamente ao pugnado, a decisão sob escrutínio não padece do vício que a mesma nela procura vislumbrar.
Conforme supra se aflorou a matéria de facto pode ser questionada mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no art. 410º, nº 2, do Código Processo Penal, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar.
Estamos em presença de impugnação da matéria de facto baseada no chamado recurso de revista ampliada, e que se reconduz às patologias catalogadas nas alíneas do citado normativo, que devem surgir evidenciadas no texto decisório, por si ou em conjugação com as regras de experiência, sem recurso a quaisquer outros elementos que o extravasem.
Assim, os erros da decisão, para poderem ser apreciados ou mesmo conhecidos oficiosamente, devem detetar-se, sem esforço de análise, a partir do teor da própria sentença, sem recurso a elementos externos como seja o cotejo das provas disponíveis nos autos e/ou produzidas em audiência de julgamento. O elenco legal destes vícios, como decorre das alíneas a), b) e c), do citado normativo legal, abrange a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - lacunas factuais que podiam e deviam ter sido averiguadas e se mostram necessárias à formulação de juízo seguro de condenação ou absolvição -, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão - incompatibilidade entre factos provados ou entre estes e os não provados e entre a matéria fáctica e a conclusão jurídica - e o erro notório na apreciação da prova - erro patente que não escapa ao homem comum.
Ora, no caso em exame, afirma a recorrente que o tribunal a quo incorre em erro notório na apreciação dos factos e das suas convicções pessoais do julgador, que dá como provados os factos de forma indireta sem considerar o relatado pelo legal representante da Recorrente e a testemunha por esta arrolada nos autos, que tem conhecimento pessoal dos factos ocorridos, o que implicará a nulidade da prova e do raciocino que levou a considerar aqueles factos como provados e não provados.
Bem se vê, portanto que a recorrente, que se socorre, para o efeito, de meios de prova produzidos, confunde erro de julgamento com o dito vicio decisório, pois a mesma apenas tem uma perspetiva diferente em relação á apreciação da prova efetuada pelo tribunal, indagação que, reitera-se está vedada a este tribunal de recurso.
De todo o modo, com a brevidade que se impõe, e no que respeita ao erro notório na apreciação da prova, cumpre aclarar que o mesmo ocorre quando se evidencia a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência por se ter decidido contra o que se provou ou não provou ou por se ter dado por provado o que não podia ter acontecido. Este erro tem de ser ostensivo, que não escapa ao homem com uma cultura média. Dito de outro modo, o requisito da notoriedade do erro afere-se pela circunstância de não passar despercebido ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente, como ensina Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, Lisboa/S.Paulo, 1994, pág. 327.
Ainda, segundo Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 7ª ed., 2008, pág. 77, tal vicio tem lugar quando se verifica “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que efetivamente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. (…) há um tal erro quando um ser humano médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis”.
O dito vicio, refere-se, pois, às situações de falha grosseira e ostensiva na análise da prova, e não se confunde, insiste-se, com a mera discordância ou diversa opinião quanto à valoração da prova produzida levada a efeito pelo julgador, antes traduz-se em distorções de ordem lógica entre os factos provados ou não provados, ou na evidência de uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável e, por isso, incorreta e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio, o que de todo se divisa.
Trata-se assim de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível.
Ora, analisada a decisão recorrida não descortinamos qualquer erro clamoroso, isto é, uma desconformidade evidente, que nos faça concluir que o tribunal errou – manifestamente – na apreciação e valoração que fez das provas produzidas em julgamento, seja porque violou as regras da experiência comum, seja porque se baseou em critérios ilógicos, arbitrários ou, mesmo, contraditórios.
Não ocorre, portanto, o sugerido vicio.
Improcede, deste modo, tal fundamento de recurso.


Erro na aplicação do direito

Na decorrência do antes defendido – de que não pode ser dado como provado que a recorrente tenha recusado o acesso do denunciante ao livro de reclamações, - e continuando sob essa perspetiva a analisar a prova produzida nos autos, vem a mesma, sob a capa de um erro de direito, suscitar a pretensa nulidade da sentença, em termos, quanto a nós, quase ininteligíveis.
Vejamos.
A coberto da conclusão de que não pode ser sancionada por factos que não sucederam, persistindo na tese de que não foi produzida prova que permita determinar que o denunciante viu negado o acesso ao livro de reclamações e que apenas com a presença dos elementos da Guarda Nacional Republicana teve acesso ao mesmo, desde logo alega que não se justifica a aplicação de coima, muito menos do valor em foi condenada e o tribunal deveria ter determinado o arquivamento dos autos.
Nesse sentido, argui a nulidade da sentença por erro de raciocínio lógico, considerando-a ainda vaga e imprecisa, tal como a decisão da entidade autuante, por em seu entender “o tribunal a quo confundir factos com conclusões, retira ilações sem prévia motivação fáctica, elabora silogismos desprovidos de premissas e invocam essas conclusões, ilações e silogismos para aplicar o direito, esquecendo-se de que este se aplica a factos devidamente descritos.”
Por isso, “a decisão da entidade autuante, bem como o auto de contraordenação que a sustenta, são nulos e, como tal, deveria o Tribunal a quo ter declarado essa mesma nulidade, com a consequência da invalidade do processado respeitante à infração de que vem a Recorrente acusada e o respetivo arquivamento dos presentes autos.”
Também defende que ao abrigo do principio da proporcionalidade, porque no caso concreto não foi provocado qualquer dano ao denunciante ou à sociedade em geral, e sendo a gravidade da infração insignificante, ou seja, tratando-se de comportamento contraordenacional bagatelar (conduta sem relevância), e nessa medida, carecido de dignidade contraordenacional, não se justifica qualquer punição.
Conclui assim que a aplicação de uma coima de €3.000,00 é claramente violadora do princípio da proporcionalidade, pelo que, também, por esta via, deve a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser revogada por outra decisão que determine o arquivamento dos autos.
Ora bem.
Já se deixou bem frisado em momento anterior que, está legalmente vedado a este Tribunal da Relação a sindicância da matéria de facto que o tribunal a quo deu como provada e não provada, razão pela qual a matéria de facto provada mostra-se intangível, tendo por isso o recurso sido na parte em que se pretendia discutir o circunstancialismo fáctico, rejeitado.
Por seu turno, todos os elementos do tipo legal contraordenacional assacado à recorrente se mostram verificados, como aliás, fundadamente, a decisão em escrutínio analisou.
Mais se diga que um eventual erro na qualificação jurídica dos factos, ou erro na aplicação do direito como refere a recorrente, não configura uma nulidade, mas traduzir-se-á num erro de direito a ser, eventualmente, remediado em recurso.
Sucede que não é verdadeiramente isso que a recorrente questiona, pois perante o antedito, bem se percebe que aquela não discute os elementos do tipo, e sequer os menciona (aludindo ao invés a meios de prova), atendo-se a nulidades que não se vislumbram e tão pouco se mostram concretizadas, mormente na lei, sendo que os factos que perfetibilizam o ilícito contraordenacional se mostram verificados, e o seu enquadramento jurídico efectuado sem mácula, estando em simultâneo a decisão em recurso, devidamente fundamentada.
Não se olvide, ademais, que a decisão proferida em processo contraordenacional, não impondo o mesmo grau de rigor na explanação dos factos que ocorre na sentença penal, exige ainda assim uma narração de factos passível de caracterização da tipicidade da acção ou omissão de cuja imputação se trate, e tal narração indubitavelmente ocorre in casu.
De todo modo, sempre se impõe dizer, perante a argumentação da recorrente, que o campo contraordenacional em que nos encontramos, configura um direito distinto do direito penal.
Ambos os ilícitos tentam proteger valores dignos de protecção legal: o ilícito penal empresta, efectivamente, a protecção jurídico-penal, e já o ilícito de mera ordenação social empresta uma tutela mais administrativa. Ambos os ilícitos tentam prevenir violações a certos interesses que carecem de protecção legal, mas ambos os ilícitos impõem aos infractores consequências jurídicas desfavoráveis - penas/medidas de segurança e coimas (a sanção característica do ilícito penal é a pena, sendo a coima o veículo sancionador do ilícito de mera ordenação social).
Dito isto, a argumentação da recorrente de que “a gravidade da infração é insignificante, tratando-se de comportamento contraordenacional bagatelar (conduta sem relevância), e nessa medida, carecido de dignidade contraordenacional, e que não justifica qualquer punição”, não faz qualquer sentido, tão pouco encontra acolhimento na lei, que de resto a recorrente não convoca. Muito pelo contrário, já que é considerada contraordenação muito grave.
Neste sentido, não podemos deixar de relembrar que o direito de mera ordenação social pretendeu construir um modelo em que a protecção de interesses eticamente neutros, de natureza eminentemente administrativa, mas cuja violação justifica reacções que devem exprimir uma censura de natureza social, e seja levada a cabo através da previsão e aplicação de sanções de natureza administrativa, com o sentido de mera advertência desprovido dos sinais ou cargas que caracterizam as sanções de natureza penal. Do que se trata é de comportamentos humanos contrários à lei, mas cuja censura ética, como todos sabemos, tem menor ressonância que as condutas criminais.
Cuida-se de tutelar ou defender interesses da mais variada gama, que ao Estado incumbe regular através de uma actuação de pendor intervencionista, que nos últimos anos se vem acentuando com progressiva visibilidade, impondo regras de conduta nos mais variados domínios de relevo para a organização e bem-estar social.
Eduardo Correia in “Direito penal e direito de mera ordenação social”, Boletim da Faculdade de Direito, vol. XLIX, 1973, págs. 257-281, escreve “Uma coisa será o direito criminal, outra coisa o direito relativo à violação de uma certa ordenação social, a cujas infracções correspondem reacções de natureza própria. Este é, assim, um aliud que, qualitativamente, se diferencia daquele, na medida em que o respectivo ilícito e as reacções que lhe cabem não são directamente fundamentáveis num plano ético-jurídico, não estando, portanto, sujeitas aos princípios e corolários do direito criminal”. No fundo, o que está em causa, afinal, é “utilizar uma de entre as muitas medidas através das quais a Administração afirma a sua vontade relativamente ao cidadão desobediente, e cuja aplicação é, portanto, da sua estrita competência” - cfr. Eduardo Correia, loc. cit.
No preâmbulo do DL nº 433/82 de 27/10 (RGCO) afirma-se que “O aparecimento do direito das contraordenações ficou a dever-se ao pendor crescentemente intervencionista do Estado contemporâneo, que vem progressivamente alargando a sua acção conformadora aos domínios da economia, saúde, educação, cultura, equilíbrios ecológicos, etc. Tal característica, comum à generalidade dos Estados das modernas sociedades técnicas, ganha entre nós uma acentuação particular por força das profundas e conhecidas transformações dos últimos anos, que encontraram eco na lei fundamental de 1976. A necessidade de dar consistência prática às injunções normativas decorrentes deste novo e crescente intervencionismo do Estado, convertendo-as em regras efectivas de conduta, postula naturalmente o recurso a um quadro específico de sanções”.
O antedito diploma, foi objecto de uma profunda reformulação por via das alterações introduzidas pelo DL nº 244/95, de 14/09 - nesse sentido, e com a finalidade de reforçar os direitos e garantias dos arguidos, foram estabelecidas regras que aproximaram o regime dos princípios e soluções próprias do direito penal e do processo penal: «disposições sobre a atenuação das coimas e a alteração dos limites mínimos e máximos (artigos 13.º, n.º 2, 16.º, n.º 2, e 17.º), normas sobre o cúmulo jurídico em caso de concurso (artigo 19.º), clarificação dos pressupostos da aplicação de sanções acessórias (artigo 21.º-A), regras sobre suspensão e interrupção da prescrição (artigos 27.º-A e 30.º-A) e reforço dos direitos de audiência e defesa (artigos 50.º, 53.º, 58.º, 59.º, n.º 2, 68.º e 72.º-A)».
A aproximação do ilícito de mera ordenação social aos institutos e figuras do direito e do processo penal foi, pois, determinada - é o próprio legislador a reconhecê-lo - pelo alargamento das áreas de intervenção do direito de mera ordenação social, em particular a "circuitos económicos e tecnológicos complexos", com "um considerável agravamento dos montantes das coimas e um alargamento do leque de sanções acessórias aplicáveis": em consequência, "o legislador [procurou] equilibrar este agravamento sancionatório com um incremento da componente de garantia do regime do ilícito de mera ordenação social, realizando para o efeito uma aproximação vincada aos institutos e soluções do direito penal" - vide Frederico de Lacerda da Costa Pinto, “O ilícito de mera ordenação social e a erosão do princípio da subsidiariedade da intervenção penal”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 7.º, Janeiro-Março de 1997, págs. 14 e segs.
Assim sendo, o DL nº 433/82 estabeleceu, pois, o regime geral do direito de mera ordenação social, definindo os princípios gerais aplicáveis à determinação de comportamentos que constituam contraordenações e às regras sobre o respetivo sancionamento (plano material), e a conformação do procedimento para aplicação das sanções (plano processual), não estabelecendo, porém, um regime material autónomo completo, remetendo-se, subsidiariamente, ao regime substantivo do direito penal.
Daí que, as normas de mera ordenação social não têm a ressonância ética das normas penais mas não deixam de ter a sua tutela assegurada através da descrição legal de ilícitos apelidados de contraordenações, cuja violação é punível com a aplicação de coimas, a que podem, em determinados casos, acrescer sanções acessórias, e portanto, não podemos validar a afirmação de que estaremos perante um direito de bagatelas, como a recorrente tenta a todo o custo defender, apelidando a sua (comprovada) actuação, de comportamento contraordenacional bagatelar, na esperança de ser anulada a sua punição.
Aliás, a execução da vertente sancionatória pressupõe, por isso, um processo previamente determinado, de pendor não tão marcadamente garantístico como o processo penal, mas que assegura, ainda assim, os direitos de audiência e de defesa (arts. 32º, nº 10, da CRP e art. 50º do RGCO), tendo o legislador adoptado um procedimento consideravelmente mais simplificado e menos formal do que o processo penal, cujo quadro geral consta dos arts. 33º e ss. do RGCO.
Ora lida a decisão condenatória em apreço, no que à sua fundamentação respeita, revela-se suficiente, ali se mostrando vertidas e justificadas as razões pelas quais foi mantida a aludida sanção à arguida. Efetivamente, é clara a razão pela qual veio a ser a arguida condenada com uma coima, constando da mesma as normas jurídicas que pela mesma foram violadas e o montante da coima em que foi condenada, e que, destaque-se, pelo mínimo legal, por violação das normas que ali são indicadas.
Não nos esqueçamos que foi feito um julgamento (não tendo havido uma decisão por mero despacho), tendo-se aferido todos os factos narrados pela acusação e pela defesa. E no que concerne à fundamentação, deve ser tanto mais pormenorizada quanto mais complexa é a questão a decidir, e, no caso dos autos, a questão reveste simplicidade, não requerendo nenhuma fundamentação especial e para além daquela que ali foi vertida, sendo, pois, no caso concreto, mais do que suficiente, longe de se ter como vaga e imprecisa, tal como sugere a recorrente.
Reitera-se, o que discute a recorrente neste seu recurso é o facto de a decisão proferida não ter acolhido a sua tese, ou seja, aquilo que ela contesta, e que no seu entendimento não corresponde à verdade. Porém, a matéria de facto, com a decisão proferida pela 1ª instância tornou-se intangível, e já não pode ser objeto de recurso. Daí que, não podem deixar de se considerar inócuos os considerandos tecidos pela recorrente acerca da prova produzida, não tendo a sua convicção coincidido com a convicção do julgador.
Donde, não se descortina qualquer nulidade da decisão sob recurso, tão pouco da decisão da entidade autuante, bem como o auto de contraordenação que a sustenta, e aliás, temos de convir que não alcançou a recorrente concretizá-las.
Razão pela qual, soçobra a pretensão recursiva.
*

Aplicação de mera pena de admoestação ou a coima especialmente atenuada ser suspensa na sua execução mediante o cumprimento de injunções pela recorrente.

Por último, entende a recorrente que sempre seria de considerar a aplicação de uma pena de admoestação, nos termos do disposto no artigo 51º, nº 1 do RGCO, uma vez que se mostra suficiente para acautelar as finalidades de punição no caso concreto.
Ou então a aplicação da suspensão da coima especialmente atenuada, por se tratar de um regime menos gravoso e menos lesivo dos seus direitos e se mostrar suficiente para acautelar as referidas finalidades de punição.
Vejamos.
Nos termos do art. 51º, nº 1 do RGCO, quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação, conforme nº 2 do mesmo preceito legal.
Também o art. 25º do RJCE no seu nº 1 prevê “Se a infração consistir em contraordenação classificada como leve e a reduzida culpa do arguido o justifique, pode a autoridade administrativa, em substituição da coima, limitar-se a proferir uma decisão de admoestação.”
Porém, a culpa reduzida será aquela que emerge de uma actuação com negligência ou em outras circunstâncias que atenuem a culpa do agente, o que claramente não sucede na situação em exame, posto que no caso a sociedade recorrente actuou com dolo e assim, tal como destacou o tribunal recorrido “Atenta a existência de dolo, não se afigura possível a aplicação de um qualquer outro mecanismo legal, nomeadamente, o previsto no art. 23º do RJCE; nem as previstas no RGCCO.”
Destarte, não assiste razão à recorrente ao pugnar pela simples aplicação da pena de admoestação, pretendendo minimizar ou banalizar a pouca gravidade dos factos, até porque a contraordenação cometida é considerada muito grave, tal como decorre do disposto no nº 3 do art. 9º do DL nº 156/2005 de 15/09 (3 - A violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º, acrescida da ocorrência da situação prevista no n.º 4 do mesmo artigo, constitui contraordenação económica muito grave, punível nos termos do RJCE.)
Nenhum dos dois requisitos se verifica no caso sub judice e nessa medida, a pretendida pena de simples admoestação não era, naturalmente, uma opção.
Atente-se ademais no preâmbulo do citado Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15/09 que aponta para a ratio legis do diploma: “O livro de reclamações constitui um dos instrumentos que tornam mais acessível o exercício do direito de queixa, ao proporcionar ao consumidor a possibilidade de reclamar no local onde o conflito ocorreu. A criação deste livro teve por base a preocupação com um melhor exercício da cidadania através da exigência do respeito dos direitos dos consumidores. A justificação da medida, inicialmente vocacionada para o sector do turismo e para os estabelecimentos hoteleiros, de restauração e bebidas em particular, prendeu-se com a necessidade de tornar mais célere a resolução de conflitos entre os cidadãos consumidores e os agentes económicos, bem como de permitir a identificação, através de um formulário normalizado, de condutas contrárias à lei. É por este motivo que é necessário incentivar e encorajar a sua utilização, introduzindo mecanismos que o tornem mais eficaz enquanto instrumento de defesa dos direitos dos consumidores e utentes de forma a alcançar a igualdade material dos intervenientes a que se refere o artigo 9.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (…)”.
E para além deste objectivo de alcançar a igualdade material dos intervenientes a que se refere o art. 9º da Lei nº 24/96, de 31/07, que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores, visa ainda obstar à resistência das entidades visadas, pelo estabelecimento das obrigações em causa à organização dos respectivos serviços de forma a não condicionar por qualquer forma a imediata entrega do livro de reclamações aos utentes que o pretendam utilizar.
Não se trata, pois, de uma contraordenação leve como quer fazer crer a recorrente que sequer atentou na letra da lei, mas contraordenação económica muito grave, nos moldes em que o mencionado ilícito foi praticado.
Portanto, não podemos deixar de concluir que não estão verificados os pressupostos da admoestação, carecendo de fundamento a pretensão recursiva.
*

O mesmo se diga no que tocante à pretendida atenuação especial da coima, que pode ter lugar quando existam circunstâncias anteriores ou posteriores à prática da contraordenação ou contemporâneas desta que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de aplicação de coima. – cfr. art. 23º do RJCE.
A sobredita norma preceitua:
Artigo 23.º
Atenuação especial da coima
1 - Para além dos casos expressamente previstos na lei, a autoridade administrativa atenua especialmente a coima quando existam circunstâncias anteriores ou posteriores à prática da contraordenação ou contemporâneas desta que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de aplicação de coima.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a autoridade administrativa atenua especialmente a coima quando se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias:
a) Reparação, até onde for possível, dos danos causados aos particulares, caso existam;
b) Cessação da conduta ilícita objeto da contraordenação ou contraordenações cuja prática lhe foi imputada, se a mesma ainda subsistir.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior:
a) O arguido, até à decisão final, tem de juntar aos autos prova suficiente do ressarcimento aos particulares, de preferência através de documento assinado por estes, dos prejuízos causados e da regularização da situação de incumprimento que lhe foi imputada;
b) A autoridade administrativa pode, quando estejam em causa direitos e legítimos interesses de grupos de consumidores, convidar as associações de consumidores a apresentar a sua opinião ou parecer técnico sobre as circunstâncias atenuantes.
4 - Sempre que haja lugar à atenuação especial da coima, os respetivos limites mínimo e máximo são reduzidos para metade.
5 - A atenuação especial da coima prevista no presente artigo não é cumulativa com a redução da coima aplicável em caso de pagamento voluntário.
A atenuação especial da coima, está, pois, reservada para casos extraordinários ou excecionais, pois para a generalidade dos casos aquela determina-se dentro da moldura do tipo de ilícito contraordenacional cometido pelo agente.
E assim sendo, a substituição de tal moldura contraordenacional por uma moldura especialmente atenuada, só pode dar-se quando no caso concreto existam circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores que ainda não tenham operado e diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de aplicação de coima.
Critério decisivo é que as circunstâncias concorrentes, pela sua especial intensidade, configurem um caso de gravidade, tão acentuadamente diminuída, seja ao nível da ilicitude ou da culpa, seja ao nível da necessidade da coima, que escapa à previsão do que o legislador definiu e que, por isso, seria injusto punir dentro da respetiva moldura contraordenacional, já prevenidamente bastante ampla.
Em suma, podemos afirmar que a atenuação especial da coima, tal como aliás da pena (no âmbito penal) só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar, uma vez que, para a generalidade dos casos normais, existem as molduras penais e contraordenacionais normais, com os seus limites máximos e mínimos próprios.
Ora, regressando ao nosso caso, foi aplicada pela autoridade administrativa uma coima no valor de € 3.000,00 (três mil euros), a qual corresponde já ao mínimo da moldura abstracta prevista.
Nessa medida, manteve o tribunal recorrido, por assim lhe estar vedado – mormente por força do princípio da reformatio in pejus previsto no art. 72º-A do RGCO (e sem prejuízo do nº 2) – a coima que foi fixada pela autoridade administrativa.
Ora, reafirmando-se as considerações supra tecidas acerca da gravidade da contraordenação em apreço, e sequer se vislumbrando circunstância que diminua a ilicitude da conduta, está completamente fora de cogitação poder concluir-se pela atenuação especial da coima, tal como a alvitrada suspensão que carece de sustentação legal.
É que, a legislação aplicável em apreço - DL n.º 9/2021, de 29 de janeiro que estabelece o Regime jurídico das contraordenações económicas não prevê a suspensão da execução da coima, mas apenas suspensão da sanção acessória no seu art. 35º.
Deste modo, é manifesta a improcedência do recurso, também neste segmento.
Por conseguinte, o recurso terá que ser julgado integralmente improcedente.





3. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso interposto pela arguida “A..., Lda.”, mantendo na integra a decisão recorrida.

Face à improcedência do recurso, condena-se a Recorrente no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs.

Notifique.





(Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente).









Porto, 04 de junho de 2025

Relatora: Juíza Desembargadora: Cláudia Sofia Maia Rodrigues
1ª Adjunta: juíza Desembargadora: Carla Carecho
2º Adjunto: juiz Desembargador: João Pedro Pereira Cardoso