RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
IDENTIDADE DE FACTOS
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário


Dado que os acórdãos recorrido e fundamento apreciaram diferentes questões de direito e foram proferidos relativamente a situações de facto claramente dissemelhantes e porque foi essa ausência de equivalência que determinou as diferentes decisões, inexiste oposição de julgados, devendo o recurso ser rejeitado.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na 5ª secção do Supremo Tribunal de Justiça:

A - Relatório

A.1. A decisão recorrida

AA, arguido no processo 3861/24.4T8PRT.P2, interpõe recurso extraordinário de fixação de jurisprudência para este Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 16 de outubro de 2024, por entender que o decidido no mesmo se encontra em oposição com o decidido no acórdão proferido a 22 de março de 2023 pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no proc. 245/19.0PTCBR.C1

E enuncia essa divergência nos seguintes termos: “(…) o conflito jurisprudencial concretiza-se no facto de o Acórdão recorrido considerar que o Tribunal através de juiz relator e não o Juiz presidente pode dirimir reclamações sobre distribuição

A.2. O recurso

O recorrente motiva o seu recurso nos seguintes termos (transcrição integral):

“1º

Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão proferido nos autos, a 16/10/2024, transitado em julgado a 31/10/2024, (foi elaborada a notificação a por se entender que; alem de se discordar do mesmo, está em confronto jurisprudencial com um outro proferido e” a priori” na Relação de Coimbra – a 22/03/2023.


Tal como aponta este Acórdão de 22/03/2023, da Relação de Coimbra, do Relator Vasques Osório, proc., n.º245/19.0PTCBR.C1, consultável in dgsi.pt,

V O Conselho Superior da Magistratura é o órgão competente para determinar a redistribuição de processos nos tribunais da relação e delegou esta competência nos presidentes destes tribunais.”.

Na Deliberação do Plenário Ordinário do Conselho Superior da Magistratura de 23 de Março de 2021, foi deliberado delegar, com efeitos imediatos, nos termos do art.º 158º, nº 2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, do art.º 44º, nº 3 do Código de Procedimento Administrativo e do art.º 3º, nº 1 do Regulamento das Situações de Alteração, Redução e Suspensão de Processos, aprovado por deliberação de 12.01.2021, do Plenário do CSM, nos Presidentes dos Tribunais da Relação, os poderes para: (…); e) Determinar a redistribuição, de forma considerada mais adequada para o bom funcionamento do Tribunal da Relação, dos processos pendentes deixados pelos Juízes Desembargadores que cessem funções por jubilação, promoção, transferência ou qualquer outra razão, sem prejuízo da celeridade devida; (…); g) Proceder à redistribuição dos processos urgentes dos Juízes Desembargadores ausente por baixa médica; (…).


Nestes seguintes termos e fundamentos se interpõe, dentro do art.º 437º e seguintes do C.P.P., para o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça:

Pelo art.438º, vai em tempo – até 30 dias, após trânsito.

Em seguimento o conflito jurisprudencial concretiza-se no facto de o Acórdão recorrido considerar que o Tribunal através de juiz relator e não o Juiz presidente pode dirimir reclamações sobre distribuição.

Desde se adianta que na óptica do aqui recorrente, se defende a tese de que do art.º 44º, nº 3 do Código de Procedimento Administrativo e do art.º 3º, nº 1 do Regulamento das Situações de Alteração, Redução e Suspensão de Processos, aprovado por deliberação de 12.01.2021, do Plenário do CSM deve ser o juiz presidente a ter competência exclusiva para dirimir questões/reclamações de distribuição e não o juiz-relator ou o colectivo em conferência.

Assim, se requer a Exa., que se digne a aceitar o presente recurso e determine a subsequente tramitação e efeitos do mesmo.

Questão de constitucionalidade

De modo concreto, distinto e claro a criar uma questão de pronúncia expressa ao Tribunal nos termos do art.º 205º da CRP. Por cautela interpretativa.

Por exigências do art.º 70º n.º1 da LTC renova a inconstitucionalidade invocada,

Assim, é inconstitucional a interpretação que o Tribunal "a quo", faz do Portaria n.º 86/2023, lei 55/2021, o CPC art.º 203 e 204º e co implicações no CPP através do art.º 4º, podendo ser reclamada nos termos do art.º 205º n.º1 2ª parte do CPC, quando interpretado no sentido de ser distribuído processo a juiz relator sem que quaisquer regras procedimentais sejam empregadas na decisão de distribuição ao preciso relator, por violação do princípio do juiz natural e direito de defesa e a um processo equitativo, vd., art.º 20º n.º4. 32º n.º1 e 9 da CRP.

Acrescenta uma nova inconstitucionalidade.

O I, imputa como inconstitucional a norma extraída do art.º 158º, nº 2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, do art.º 44º, nº 3 do Código de Procedimento Administrativo e do art.º 3º, nº 1 do Regulamento das Situações de Alteração, Redução e Suspensão de Processos, aprovado por deliberação de 12.01.2021, do Plenário do CSM quando interpretada no sentido de o relator a quem foi originária e legalmente distribuído o processo – sem qualquer fundamentação legal para tanto e fora de férias judiciais – reenviar, sem nova distribuição, o processo para o juiz-relator de turno que decidiu o processo em férias judiciais, e este decidir a reclamação contra aquele acto de reenvio para si do processo, por violação do art.º 2º, 20º n.º4 e 32º n.º 1 e 9 da CRP, violação do princípio da Legalidade, direito a um processo equitativo, do princípio do juiz natural e direito de defesa e a um processo equitativo.”

A.2. Admissão do recurso

Através de despacho proferido a 28 de janeiro de 2024 o recurso não foi admitido.

Porém, interposta reclamação dessa decisão e dado que a mesma foi deferida por despacho de 15 de janeiro de 2025 do Colendo Juiz Conselheiro Vice-Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça, o recurso acabaria por ser admitido, através de despacho de 21 de janeiro de 2025.

A.3. A resposta do Ministério Público

A Magistrada do Ministério Público junto daquele Venerando Tribunal da Relação do Porto apresentou resposta, na qual defende a rejeição do recurso, nos seguintes termos (transcrição parcial)

“(…) salvo o devido respeito, para além de entendermos que não se verifica qualquer situação de oposição de julgados, entendemos ainda que as questões formuladas pelo recorrente, levantando questões de inconstitucionalidade, não têm cabimento legal no âmbito de um recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.”

A.4. O parecer do Ministério Público

Também o Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto neste Alto Tribunal expressou esse entendimento, concluindo o seu parecer nos seguintes termos (transcrição parcial):

1. “Não há interpretação divergente sobre o mesmo regime normativo ou sobre as mesmas regras (princípios ou normas).

2. As situações materiais litigiosas são totalmente díspares.

3. Não há qualquer divergência de soluções decisórias que se apoie sobre o mesmo regime normativo convocado, interpretado e aplicado, nem há divergência quanto à mesma ratio decidendi.

1. Em suma, não existe oposição de julgamentos sobre a mesma questão de Direito, nem sequer está em causa, nas decisões em análise, o mesmo quadro legislativo, pelo que é manifesta a inexistência dos pressupostos de natureza material exigidos à procedência do presente recurso extraordinário.”

A.5. Contraditório

Notificado deste parecer o recorrente, para além de ter junto aos autos certidão do acórdão fundamento com nota de trânsito em julgado, conforme lhe havia sido ordenado, apresentou resposta na qual repete o já constante nas suas motivações de recurso, sublinhando o seguinte:

“A questão aqui

12º

Que o A., acrescenta, é que os Presidentes da Relação têm a competência material para a decisão/reclamação sobre a distribuição, redistribuição ou falta dela, já que a competência originária em termos regulamentares é dele.”

A.6. Finalmente, anote-se que, devido a jubilação do Juiz Conselheiro António Latas, foram os autos remetidos à distribuição passando a integrar o Coletivo, como 1º Adjunto, o Juiz Conselheiro Jorge Jacob.

B - Fundamentação

B.1. Introdução

Com o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência não se pretendeu, prioritariamente, tratar do caso concreto, visando-se, sobretudo, numa atitude de muito maior alcance, evitar a propagação do erro de direito judiciário pela ordem jurídica1.

Com efeito, através de uniformização da resposta jurisprudencial pretende-se dar um contributo de grande significado para a interpretação e aplicação uniformes do direito pelos tribunais, assim se promovendo a igualdade, a certeza e a segurança jurídicas no momento de aplicar o mesmo Direito a situações da vida que são idênticas.

Na verdade, e conforme se refere no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de fevereiro de 20222

“Trata-se de um recurso de carácter marcadamente normativo destinado unicamente a fixar critérios interpretativos uniformes com a finalidade de garantir a unidade da aplicação do ordenamento penal e, com isso, os princípios de segurança, da previsibilidade das decisões judiciais e a igualdade dos cidadãos perante a lei.

Constitui um mecanismo procedimental que visa tutelar, primacialmente, uma vertente objetiva de boa aplicação do direito e de estabilidade jurisprudencial3, firmando um determinado sentido de certa norma ou complexo normativo na sua aplicação a situações factuais idênticas.

Não está em causa a reapreciação da bondade da decisão (da aplicação do direito ao caso) proferida no acórdão recorrido (já transitado em julgado). Trata-se apenas de verificar, partindo de uma factualidade equivalente, se a posição tomada no acórdão recorrido, quanto a certa questão de direito, seria a que o mesmo julgador tomaria, se tivesse que decidir no mesmo momento essa questão, no acórdão fundamento, e vice-versa.”

Por outro lado, como se assinala no Acórdão de 19 de abril de 2017, também deste Supremo Tribunal,4 “o recurso para fixação de jurisprudência é um recurso excecional, com tramitação especial e autónoma, tendo como objetivo primordial a estabilização e a uniformização da jurisprudência, eliminando o conflito originado por duas decisões contrapostas a propósito da mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.

Do carácter excecional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respetiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários”, obstando a que possa transformar-se em mais um recurso ordinário, contra decisões transitadas em julgado.

Exigência que se repercute com intensidade especial na verificação dos dois pressupostos nucleares: a oposição dos julgados; e a identidade das questões decididas. Entendendo-se que são insuscetíveis de «adaptação», que poderia pôr em causa interesses protegidos pelo caso julgado, fora das situações expressamente previstas na lei5.

Mas também se repercute na constatação dos demais pressupostos substantivos e bem assim dos requisitos formais.

Como se referiu e é entendimento jurisprudencial uniforme6, a oposição, expressa, tem de aferir-se pelo julgado e não pelos fundamentos em que assentou a decisão.

E a questão de direito só será a mesma se houver identidade das situações de facto contemplados nas duas decisões7.”

B.2. Pressupostos formais e substanciais

B.2.1. Pressupostos substanciais

Os pressupostos substanciais estão fixados no artigo 437º do Código de Processo Penal, que estabelece o seguinte:

Artigo 437.º

(Fundamento do recurso)

1 - Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.

2 - É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3 - Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

4 - Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.

5 - O recurso previsto nos n.os 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.”

São, assim, pressupostos substantivos deste recurso extraordinário:

i. dois acórdãos do STJ tirados em processos diferentes;

ii. um acórdão da Relação que, não admitindo recurso ordinário, não tenha decidido contra jurisprudência fixada e outro anterior de tribunal da mesma hierarquia ou do STJ;

iii. proferidos no domínio da mesma legislação;

iv. assentes em soluções opostas relativamente à mesma questão de direito.

E, como refere no seu acórdão de 9 de fevereiro de 2022 atrás citado, “na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, os requisitos materiais ocorrem quando:

- as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito;

- as decisões em oposição sejam expressas;

- as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico sejam idênticos em ambas as decisões8.

A contradição das decisões definitivas (transitadas em julgado) tem de ser efetiva e explícita, não apenas tácita.

Os julgados contraditórios têm de incidir sobre a mesma questão de direito. Isto é, a mesma norma ou segmento normativo foi aplicada/o com sentidos opostos a situações fácticas iguais ou equivalentes.

Entende-se que assim sucede quando nos dois acórdãos foi decidida a mesma matéria de direito, “ou quando esta matéria constar de fundamentos que condicionam de forma essencial e determinante, a decisão proferida”9.

Têm de aplicar a mesma legislação. O que sucede sempre que, entre os momentos do seu proferimento, não se tenha verificado qualquer modificação legislativa com relevância para a resolução da questão de direito apreciada. A identidade mantém-se ainda que o diploma legal do qual consta a legislação aplicada não seja o mesmo10 ou, tendo sido alterado, a modificação não interfere com o sentido com que foi aplicada nas decisões conflituantes, nem veio resolver o dissídio interpretativo que grassava na jurisprudência dos tribunais superiores.

E julgar situações de facto idênticas, similares ou equivalentes quanto aos efeitos jurídicos produzidos. Mesmo que a diferença factual entre as duas causas, a do acórdão recorrido e a do acórdão fundamento, seja inelutável por dizer respeito a acontecimentos históricos diversos, terá que tratar-se de diferenças que não interfiram com o aspeto jurídico do caso11.”

B.2.2. Pressupostos formais

Os pressupostos formais específicos12 estão fixados no nºs 1 e 2 do artigo 438º e nos nºs 4 e 5 do artigo 437º do Código de Processo Penal estabelecendo aquele o seguinte:

“Artigo 438.º

(Interposição e efeito)

1 - O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

2 - No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.”

São, então, pressupostos formais:

i. a legitimidade do recorrente;

(ii) o trânsito em julgado dos acórdãos conflituantes;

ii. interposição no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado do acórdão recorrido;

(iv) a invocação, e junção de cópia, do acórdão fundamento;

(v) justificação, de facto e de direito, do conflito de jurisprudência.

Finalmente e de acordo com jurisprudência fixada no Acórdão (AUJ) n.º5/2006, de 20 de abril de 200613, nesta fase do presente recurso, o recorrente não tem de indicar o sentido da jurisprudência a fixar.

B.3. O caso concreto

B.3.1. – O iter processual e as decisões proferidas

B.3.1.1.O acórdão recorrido

B.3.1.1.1.O iter processual

O recurso interposto no proc. 3861/24.4T8PRT.2 foi distribuído, no Tribunal da Relação de Porto, a um Coletivo que integrava, designadamente e como relator, o Juiz Desembargador José António Rodrigues da Cunha.

Entrados em férias judiciais, o processo foi apresentado aos Juízes Desembargadores de turno, tendo os mesmos proferido acórdão a 11 de setembro de 2024.

Apresentado requerimento no qual se suscitavam nulidades desse arresto, foi o processo apresentado ao Juiz Desembargador Pedro M. Menezes, por ter sido este quem, em turno e como relator, havia subscrito o aludido acórdão.

Proferida decisão veio o ora recorrente apresentar reclamação, dirigida ao Presidente do Tribunal da Relação do Porto, na qual, designadamente, veio “arguir a irregularidade da distribuição do processo face a despacho último do relator a quem originariamente foi distribuído o processo, e omissão de nova distribuição após férias ao Relator signatário do Acórdão que decidiu nulidade invocada ou o motivo de o relator originário não ter decidido tal nulidade, por violação do princípio do juiz Natural.”bem como de

todas as regras da distribuição e as normas da Portaria n.º 86/2023, lei 55/2021, o CPC art.º 203 e 204º e co implicações no CPP através do art.º 4º, podendo ser reclamada nos termos do art.º 205º n.º1 2ª parte do CPC.

Essa reclamação foi indeferida por decisão sumária do Juiz Desembargador Relator Pedro Menezes por, em síntese, “ser incompreensível «impo[r]a um outro juiz a reponderação de uma decisão que não proferiu e com a qual nada tem a ver»”.

Perante este indeferimento o ora recorrente apresentou reclamação para a conferência – dirigida, novamente, ao Presidente da Relação do Porto a quem se pede a redistribuição do processo – solicitando a esta “que envie a reclamação precedente ao Ex.º Juiz -Desembargador Presidente da TRP para decisão sobre o peticionado.”

Para além de se afirmar o já atrás consignado, essa reclamação sustenta nos seguintes termos a intervenção do Juiz Presidente do Tribunal da Relação do Porto “ Na Deliberação do Plenário Ordinário do Conselho Superior da Magistratura de 23 de Março de 2021, foi deliberado delegar, com efeitos imediatos, nos termos do art.º 158º, nº 2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, do art.º 44º, nº 3 do Código de Procedimento Administrativo e do art.º 3º, nº 1 do Regulamento das Situações de Alteração, Redução e Suspensão de Processos, aprovado por deliberação de 12.01.2021, do Plenário do CSM, nos Presidentes dos Tribunais da Relação, os poderes para: (…); e) Determinar a redistribuição, de forma considerada mais adequada para o bom funcionamento do Tribunal da Relação, dos processos pendentes deixados pelos Juízes Desembargadores que cessem funções por jubilação, promoção, transferência ou qualquer outra razão, sem prejuízo da celeridade devida; (…); g) Proceder à redistribuição dos processos urgentes dos Juízes Desembargadores ausente por baixa médica; (…)”

B.3.1.1.2. A decisão recorrida

Essa reclamação foi indeferida pela conferência, através de acórdão prolatado a 16 de outubro de 2024.

Com efeito, subscrevendo o entendimento do Juiz Desembargador Relator, entendeu a conferência que a pretendida intervenção nos autos do Ex.mo Presidente deste Tribunal não tem fundamento legal, não podendo deixar de ser rejeitada já que cabe ao relator «[j]ulgar os incidentes suscitados», sendo que «quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão».

B.3.1.2.– O acórdão fundamento

B.3.1.2.1. O iter processual

Por sentença de 15 de julho de 2020, foi o arguido AA condenado, no âmbito do processo acima referido, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

Inconformado recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra.

No dia 1 de setembro de 2022, no exercício de competência delegada pelo Conselho Superior da Magistratura e completados que foram noventa dias sobre a baixa média apresentada pela Juíza Desembargadora Relatora daquele processo, determinou o Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra a redistribuição dos processos que a mesma tinha pendentes.

Assim, no dia 5 de setembro de 2022, em cumprimento daquela determinação, o Escrivão de Direito da secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra lavrou no aludido processo termo de cobrança e promoveu a remessa dos autos à distribuição.

Realizada a redistribuição e por acórdão proferido a 23 de novembro de 2022, o Tribunal da Relação de Coimbra confirmou a decisão condenatória proferida na primeira instância no âmbito do processo 245/19.0PTCBR.C1.

A 9 de dezembro de 2022 o recorrente apresentou reclamação alegando “mostrar-se violado o princípio do juiz natural, com assento constitucional no nº 9 do art. 32º da Lei Fundamental, uma vez que, conferindo o art. 3º, nº 1, a) do Regulamento do Conselho Superior da Magistratura nº 269/2021, de 22 de Março, competência ao Plenário deste Conselho para, sem prejuízo das competências próprias ou delegadas dos respectivos presidentes dos tribunais, proceder a alteração da distribuição e à redistribuição de processos nos Tribunais superiores, em articulação com os presidentes dos tribunais, e tendo nestes autos, em 5 de Setembro de 2022, ocorrido um termo de cobrança e redistribuição elaborado pelo Sr. Escrivão de Direito, remetendo os autos à secção central para redistribuição, dada a baixa médica prolongada da Sra. Desembargadora Relatora, donde que, a submissão dos autos a nova redistribuição, foi feita por quem não dispunha de competência para o efeito, nos termos da supra citada norma do Regulamento nº 269/2021, de 22 de Março”

B.3.1.2.2. A decisão do acórdão fundamento

Finalmente, por acórdão de 22 de março de 2023, tal reclamação foi indeferida por se entender que o oficial de justiça tinha atuado no cumprimento de ordem do Juiz Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra a qual foi, por outro lado, emanada no âmbito de delegação de poderes conferida pelo Conselho Superior da Magistratura14.

B.3.2. – Inexistência da mesma questão de direito

Como atrás se deixou consignado as questões de direito colocadas nos acórdãos recorrido e fundamento são diversas:

• No acórdão recorrido colocou-se a questão de saber a quem competia decidir a reclamação apresentada pelo recorrente de alegadas nulidades do acórdão de 11 de setembro de 2024 e, subsequentemente, a reclamação da decisão sumária proferida pelo Juiz Desembargador Relator do Coletivo formado nas férias judiciais e subscritor daquele acórdão (alegando o recorrente que, em ambos os casos, o processo tinha de ser enviado, pelo Presidente do Tribunal da Relação, à distribuição e decidido pelo novo coletivo assim encontrado; e contrapondo o Tribunal que tal competência competia, no primeiro caso, ao Juiz Relator do Coletivo que prolatou aquele acórdão e, no segundo, pelo coletivo que proferiu essa mesma decisão de 11 de setembro de 2024);

• No acórdão fundamento colocou-se a questão de saber se o Escrivão de Direito podia lavrar termo de cobrança dos autos e promover a sua remessa à redistribuição, na sequência de doença prolongada – por mais de 90 dias - da Juíza Desembargadora Relatora (alegando o recorrente que tal competência cabia ao Juiz Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra; e esclarecendo o Tribunal que tal ação tinha sido precedida de ordem dada pelo aludido Juiz Presidente que para tal detinha delegação de poderes do Conselho Superior da Magistratura).

Ou seja, as questões de direito colocadas nos acórdãos recorrido e fundamento são completamente diversas, apenas tendo em comum, como bem observa o digníssimo Procurador-Geral Adjunto, a existência de uma reclamação…

Tanto basta para que o recurso tenha de ser rejeitado.

B.3.3. – Inexistência de situações de facto similares

Contudo, e como já pode depreender do acima consignado, também as situações de facto são diversas, o que igualmente conduziria à rejeição do recurso.

Com efeito:

No acórdão recorrido:

O acórdão proferido 11 de setembro de 2024 foi elaborado por coletivo diverso daquele a quem os autos tinham de ser distribuídos por se ter entrado em período de férias judiciais, cabendo-lhe, por isso e nos termos da lei15, tal decisão, sem que tivesse de se proceder a qualquer nova distribuição ou redistribuição

Posteriormente, a reclamação, na qual se invocavam nulidades no aludido acórdão de 11 de setembro de 2024, foi decidida por decisão sumária do relator daquele mesmo coletivo e, na sequência de reclamação desta decisão, através de acórdão proferido pelo mesmo coletivo1617 (entendendo o recorrente que a primeira reclamação sobre as alegadas nulidades, bem como a apresentada sobre a decisão sumária subsequentemente prolatada teriam de ser decididas por Coletivo encontrado na sequência de remessa dos autos, pelo Presidente do Tribunal da Relação, à distribuição)

• No acórdão fundamento:

A Juíza Relatora de recurso pendente no Tribunal da Relação de Coimbra manteve-se doente e ausente do serviço por mais de 90 dias e, por isso, o Juiz Presidente desse tribunal ordenou que os autos fossem remetidos à redistribuição, o que foi cumprido pelo escrivão de direito.

Portanto, não estando reunidos pressupostos substanciais e devendo o recurso ser rejeitado, é inútil prosseguir na análise da verificação (ou não) dos demais pressupostos previstos no artigo 437º do Código de Processo Penal.

B.3.4. Considerações complementares

Na motivação do recurso são invocadas questões sobre a alegada inconstitucionalidade de várias normas.

A esse propósito cumpre somente recordar que, como atrás se explanou abundantemente, o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência tem um propósito muito específico, não podendo ser usado para dirimir tais questões.

B.4. Conclusão e tributação

Face a todo o exposto, impõe-se a rejeição do recurso nos termos do disposto no artigo 441º, nº 1 (primeira parte)

Ao abrigo do disposto no artigo 513º do Código de Processo Penal e dos artigos 1,º 2º e 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro), o Recorrente tem de pagar custas judiciais, cuja taxa de justiça varia, in casu e face à Tabela Anexa III ao aludido Regulamento, entre 1 e 5 unidades de conta.

Face ao exposto, tendo em conta a pouca complexidade da decisão, vai condenado em 2 (duas) unidades de conta

Por outro lado, a rejeição do recurso implica ainda a condenação da recorrente no pagamento de uma importância entre 3 UC e 10 UC (que não são meras custas judiciais, tendo antes natureza sancionatória), por força do disposto no artigo 420º, nº 3, aplicável ex vi art. 448º, ambos do Código de Processo Penal.

Com efeito, são cumulativas a condenação em custas do incidente e em multa, no caso de pedido manifestamente infundado, pois elas visam propósitos diferentes: uma tributa o decaimento num ato processual a que deu causa e a outra censura a apresentação de requerimento sem a prudência ou diligência exigíveis (Salvador da Costa, As custas Processuais, Coimbra: Almedina, 6.ª ed., 2017, p. 86).

Atendendo, por um lado, à pouca complexidade do objeto da decisão e, por outro, à manifesta improcedência do recurso, considera-se ajustado fixar essa importância em 5 (cinco) unidades de conta.

C – Decisão

Por todo o exposto, decide-se rejeitar o recurso interposto por AA, dado o mesmo não ser admissível, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 437º, nº. 2 e 441, nº 1, ambos do Código de Processo Penal.

Vai ainda o recorrente condenado no pagamento de 2 (duas) U.C., relativas às custas devidas, a que acrescem 5 (cinco) U.C., nos termos do artº 420º, nº. 3 e 448º do Código de Processo Penal.

Supremo Tribunal de Justiça, d.s. certificada

(Processado e revisto pelo relator - artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)

Os Juízes Conselheiros,

Celso Manata (Relator)

Jorge Jacob (1º Adjunto

Vasques Osório (2º Adjunto)

_____________________________________________

1. Ac. STJ de 23/07/2016, proc n.º 2023/13.0TJLSB.S1 in www.dgsi.pt

2. Proc 2004/19.0PAVNG.P1-A.S1 in www.dgsi.pt

3. Ac. n.º 75/2020 do Tribunal Constitucional, www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20200075.

4. Proc. 175/14.1GTBRG.G1-A.S1 in www.dgsi.pt

5. Ac. STJ de 6/4/2016, Proc. 521/11.0TASCR.L1-A.S1

6. Ac. STJ de 11/01/2017, proc. 133/14.6T9VIS.C1-A.S1, www.dgsi.pt.

7. Neste sentido Ac. STJ de 12/1/2017, proc. 427/13.GAARC.P1-A.S1, www.dgsi.pt/jstj.

8. Ac. STJ, de 9-10-2013, 3ª secção proc. 272/03.9TASX, in www.dgsi.pt/jstj.

9. Miguel Teixeira de Sousa, Sobre a constitucionalidade da conversão do valor dos assentos - apontamentos para uma discussão, 1996, pág. 56

10. M. Teixeira de Sousa, ob. e loc. cit.

11. Ac. STJ de 28-05-2015, 5ª secção, proc. 6495/12.2TBBRG.G1-A.S1, in www.dgsi.pt/jstj.

12. No sentido de que, a estes requisitos específicos, acrescem os requisitos formais gerais de qualquer recurso

13. Publicado no Diário da República, I Série-A, de 6 de junho de 2006

14. Deliberação do Plenário Ordinário do Conselho Superior da Magistratura de 23 de Março de 2021, que deliberou delegar, com efeitos imediatos, nos termos do art. 158º, nº 2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, do art. 44º, nº 3 do Código de Procedimento Administrativo e do art. 3º, nº 1 do Regulamento das Situações de Alteração, Redução e Suspensão de Processos, aprovado por deliberação de 12.01.2021, do Plenário do CSM, nos Presidentes dos Tribunais da Relação, os poderes para: (…); e) Determinar a redistribuição, de forma considerada mais adequada para o bom funcionamento do Tribunal da Relação, dos processos pendentes deixados pelos Juízes Desembargadores que cessem funções por jubilação, promoção, transferência ou qualquer outra razão, sem prejuízo da celeridade devida; (…); g) Proceder à redistribuição dos processos urgentes dos Juízes Desembargadores ausente por baixa médica; (…).

15. Cf. artigo 36º, nº 1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei 62/2013, de 26 de agosto

16. Como é jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça “Não sendo o recurso admissível, conforme se decide, as eventuais nulidades de sentença ou acórdão, para serem conhecidas, devem arguidas perante o tribunal que proferiu a decisão que delas enferma, em requerimento autónomo, nos termos do disposto nos arts. 379.º, n.º 2, do CPP, cujo regime é complementado pelo n.º 4 do 615.º do CPC. O prazo é de 10 dias, como estabelece o art. 105.º, n.º 1, do CPP. Ac STJ de 5 de novembro de 2020 – Proc.14514/16.7T9PRT.P1.S1 disponível em www.dgsi.pt

17. Nos termos do disposto no nº 8 do artigo 417º do CPP cabe reclamação para a conferência da decisão sumária prolatada pelo juiz relator