ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL
DECISÃO JUDICIAL
CUMPRIMENTO
Sumário

A deliberação da assembleia de condóminos que aprovou orçamento de trabalhos a executar para cumprimento de decisão judicial não enferma de nulidade ainda que tais trabalhos se afigurem inadequados a assegurar o cumprimento da referida decisão.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Autora: (…)
Recorrido / Réu: Condomínio do prédio sito na Rua (…), n.º 10, Edifício (…), (…)

Trata-se de uma ação declarativa no âmbito da qual a Autora peticionou seja declarada nula a deliberação aprovada no ponto 6 da ordem de trabalhos na assembleia de condóminos que reuniu no dia 05/11/2021.
Para tanto, invocou ser dona da fração autónoma designada pela letra AE do prédio em causa e que, por acórdão do TRE transitado em julgado em 16/06/2021, o Réu foi condenado à “execução – adjudicação e pagamento dos respetivos custos – de todos os trabalhos necessários ou adequados à cabal eliminação das infiltrações existentes na cobertura do edifício.” A assembleia de condóminos que reuniu a 05/11/2021 teve como ponto 5 da ordem de trabalhos a apresentação de orçamento para efetuar um novo isolamento na zona da cobertura, por cima da fração “AE”, de forma a cumprir a sentença, e, no ponto 6, foi aprovado por unanimidade dos presentes/representados o orçamento da empresa (…), Lda., no valor de € 492,00 (IVA incluído) e que esta despesa deverá ser liquidada com o Saldo/FCR existente.
Mais invocou que é falso que o orçamento aprovado diga respeito a um novo isolamento; com aquela deliberação pretende o Réu remendar a cobertura, ao invés de realizar os trabalhos adequados à cabal eliminação das infiltrações, pelo que tal deliberação contraria a decisão judicial transitada em julgado, pretende contornar tal decisão. Deve, por isso, ser declarada nula.
Em sede de contestação, o Réu alegou que já foram realizadas as obras aprovadas na referida deliberação, pelo que se extinguiu finalidade da pretensão da Autora, o que implica na sua absolvição do pedido. Alegou ainda a adequação da obra aprovada na deliberação ao cumprimento do decidido pelo TRE, pugnando pela sua absolvição do pedido.

II – O Objeto do Recurso
Decorridos os trâmites processuais documentados nos autos, foi proferida sentença julgando a ação totalmente improcedente, absolvendo o Réu do pedido.

Inconformada, a Autora apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que julgue a ação totalmente procedente. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«A) Impugna-se a matéria de facto, por omissão, porquanto decorre dos factos alegados por ambas as partes, dos documentos juntos aos autos, e ainda dos pedidos de informação solicitados pelo Juiz 1 do Juízo de Execução de Loulé constantes dos autos, que se encontra a correr termos, sob o n.º 2429/21.1T8LLE no Juiz 1 do Juízo de Execução de Loulé, ação executiva para prestação de facto entre as partes, pelo que se requer seja acrescentado à matéria de facto dada como provada o seguinte facto: “Com relevância para os autos, encontra-se a correr termos, sob o n.º 2429/21.1T8LLE no Juiz 1 do Juízo de Execução de Loulé, ação executiva para prestação de facto”;
B) Vai impugnada a matéria de direito, por incongruência entre a matéria de facto e a aplicação do direito, do Tribunal a quo que na sua decisão considerou não estar ferida de qualquer nulidade, ou causa de anulabilidade ou de ineficácia, a deliberação em causa, não ofendendo a mesma a força de caso julgado;
C) Simultaneamente considerou o Tribunal a quo que “a deliberação em apreço, do ponto de vista do seu conteúdo, fica aquém do necessário ao cumprimento daquela decisão transitada em julgado, sendo incipiente para extinguir a obrigação em que o Réu condomínio se encontra constituído”;
D) No processo que sob o n.º 159/18.0T8TVR correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Competência Genérica de Tavira, foi discutida a responsabilidade civil do condomínio sito na Rua (…), 10 – Ed. (…), (…), ora recorrido, referente às infiltrações de água ocorridas na fração da aqui recorrente, com origem em parte comum do prédio (cobertura do edifício), tendo sido proferida pelo douto Tribunal da Relação de Évora decisão, transitada em julgado em 16/06/2021, em que foi o aqui recorrido condenado à “execução – adjudicação e pagamento dos respetivos custos – de todos os trabalhos necessários ou adequados à cabal eliminação das infiltrações existentes na cobertura do edifício” (pontos 9 a 13 da matéria de facto dada como provada);
E) No dia 05/11/2021 teve lugar assembleia de condóminos do recorrido, tendo sido aprovado por unanimidade dos presentes/representados o ponto 6 da ordem de trabalhos, que correspondeu a “Apresentação e aprovação de orçamento para trabalhos de conservação na cobertura do edifício” (pontos 3 a 8 da matéria de facto dada como provada);
F) O ora recorrido, com a deliberação que aprovou a obra, pretendeu dar cumprimento à decisão judicial de 16/06/2021, cfr. ponto 20 da matéria de facto dada como provada e pontos 7 e 8 dos factos não provados;
G) Com os presentes autos, a recorrente tem como objetivo obstar a que o recorrido se considere eximido da obrigação que decorreu da sua condenação judicial anterior;
H) Se estamos perante uma deliberação que considera que a execução de determinada obra cumpre uma decisão judicial, como pode o Tribunal a quo considerar que esta deliberação é eficaz e não se encontra ferida de qualquer nulidade, quando, ao mesmo tempo, dá como provado o contrário?;
I) “As decisões dos Tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quais quer outras entidades”, nos termos do artigo 205.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e artigo 24.º, n.º 2, da Lei da Organização do Sistema Judiciário;
J) A força de caso julgado de uma sentença é um fenómeno essencial à garantia dos valores constitucionais da confiança e da segurança jurídica, bem como à prossecução da finalidade da pacificação social, tendo proteção constitucional alicerçada, quer no disposto no n.º 3 do artigo 282.º, quer nos princípios da confiança e da segurança jurídica, decorrentes da própria ideia de Estado de Direito, emergente do artigo 2.º, ambos da CRP;
K) A deliberação em causa não pode determinar se se encontra ou não cumprida uma decisão judicial. Ao fazê-lo viola os preceitos da Constituição da República Portuguesa e da Lei da Organização do Sistema Judiciário supramencionados;
L) A segurança e certeza das situações jurídicas, assim como a estabilização de situações jurídicas já antes decididas pelos Tribunais, são normas de interesse e ordem públicas, pelo que sendo ofendidas por uma deliberação de uma assembleia de condóminos deveria a decisão do Tribunal a quo tê-la considerado nula;
M) No limite, admitimos, poderia o Tribunal a quo, na sua decisão, ter determinado que pelo menos parte da deliberação se encontrava afetada na sua validade – aquela que diz que com a execução da obra se dá cumprimento ao ordenado pelo Tribunal da Relação de Évora.»
Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre conhecer das seguintes questões:
i) da decisão relativa à matéria de facto;
ii) do fundamento de invalidade da deliberação do condomínio.

III – Fundamentos
A – Os factos provados em 1.ª Instância
1. Pela Ap. (…), de 07/10/2015 encontra-se inscrita a favor da Autora (…) a aquisição, por doação, da fração autónoma designada pelas letras “AE”, correspondente ao 2.º andar direito norte-nascente - habitação - e garagem na cave designada pelo n.º 19, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o n.º (…), da freguesia da (…), concelho de Tavira.
2. Este prédio urbano é o sito na Rua (…), n.º 10 – Edifício (…), (…), inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo (…).
3. No dia 5 de novembro de 2021 teve lugar uma Assembleia Geral de Condóminos do referido prédio urbano, de que se exarou a ata n.º 22.
4. Nos pontos 5 e 6 da ordem de trabalhos daquela Assembleia, foram os condóminos presentes ou representados chamados a pronunciar-se sobre: “5 - Informações sobre os processos judiciais relativos à fração AE” e “6 - Apresentação e aprovação de orçamento para trabalhos de conservação na cobertura do edifício”.
5. No ponto 5 da ordem de trabalhos foi apresentado aos condóminos o orçamento da empresa (…), Lda., no valor de € 492,00 (quatrocentos e noventa e dois euros), IVA incluído, da seguinte forma:
“Além disso, e de forma a cumprir a sentença, a administração reuniu orçamento para efetuar um novo isolamento na zona da cobertura, por cima da fração “AE” (o qual será apresentado no ponto seguinte da ordem de trabalhos)”.
6. Tendo, no ponto 6 da ordem de trabalhos, “Apresentação e aprovação de orçamento para trabalhos de conservação na cobertura do edifício”, sido aprovado por unanimidade dos presentes e representados tal orçamento, e, ainda, que esta despesa deverá ser liquidada com o Saldo/FCR (Fundo Comum de Reserva) existente.
7. Aquele orçamento aprovado prevê a limpeza da zona a intervir e a aplicação de um produto da marca Neuce.
8. Assim, aquele orçamento prevê o seguinte:
“(…), Lda.
Todos os serviços de pintura, repintura e lacagem de Construção Civil
(…)
Exmo. Sr. Administrador
Condomínio Edifício (…), em (…)
Tavira, 7 de outubro de 2021
Assunto: Proposta de Orçamento para os trabalhos de impermeabilização na zona do terraço de cobertura do Edifício (…), por cima da fração “AE".
Trabalhos a realizar:
- Limpeza de toda a zona a intervir
- Aplicação de uma demão de tela líquida com fibra (Imperneuce), diluída a 50%, para fazer de primário
- Aplicação de 3 demãos de tela líquida com fibra (Imperneuce) pura, para fazer acabamento.
Valor do orçamento:
- € 400,00 (quatrocentos euros) – acrescido do IVA
O presente orçamento tem a validade de 6 meses.
A garantia é de 5 anos”.
9. No processo que, sob o n.º 159/18.0T8TVR, correu termos no Juízo de competência genérica de Tavira do Tribunal judicial da comarca de Faro, por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, transitado em julgado em 16/06/2021, foi o Condomínio do prédio sito na Rua (…), n.º 10, Edifício (…), (…), condenado “À execução – adjudicação e pagamento dos respetivos custos – de todos os trabalhos necessários ou adequados à cabal eliminação das infiltrações existentes na cobertura do edifício”.
10. Naquele processo foi discutida a responsabilidade civil do Condomínio sito na Rua (…), 10 – Ed. (…), (…), referente às infiltrações de água ocorridas na fração autónoma designada pelas letras “AE”, com origem na cobertura do prédio.
11. No douto acórdão, os Senhores Desembargadores referem que:
“O réu realizou obras no edifício em 2012 e 2015, mas as mesmas não resolveram o problema. As de 2012 resumiram-se, como anteriormente referimos, à aplicação de tinta nas juntas da tela asfáltica utilizada na cobertura do edifício. As de 2015, consistiram essencialmente na pintura das paredes exteriores do edifício. Na cobertura, apenas se procedeu a um reforço do isolamento das chaminés através da aplicação de tinta elástica na base destas. Perante a dimensão das infiltrações de águas pluviais na fracção da recorrente, as referidas obras eram patentemente insuficientes para resolver o problema, não passando de “remendos”. O relatório pericial qualifica expressamente os trabalhos realizados na cobertura em 2015 como tendo “carácter provisório”.
12. Consideraram ainda os Senhores Desembargadores que:
“No caso dos autos, devido à deficiência e deterioração do material utilizado para o isolamento da cobertura do edifício, ocorreram infiltrações de águas pluviais no interior da fração de que a recorrente é proprietária. Esta situação arrasta-se há vários anos sem que o recorrido tenha promovido a realização de obras que resolvam efetivamente o problema. Apesar das queixas da recorrente, o recorrido nada fez para além de alguns “remendos” que, como era previsível, não repuseram a cobertura do edifício nas devidas condições. As infiltrações de águas pluviais na fração da recorrente continuaram a verificar-se posteriormente às obras realizadas em 2015 e, desde então, nenhuma outra intervenção na cobertura foi realizada”,
13. para concluírem que:
“atenta a inércia do recorrido ao longo de anos não obstante as queixas da recorrente e a evidência dos danos na fração, deve entender-se que aquilo que ficou provado foi a culpa efetiva – e não meramente presumida – do recorrido. Perante a gravidade dos danos que a recorrente vinha sofrendo e denunciando, que punham em causa a própria habitabilidade da sua fração, era exigível, ao condomínio, que encarasse o problema com a seriedade devida, promovendo a realização das obras necessárias e adequadas logo que as condições atmosféricas o permitissem, em vez de se remeter à referida atitude de inércia”.
14. A recomendação técnica dos especialistas da marca Neuce foi a seguinte:
“(…)
PRESCRIÇÃO Obra:
TÉCNICA Edifício (…), n.º 10
www.(...).com (…)
(…)
01 Prescrições Técnicas
Impermeabilização de Elementos Horizontais e Verticais
Na sequência da Vossa solicitação, vimos por este meio apresentar a nossa recomendação técnica, de maneira a criar as soluções técnicas que vão ao encontro das exigências do referido projeto.
Prescrição Técnica:
Sistema de Impermeabilização em zonas horizontais e verticais, constituído por aplicação de uma demão do produto 24.01 (…) – Promotor de Aderência, após a sua secagem segue um barramento armado com o produto 24.02 Neuceseal Impermeabilizante Hidráulico BI Componente, aplicado através de palustra dentada, introduzindo a rede de fibra de vidro de 160 gramas/m2, de imediato e deixar secar 24 a 48 horas, segue posteriormente a aplicação de uma segunda e terceira camada do produto 24.02 Neuceseal Impermeabilizante Hidráulico BI Componente, através de talocha de inox, com intervalo de secagem entre demãos de 24 a 48 horas, após a sua secagem de 24 a 48 horas finalizar com duas camadas de 25.01 Neucefibra Revestimento Impermeabilizante Acrílico com Fibras, em condições normais de humidade e temperatura de forma a obter um revestimento homogéneo, incluindo todos acessórios para a boa execução do sistema, de acordo com as indicações do fabricante.
A – Preparação e limpeza das superfícies
1. Efetuar a remoção e limpeza de todo o material antigo existente e efetuar as correções necessárias em toda estrutura onde é necessária a execução do nosso sistema técnico apresentado, de maneira a obter um acabamento correto e apropriado.
2. Após finalização do processo anterior, deixar secar bem o suporte e proceder à medição do teor de humidade antes de proceder á execução dos trabalhos.
► Humidade da superfície < 4 %
► Humidade relativa < 80%
► Temperatura ambiente e da superfície entre 10ºC e 25ºC
1.1 Proceder à aplicação no pavimento e muretes de uma demão de 24.01 (…) – Promotor de Aderência, e deixar secar 24 a 48 horas;
Misturar mecanicamente 100 partes de … (como é fornecido) com 100 partes de cimento Portland até obter uma mistura perfeitamente homogénea
1.2 Aplicação de uma Camada de 24.02 (…) – Impermeabilizante Hidráulico BI Componente, através de uma talocha dentada, introduzindo a rede de fibra de vidro de 160 gramas/m2, de imediato e deixar secar 24 a 48 horas;
Em nenhuma circunstância deve de ser aplicada a armadura de rede de fibra de vidro sobre o suporte antes de proceder á aplicação da argamassa impermeabilizante (…).
1.3 Após a primeira camada estar bem seca proceder á aplicação de mais duas Camadas cruzadas de 24.02 (…) – Impermeabilizante Hidráulico Bi Componente, com intervalo de secagem entre demãos de 24 horas e sem diluição, em condições normais de humidade e temperatura de forma a obter um revestimento homogéneo, numa espessura de pelicula total de 3,5mm e deixar secar 48 horas;
Misturar mecanicamente 100 partes de … (como é fornecido) com 80 partes de cimento Portland até obter uma mistura perfeitamente homogénea.
Nunca aplicar numa só camada a espessura de 3,5 mm.
1.4 Após a secagem de 24 a 48 horas do processo anterior proceder á aplicação de mais duas Camadas cruzadas de 25.01 (…) – Revestimento Impermeabilizante Acrílico com Fibras, com intervalo de secagem entre demãos de 24 horas e sem diluição, em condições normais de humidade e temperatura de forma a obter um revestimento homogéneo.
02 Quadro Orientativo
(…)
03 Observações
● Na aplicação dos produtos acima referenciados verificar as temperaturas de aplicação que terão que ser, entre 15ºC e 30ºC, não aplicar em ambientes com humidade relativa do ar superior a 80% e sob a ação direta do sol, nem com chuva ou vento forte.
● Proceder á medição do teor de humidade antes de proceder á execução dos trabalhos.
● O teor de humidade deve ser = < a 4 %.
● A presente Recomendação Técnica não dispensa a leitura atenta das fichas técnicas dos produtos descritos;
● No caso das fissuras significativas estruturais verificadas em obra, após o seu tratamento de acordo com as nossas indicações, as mesmas poderão manifestarem-se, mais tarde no revestimento final;
● A referida prescrição técnica, foi efetuada com base na documentação e fotografias que nos foram por Vocês enviadas, pelo facto (conforme Vossa informação) de não ser possível de momento uma visita técnica á referida obra como habitualmente fazemos nestas solicitações, havendo da parte da nossa empresa total disponibilidade para efetuarmos a referida visita técnica em momento oportuno.
(…)”.
15. A impermeabilização e isolamento da cobertura não se resolve com umas quantas demãos do produto “tela líquida com fibra (Imperneuce)” aplicado por um pintor.
16. O produto “Imperneuce” trata-se de um produto de aplicação primária, preparando a superfície para receber outros, trata-se de um promotor de aderência.
17. O preço de mercado de 45 L do produto Imperneuce Neutralizante de Betão, da marca Neuce, ascende a € 500,33 (quinhentos euros e trinta e três cêntimos), IVA incluído.
18. O produto referido no orçamento, para aplicar na cobertura, nunca será, por si só, adequado a impermeabilizar a cobertura.
19. O produto referido no orçamento, para aplicar na cobertura, o “Imperneuse”, trata-se de um composto que se destina a ser aplicado misturado com o cimento ou diretamente no betão, e, de acordo com as prescrições da “(…) Portugal”, nunca pode ser diluído a 50%.
20. Na referida Assembleia Geral de Condóminos do dia 5 de novembro de 2021, no ponto 5 da ordem de trabalhos, foi efetuada a seguinte exposição, constante da referida Ata n.º 22:
“5 - Relativamente aos processos judiciais, foi referido e há a registar o seguinte:
a) No que se refere ao processo executivo (de recuperação de divida) instaurado pelo Condomínio contra a fração "AE", a administração informou que o mesmo encontra-se a decorrer;
b) Relativamente ao processo instaurado pela proprietária da fração “AE” contra o Condomínio, a administração informou que, infelizmente, não é mesmo possível recorrer da decisão, pois, o tribunal não reavalia este tipo de processo. No recurso, foram avaliadas, essencialmente, as condições e a origem do processo e, tendo em conta que o que originou o processo foi o facto da proprietária da fração “AE” ter reclamado da existência de danos no interior da fração, tendo indicado que os mesmos eram provenientes da cobertura, zona comum do edifício, parece que não foram levadas em conta as alegações, depoimentos e provas apresentadas pelo Condomínio e pelas testemunhas ouvidas em audiência e, ao contrário da 1ª sentença que isentou o Condomínio de responsabilidades, este tribunal atribuiu as responsabilidade ao Condomínio, sem possibilidade de contestação.
A administração informou, ainda, que o Condomínio já teve de liquidar, à proprietária da fração “AE”, o valor de € 2.020,79, correspondente a custas de processo e fica a faltar liquidar o valor correspondente à indemnização, uma vez que a advogada contestou parte do valor a liquidar e está a aguardar resposta do tribunal e só nessa altura será efetuado o acerto de contas.
Além disso, e de forma a cumprir a sentença, a administração reuniu orçamento para efetuar um novo isolamento na zona de cobertura, por cima da fração “AE” (o qual será apresentado no ponto seguinte da ordem de trabalhos), mesmo apesar de durante todo este processo, e até à presente data, não ter sido registada qualquer passagem de água para a fração, no entanto, o Condomínio vê-se forçado a promover os trabalhos, como forma de cumprir parte da sentença.
Após terem sido transmitidas todas as informações aos presentes, a contestação e indignação demonstrada pelos presentes foi bastante visível, uma vez que ninguém consegue aceitar ou compreender como é possível as decisões e imposições “finais” do tribunal, não poderem ser contestadas, pois, comprovadamente, não existe qualquer problema ou registo de infiltrações proveniente da cobertura do edifício, pelo menos, nestes últimos anos, sem que tenha sido efetuada qualquer obras de conservação nessa zona do edifício, precisamente, por não existir nada a reparar.
Por outro lado, foi também referido que não é compreensível que esta proprietária tenha feito reparações no interior da sua fração, sem conhecimento da administração e dos condómino, e que nunca tenha sido possível atestar a conclusão das ditas obras, que por coincidência, ou não, foram efetuadas pela empresa do esposo da proprietária, o que leva a concluir que toda esta situação criada pela fração “AE” foi intencional e de um grande sentido de oportunismo. Os presentes salientaram, ainda, a possibilidade de se levar este assunto a conhecimento público (nos meios de comunicação), pois considera-se inadmissível o desfecho deste processo e bastante censurável a enorme falta de idoneidade e má fé, por parte da proprietária da fração;”.
21. A referida decisão do Tribunal da Relação de Évora condenou o condomínio a realizar uma obra adequada à “eliminação das infiltrações existentes na cobertura do edifício”, e este tipo de obra, a que se refere o orçamento aprovado no ponto 6 da ordem de trabalhos, não é eficaz na resolução dessas infiltrações existentes na cobertura do edifício.
22. Após a referida deliberação da assembleia de condomínio, o Réu condomínio contratou a empresa (…), Lda., e a mesma, em janeiro de 2022, realizou a limpeza da zona da cobertura do edifício sobrejacente à fração “AE” e não coberta por telha, e a aplicação nessa zona de tela líquida com fibra da marca Neuce.


B – As questões do Recurso
i) Da decisão relativa à matéria de facto
O regime atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto consta enunciado no artigo 640.º do CPC. O seu acionamento despoleta a reapreciação do julgamento realizado em 1.ª Instância com vista a apurar se os factos concretos submetidos à instrução, factos esses objeto de decisão que se mostra impugnada em sede de recurso, foram incorretamente julgados, impondo-se decisão diversa da recorrida. A Relação deve alterar a decisão se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa da recorrida – cfr. artigos 640.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
A Recorrente alega ter sido omitido do rol dos factos provados a pendência da ação executiva para prestação de facto, conforme foi invocado na petição inicial, destinada a promover a realização da obra de substituição integral de parte da cobertura na zona da fração AE, o que está documentalmente provado.
O que, efetivamente, não consta elencado nos factos provados.
Afigura-se, porém, que nenhuma relevância tem para a questão de saber se há fundamento para declarar nula a deliberação da assembleia e condóminos a pendência da ação executiva para prestação de facto, destinada a operar o efeito jurídico decorrente da decisão judicial transitada em julgado que condenou o Réu a realizar as obras necessárias e adequadas à cabal eliminação das infiltrações existentes na cobertura do edifício.
Por conseguinte, não existe fundamento para afirmar que a 1.ª Instância julgou incorretamente a matéria de facto – cfr. artigo 640.º do Código de Processo Civil.

ii) Do fundamento de invalidade da deliberação do condomínio
O pedido formulado na ação foi o de “ser declarada nula a deliberação aprovada no ponto 6 da ordem de trabalhos na assembleia de condóminos de dia 05/11/2021.”
O direito potestativo de anulação de deliberações das assembleias de condóminos vem previsto no artigo 1433.º do Código Civil, visando evitar danos para o condómino ou para o condomínio. O n.º 1 estatui que as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
O tribunal limita-se a uma simples fiscalização da legalidade da deliberação, pronunciando-se sobre a violação da lei ou dos regulamentos em vigor, não estando adstrito a apreciar o mérito da deliberação, para saber se foi ou não a mais conveniente para os condóminos.[1]
Para além de anuláveis, como ali previsto, as deliberações podem ser deliberações nulas ou ineficazes[2]:
- quando as deliberações tomadas pela assembleia infrinjam normas de interesse e ordem públicos devem considerar-se nulas e, como tais, impugnáveis a todo o tempo e por qualquer interessado, nos termos do disposto no artigo 286.º do Código Civil;
- quando a assembleia se pronuncie sobre assuntos para que não tenha competência deliberação deve considerar-se ineficaz, podendo o condómino afetado arguir o vício de que enferma.
No caso em apreço, a Recorrente invocou que a deliberação é nula por desrespeito ao caso julgado decorrente do acórdão proferido pelo TRE.
Nos termos do disposto no artigo 580.º, n.º 1, do CPC, o caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, repetição que se verifica quando a primeira causa foi decidida por sentença que já não admite recurso ordinário. Constitui uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, cuja verificação impede que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição do réu da instância – artigos 576.º, n.º 2 e 578.º do CPC.
Como ensinam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[3], “o caso julgado, tornando a decisão em princípio imodificável, visa exatamente garantir aos particulares o mínimo de certeza do Direito ou de segurança jurídica indispensável à vida de relação”. Assim, “o caso julgado visa essencialmente a imodificabilidade da decisão transitada e não a repetição do juízo contido na sentença. Não se pretende que os tribunais, doravante, confirmem ou ratifiquem o juízo contido na sentença transitada, sempre que a questão por ela julgada volte a ser posta, direta ou indiretamente, em juízo. O que essencialmente se exige, em nome do caso julgado, é que os tribunais respeitem ou acatem a decisão, não julgando a questão de novo.” Nas palavras de Manuel de Andrade[4], o caso julgado consiste em “a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objetivo ou à atuação dos direitos subjetivos privados correspondentes, mas também à paz social.”
O instituto do caso julgado exerce uma função positiva e uma função negativa. Positivamente, faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões; negativamente, impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal.
Está em causa, na ótica da Recorrente, a função positiva do caso julgado.
A exequibilidade da decisão proferida pelo TRE implica, neste caso, na obrigação do Réu de executar e custear as obras nela versadas. Por via dessa decisão, transitada em julgado, resultou o Réu adstrito ao cumprimento do que ali está ordenado.
A deliberação da assembleia de condóminos que, eventualmente, não acautele devidamente o cumprimento de tal obrigação não enferma de nulidade por infringir o caso julgado inerente ao acórdão do TRE.
O incumprimento da obrigação judicialmente declarada deve ser aferido em ação judicial de natureza executiva para prestação de facto. A exequibilidade da decisão transitada em julgado materializa-se na possibilidade de tramitação dessa ação executiva.
O que importa é a questão de saber se o Réu cumpriu a decisão transitada em julgado, se praticou os atos destinados a concretizar a execução, incluindo a adjudicação e pagamento dos respetivos custos, de todos os trabalhos necessários ou adequados à cabal eliminação das infiltrações existentes na cobertura do edifício. Os atos / deliberações do Réu que tenham tido lugar para viabilizar o cumprimento da obrigação que lhe foi cometida não são, em si mesmos, inválidos nem violam o caso julgado ainda que, eventualmente, deles resulte não serem aptos a permitir o cumprimento daquela obrigação.
Inexistem, pois, fundamentos para declarar nula a deliberação tomada pela assembleia dos condóminos que reuniu a 05/11/2021.

As custas recaem sobre a Recorrente – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.


Sumário: (…)


IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Évora, 22 de maio de 2025
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Mário Branco Coelho
José Manuel Tomé de Carvalho

__________________________________________________
[1] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. III, 2.ª edição, pág. 449.
[2] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. III, 2.ª edição, pág. 448.
[3] Manual de Processo Civil, 2.ª edição, págs. 705 e 708.
[4] Noções Elementares de Processo Civil, 1993, págs. 305 e 306.