SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
PENDÊNCIA DA ACÇÃO
CAUSA PREJUDICIAL
Sumário

1. Apesar de se constatar a pendência de uma causa prejudicial, pode o Tribunal recusar a suspensão da instância, com fundamento na circunstância da causa prejudicial ter sido instaurada unicamente para se obter aquela suspensão, nos termos do n.º 2 do artigo 272.º do Código de Processo Civil.
2. Acompanhando Alberto dos Reis, verifica-se a aludida circunstância quando a causa prejudicial não apresenta probabilidades de êxito e se conclui que apenas foi instaurada com a finalidade de obter a suspensão da instância.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Apelação n.º 751/16.8T8PTM-B.E1
(1ª Secção)

Sumário: (…)

(Sumário da responsabilidade da Relatora, nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil)


***

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório

1. (…) e outros instauraram ação especial de divisão de coisa comum contra (…) e (…), pedindo a divisão da fração autónoma designada pela letra “E” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob a ficha n.º (…), situado em (…), freguesia de Lagoa, e inscrita na matriz urbana da dita freguesia sob o artigo (…), através da sua venda e repartição do respetivo produto na proporção de metade para os AA. e metade para os RR..

2. Foi apresentada contestação, onde o R. se defendeu por exceção, bem como requereu a suspensão da instância por pendência de causa prejudicial, e ainda deduziu reconvenção, “para que seja conhecida caso não se entenda ser de suspender a instância por causa prejudicial”, concluindo nos seguintes termos:

Em face do exposto, requer a V. Ex.ª:

1) Que a exceção de ilegitimidade da 2.ª Requerida seja julgada precedente, por provada, com as legais consequências;

2) Que seja declarado que a ação em curso na Instância Central com o n.º 632/16.5T8FAR-J3, constitui causa prejudicial da ação à margem referida, devendo, em consequência, ordenar-se a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da ação.

3) Que, tendo em vista o exposto na 6ª questão, se declare que ou Requerentes no caso dos autos não têm interesse em agir por não terem nenhum direito digno ou carecido de tutela ou que a sua intervenção integra o abuso do direito a que se refere o artigo 334.º do C.C, bem como constituiria um enriquecimento ilegítimo e sem causa, com as legais consequências;

4) Tendo em vista o teor da contestação apresentada, se digne admitir a reconvenção apresentada, convolando-se o processo em processo comum por força da contestação com reconvenção e, no tribunal competente, em consequência se declare:

4.1) Que o autor e aqui reconvinte é proprietário da metade da fração “E”, registada em nome dos três Requerentes através da apresentação n.º (…), de 2002/03/27, por usucapião, com as legais consequências;

OU, Subsidiariamente,

4.2) Que, o reconvinte é proprietário da metade da fração identificada no número anterior, por acessão imobiliária nos termos do disposto no artigo 1316.º e 1325.º do C.C;

4.3) Que, tendo em vista o acima exposto, se considere que o preço da metade dos Requerentes, fixado que foi em € 35.142,59 já se encontra totalmente liquidado conforme consta das decisões dos Tribunais Superiores que se juntam e que constituem prova vinculada, declarando-se, em consequência, que os Requerentes no âmbito da ação nada mais têm a receber de tal bem;

4.4) Que se declare que o quinhão do Reconvinte sobre a metade da fração registada em nome dos Requerentes é de 100% posto que, o preço fixado pelos Requerentes já foi integralmente liquidado, nada mais tendo a receber.

Ou,

4.5) Que, em face do exposto na 3ª questão, se considere que a quota-parte dos Requerentes na fração ora em causa, corresponde a 3,565% da mesma e cujo valor fixado pelos requerentes para a sua metade já foi integralmente liquidada;

Ou;

4.6) Que, em consequência do anterior pedido, sejam os Requerentes condenados a pagar ao Reconvinte, o valor de € 5.169,25 correspondente ao valor das benfeitorias introduzidas na coisa comum de acordo com a percentagem atribuída no número anterior.

Ou,

4.7) Na eventualidade de não ser atendido o pedido em 4.4, sejam os RR condenados a pagar ao A., o valor de € 72.500,00 correspondente a metade do valor por este despendido nas benfeitorias introduzidas na coisa, da qual não podem ser removidas e que a valorizaram tal como se encontra, sem prejuízo da sua atualização – se for o caso, em face da prova a produzir e dado que ainda existem trabalhos em curso;

5) Que, em face do disposto no artigo 8.º-B do Código do Registo Predial, se proceda oficiosamente ao registo da ação na Conservatória Predial.”

3. Após réplica, e atendendo à invocação pelo R., na contestação, da existência de uma causa prejudicial, foi proferido, a 16.01.2018, o seguinte despacho:

(…) e outros, nos autos melhor id., instauraram a presente acção especial de divisão de coisa comum contra, entre o mais, (…), concluindo por pedir a divisão da fracção através da sua venda e repartição do seu produto na proporção de metade para AA. e metade para os RR..

Alegam para o efeito e em síntese que AA. e RR. são comproprietários na proporção de metade para cada um da fracção autónoma da fracção autónoma designada pela letra “E” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob a ficha n.º (…), situado em (…), freguesia de Lagoa, e inscrita na matriz urbana da dita freguesia sob o artigo (…) e que os AA. não pretendem continuar na indivisão.

Contestando veio o R., ademais, alegar que intentou acção declarativa contra os aqui RR., a qual corre termos perante Juiz 3 do Juízo Central Cível de Portimão sob o n.º 632/16.5T8FAR, tendo por objecto a fracção autónoma a que estes respeitam, e na qual pede

1.1) Se declare que o autor é proprietário da metade da fração “E”, registada em nome dos três RR através da apresentação n.º (…), de 2002/03/27, por usucapião, com as legais consequências;

ou,

1.2) Que, o autor é proprietário da metade da fracção identificada no número anterior, por acessão imobiliária nos termos do disposto no artigo 1316.º e 1325.º do CC;

1.3) Que, tendo em vista o acima exposto, se considere que o preço da metade dos RR já se encontra liquidado conforme consta das decisões dos Tribunais Superiores que se juntam.

Ou,

1.4) Que, em face do exposto na 3ª questão, se considere que a quota-parte dos RR na fração ora em causa, corresponde a 3,565% da mesma;

1.5) Que, em consequência, sejam os RR condenados a pagar ao autor, o valor de € 5.169,25 correspondente ao valor das benfeitorias introduzidas na coisa comum.

Ou,

1.6) Na eventualidade de não ser atendido o pedido em 1.4, sejam os RR condenados a pagar ao A., o valor de € 72.500,00 correspondente a metade do valor por este despendido nas benfeitorias introduzidas na coisa, da qual não podem ser removidas e que a valorizaram tal como se encontra, sem prejuízo da sua atualização – se for o caso, em face da prova a produzir”.

Naqueles, como aferi por consulta electrónica aos autos (cfr. artigo 412.º, n.º 2, NCPC) e resulta de fls. 777 e ss destes, foi realizada audiência prévia e identificado o objecto do litígio nos seguintes termos:

“Do pedido dos autores:

-- A título principal: declaração de aquisição originária por usucapião.

Subsidiariamente a aquisição originária por acessão; o reconhecimento de direitos de crédito pelas obras que desenvolveram nas alegadas benfeitorias que introduziram.

-- Do pedido reconvencional:

-- O reconhecimento de um crédito.

Da causas de pedir:

-- Os autores alegam que exercem a posse e que a mesma conduz à aquisição por usucapião, e entendem que à data da interposição da acção, já haviam adquirido originariamente este direito sobre metade do prédio. Dizem também que as alegadas benfeitorias introduzidas na fracção são de valor superior à própria fracção, e portanto, que isso justificaria também a aquisição por via originária, nomeadamente, por acessão.

- No que respeita à reconvenção, pretende-se obter a compensação, isto caso seja julgado procedente a acção, pela privação do uso do prédio”. (…)

Vejamos o caso concreto.

Constitui fundamento primeiro da acção de divisão de coisa comum uma situação de compropriedade entre diferentes titulares.

Ora, precisamente na acção declarativa que corre termos no Juízo Central Cível de Portimão configura objecto do processo, ademais, a questão de saber se relativamente à fracção objecto destes autos ocorre uma situação de propriedade plena a favor do ali A., neste Requerido ou não.

Só após a decisão, com trânsito em julgado, daqueles autos é que estes estarão ou não em condições de prosseguir.

Com efeito, verificando-se uma situação de propriedade plena, estes deixam de ter razão de ser; verificando-se a compropriedade haverá fundamento para a sua ulterior tramitação.

Ou seja, há um percurso lógico entre a acção declarativa em que se discute a titularidade do direito de propriedade do bem e a acção de divisão de coisa comum, em que aquela terá sempre que preceder esta. Assim sendo, porquanto se entende que a decisão a proferir nestes autos depende do julgamento da acção declarativa supra identificada que corre termos no Juízo Central Cível de Portimão (com trânsito), determina-se, ao abrigo do disposto no artigo 272.º, n.º 1, do NCPC, a suspensão da presente instância até que seja proferida sentença/acórdão com trânsito em julgado no processo 632/16.5T8FAR.”

4. Em 29.12.2022 foi junta aos autos certidão dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos no Processo n.º 632/16.5T8FAR, respetivamente em 24.02.2022 (revista normal), 31.03.2022 (arguição de nulidade e pedido de reforma) e 24.05.2022 (reclamação para a Conferência), com nota de trânsito em julgado em 09.06.2022, onde foi confirmada a improcedência da ação que havia sido decretada pela 1ª Instância e confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora.

Posteriormente, em 14.02.2024, foi junta nova certidão, contendo os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30.06.2022 (revista excecional) e 08.09.2022 (arguição de nulidade e pedido de reforma), bem como o Acórdão do Tribunal Constitucional de 07.07.2023, que confirmou a decisão de não admissão do recurso interposto pelo aqui R. e aí A., com trânsito certificado em 15.09.2023.

5. A 12.08.2024 foi proferido o seguinte despacho:

Inexiste qualquer fundamento para que os presentes autos permaneçam suspensos na sua tramitação, por outro motivo que não seja o decesso de um dos coautores e a inexistência, por ora, de decisão já proferida, no âmbito do incidente de habilitação já deduzido.

Com efeito, já existe decisão transitada em julgado no âmbito do Proc. n.º 632/16.5T8FAR do Juízo Central Cível- J3, tendo o trânsito, do que aí foi decidido, sido certificado com referência à data de 15-09-2023.

Quanto ao Proc. n.º 2801/22.0T8PTM o mesmo foi instaurado em momento subsequente à instauração dos presentes autos, tudo indiciando que se trata da repetição de uma outra ação já anteriormente instaurada, mais concretamente do Proc.º 490/10.3TBLLE, autos estes últimos no âmbito dos quais o ora réu (e reconvinte) pretendeu exercer o direito a execução especifica. Sendo que sem prejuízo do que foi decidido pelo Tribunal da Relação, foi decidido no Proc.º 490/10.3TBLLE que o ora demandado não tinha legitimidade substantiva por instaurar tais autos já que não foi parte no contrato promessa celebrado, nem se poderia concluir pela existência de um contrato para pessoa a nomear que houvesse sido celebrado entre os ora autores (promitentes vendedores) e o promitente comprador.

O que afasta a possibilidade de ser feito um qualquer juízo de prognose favorável quanto à procedência de tal nova ação (o que é reforçado pelo teor das peças processuais entretanto juntas aos autos – incluindo pelo teor do despacho saneador que concluiu pela verificação da exceção de caso julgado) e ou sequer quanto à existência de um motivo legitimo e ou sequer fundado para a sua propositura.

Pelo que tudo indicia que o processo 2801/22.0T8PTM foi apenas instaurado com o fito de tornar a obter uma nova decisão de suspensão no âmbito destes autos, o que não se afigura admissível à luz do disposto no artigo 272.º do Código de Processo Civil.

Pelo que se indefere o pedido de suspensão formulado pelo réu e se determina o prosseguimento dos presentes autos, declarando expressamente cessada a suspensão anteriormente decretada por despacho datado de 16-01-2018.”

6. Inconformado com o despacho transcrito, o R. apelou do mesmo, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1.ª Considerando que a ação 632/16 com base na qual foi ordenada a suspensão transitou em julgado, deveria ter-se decidido levantar a suspensão da instância tal como se considerou na Revista do STJ, acima citado, o que ocorreu no R., despacho recorrido.

2.ª No entanto, considerando a pendência da ação 2801/22 de 24.10.2022, e dado que consta do pedido 1.1 a 1.5, acima transcrito, na página e 4ª, conclusão, tal facto impedia a M.ª Juiz de proferir o despacho a que se refere a anterior conclusão, sem analisar, se a nova ação é causa prejudicial ou não, da ação de divisão de coisa comum, e que, com o devido respeito, não fez, sendo que, tal como se refere no ac. do STJ citado na pág. 10, este poder não é discricionário antes tem de ser justificado e fundamentado de facto e de direito como se reconheceu naquele acórdão em que se revogou a decisão.

3.ª E que, como é evidente, a ser julgado procedente o recurso de Revista, declarando-se procedente algum dos pedidos ali apresentados, a ação de divisão de coisa comum, deixará de ter qualquer utilidade, sendo extinta à luz do disposto no artigo 277.º, alínea e), do CPC.

4º. A justificar a suspensão da instância pela nova ação em curso, em tramitação para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo tais pedidos:

1.1 Que, ante os factos provados, liquidado integralmente o preço, estando a 1ª Ré em mora no cumprimento da obrigação, e ante a recusa ilegítima em cumprir a obrigação, seja proferida decisão que supra os efeitos da declaração negocial em falta e que seja declarada por Sentença, a transmissão para a autor da metade da fração E, do prédio urbano situado na (…), praia da (…), freguesia de Lagoa, inscrito na matriz urbana da freguesia de Lagoa sob o artigo (…), descrita na conservatória do Registo Predial sob o n.º (…), de Lagoa.

1.2 Com o cancelamento da apresentação n.º (…), de 2002/03/27, em nome de (…) de quem a 1ª Ré é a única herdeira.

1.3 Que se considere ainda que a instauração pela 1ª Ré (…) e seus familiares, da ação de divisão de coisa comum, em curso no Juízo Local Cível-J1, de Portimão, com o n.º 751/16, ante a factualidade provada, é ilegítima e em claro abuso do direito, com as legais consequências.

1.4 Posto que, a 1ª Ré (única titular do bem registado) não carece, no caso em concreto, de qualquer interesse em agir, por não ser titular de qualquer direito que reclame tutela judicial, conforme se decidiu nas ações judiciais.

1.5 Que, a instauração de tal ação visou para os RR, a utilização abusiva na tentativa de, por tal via, os RR obterem um fim ilícito ou ilegítimo que, no caso, é prejudicar simplesmente os direitos reclamados pelo autor, com o recurso ilegítimo a tal ação, para supostamente dividir o bem que os RR prometeram alienar receberam o respetivo preço, sem no entanto ter sido celebrado pela 1ª Ré o ato notarial de venda ao autor, da metade da fração cujo direito de cessão contratual lhe foi cedido em face da nomeação como beneficiário de tal direito, com o reconhecimento expresso dos RR (FQ).

5ª. Afigurando-se que, perante tal factualidade, não e adequado, nem justo, considerar que a nova ação visou simplesmente obstar ao desenvolvimento desta ação, em desconsideração do que dispõem os artigos 619.º e 621.º do C.P.C, quanto a interposição de nova ação para suprir o facto, ou a condição que foi causa obstativa da procedência da anterior ação, sendo hoje pacifico na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tal entendimento como consta, por exemplo, em qualquer um dos acórdãos citados no recurso constante dos autos junto em 2024-07-15 e sem analisar a factualidade apresentada na ação, sendo certo que, o R, despacho saneador proferido e que serviu de orientação na R, decisão, foi considerado parcialmente nulo, embora se tenha conhecido das questões com tal vício, ao abrigo do disposto no artigo 655.º do C.P.C..

6ª. Tal como se decidiu no acórdão do STJ acima citado:

II – A lei não estabelece qualquer ordem temporal no que concerne à instauração de duas ações e nem mesmo nenhum limite temporal rígido para o referido efeito, pelo que, seria com base no pedido na ação que a M.ª juiz teria de analisar se qualquer dos pedidos ali apresentados, a ser julgado procedente, constitui causa ou fundamento prejudicial à ação de divisão da coisa que ficará afastada caso tal recurso venha a ser julgado procedente.

7ª. Como se decidiu na revista citada, há fundamento de suspensão:

Neste acórdão fundamento, de 14-07-2022, Proc. n.º 803/21.2T8CSC-A.L1 considerou-se: “I. Verifica-se relação de prejudicialidade entre duas ações quando a decisão ou julgamento de uma ação – a dependente – é atacada ou afetada pela decisão ou julgamento noutra – a prejudicial. (…)

8ª. No entendimento do apelante, a R decisão violou as seguintes normas legais:

- Do Código de Processo Cível.

- Artigo 608.º, n.º 2, ao não conhecer a factualidade constante da ação 2801/22, interligada com a questão da suspensão, o que acarreta a nulidade do R, despacho em face do disposto no artigo 615.º, n.º, alínea b).

- Artigo 272.º, n.º, dado que tal como acima se tentou demonstrar, a ação 2801/22, constitui causa prejudicial da ação de divisão de coisa comum, a que os autos se referem.

- Conforme se decidiu no R, acórdão do STJ acima citado, deveria a R, decisão:

a) Considerar terminada a suspensão ao abrigo do processo 632/16.

b) Devendo analisar, em abstrato, se a factualidade desta nova ação em curso para conhecimento em Revista, se constitui, ou não, causa prejudicial a justificar a sua suspensão, em face dos pedidos transcritos na página 4, que manifestamente colidem com o âmbito desta ação de divisão e qualquer deles a ser julgado procedente, retirará qualquer efeito útil da ação dos autos.

c) Sendo que, no entendimento do recorrente, a M.ª Juiz teria de analisar se, em abstrato, efetivamente aquela ação constitui justo motivo para ordenar a suspensão da instância, nesta 2.ª ação, como se afigura ser manifestamente, o caso.”

7. Foram apresentadas contra-alegações, nas quais os AA. pugnaram pela improcedência do recurso.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – Questões a Decidir

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Não se encontra também o Tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

No caso em apreço importa apreciar se o despacho que rejeitou a suspensão da instância é nulo; caso assim se não entenda, se deve ser suspensa a instância por virtude da pendência do Processo n.º 2801/22.0T8PTM.

III – Fundamentação

1. Os factos relevantes no caso são os que constam do relatório antecedente e ainda os seguintes, atinentes ao Proc. n.º 2801/22.0T8PTM, que extraímos da respetiva certidão:

a) Foi proferido despacho saneador, do qual ficou a constar, entre o mais, que:

“Nos presentes autos, peticiona o A. o seguinte:

1.1 Que, ante os factos provados, liquidado integralmente o preço, estando a 1ª Ré em mora no cumprimento da obrigação, e ante a recusa ilegítima em cumprir a obrigação, seja proferida decisão que supra os efeitos da declaração negocial em falta e que seja declarada por Sentença, a transmissão para a autor da metade da fração E, do prédio urbano situado na (…), praia da (…), freguesia de Lagoa, inscrito na matriz urbana da freguesia de Lagoa sob o artigo (…) descrita na conservatória do Registo Predial sob o n.º (…), de Lagoa.

1.2 Com o cancelamento da apresentação n.º (…), de 2002/03/27, em nome de (…) de quem a 1ª Ré é a única herdeira.

1.3 Que se considere ainda que a instauração pela 1ª Ré (…) e seus familiares, da ação de divisão de coisa comum, em curso no Juízo Local Cível-J1, de Portimão, com o n.º 751/16, ante a factualidade provada, é ilegítima e em claro abuso do direito, com as legais consequências.

1.4 Posto que, a 1.ª Ré (única titular do bem registado) não carece, no caso em concreto, de qualquer interesse em agir, por não ser titular de qualquer direito que reclame tutela judicial, conforme se decidiu nas ações judiciais.

1.5 Que, a instauração de tal ação visou para os RR, a utilização abusiva na tentativa de, por tal via, os RR obterem um fim ilícito ou ilegítimo que, no caso, é prejudicar simplesmente os direitos reclamados pelo autor, com o recurso ilegítimo a tal ação, para supostamente dividir o bem que os RR prometeram alienar receberam o respetivo preço, sem no entanto ter sido celebrado pela 1ª Ré o ato notarial de venda ao autor, da metade da fração cujo direito de cessão contratual lhe foi cedido em face da nomeação como beneficiário de tal direito, com o reconhecimento expresso dos RR (FQ).

2) Que, em face da factualidade acima apresentada, que causou danos, devem os RR ser condenados, solidariamente a pagar aos autores:

a) A quantia de € 150.000,00 dos danos materiais referidos e quantificados no artigo 64º e bem assim nos valores vincendos, à razão de € 2.033,34, por cada mês ou fração, até ao trânsito em julgado da decisão referida em 1.1, acrescido de juros à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento.

No processo n.º 490/10.3TBPTM, intentado pelo aqui autor contra a aqui ré (…) e seus falecidos pai e irmão, dos quais foi única e universal herdeira, peticionara o A. o seguinte:

1. Que a presente acção seja julgada procedente, por provada, e, em consequência seja proferida decisão que supra os efeitos da declaração negocial em falta e que seja declarada por Sentença a transmissão para os autores da metade da fracção autónoma identificada pela letra E, do prédio urbano situado no lugar da (…), freguesia de Lagoa, inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo (…), descrito na conservatória do registo predial de Lagoa sob o n.º (…) registada ainda em nome dos três primeiros Réus, sem determinação de parte ou direito pela inscrição correspondente à apresentação n.º (…), de 2002/03/27, para a esfera jurídica dos Autores;

2. Com o subsequente cancelamento do registo de propriedade daquela metade da fracção E, na conservatória predial ;

3. Que, tal como se reconheceu já na decisão judicial e no acórdão do TRE referido em 31 e 56, numa acção de execução especifica relativa a outra fracção, se reconheça agora, que os RR, receberam todo o preço contratual devido pela venda da metade da fracção E, no valor de € 35.142,59, conforme confessam, aliás em documentos emitidos pelos RR.

ou,

4. Por mera cautela de patrocínio, na eventualidade de se reconhecer aos RR o direito a receberem o valor que reclamam de € 50.000,00, que o mesmo seja fixado na parte proporcional dos AA, em € 4.545,45 (cfr. artigo 67º), notificando-se, neste caso, os AA, para os termos do n.º 5 do artigo 830.º do Código Civil;

ou,

5. Na eventualidade de se entender, e, por mero dever de patrocínio, que os RR têm a receber dos AA, o valor que referem como, supostamente em dívida pelo (…), dos tais € 50.000,00, supostamente em dívida, que os AA sejam notificados nos termos do n.º 5 do artigo 830.º do Código Civil;

Ali, a causa de pedir radicava no facto de o autor ter sido nomeado para com ele ser celebrada a escritura de compra e venda da fracção E.

A sentença de primeira instância julgou a ação improcedente, tendo sido revogada na Relação por acórdão que julgou a causa procedente.

Tal acórdão foi posteriormente objeto de revista, que determinou a sua revogação e a reposição da decisão de improcedência da ação.

Escreveu-se nesse acórdão do STJ, nomeadamente, que:

A questão que agora cumpre analisar com vista à tomada de decisão tem a ver com a posição jurídica dos AA no negócio jurídico em discussão, uma vez que os mesmos não foram os promitentes/compradores em tal contrato, invocando nos autos, e em sustentação da posição jurídica que assumem, a aquisição dessa posição por via de um contrato para pessoa a nomear […]

Na situação em apreço estamos perante um contrato promessa celebrado entre os aqui RR (recorrentes) e o já referido (…), contrato no qual os contraentes não contrataram qualquer direito de nomeação de outra pessoa para nesse contrato intervir por eles ou em vez deles, tendo sido somente reservado o direito à nomeação de outra pessoa para o contrato de compra e venda prometido, motivo pelo qual são inaplicáveis as regras respeitantes ao contrato para pessoa a nomear, previsto no artigo 452.º do Código Civil.

Como vem sendo entendimento retirado deste STJ (vide neste sentido e entre outros os acórdãos de 23/1/1986 – BMJ 353/429 - de 16/10/90 - BMJ 400/612 - de 26/2/91 e de 1/4/98, estes em www.dgsi.pt) o contrato promessa que apenas insere no seu clausulado a faculdade a que se reserva o promitente comprador de designar outra pessoa que outorgue, na posição de comprador, o contrato de compra e venda prometido não se identifica com o contrato para pessoa e nomear; para que se verifique um contrato para pessoa a nomear tornar-se-ia necessário que no clausulado relativo à celebração da promessa o promitente comprador se reservasse a faculdade de designar uma outra pessoa para assumir a sua posição no contrato promessa como se com essa pessoa ele tivesse sido celebrado.

Só nesta hipótese, que no caso, está completamente afastada, é que nos termos do artigo 452.º, n.º 1, do CC, o designado assumiria integralmente a posição do promitente-comprador e poderia nos termos do artigo 830.º do CC, desde que reunidos os pressupostos legais ali previstos, requerer a execução específica […]

Uma vez que, nos termos do que fica exposto, o A não é parte (originária ou substitutiva) no contrato promessa, ele não assumiu nem poderia assumir, de acordo com a factualidade assente, a posição do promitente-comprador e não pode obvia e consequentemente recorrer à execução específica nos termos previstos na norma contida no n.º 1 do referido artigo 830.º, continuando a radicar esse direito na esfera jurídica do promitente comprador (…). (…)

O seja, tudo visto, o que se verifica é que a base da causa de pedir do autor continua ainda hoje a ser a comunicação de 17 de outubro 2008, efetuada por (…) ao representante legal do autor, a qual era na primitiva ação qualificado como nomeação no âmbito de contrato para pessoa a nomear e é agora qualificado como cessão de posição contratual.

Trata-se, pois, como se referiu, do mesmo facto.

Ainda que se considere que a qualificação anteriormente conferida ao mesmo pudesse estar equivocada, não se nos afigura que seja possível intentar nova ação com o intuito de corrigir essa qualificação, sendo o facto o mesmo.

As partes na apresente ação são também as mesmas da primitiva ação, com a ressalva de que aqui também se demandam (…) e a mulher deste, embora a responsabilidade destes dois réus se prenda com o pedido de pagamento de indemnização decorrente de danos causados pela factualidade que o autor descreve na petição inicial.

No entanto, entendemos que se não pode proceder o pedido de execução específica, por se considerar que não assiste ao autor o direito em que se baseia a sua demanda, fica prejudicada a pretensão de obtenção de indemnização emergente de facto ilícito, posto que quanto a este invocado facto ilícito existe caso julgado.

Ou seja, ocorre aqui uma situação de preclusão por decorrência do efeito de autoridade de caso julgado. (…)

Assim, julga-se verificada a existência da exceção de caso julgado quanto ao pedido de execução específica e pedidos do mesmo dependentes e, em particular, quanto ao pedido de indemnização, fica a apreciação do mesmo precludida em virtude da existência de autoridade de caso julgado.

Termos em que, ao abrigo do disposto nos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, ambos do Código de Processo Civil, se decide absolver os réus da instância quanto a estes pedidos.”

b) Deste despacho foi interposto recurso de apelação, que foi julgado improcedente, mas o R. apresentou recurso de revista, que se encontra pendente, onde formulou, designadamente, as seguintes conclusões nas suas alegações:

“17ª. Definindo-se neste Vdº tribunal, o direito aplicável designadamente na questão do pedido principal que consiste em saber:

a) Se, perante a decisão proferida no R, acórdão 490/10 que ali decidiu que a ação era julgada improcedente porquanto o autor, de acordo com a factualidade provada, não demonstrou ter legitimidade substantiva para o êxito da ação tal como havia julgado o tribunal da Relação de Évora.

b) Se, perante a nova ação, que envolveu outras partes diferentes da anterior ação, ocorre a identidade dos intervenientes ou se, tal como se salientou nas alegações, não sendo as partes as mesmas da primitiva ação, tal facto afasta o fundamento da identidade das partes, não ocorrendo, no caso, a tríplice identidade.

c) Bem como, perante a nova causa apresentada na ação – cessão de posição contratual, a que acresce o novo facto com relevância na ação como é o caso do facto provado como alínea KK, na ação 632/16, temporalmente distante da 1ª decisão, afasta o fundamento do artigo 581.º do caso julgado.

d) Se, ante a decisão proferida no acórdão 490/10 e, perante o disposto nos artigos 619.º e 621.º do C.P.C., a decisão a proferir na ação, colide com a anterior decisão na eventual procedência da ação, verificado que seja a condição ou facto que impediu a procedência da anterior ação, verificados que estão os demais requisitos para a execução especifica do contrato à luz do que dispõe o artigo 830.º do C.P.C. e, designadamente:

- O contrato de cessão permanece válido.

- Há ilegítima recusa da 1ª ré no seu cumprimento.

- O preço encontra-se totalmente liquidado desde 30.9.2002 como se deu como provado nomeadamente na anterior ação 490/10.

e) Entendendo-se que, a decisão deste Vdº tribunal deverá seguir a jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente resumida no acórdão 7808/19 de 21 de março de 2023, em que ali se concluiu:

I. Não se verifica a excepção de caso julgado quando se procure, com nova acção, preencher um facto cuja falta, em acção anterior, constituiu obstáculo à procedência da pretensão aí deduzida.”

2. Nulidade do despacho sindicado

Invoca o R. a nulidade do despacho sindicado, com fundamento na violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, onde afirma a nulidade da decisão que “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

Por força do disposto no artigo 613.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, a norma acima citada é aplicável aos despachos, “com as necessárias adaptações”.

Ora, é entendimento pacífico na jurisprudência que apenas os casos de absoluta falta de fundamentação de facto e de direito são suscetíveis de gerar a nulidade em apreço (neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07.05.2020 (Pinto Oliveira), Proc. n.º 58025/17.3YIPRT.E1.S1, e de 28.10.2020 (Chambel Mourisco), Proc. 75/18.6T8VFX.L1.S3, ambos in http://www.dgsi.pt/).

Atendendo, adicionalmente, a que não se cura aqui de uma sentença, mas antes de um despacho, a enunciação de fundamentos de facto e de direito deve efetuar-se na medida necessária e nos termos adequados à finalidade em causa, cumprindo-lhe revelar as razões determinantes da decisão proferida.

O limite a ter presente é aquele que se mostra traçado pelo artigo 154.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, onde se estabelece que “a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.”

Assim, retornando ao caso dos autos, verificamos que o despacho sindicado contém a indicação, ainda que sucinta, dos seus fundamentos de facto e de direito:

- começa por aludir ao trânsito em julgado da decisão final proferida no Processo n.º 632, facto que determina a cessação da suspensão da instância que havia sido decretada;

- de seguida, explica que o Processo n.º 2801 foi instaurado depois da presente ação, e descreve o pedido nele formulado, estabelecendo a conexão entre este e o Processo n.º 490; afirmando que aquele é uma repetição deste e apontando a razão que determinou a sua improcedência, da qual retira que não pode fazer-se um juízo de prognose favorável relativamente ao Processo n.º 2801; facto reforçado pelo despacho saneador proferido no Processo n.º 2801, onde foi julgada verificada a exceção dilatória do caso julgado;

- por fim, conclui que de todo o exposto se deve considerar que o Processo n.º 2801 foi instaurado com a intenção de obter uma nova suspensão da instância nos presentes autos.

Sobressai, aliás, das alegações de recurso que o R. identificou as razões subjacentes à decisão, mas que delas discorda, esgrimindo no recurso a sua diferente perspectiva sobre as mesmas, o que nos situa no plano do mérito do recurso, realidade distinta das nulidades da decisão.

Constatamos, pois, que o despacho sindicado não padece do vício que lhe é assacado, pelo que improcede a nulidade invocada pelo Réu.

3. Mérito do recurso

No caso em apreço o Tribunal a quo não disputa, no despacho sindicado, a circunstância de o Processo n.º 2801/22.0T8PTM poder constituir causa prejudicial relativamente à presente ação de divisão de coisa comum, rejeitando a suspensão da instância por entender que a ação que constitui causa prejudicial não é juridicamente viável.

Aduz, com efeito, o Tribunal a quo que em virtude desta nova ação ser a repetição de uma ação que foi já julgada improcedente não é possível, por um lado, fazer um juízo de prognose favorável quanto ao desfecho da nova ação, o que, adicionalmente, revela a falta de motivo legítimo para a sua propositura.

Daqui o Tribunal a quo extrai a conclusão de que esta nova ação foi intentada apenas para manter a presente instância suspensa.

Esta questão convoca, pois, o artigo 272.º do Código de Processo Civil, onde se diz que:

“1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.

2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.”

A suspensão da instância por virtude da pendência de causa prejudicial reconduz-se, assim, à situação em que a decisão proferida num processo constitui um pressuposto da decisão a proferir noutro processo ou afeta a decisão a proferir nesse outro processo, pelo que este último fica parado, a aguardar o trânsito em julgado do primeiro (Lebre de Freitas, Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, 3ª ed., Coimbra, 2014, pág. 535; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., Coimbra, 2024, pág. 350).

A economia e a coerência de julgados constituem, deste modo, a razão de ser deste instituto (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 350).

A leitura global e integrada do n.º 1 do artigo 272.º do Código de Processo Civil, à luz da sua génese, conduz à conclusão de que a razão da suspensão aí prevista é a existência de um motivo justificado, constituindo a causa prejudicial uma específica modalidade de motivo justificado (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.09.2023 (Pinto Oliveira), Proc. n.º 18/21.0YQSTR.L1.S1, in http://www.dgsi.pt/).

Distingue-se, depois, no âmbito do conceito de causa prejudicial, entre uma “dependência necessária” e uma “dependência meramente facultativa ou de conveniência”, distinção esta com influência na ponderação da conveniência da suspensão: “Inspirando-se em Manuel de Andrade, José Alberto dos Reis distinguia dois casos de prejudicialidade. Em primeiro lugar, encontrar-se-ia preenchido o requisito da primeira parte do artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil “quando na primeira acção se [discutisse], em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não [pudesse] resolver-se nesta em via incidental”. Entre as duas acções haveria então uma relação de dependência necessária. Em segundo lugar, encontrar-se-ia preenchido o requisito da primeira parte do artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ainda que na primeira acção se discutisse, em via principal, uma questão que pudesse resolver-se na segunda, desde que só em via incidental. Entre as duas acções haveria então uma relação de “dependência meramente facultativa ou de pura conveniência”. Enquanto, no primeiro caso, a decisão proferida na primeira acção afectaria necessariamente, teria de afectar a decisão a proferir na segunda, no segundo caso, a decisão proferida na primeira acção não a afectaria necessariamente, não teria de a afectar — simplesmente, poderia afectá-la”. (ibidem).

Em sede de aferição da inconveniência da suspensão o legislador aponta duas situações: ter sido visado, com a instauração da ação prejudicial, unicamente obter a suspensão da causa dependente; a fase da tramitação em que se encontra a causa dependente desaconselhar a suspensão.

Quanto à primeira situação, explicou Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, Coimbra, 1946, pág. 289) que se verifica “se o juiz se convencer de que a causa prejudicial não tem probabilidades algumas de êxito e foi atirada para o tribunal unicamente para fazer suspender a instância na causa dependente”.

Assim tem sido o referido preceito interpretado na jurisprudência (todos in http://www.dgsi.pt/):

- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.06.2004 (Ezaguy Martins) (Processo n.º 4181/2004-2):

“II- A prejudicialidade pode definir-se como a situação proveniente da impossibilidade de apreciar um objecto processual, o objecto processual dependente, sem interferir na análise de um outro, o objecto processual prejudicial”.

III- A existência de fundadas razões para crer que a causa prejudicial foi intentada unicamente para se obter a suspensão – n.º 2 do artigo 279.º do Cód. Proc. Civil – significa “se o juiz se convencer de que a causa prejudicial não tem probabilidades algumas de êxito e foi atirada para o tribunal unicamente para fazer suspender a instância na causa dependente”.

- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.01.2008 (Rui Vouga) (Processo n.º 7664/2007-1):

“I - Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a razão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda. Sempre que numa acção se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquela é prejudicial em relação a esta. Assim, por exemplo, a acção de nulidade de um contrato é prejudicial relativamente à acção de cumprimento das obrigações dele emergentes. A acção da anulação de testamento é prejudicial da acção de entrega de legado ou da acção de petição da herança fundadas no mesmo testamento.

II - Nos termos do n.º 2 do cit. artigo 279.º, o tribunal não pode ordenar a suspensão da instância se a propositura da acção prejudicial tiver tido exclusivamente em vista obter a suspensão; ou se o adiantamento da causa dependente for tal que, considerado o tempo previsível de duração da acção prejudicial, os prejuízos da suspensão superem as vantagens.

III - Para efeitos de suspensão da instância, a causa prejudicial não tem, necessariamente, de ser intentada antes da dependente. Para se decretar a suspensão da instância por prejudicialidade de uma outra acção é indispensável que esta já esteja proposta, mas não é necessário que o tenha sido em primeiro lugar.

IV - O disposto no artigo 279.º, n.º 2, do CPC não impede que a causa prejudicial, ao ser proposta, tenha como efeito e até como finalidade desejada por quem a propôs a suspensão da instância, o que o preceito pretende obstar é que ao propor essa acção a sua finalidade seja “unicamente” a de obter essa suspensão.”

- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10.11.2022 (Anabela Luna de Carvalho) (Processo n.º 1217/22.2YLPRT.E1):

“- O legislador preveniu, contudo, no n.º 2, duas situações em que essa racionalidade se deve ter por sacrificada: se houver fundadas razões para crer que a causa prejudicial foi intentada unicamente para se obter a suspensão da instância ou, se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens da mesma.

- A anterioridade da causa prejudicial não obsta, só por si, a que se demonstre que “aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão”. Ou seja, carregando, em si, o propósito único de interferência na ação principal. O que cabe à requerente da ação dependente demonstrar.

- O que obsta ao efeito suspensivo é o intentar duma ação prejudicial com o propósito único de obter a suspensão, não o propósito concorrente ou o prepósito secundário em relação a um outro juridicamente relevante.”

4. Regressando ao caso concreto, temos que a presente ação de divisão de coisa comum, entrada em juízo em 2016, foi suspensa em 2018 por força da pendência de uma causa prejudicial, a saber, o Processo n.º 632/16.5T8FAR, onde o aqui R. peticionou o reconhecimento da qualidade de proprietário da metade do prédio objeto da presente ação de que não é titular, com fundamento em usucapião ou acessão imobiliária.

Esta ação veio a ser julgada improcedente, tendo o último dos cinco Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça sido proferido a 08.09.2022, e o Acórdão do Tribunal Constitucional transitado em julgado a 15.09.2023.

Em 24.10.2022, segundo indica o R. nas alegações de recurso, este intentou uma nova ação, que corre termos sob o n.º 2801/22.0T8PTM, destinada ao reconhecimento do direito de execução específica relativo a contrato promessa cujo objeto é o prédio da presente ação, pretendendo haver para si a metade deste prédio de que são titulares os AA..

Em tal ação foi decidido, em despacho saneador, que o pedido nela formulado assenta em factualidade igual àquela que foi descrita pelo R. no Processo nº 490/10.3TBPTM, para obter o mesmo efeito jurídico, sendo as mesmas as partes.

Aquela outra ação foi julgada improcedente, por decisão transitada em julgado, pelo que no referido despacho saneador se concluiu pela verificação da exceção do caso julgado, absolvendo os aí réus da instância, despacho este do qual foi interposto recurso de apelação.

Este recurso de apelação já foi decidido, tendo sido julgado improcedente, do que dão conta ambas as partes, mas o R. interpôs recurso de revista, que se encontra pendente.

Ora, a primeira nota é a de que na contestação vertida nos presentes autos o R. formularam reconvenção que duplica os pedidos formulados no Processo n.º 632, sendo claro que o fizeram subsidiariamente, para a eventualidade de não ser suspensa a instância até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir naquele Processo.

Assim, tendo sido suspensa a instância dos nossos autos e mostrando-se proferida decisão final naquele Processo, com trânsito em julgado, não só por força do caráter subsidiário da reconvenção, como também em virtude do caso julgado material, não haverá lugar aqui à apreciação da reconvenção.

O novel Processo n.º 2801 trata da questão da execução específica de um contrato promessa que tem por objeto o imóvel destes autos e, em termos práticos, a repercussão da respetiva decisão nos mesmos é equivalente à repercussão da decisão do Processo n.º 632, onde se abordou o tema da aquisição por usucapião ou acessão, isto é, se for reconhecido o direito de que os R. se arroga titular, passará este a ser proprietário da totalidade do prédio aqui em divisão, pelo que esta ação perderá a sua razão de ser.

Sob este prisma, confirma-se que o Processo n.º 2801 tem um objeto que estabelece uma relação de interferência com o nosso, de modo que é apto a afetá-lo e de modo substancial, estabelecendo-se uma dependência necessária.

Está firmado o entendimento, por outro lado, de que a causa prejudicial não tem necessariamente de ser prévia à ação dependente, como decorre da jurisprudência acima citada, e é aquilo que aqui sucede.

A vexata quaestio radica, consequentemente, em saber se este Processo n.º 2801 foi intentado unicamente para manter a suspensão destes autos, o que implica determinar se a pretensão nele deduzida pelo R. não tem probabilidades “algumas de êxito”, no fundo, cura-se de saber se a ação agora invocada constitui tão somente um expediente dilatório relativamente aos presentes autos.

A esta luz, o n.º 2 do artigo 272.º do Código de Processo Civil está alinhado com o disposto no artigo 6.º do mesmo diploma legal, atinente ao dever de gestão processual, em cujo n.º 1 se consigna, designadamente, que o juiz deve “dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório”.

Ora, o Processo n.º 2801 foi instaurado logo após o trânsito em julgado do último Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Processo n.º 632, porquanto aquele evento data de 24.10.2022 e este de 08.09.2022, assim, quando o R. deu entrada da ação n.º 2801, os meios comuns mostravam-se já integralmente exauridos quanto ao Processo n.º 632, pois o aqui R. e aí A. interpôs revista normal e excecional, arguiu a nulidade e pediu a reforma de ambos os Acórdãos, e ainda reclamou para a Conferência relativamente ao primeiro Acórdão.

No Tribunal Constitucional o recurso nem sequer foi apreciado, por se ter considerado inepto o respetivo requerimento, atenta a falta de delimitação do objeto do processo, mesmo após notificação do recorrente para suprir a insuficiência, pelo que o Tribunal Constitucional não se apresentava, na realidade, como um caminho viável.

Por outro lado, a circunstância do despacho saneador ter sido confirmado pelo Tribunal da Relação permite fazer um juízo de prognose desfavorável relativamente ao reconhecimento da pretensão do aqui R. e aí A. no Supremo Tribunal de Justiça, na medida em que os dois primeiros níveis da organização judiciária se pronunciaram em igual sentido sobre a questão.

Estas circunstâncias consentem o juízo de que perante o esgotamento da causa de suspensão da instância consubstanciada no Processo n.º 632, o R. lançou mão de outro meio para manter a referida suspensão, o Processo n.º 2801, o qual não revela probabilidades de êxito.

Em face do exposto, mantém-se a decisão recorrida.

5. As custas são suportadas pelo R., que fica vencido (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

IV – Dispositivo

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.

Custas pelo R..
Notifique e registe.
Sónia Moura (Relatora)
Ricardo Miranda Peixoto (1º Adjunto)
Maria Adelaide Domingos (2ª Adjunta)