DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
CITAÇÃO DE SOCIEDADES
SEDE SOCIAL
CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO
Sumário

E, ao contrário do que parece entender agora a Recorrente, esta já era a segunda carta (a que ficou depositada), não tendo que lhe ter sido enviada ainda uma terceira – recorde-se que não levantou a primeira e foi-lhe remetida uma segunda; a esta, a Recorrente quer acrescentar a remessa duma carta adicional, que seria então a terceira, o que aquele regime legal supra transcrito não prevê.

Texto Integral

RECURSO N.º 269/24.5T8CBA.1.E1 – APELAÇÃO (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE CUBA)

Acordam os juízes nesta Relação:

A Requerida/apelante “(…), Lda.”, com sede na Rua (…), n.º 22, em Cuba, vem interpor recurso da douta sentença que foi proferida a 04 de Fevereiro de 2025 (ora a fls. 91 a 93 verso dos autos) e que declarou a sua insolvência, peticionada no Juízo de Competência Genérica de Cuba pela Requerente/apelada “(…) House, Lda.”, com sede na Rua (…), n.º 648, no Porto (com o fundamento aduzido na douta sentença de que “O montante da obrigação, que é expressivo, e a sua natureza, somado com a longevidade do incumprimento, a informação de cessação de atividade da requerida e a ausência de prestação de contas desde 2022, levam à conclusão pela impossibilidade de cumprimento pontual, pela requerida, da generalidade das suas obrigações vencidas”), intentando agora a sua revogação e que venha a declarar-se a nulidade dessa douta sentença, por falta de citação, e terminando as suas alegações com a formulação das seguintes Conclusões:

I. Contra a recorrente foi intentada uma acção de insolvência no Tribunal a quo e proferida douta sentença que decretou a insolvência da recorrente e que aqui se recorre.
II. A recorrente não foi devidamente citada e, por tal facto, apenas teve conhecimento que contra si existia o processo de insolvência quando recebeu a sentença ora sob recurso e cuja notificação foi levantada nos CTT, no dia 13-02-2025 e posterior consulta dos autos.
III. A recorrente invoca nas suas alegações a nulidade insanável da douta sentença, sustentando a sua tese na nulidade da sua citação com base no normativo invocado – artigo 246.º do Código de Processo Civil e normas das subsecções anteriores com as necessárias adaptações.
IV. A recorrente, ao não ser citada, não teve oportunidade, como pretende contestar a acção contra si peticionada.
V. A douta sentença proferido pelo Tribunal a quo não teve em atenção que a recorrente tinha de ser citada por carta registada com aviso de recepção e não por depósito (artigo 246.º do Código de Processo Civil).
VI. A recorrente invoca a nulidade da douta sentença por falta de citação (arts. 188.º e 191.º, ambos do Código de Processo Civil).

Nestes termos e nos mais de Direito que o Venerando Tribunal da Relação de Évora doutamente suprirá, deve ser julgado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, proferindo douto Acórdão que vá no sentido de serem declarados nulos todos os actos posteriores à data da entrada da acção de insolvência no Tribunal. Mais, V. Excelências, Venerandos Desembargadores, melhor decidirão, fazendo Justiça, como é o Estilo do Tribunal da Relação de Évora.

Não foram apresentadas contra-alegações.

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Provam-se, com interesse para a decisão, os factos que constam supra do Relatório e, ainda, os seguintes, resultantes da tramitação do processo:

1) A 21 de Novembro de 2024 instaurou a requerente (…) – House, Lda. contra a requerida (…), Lda., no Juízo de Competência Genérica de Cuba, a presente acção de insolvência, onde peticionou a declaração desse estado contra a mesma, nos termos e com os fundamentos que constam do seu douto articulado que agora constitui fls. 23 a 26 verso dos autos, e cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido (a data de entrada está aposta a fls. 3).
2) Consta da Certidão Permanente de Registos emitida em 08-11-2024 e válida até 08-11-2025, relativa à Requerida, que a mesma tem a sua sede social na Rua (…), n.º 22, em Cuba, aí constando igualmente que é essa, também, a residência da sua única sócia e gerente … (vide o seu respectivo teor a fls. 4 verso a 7 verso dos autos).
3) O mesmo resultando da Certidão Permanente consultada pelo Tribunal em 22-11-2024 para efeitos de citação, na sequência da prolação, a 21-11-2024, do douto despacho inicial de fls. 27 verso (vide fls. 28 a 31 dos autos).
4) Sede da Requerida para onde foi enviada a carta registada com o aviso de recepção para sua citação em 22-11-2024, conforme fls. 31 verso a 32 verso dos autos.
5) Tendo tal expediente sido devolvido ao Tribunal a 05-12-2024, sendo deixado aviso, tudo conforme fls. 57 verso a 58 verso dos autos.
6) Pelo que em 10 de Dezembro de 2024 foi proferido o douto despacho de fls. 59 verso dos autos, que aqui também se dá por inteiramente reproduzido.
7) Motivando a remessa de nova carta registada com aviso de recepção a 19-12-2024 e efectuado o seu depósito “no Receptáculo Postal Domiciliário da morada indicada” (vide fls. 60 a 61 verso e 86 a verso).
8) Em 04 de Fevereiro de 2025 foi proferida douta sentença a declarar a Requerida em estado de insolvência (vide o respectivo teor completo a fls. 91 a 93 verso dos autos, aqui igualmente dado por reproduzido na íntegra).
9) Onde se exarou a fls. 91, d’entre o demais, que: “Devidamente citada, a requerida não contestou, pelo que, nos termos do artigo 30.º, n.º 5, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, julgam-se confessados os factos alegados na petição inicial, que aqui se dão por reproduzidos”.
10) A carta registada a notificar a gerente da Requerida, (…), da douta sentença proferida, foi também enviada para aquela morada em 04 de Fevereiro de 2025, conforme fls. 123 a verso dos autos.
11) E em 25 de Fevereiro seguinte a Requerida interpôs recurso da douta sentença que a declarou em estado de insolvência, por douto requerimento com as alegações e conclusões (vide o seu teor completo a fls. 139 a 142 e estando a respectiva data de entrada aposta a fls. 138 dos autos).
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Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem é a de saber se o Tribunal a quo andou bem ao decretar a insolvência da Requerida/Apelante “(…), Lda.”, mormente por não se mostrar a mesma devidamente citada para a acção – que o recurso não versa, por opção da recorrente, o próprio mérito da decisão, rectius se estão afinal preenchidos os pressupostos que a lei prevê para a declaração desse estado de insolvência. Tal o que hic et nunc está em causa como se vê das conclusões alinhadas no recurso apresentado e supra já transcritas na íntegra para melhor percepção da própria questão solvenda.
[O que a Apelante mais veemente traduz na sua seguinte conclusão: «III. A recorrente invoca nas suas alegações a nulidade insanável da douta sentença, sustentando a sua tese na nulidade da sua citação com base no normativo invocado – artigo 246.º do Código de Processo Civil e normas das subsecções anteriores com as necessárias adaptações.»]
Pois, como é sobejamente conhecido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC), naturalmente sem prejuízo das questões cujo conhecimento ex officio se imponha (vide artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, desse mesmo Código).
Vejamos, então, a única questão suscitada no recurso.

Quanto à problemática da citação – ou da falta dela –, a interessada aduz: “V. A douta sentença proferido pelo Tribunal a quo não teve em atenção que a recorrente tinha de ser citada por carta registada com aviso de recepção e não por depósito (artigo 246.º do CPCivil). VI. A recorrente invoca a nulidade da douta sentença por falta de citação (artigos 188.º e 191.º, ambos do CPCivil)”.
Mas a Apelante não tem razão, salva naturalmente outra, melhor, opinião.
A primeira carta de citação (registada com aviso de recepção, nos termos exigidos pelo n.º 1 do artigo 228.º do CPC, aplicável às pessoas colectivas ex vi do n.º 1 do seu artigo 246.º) foi enviada para a sede social da Requerida, que era para onde tinha naturalmente que o ter sido.
A morada para que foi enviada a carta de citação era a que constava como sendo a da sede da requerida na certidão permanente de registos, a fls. 4 verso a 7 verso dos autos (Rua …, n.º 22, em Cuba).
Nem, de resto, vem por ela dito que não fosse essa a sua sede.

Tal expediente foi devolvido ao Tribunal a 05-12-2024, mas deixado ali, na morada, aviso da ocorrência, conforme fls. 57 verso a 58 verso dos autos.
A segunda carta – depois de encetadas as diligências ordenadas no douto despacho proferido em 10 de Dezembro de 2024 (a fls. 59 verso dos autos), que se relacionaram com a averiguação do registo de endereço electrónico da pessoa colectiva associado à sua área digital de acesso reservado, nos termos do n.º 7 do mencionado artigo 246.º – foi remetida sob registo e também com aviso de recepção para a mesma morada da tentativa anterior, nos termos dos n.os 9 e 10 do artigo, que rezam: “9 - Se não for possível efetuar o envio por via eletrónica previsto no n.º 6, devido à falta de registo, pela citanda, do endereço de correio eletrónico nos termos do número anterior, efetua-se uma segunda tentativa de citação, por via postal, através do envio à citanda da carta registada com aviso de receção a que se refere o n.º 4 do artigo 229.º, advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º e observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º e no n.º 3 do artigo 245.º, e dá lugar ao pagamento de taxa fixada no n.º 2 do artigo 9.º do Regulamento das Custas Processuais. 10 - A carta a que se refere o número anterior e o aviso previsto no n.º 6 do artigo 230.º-A são endereçados para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas”.
Ora, aquele n.º 4 do artigo 229.º ali referenciado exara justamente que “4 - Sendo o expediente devolvido por o destinatário não ter procedido, no prazo legal, ao levantamento da carta no estabelecimento postal ou por ter sido recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por pessoa diversa do citando, nos termos do n.º 2 do artigo anterior, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção ao citando e advertindo-o da cominação constante do n.º 2 do artigo seguinte”. E aquele n.º 5, igualmente referenciado: “5 - No caso previsto no n.º anterior, é deixada a própria carta, de modelo oficial, contendo cópia de todos os elementos referidos no artigo 227.º, bem como a advertência referida na parte final do n.º anterior, devendo o distribuidor do serviço postal certificar a data e o local exato em que depositou o expediente e remeter de imediato a certidão ao tribunal; não sendo possível o depósito da carta na caixa do correio do citando, o distribuidor deixa um aviso nos termos do n.º 5 do artigo 228.º”.
Finalmente, pelo n.º 2 do artigo 230.º se estabelece que: “2 - No caso previsto no n.º 5 do artigo anterior, a citação considera-se efetuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado o aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados”.
Pelo que, tendo sido rigorosamente cumprido o regime legal que se acaba de transcrever, como resulta da factualidade também descrita, não visualizamos que tenha havido qualquer problema com a citação efectuada e o modo como o foi.
E, ao contrário do que parece entender agora a Recorrente, esta já era a segunda carta (a que ficou depositada), não tendo que lhe ter sido enviada ainda uma terceira – recorde-se que não levantou a primeira e foi-lhe remetida uma segunda; a esta, a Recorrente quer acrescentar a remessa duma carta adicional, que seria então a terceira, o que aquele regime legal supra transcrito não prevê.

Razões pelas quais, nesse enquadramento fáctico e jurídico, se terá agora que manter, intacta na ordem jurídica, a douta sentença da 1ª instância que veio a decretar o estado de insolvência da requerida, em consequência do que se tem, também, que julgar improcedente o presente recurso de Apelação.
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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pela massa insolvente (artigo 304.º do CIRE).
Registe e notifique.
Évora, 22 de Maio de 2025
Mário João Canelas Brás (Relator)
Maria Domingas Simões (1ª Adjunta)
Cristina Dá Mesquita (2ª Adjunta)