1. - Constituindo a reclamação à relação de bens em processo de inventário um incidente, a que se aplicam as disposições gerais dos incidentes da instância, a respetiva tramitação carateriza-se pela brevidade e simplicidade, também no plano probatório e de garantias das partes/interessados (art.ºs 1091.º, n.º 1, 1105.º, n.ºs 1 a 3, e 292.º a 295.º, todos do CPCiv.)
2. - Por isso, em atenção ao interesse da celeridade e simplicidade, o direito à prova e as garantias das partes sofrem limitações naquele âmbito incidental, comparativamente com o que ocorre no processo declarativo comum.
3. - Na reclamação à relação de bens não estão em causa questões que se prendam com a admissibilidade do processo ou com a definição de direitos dos interessados diretos na partilha (a que alude o art.º 1092.º, n.º 1, do CPCiv.), mas com o ativo e o passivo da herança (os bens, sua identificação e seu valor, os créditos e as dívidas e respetivo montante), relacionados ou indevidamente em omissão, a que é aplicável a possibilidade de abstenção de decisão e remessa para os meios comuns, de acordo com os art.ºs 1093.º, n.º 1, e 1105.º, n.º 5, ambos do CPCiv..
4. - Nesse âmbito, é de admitir a remessa para os meios comuns se a complexidade da matéria de facto subjacente à questão – envolvendo ampla indagação fáctica ou a produção demorada/extensa de meios de prova – tornar inconveniente a sua apreciação incidental, com tramitação menos solene e garantística do que a do processo comum, por implicar redução de garantias de defesa das partes.
5. - Em tais casos, os valores da segurança e da justiça não devem ser postos em causa perante o interesse da maior celeridade na conclusão do processo de inventário.
6. - Discutindo-se na reclamação à relação de bens a questão da falta de relacionação da quantia de € 365.000,00, transferidos para a cabeça de casal (que esta liquidou de uma conta bancária, de que o inventariado também era titular, e creditou noutra), respetiva titularidade e existência ou não de doação àquela, é correta a decisão de remessa para os meios comuns, por a questão carecer de ampla indagação fáctica e aturada produção de meios de prova, só assim se assegurando as necessárias garantias dos interessados, devendo prevalecer os valores da segurança e da justiça.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – Relatório
Em autos de inventário por óbito de AA, falecido a ../../2017 e melhor identificado nos autos, apresentada pela Cabeça de casal – BB, com os sinais dos autos (mulher/viúva do inventariado) – a relação de bens, foi pela interessada CC, também com os sinais dos autos (filha do inventariado), deduzida reclamação à relação de bens ([1]), a que aquela Cabeça de casal respondeu, após o que foi apresentada nova relação de bens, seguida de diversas vicissitudes processuais, âmbito em que também teve lugar a realização de diligências probatórias indicadas pelas partes.
Com data de 15/05/2023, foi proferida decisão incidental, com o seguinte dispositivo:
«Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a reclamação à relação de bens e em consequência:
I) Decido remeter os interessados para os meios comuns quanto à questão da falta de relacionação da quantia de 365.000,00€ transferidos para a cabeça de casal em 14/05/2015, não se determinando a suspensão do processo de inventário;
II) Aditar à relação de bens os bens nos termos acordados em sede de produção de prova, nos termos acima consignados, e em acta de 23/03/2022 ([2]).
III) Aditar à relação de bens metade de um veículo automóvel da marca Peugeot, modelo 106;
IV) Aditar à relação de bens o valor de 10.354,27€, respeitante a saldo bancário da conta n.º 00...82 do Banco 1... S.A.;
V) Determinar que na relação de bens a verba n.º 13 deverá ser relacionada como legado à cabeça de casal;
VI) No demais, julgar improcedente a reclamação à relação de bens.».
Inconformada, a Reclamante interpôs recurso, vindo esta Relação (doravante, TRC), por acórdão datado de 10/09/2024, a anular, oficiosamente, a decisão recorrida, por deficiência e obscuridade no plano da fundamentação da decisão da matéria de facto, para prolação de nova sentença que superasse o deficit ocorrido.
Em obediência ao determinado, a 1.ª instância proferiu nova decisão incidental, datada de 15/11/2024, cujo dispositivo em nada difere do que constava da decisão de 15/05/2023.
Novamente inconformada, a Reclamante vem interpor o presente recurso, com motivação, pedido de fixação de efeito suspensivo e conclusões, tudo para pugnar pela revogação em parte da decisão recorrida, a dever ser substituída por outra.
É do seguinte teor o seu acervo conclusivo:
«1 – Uma vez que o que se pretende é que a matéria constante dos pontos d), e) e f) dos Factos Não Provados, possam ainda ser discutidos nos meios comuns, deve, nos termos do artigo 1123º do C.P.C., ser atribuído ao presente recurso efeito suspensivo, quanto à decisão recorrida, e posteriormente ser suspensa a instância até decisão final, apesar dos efeitos da transacção de 18/12/2023 dos autos.
2 – Nos autos as declarações da reclamante CC, contrariamente ao constante da motivação de facto da decisão de saneamento, não se mostram verdadeiramente validadas e interpretadas.
3 – Nos autos é claro a existência da transferência bancária em 14-05-2015, para a conta da cabeça de casal, devendo assim pelo menos o valor de metade de € 182.500,00, ser considerado doação em vida feita pelo falecido a favor da cabeça de casal.
4 – Nos autos impõe-se análise criteriosa da matéria factual dos imóveis relacionados, não podendo deixar de ser levado em conta pelo tribunal “as avaliações matriciais”, ocorridas em 1970/71, facto público e notório, no concelho ..., ... e ..., e que permitiu ao inventariado, colocar em seu nome os imóveis, nomeadamente os adjudicados às inventariadas suas filhas, e referidas nas Certidões de Inventários , referidas nos autos, ocorridas em 1935 e 1954, conforme certidões judiciais juntas aos autos.
5 – É que, quando a complexidade dos motivos de facto subjacentes às questões suscitadas no incidente de reclamação contra a Relação de Bens, tornam inconveniente a apreciação da mesma matéria (matéria de facto) por implicar redução das garantias das partes, o juiz deve abster-se de decidir e remeter os interessados para os meios comuns, como se impõe no caso dos autos.
6 – Os pressupostos da decisão de relacionamento da verba existente na conta do Banco 1..., são os mesmos que impõem que se relacione como valor doado à cabeça de casal de €182.500,00, não havendo necessidade nesta questão, de as partes serem remetidas para os meios comuns. E assim,
7 – Devem manter-se como provados os pontos 1 a 6 dos Factos Provados.
8 – Deve ser aditado aos Factos Provados o Ponto 7, com o seguinte teor:
“O valor creditado na conta da cabeça de casal Nº PT50 ...00 e doado à mesma corresponde ao valor de metade de € 182.500,00, e como tal ser relacionado na relação de bens.”
9 – Devem passar a elencar a lista de Factos Provados, e que fazem parte da lista dos Factos “Não Provados” ao constante da alínea d), e) e f), e com os seguintes termos:
Ponto d):
“Há indícios de que as verbas 18, 19, 20, 24, 29, 34, 36, 37, 38 e 40 da relação de bens (relação de 24/05/2021), poderão integrar as heranças de DD, mãe da reclamante, e de sua irmã EE (Proc. Inv. Nº 14/35 e Proc.28/54), e podendo assim ser propriedade da reclamante e de suas irmãs, não podendo integrar de forma plena a herança do falecido AA “.
Ponto e):
“ O Inventariado, conforme resulta de alguma documentação existente nos autos, poderá ter vendido sem autorização da reclamante e de suas irmãs, os seguintes bens imóveis, que as mesmas haviam herdado nos inventários n.ºs 14/35 e 28/54 por óbito de FF (avô das interessadas) e de DD (mãe das interessadas): a) – Terreno na ... – vendido a GG – ...; b) – Terreno da ... para a escola – Artº ...60 – vendido por oito mil escudos; c) – Vinha do ... – vendido a HH; e) A título de despesas de funeral e de aquisição de terreno para a campa da inventariada o cabeça de casal suportou um custo de 2.253,00€; d) – ... ( da ...) vendido a II ( boa noite ) – artº 57-B; e) – Casa de habitação da avó, quintal e celeiros, vendido a JJ; f) – Armazém (Adega) ..., vendido a KK; g) – Armazém em ..., vendido a LL; h) – Charneca de mato e pinhal nas ..., ..., vendido a MM – artº 2155; e i) – Vendeu a casa dos ..., pertença da tia avó.”
Ponto f):
“Os prédios urbanos constantes das verbas 14 e 15, da relação de bens, artigo 862 e 1242, foram construídos pelo inventariado, parcialmente na verba nº 28, artigo 10060, sendo que conforme resulta das certidões judiciais, e da descrição registral Nº 4188, pelo menos ½ (metade) pertence à reclamante e suas irmãs, constituindo sempre tais construções benfeitorias, construídas em terreno de terceiros.”
10 – De verdade, e resulta das certidões judiciais do processo de Inventário Nº 14/35 (este traduzido) instaurado por óbito do avô da interessada, FF, e o Inventário Nº 28/54, instaurado por óbito de sua mãe DD, sendo ainda a requerente e suas irmãs as sucessoras de sua avó NN, e sua tia EE, conforme Escrituras de Habilitação junta aos autos em 20-04-2022 (Refª 41994727), com uma quase certeza, que
u) – A verba Nº 18 – art. 252 – pertence à reclamante e irmãs – e é a verba Nº 23, do Processo de Inventário Nº 28/54, por óbito de sua mãe – pertença da mãe, avó e tia, - art. 3731 – (vide semelhança confrontações) (Doc. Nº 6)
v) – A verba Nº 19 – art. 1054 – pertence à reclamante e irmã – é a verba Nº 17, do Processo de Inventário Nº 28/54 – instaurado por óbito de sua mãe – herança de mãe, avó e tia – art. 1054 – (vide semelhança confrontações) - (Doc. Nº 7)
w) – A verba Nº 20 – art. 842 – pertence à reclamante e irmãs – e é a verba Nº 13 do Processo de Inventário Nº 28/54, por óbito de sua mãe – herança de mãe, avó e tia – art. 3259 – (vide semelhança confrontações – ...) (Doc. Nº 8)
x) – A verba Nº 21 – art. 2019 – pertence 2/3 à reclamante e suas irmãs – 1/3 à herança, e é a verba nº 7 do Processo de Inventário Nº 28/54, por óbito de sua mãe – herança de mãe, avó e tia – art. 5235 – (vide semelhança das confrontações) (Doc. Nº 9)
y) - A verba Nº 22 foi vendida pelo inventariado a GG. (Doc. Nº 10)
z) – A verba Nº 23 – art. 32 – pertence 2/3 à reclamante e suas irmãs – e 1/3 à herança, e é a verba Nº 11 do Processo de Inventário Nº 28/54, por óbito de sua mãe – herança de sua mãe, avó e tia – art. 3852 – (vide semelhança das confrontações) (Doc. Nº 11)
aa) – A verba Nº 24 – art. 1091 – pertence à reclamante e suas irmãs – é a verba Nº 14 do Processo de Inventário Nº 28/54, por óbito de sua mãe – herança da mãe, avó e tia – art. 3188 - (vide semelhança das confrontações) (Doc. Nº 12)
bb) – A verba Nº 25 – art. 777 – pertence à reclamante e suas irmãs – é a verba Nº 12 do Processo de Inventário Nº 28/54, por óbito de sua mãe – herança da mãe, avó e tia – art. 3616 e art. 3303 - (vide semelhança das confrontações) (Doc. Nº 13)
cc) – A verba Nº 26 – art. 798 – Da Herança. (Doc. Nº 14)
dd) – A verba Nº 27 – art. 10612 – pertence à reclamante e suas irmãs – é a verba Nº 9 do Processo de Inventário Nº 28/54, por óbito de sua mãe – herança da mãe, avó e tia – art. 4213 - (vide semelhança das confrontações - Família ... e estrada) (Doc. Nº 15)
ee) – A verba Nº 28 – art. 10060 – (Quintal) – prédio onde se mostra implantada a habitação do inventariado – pertence 2/3 à reclamante e sua irmã – é a verba Nº 6 do Processo de Inventário Nº 28/54, instaurado por óbito de sua mãe – e 1/3 à herança, herança da mãe, avó e tia – art. 5238 – e registado sob o Nº ...88 de 20/04/2022 – ex-descrição Nº ...82 - em nome do avô da reclamante FF – (verba Nº 4 da relação de bens do Inventário Nº 14/35) - (vide semelhança das confrontações) (Doc. Nº 16 e 17)
ff) – A verba Nº 29 – art. 9942 – pertence à reclamante e suas irmãs, - por compra em seu nome, com dinheiro da venda de duas vinhas, da herança da tia EE e avó. (Doc. Nº 18)
gg) – A verba Nº 30 – vendido pelo inventariado. (Doc. Nº 19)
hh) – A verba Nº 31 – Da Herança. (Doc. Nº 20)
ii) – A verba Nº 32 – vendido a MM. (Doc. Nº 21)
jj) – A verba Nº 33 – artigo 2027 – pertence à reclamante e suas irmãs (2/3) – é a verba Nº 5 do Processo de Inventário Nº 28/54, por óbito de sua mãe – herança possui 1/3 – herança de sua mãe, avó e tia – art. 5382 - (vide semelhança das confrontações) (Doc. Nº 22)
kk) – A verba Nº 34 – art. 96-A – pertença da reclamante e suas irmãs, pelos mesmos motivos – verba Nº 33 do Inventário – Art. 4060. (Doc. Nº 23)
ll) – A verba Nº 35, 36, 37, 38, todas do concelho ... – art. 94, 34, 29, 63-B, pertencem à reclamante e suas irmãs, pelos mesmos motivos, sendo as verbas Nº 34, 43, 42, 37, do Processo de Inventário – art. 11512, 7323, 7321, 7324, respetivamente. (Doc. Nº 24 a 28)
mm) – A verba Nº 39 – vendida pelo Inventariado. (Doc. Nº 28)
nn) – A verba Nº 40 – art. 268 – pertença da reclamante e suas irmãs, pelos mesmos motivos – verba Nº 40 da relação de bens do Inventário nº 28/54 – art. 5754. (Doc. Nº 29)
11 – Assim não pode deixar de concluir-se que os imóveis constantes da reclamação, de acordo com a prova testemunhal e documental, resulta uma dúvida séria de que em parte pertencem à reclamante e irmãs, e não à massa da herança, na totalidade, como se pretende fazer crer na decisão de saneamento.
12 – Nomeadamente, o artigo rústico Nº ...60, verba Nº 28 da Relação de Bens, imóvel donde se mostra implantada as verbas Nº 15 e 16, é pertença em parte da mesma reclamante e irmãs, como resulta da certidão registral, e das Certidões Judiciais dos Processos de Inventário Nº 14/35 e 28/54 juntam aos mesmos autos.
13 – Dos autos, para além dos prédios urbanos da freguesia ..., apenas se podem mostrar como certos, o imóvel referido no testamento outorgado pelo inventariado em favor da cabeça de casal, e referido nos mesmos autos.
14 – A prova oferecida pela reclamante de impugnação da relação de bens, não se mostra contrariada pela inexistente prova da mesma cabeça de casal.
15 – Porque assim é os autos, devem ser remetidos para os meios comuns, afim de através de ação judicial competente, se decidirem todas as questões, referente aos bens imóveis, em conformidade com as certidões judiciais referidas, e o Inventário suspenso até decisão final dessa mesma ação, como requerido, e no caso de não se entender, como também se requer, que o valor da doação de € 182.500,00, a cabeça de casal, contrariamente ao decidido, deve integrar de imediato a relação de bens.
16 – A aliás douta decisão de saneamento, viola além do mais o disposto no artigo 1097º, 1098º, 1092º, alínea b) e artigo 2025º, 2031º e 342º, 344º, 350º, 369º, 370º e 371º, todos do C.C..
NESTES TERMOS, e nos demais de direito, deverá o presente RECURSO, ser julgado procedente e em consequência ser alterada a decisão da matéria de facto conforme referido e também quanto ao valor doado de € 182.500,00 integrar de imediato a relação de bens, e ser nessa medida revogada a douta decisão sentença de 15/11/2024, e substituída por outra, que suspenda o presente Inventário, e mande as partes sempre para os meios comuns, para discutir a existência do valor de € 365.000,00, se se mantiver o decidido nesta parte , e também para decisão da matéria constante da alínea d), e) e f) elencada nos autos, e agora com teor diferente, nos Factos Provados.
Só assim decidindo, será cumprido o Direito e será feita
JUSTIÇA.» (destaques retirados).
Não foi oferecida contra-alegação de recurso.
O presente recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo quanto à decisão recorrida, tendo então sido ordenada a remessa a este Tribunal ad quem, vindo aqui a ser mantido tal regime fixado.
Tendo os autos de inventário prosseguido (na 1.ª instância), por ali ter sido fixado efeito meramente devolutivo ao recurso do apenso “A” (que subiu como apelação autónoma), foi realizada, após junção de nova relação de bens (apresentada em 31/10/2023, para correção da relação anterior), a conferência de interessados, em 18/12/2023, com obtenção de transação, esta homologada ([3]) nos seguintes termos (com a presença dos interessados e/ou dos seus mandatários):
«(…)
Mais acordam em alterar o valor da verba nº 14, passando a constar da mesma o valor de € 300,00 (trezentos euros) tal como resulta da ata de 23-03-2022 e em eliminar o passivo (verba nº 45).
Acordam ainda na adjudicação dos bens constantes da relação de bens de fls. 557 a 560 e pelos valores aí indicados com a alteração do valor da verba nº 14, mediante a seguinte:
TRANSAÇÃO
1. As verbas nºs 15, 43 e 44 ficam adjudicadas à cabeça de casal BB, a qual renúncia ao legado de usufruto deixado em testamento pelo inventariado, comprometendo-se a mesma a entregar documento particular autenticado do qual conste tal declaração de vontade, no prazo de 10 dias, após o pagamento das tornas referidas na cláusula seguinte.
2. As interessadas CC, OO e PP obrigam-se a pagar à cabeça de casal BB, no prazo de 30 dias a contar da presente data, em comum e em partes iguais, o montante de € 80.000,00 (oitenta mil euros) a título de tornas, a transferir para o IBAN que a cabeça de casal se compromete a entregar ao mandatário da interessada reclamante CC.
3. As restantes verbas ficam adjudicadas às interessadas CC, OO e PP, na proporção de 1/3 para cada uma.
4. Mais acordam na eliminação das verbas do passivo.
5. Os termos da presente transação não se opõem aos efeitos da decisão que vier a ser proferida no recurso pendente nos autos.
6. As custas serão suportadas na proporção de 50% pela cabeça de casal e 50% pelas interessadas CC, OO e PP.
*
De seguida, pelo Mmº. Juiz foi proferida a seguinte:
SENTENÇA
Na presente ação de Inventário em que é requerente/cabeça de casal BB e interessadas CC, OO e PP, pretendem as partes pôr fim ao litígio com a transação que antecede.
Atento o carácter disponível dos direitos em causa na presente ação (artigo 1249.º do CC) e à manifestação da vontade de transigir, pelas interessadas, vistas as recíprocas concessões (artigo 1248.º do CC), não se mostrando que as partes transigem sobre questões respeitantes a negócio ilícito (artigo 1249.º do CC), declaro válida a transação que antecede, e por isso a homologo, nos termos do artigo 290.º, n.º 3 do CPC, determinando a partilha por óbito de AA, incluindo as adjudicações dos bens ali consignadas nos seus precisos termos, por referência à relação de bens constante dos autos a folhas 557 a 560.
*
Custas pelas interessadas nos termos acordados.
*
Valor da ação: o correspondente ao valor dos bens a partilhar, nos termos do artigo 302.º, n.º 3, do Código de Processo Civil – €87.982,74 (oitenta e sete mil novecentos e oitenta dois euros e setenta e quatro cêntimos).
*
Registe e notifique, informando, após trânsito, segundo o disposto no artigo 36.º n.º 7 do Código do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis.
Neste momento, pelos Ilustres mandatários foi dito prescindirem do prazo de recurso.
Contactado o Digno Magistrado do Ministério Público pelo mesmo foi dito nada a ter a opor e que prescindia do prazo de recurso.
Pelo Mmº. Juiz foi então proferido o seguinte:
DESPACHO
Julgo válida a renúncia ao direito ao recurso (632.º, n.º1, do CPC) pelo que, em consequência, determino que a sentença a homologar a transação transita em julgado na presente data (artigo 628.º do CPC).
Notifique.
*
Da sentença acabada de proferir foram notificados todos os presentes, após o que foi declarada encerrada a conferência pelas 15:30 horas.» (destaques aditados).
Recorrente e Recorrida foram notificadas, na observância do princípio do contraditório, para se pronunciarem, querendo, quanto às implicações/alcance daquela transação homologada sobre os autos de recurso em separado, tendo tomado posição.
Cumpridos os vistos e nada obstando, na legal tramitação recursiva, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.
II – Âmbito recursivo
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo fixado nos articulados – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([4]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, CPCiv.) –, está em causa na presente apelação saber ([5]):
a) Das implicações da transação entretanto homologada no processo de inventário sobre o objeto destes autos de recurso;
b) Da admissibilidade e procedência da impugnação da decisão da matéria de facto;
c) Dependendo do sucesso da impugnação quanto à decisão de facto, da procedência da impugnação de direito, com decorrente acréscimo de um bem/verba à reclamada relação de bens (“o valor doado de € 182.500,00 integrar de imediato a relação de bens”) e, por outro lado, remessa dos interessados para os meios comuns [como exarado no petitório recursivo: “mande as partes sempre para os meios comuns, para discutir a existência do valor de € 365.000,00, se se mantiver o decidido nesta parte, e também para decisão da matéria constante da alínea d), e) e f) elencada nos autos”].
III – Fundamentação
A) Matéria de facto
1. - O substrato factual dado como provado pela 1.ª instância é o seguinte:
«1) O inventariado AA faleceu no dia ../../2017, no estado de casado, em terceiras núpcias, com BB, no regime imperativo de separação de bens.
2) Encontra-se registado em nome do inventariado desde 20/05/1985 o veículo automóvel de matrícula JB-..-.., marca Peugeot.
3) O inventariado e a cabeça de casal, na pendência do casamento, compraram conjuntamente um veículo automóvel da marca Peugeot, modelo 106.
4) Encontra-se registada em nome do inventariado a arma de defesa marca Automatic – Pistole – livrete n.º ...37.
5) À data do óbito as contas do inventariado no Banco 1... SA encontravam-se encerradas, tendo sido encerradas em 28/01/2017, tendo o saldo da conta ...82 ficado a 0,00€ devido a uma transferência dos valores existentes nessa conta para uma conta titulada pelo segundo titular, a cabeça de casal, e QQ com o n.º ...22, em 18/01/2017, no montante de 20.708,54€, tendo tal movimentação sido ordenada pela cabeça de casal.
6) Em 13-05-2015, a cabeça de casal liquidou a conta PT 00...20 EUR 1 da Banco 2..., da qual o inventariado também era titular, e creditou na conta PT 0035 ...00 EUR 0 o montante de 365.000,00€.».
2. - E foi julgado como não provado:
«a) Dos bens do inventariado faziam parte os seguintes bens móveis na casa da ...: cobertores e lençóis para todas as camas, serviços de jantar, faqueiro, serviço de copos, o louceiro do rés-do-chão, em poder da cabeça de casal, a sala 1º andar: louceiro, mesa com 6 cadeiras, a sala de rés-do-chão: louceiro, armário (estante), cozinha: fogão, frigorifico, arca congeladora, mesa com 6 cadeiras, máquina de lavar roupa, máquina de lavar louça, fogão industrial, 2 serviços de jantar, serviço de copos, faqueiro.
b) Dos bens do inventariado faziam parte os seguintes bens móveis na casa da ...: metade de cinco mobílias de quarto, 3 completas (cama de casal, cómoda, mesas de cabeceira, cadeira, candeeiros de tecto e de cabeceira) e 2 sem roupeiro; de tapetes e 2 cobertores por cada cama; sala: Louceiro, mesa e 8 cadeiras, 2 serviços de jantar, um chinês e outro porcelana mais simples, 1 serviço de copos, 1 faqueiro, 1 móvel para televisão e bar, e uma televisão; mesa de terraço com 6 cadeiras em plástico, máquina de lavar roupa, máquina de lavar louça, esquentador, fogão, frigorifico, grelhador eléctrico.
c) A verba n.º 22, respeitante ao artigo inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... 1926, foi vendida a RR.
d) As verbas 18, 19, 20, 24, 29, 34, 36, 37, 38, e 40, da relação de bens, são bens que compunham as heranças de DD, mãe da reclamante e de sua irmã EE (processos inventário n.ºs 14/35 e 28/54), sendo assim propriedade da reclamante e de suas irmãs.
e) O Inventariado vendeu, sem autorização da reclamante e de suas irmãs, os seguintes bens imóveis, que as mesmas haviam herdado nos inventários n.ºs 14/35 e 28/54 por óbito de FF (avô das interessadas) e de DD (mãe das interessadas): a) – Terreno na ... – vendido a GG – ...; b) – Terreno da ... para a escola – Artº ...60 – vendido por oito mil escudos; c) – Vinha do ... – vendido a HH; e) A título de despesas de funeral e de aquisição de terreno para a campa da inventariada o cabeça de casal suportou um custo de 2.253,00€; d) – ... ( da ...) vendido a II ( boa noite ) – artº 57-B; e) – Casa de habitação da avó, quintal e celeiros, vendido a JJ; f) – Armazém (Adega) ..., vendido a KK; g) – Armazém em ..., vendido a LL; h) – Charneca de mato e pinhal nas ..., ..., vendido a MM – artº 2155; e i) – Vendeu a casa dos ..., pertença da tia avó.
f) Os prédios urbanos constantes das verbas nº 14 e 15 da relação de bens, artº 862 e 1242, foram parcialmente construídos na verba n.º 28 da relação de bens.».
B) Das implicações da transação, entretanto homologada no processo de inventário, sobre o objeto destes autos de recurso
Como visto – e recapitulando –, em “Ata de Conferência de Interessados”, que teve lugar em 18/12/2023 (com a presença dos interessados e/ou dos seus mandatários), depois de apresentada nova/corrigida relação de bens – aquela que aqui importa, junta em 31/10/2023 –, foi alcançada transação, contendo, para os efeitos relevantes em processo de inventário, a “adjudicação dos bens constantes da relação de bens de fls. 557 a 560 e pelos valores aí indicados com a alteração do valor da verba nº 14”.
Adjudicados, pois, os bens relacionados (com as verbas nºs 15, 43 e 44 a ficarem adjudicadas à cabeça de casal BB, a qual renuncia ao legado de usufruto deixado em testamento pelo inventariado; e as restantes verbas a ficarem adjudicadas às interessadas CC, OO e PP, na proporção de 1/3 para cada uma; e com eliminação das verbas do passivo), ficou, todavia, exarado que os termos da transação não se opõem aos efeitos da decisão que vier a ser proferida no recurso pendente nos autos.
Tal transação, contendo partilha/adjudicação dos bens assim relacionados, foi logo homologada por sentença, determinando a partilha por óbito de AA, incluindo as adjudicações dos bens ali consignadas nos seus precisos termos, por referência à relação de bens.
E, prescindido o prazo de recurso, foi julgada válida a renúncia ao direito ao recurso (632.º, n.º 1, do CPC) pelo que, em consequência, se determinou que a sentença a homologar a transação transita em julgado na presente data (artigo 628.º do CPC).
Tal transação foi objeto de retificação, mediante decisão datada de 19/12/2023, nos seguintes moldes:
«Tendo em conta o exposto pelas interessadas e cabeça-de-casal, conforme requerimento de 18/12/2023 (ref.ª10349409), com declaração de adesão de 19/12/2023 (ref.ª10352973), determino que se proceda à correcção da transacção nos termos referidos.
Notifique, sendo a interessada PP com cópia do requerimento referido supra, com a expressa advertência de que, nada dizendo no prazo de 5 dias, se considerará que aceita a alteração ao acordado nos termos expostos.» ([6]). Interessada esta que nada veio dizer ou requerer.
Ao tempo da transação encontrava-se fixado – pela 1.ª instância – efeito meramente devolutivo ao recurso então pendente (apenso “A”).
Porém, o TRC alterou esse efeito, estabelecendo efeito suspensivo da decisão recorrida (e não do processo na sua totalidade) – por despacho do relator de 27/05/2024.
Daí que se mantenha de pé a dita transação – com a respetiva retificação –, aliás, já transitada em julgado, e sem que ocorra qualquer nulidade processual.
Importa, então, efetuada a partilha por acordo, interpretar o significado da cláusula que ressalvava os «efeitos da decisão que vier a ser proferida no recurso pendente nos autos» [“Os termos da presente transação não se opõem aos efeitos da decisão que vier a ser proferida no recurso pendente nos autos”].
Assim, cabe saber – efetuada e resolvida, em definitivo, a partilha quanto aos bens integrantes daquela relação de bens, de folhas “557 a 560” – que sentido dar a tal cláusula na economia do presente recurso de decisão da reclamação à relação de bens.
A Recorrente referiu assim no apenso “A” (requerimento de 22/05/2024):
«(…)
1 – Conforme expresso, o requerido quanto ao efeito do recurso, foi o de atribuir efeito suspensivo do processo, nos termos do artº 1123 nº 2 do C.P.C e 1123 nº 3 do mesmo diploma legal.
2 – Tal efeito, foi assim determinado neste processo, com decisão já transitada.
3 – Opera, como é óbvio, necessariamente sobre a decisão recorrida.
4 – Porque o tribunal de 1ª instância, não determinou tal efeito, viu-se a recorrente e os demais interessados, na situação de ter de participar na conferência de interessados, entretanto marcada nos autos, sob efeito de anulação de tal conferência e dos seus resultados e no caso a referida transacção, perante a pendência do recurso nos autos, o que era bem conhecido de todos os intervenientes.
5 – Tal efeito foi expressamente consignado no ponto 5 daquela transacção.
6 – Assim tal transacção é neste momento nula, e nulo o demais processado, após instauração do recurso, com todas as consequências legais, e sendo também certo que jamais poderia ter sido emitida certidão judicial do processo com menção de trânsito em julgado, pois sempre se imporia a menção da reserva, resultante do mesmo ponto 5 da transacção.
7 – Qualquer aproveitamento futuro, dos termos ou de parte dos termos da transacção, face ao efeito do recurso já determinado, e face ao que vier a ser decidido em sede de julgamento do mesmo recurso, terá de ser objecto de nova discussão em sede de nova conferência de interessados sempre a determinar nos autos, nos termos legais.
8 – É que, perante o efeito determinado suspensivo do processo, sempre o recurso deve agora subir nos próprios autos, o que se requer.».
Ora, com todo o respeito devido, afigura-se-nos que a Recorrente não tem razão neste aspeto.
Desde logo, por, sendo certo que, aquando da transação, o efeito recursivo que ainda se mantinha era o meramente devolutivo (fixado pela 1.ª instância), não ter jamais sido estabelecido efeito suspensivo do processo, que implicasse a sustação dos termos do mesmo.
O que o relator no TRC determinou – em diversa fixação do efeito, já depois de celebrada a transação – foi efeito suspensivo da decisão recorrida (não do processo).
Pelo que nada impedia a celebração da transação que as partes/interessados livremente entenderam realizar.
O efeito fixado no processo pelo juiz a quo era o meramente devolutivo, razão pela qual, a essa luz, o processo de inventário podia prosseguir os seus termos, como prosseguiu.
Neste TRC foi fixado, afinal, efeito suspensivo da decisão recorrida (e não do processo na sua totalidade) – dito despacho de 27/05/2024, posterior à transação, a qual o TRC desconhecia –, razão pela qual, podendo os autos de inventário prosseguir, como prosseguiram, não ficou inviabilizada a obtenção da transação que as partes/interessados quiseram, livremente, alcançar e, por isso, já homologada e transitada em julgado.
Donde que não assistisse razão à Recorrente no tocante ao seu requerimento de 22/05/2024, cuja pretensão não poderia ser acolhida.
É, pois, à luz da transação celebrada, com adjudicação dos bens constantes da relação de bens, e decorrente homologação do acordo e da partilha sobre que versa, que haverá de aferir-se do interesse/pertinência do objeto do presente recurso, configurando impugnação da decisão da reclamação à relação de bens.
Essa decisão recorrida era datada de 15/05/2023 (recurso do apenso “A”), sendo-lhe, pois, posterior a “Nova Relação de bens” (datada de 31/10/2023), a que se seguiu a transação e sentença homologatória (estas de 18/12/2023).
Ou seja, em modo superveniente à decisão impugnada (a que versou sobre a reclamação à relação de bens, semelhante, quanto ao objeto e ao dispositivo, à agora recorrida, decorrendo o segundo recurso, o deste apenso “B”, da anulação da decisão sobre que versava o apenso “A”), ocorreu a apresentação de uma nova/corrigida relação de bens, na sequência da qual foi homologada transação de adjudicação/partilha de bens/herança.
Tendo a sentença homologatória transitado em julgado, não poderá agora deixar de ser acatada, posto não se encontrar viciada de erro ou invalidade.
Prosseguindo.
Confrontando as conclusões recursivas da presente apelação com a dita relação de bens, importa, então, verificar qual o sentido útil da cláusula de salvaguarda da transação, aquela em que se vincou que os termos da transação “não se opõem aos efeitos da decisão” do recurso pendente (então o apenso “A”, agora este apenso “B”).
Ou seja, como logo se constata, não se quis desistir do recurso (agora até reiteradamente interposto).
Mas qual o sentido útil deste depois de homologada a transação que corporiza a partilha?
Apreciemos, então, o âmbito das conclusões da Recorrente.
Esta começa por invocar (conclusões 6.ª e 8.ª) que os pressupostos da decisão de relacionamento da verba existente na conta do Banco 1..., são os mesmos que impõem que se relacione como valor doado à cabeça de casal o de € 182.500,00, devendo ser «aditado aos Factos Provados o Ponto 7, com o seguinte teor:
“O valor creditado na conta da cabeça de casal Nº PT50 ...00 e doado à mesma corresponde ao valor de metade de € 182.500,00, e como tal ser relacionado na relação de bens.”».
Ora, tratando-se de matéria não contemplada na dita relação de bens, mas objeto de reclamação, tem de concluir-se que subsiste a pertinência do recurso, desde logo, nesta parte, obrigando a entrar na esfera da impugnação da decisão da matéria de facto – neste e noutros segmentos, como se verá adiante –, tarefa a que se passará seguidamente.
C) Da impugnação da decisão de facto
Importa, pois, sindicar a decisão de facto inserida na sentença incidental recorrida, começando-se pelas aludidas conclusões 6.ª e 8.ª, ao que nada obsta, por terem sido observados os ónus legais a cargo da impugnante.
Já se deu como provado que:
«6) Em 13-05-2015, a cabeça de casal liquidou a conta PT 00...20 EUR 1 da Banco 2..., da qual o inventariado também era titular, e creditou na conta PT 0035 ...00 EUR 0 o montante de 365.000,00€.».
Na sequência, a Recorrente pretende o aditamento de um novo facto provado, nos moldes já aludidos:
(7) «O valor creditado na conta da cabeça de casal Nº PT50 ...00 e doado à mesma corresponde ao valor de metade de € 182.500,00, e como tal ser relacionado na relação de bens».
Na decisão recorrida, para justificação da convicção e configuração jurídica, exarou-se:
«Resultou de facto adquirido que em 13-05-2015, a cabeça de casal liquidou a conta PT 00...20 EUR 1 da Banco 2..., da qual o inventariado também era titular, e creditou na conta PT 0035 ...00 EUR 0 o montante de 365.000,00€ (…).
Não obstante, tratando-se de um movimento efectuado mais de dois anos antes da morte do inventariado, verifica-se ainda que em causa está um valor elevado, e não resultam dos autos elementos suficientes para que, de modo seguro e consciencioso, permitam que o Tribunal conclua que o inventariado não mais teve acesso a tal valor, pois que a cabeça de casal alegou mesmo que transferiu tal montante para uma conta que podia ser movimentada por este, mas sem que lograsse provar tal situação.
Simplesmente, para decidir de que lado está a verdade, terá a prova de ser mais profunda, designadamente através da demonstração de que o valor em causa foi transferido para uma conta que não era titulada nem podia sequer ser movimentada pelo inventariado.
As dificuldades atrás apontadas não são susceptíveis de ser afastadas apenas mediante a escassa prova testemunhal produzida, sendo que as testemunhas ouvidas sequer sobre tais factos depuseram, e dos documentos juntos pelas partes não resulta tais elementos. Trata-se, aliás, de uma prova assaz complexa até mesmo numa normal acção declarativa. É manifesto, face às razões apontadas, que os autos não permitem o conhecimento desta questão, no seu estado actual, nem a configuração sumária da reclamação dá aos interessados suficientes garantias – desde logo probatórias – para fazerem valer os seus pontos de vista.
Com efeito, ainda que se conseguisse comprovar nos autos que o montante em causa foi transferido para conta titulada pelo inventariado, ou para conta que este pudesse movimentar, sendo certo que os autos não detêm tais elementos, adivinha-se já como certo que outras diligências, e eventualmente questões mais complexas, como a alegada doação verbal, serão solicitadas e levantadas, o que não é compatível com a natureza do presente incidente, que já vai demasiado longo, tendo os presentes autos sido instaurados em 2018!
Consagra o artigo 1092.º do CPC que 1 - Sem prejuízo do disposto nas regras gerais sobre suspensão da instância, o juiz deve determinar a suspensão da instância:
(…)
b) Se, na pendência do inventário, forem suscitadas questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição de direitos de interessados diretos na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser incidentalmente decididas;
(…).
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, o juiz remete as partes para os meios comuns, logo que se mostrem relacionados os bens.
(…).
Por conseguinte, uma vez que uma eventual decisão quanto às questões suscitadas em relação ao relacionamento de tal quantia, não se conforma com a discussão sumária comportada pelo processo de inventário, remetem-se os interessados para os meios comuns.
Não obstante, uma vez que não está liminarmente em causa a “discussão em outras ações de questões prejudiciais à admissibilidade do inventário”, nem a “definição de direitos dos interessados diretos na partilha”, estando-se perante situação de que poderá apenas resultar eventual alteração na composição do acervo dos bens a partilhar, e que, portanto, se inclua na indicada alínea b) [ou na al. a) do nº1], ou do n.º3 do artigo 1092.º do CPC, não se determina a suspensão do processo de inventário (…)» (destaques aditados).
Perante esta fundamentação, cabia à Recorrente, assumindo postura de irresignação no âmbito probatório, desde logo indicar as provas que impunham decisão factual diversa [cfr. art.ºs 640.º, n.º 1, al.ª b), e 662.º, n.º 1, ambos do CPCiv.]. Para, depois, proceder à sua análise, de molde a demonstrar o erro de julgamento do Tribunal de 1.ª instância, por se impor uma decisão diversa (a decisão no sentido pretendido pela impugnante).
Para tanto, não poderia a Apelante demitir-se de analisar a prova testemunhal produzida e mostrar ser errada a análise, efetuada pela Julgadora, no sentido de ser escassa a prova testemunhal produzida, âmbito em que as testemunhas ouvidas nem sequer sobre tais factos depuseram, para além de dos documentos juntos pelas partes não resultarem tais elementos.
Ora, o certo é que a impugnante, nem nas suas conclusões de recurso, nem na antecedente alegação/motivação, jamais entrou na análise de tais provas convocadas pelo Tribunal a quo, sejam as de natureza testemunhal ou documental, quanto ao ponto controvertido agora em questão ([7]).
E essa análise cabal era necessária, como visto, para demonstrar o invocado erro de julgamento, posto doutro modo não ser possível mostrar que as provas produzidas, mormente aquelas em que a Julgadora se baseou – mesmo se na conjugação com outras –, impunham decisão diversa ([8]), designadamente em matéria de invocada “doação” quanto a fundos de conta bancária (a existência de “uma doação feita em vida à cabeça de casal”, o que constitui conclusão marcadamente jurídica com relevo para a decisão).
Ou seja, subsiste de pé a afirmação da 1.ª instância – por não se mostrar que assim não seja – no sentido de a prova testemunhal produzida em nada ter contribuído para a determinação positiva desse facto, o mesmo ocorrendo com a prova documental.
Já a invocação de presunções quanto a “propriedade do saldo bancário existente numa conta solidária, titulada pelo inventariado e por uma das interessadas, ou seja, saber se o saldo é pertença total do inventariado ou se apenas lhe pertence na proporção de metade” contende com matéria de direito, e não de facto, sem esquecer o que já consta a respeito da movimentação de fundos do elenco dos factos provados (ponto 6).
Note-se que, no acervo alegatório da Recorrente, é invocada uma presunção legal de direito substantivo/material (“como é o caso do artigo 516.º do Código Civil”), sobre participação nas dívidas e nos créditos. Presunção essa que, por isso, quando pertinente, não deve operar no plano da decisão da matéria de facto, mas no âmbito da fundamentação de direito da decisão.
Não se prova, pois, erro de julgamento de facto, sendo de manter o juízo negativo da 1.ª instância nesta parte.
Passando à conclusão 9.ª [reportada às al.ªs d), e) e f) dadas como não provadas, matéria que a Recorrente pretende seja agora julgada como provada], deve dizer-se, com todo o respeito devido, que nenhum desses segmentos pode ser transposto para o elenco dos factos provados.
Vejamos.
Não pode dar-se como provado, por falta de conteúdo fáctico, que “Há indícios de que as verbas 18, 19, 20, 24, 29, 34, 36, 37, 38 e 40 da relação de bens (relação de 24/05/2021), poderão integrar as heranças de DD, mãe da reclamante, e de sua irmã EE (Proc. Inv. Nº 14/35 e Proc.28/54), e podendo assim ser propriedade da reclamante e de suas irmãs, não podendo integrar de forma plena a herança do falecido AA” [al.ª/ponto d)].
Trata-se de um conteúdo com dimensão hipotética ou eventual (o haver indícios, o poder integrar, o poder ser propriedade…).
Ora, à parte fáctica da sentença (incidental ou final) só poderão ser levados, como bem se compreende, factos, nos moldes previstos no art.º 607.º, n.ºs 3 a 5, do CPCiv., e não conteúdos indiciários, incertos, hipotéticos ou eventuais, do mesmo modo que ali não têm cabimento enunciados meramente conclusivos ou valorativos, que só podem integrar – estes últimos – a fundamentação jurídica (depois de estabelecida a factualidade a que haverá de ser aplicado o direito).
A certeza e segurança do Direito, a que tem de (cor)responder a sentença, não se compatibiliza com tais conteúdos indiciários, incertos, hipotéticos ou eventuais, aos quais, por isso, está vedado o acesso ao acervo factual da decisão/sentença.
O mesmo se diga para a al.ª/ponto e), com a redação proposta:
“O Inventariado, conforme resulta de alguma documentação existente nos autos, poderá ter vendido sem autorização da reclamante e de suas irmãs, os seguintes bens imóveis, que as mesmas haviam herdado nos inventários (…).» (destaques aditados).
Trata-se, não de factos, mas de conclusões e conjeturas ou suposições, como “haver indícios” de algo e “poder ter vendido sem autorização” algo – os ditos conteúdos incertos, hipotéticos ou eventuais.
Assim, não se tratando de factos, não deve essa matéria integrar o quadro fáctico da decisão (dito art.º 607.º, n.ºs 3 a 5, também aplicável neste âmbito incidental do processo de inventário).
Quanto à al.ª/ponto f):
Também é conclusiva a asserção no sentido de que um imóvel «(…) pertence à reclamante e suas irmãs, constituindo sempre tais construções benfeitorias, (…).» (destaques aditados).
Trata-se de conclusão ou valoração tipicamente jurídica: tanto na parte em que se afirma a pertença em termos de direito de propriedade imobiliária, como na que afirma a qualificação de “construções” como “benfeitorias”.
Por isso, não pode essa matéria ser vertida na parte fáctica da decisão, onde só podem caber postulados fácticos, havendo, ao invés, de ser indagada/conformada na fundamentação jurídica da decisão, com base nos factos de suporte de antemão estabelecidos (estes, sim, com possibilidade de assento na dita parte fáctica).
Nenhum destes segmentos da impugnação pode, pois, proceder.
De referir, ainda, que, em abono da sua pretensão, invoca também a Recorrente, nesta parte, a “prova testemunhal” (cfr. conclusão 11.ª), mas, embora com concretização e cumprimento do ónus legal a que alude o art.º 640.º, n.º 2, al.ª a), do CPCiv. (indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso), na sua alegação, do respetivo conteúdo não se extrai a convicção que a Apelante pretende.
Ao invés, concorda-se com o apontado deficit de força probatória a respeito, a que alude o Tribunal recorrido, por os depoimentos não se apresentarem suficientemente concretizados, perentórios e convincentes. Assim, o que se nota neles, de mais significativo, é uma clara dimensão de imprecisão e hesitação, que lhes compromete a pretendida força probatória.
Por fim, de notar que na transação entretanto alcançada se procedeu, por acordo, à adjudicação e consequente partilha do património imobiliário relacionado, termos em que, homologada a transação por sentença já transitada em julgado, assim se realizando tal partilha, prejudicada ficaria, logicamente, a pretensão de remessa para os meios comuns quanto aos ditos imóveis.
Nada, pois, a alterar à parte fáctica da decisão em crise, cuja factualidade – a julgada provada e a não provada – adquire dimensão definitiva, termos em que somente aos factos assim provados se atenderá para decisão do recurso.
D) Aspeto jurídico do recurso
Fundada na expetativa de triunfo da sua impugnação da decisão de facto – no que não teve êxito, como visto –, apresentou a Recorrente impugnação de direito, pretendendo:
a) O acréscimo de um bem/verba à reclamada relação de bens (“o valor doado de € 182.500,00 integrar de imediato a relação de bens”);
b) A remessa dos interessados para os meios comuns “para discutir a existência do valor de € 365.000,00, se se mantiver o decidido nesta parte, e também para decisão da matéria constante da alínea d), e) e f) elencada nos autos”.
Quanto à primeira pretensão [dita al.ª a)], entendeu-se na sentença em crise, desde logo ao abrigo do disposto no art.º 1092.º, n.ºs 1, al.ª b), e 2, al.ª b), do CPCiv., que:
«Por conseguinte, uma vez que uma eventual decisão quanto às questões suscitadas em relação ao relacionamento de tal quantia, não se conforma com a discussão sumária comportada pelo processo de inventário, remetem-se os interessados para os meios comuns.».
Não resultou provado, contrariamente ao pretendido pela Recorrente, que “O valor creditado na conta da cabeça de casal Nº PT50 ...00 e doado à mesma corresponde ao valor de metade de € 182.500,00, e como tal ser relacionado na relação de bens”, termos em que não pode entender-se «como certo o valor de € 182.500,00, e doado à cabeça de casal», a que alude a Apelante na sua alegação de direito».
Diversamente, afigura-se-nos correta a decisão – adotada pela 1.ª instância – no sentido de, sem suspensão do processo de inventário, remeter, nesta parte, os interessados para os meios comuns, por uma cabal «decisão quanto às questões suscitadas em relação ao relacionamento de tal quantia, não se conforma[r] com a discussão sumária comportada pelo processo de inventário».
É, pois, de ter como pertinente, à luz do art.º 1093.º, n.º 1, do CPCiv. ([9]), não obstante o invocado art.º 1092.º, e das vicissitudes dos autos, a ponderação da decisão em crise quando ali se argumenta:
«(…) tratando-se de um movimento efectuado mais de dois anos antes da morte do inventariado, verifica-se ainda que em causa está um valor elevado, e não resultam dos autos elementos suficientes para que, de modo seguro e consciencioso, permitam que o Tribunal conclua que o inventariado não mais teve acesso a tal valor, pois que a cabeça de casal alegou mesmo que transferiu tal montante para uma conta que podia ser movimentada por este, mas sem que lograsse provar tal situação.
Simplesmente, para decidir de que lado está a verdade, terá a prova de ser mais profunda, designadamente através da demonstração de que o valor em causa foi transferido para uma conta que não era titulada nem podia sequer ser movimentada pelo inventariado.
As dificuldades atrás apontadas não são susceptíveis de ser afastadas apenas mediante a escassa prova testemunhal produzida, sendo que as testemunhas ouvidas sequer sobre tais factos depuseram, e dos documentos juntos pelas partes não resulta tais elementos. Trata-se, aliás, de uma prova assaz complexa até mesmo numa normal acção declarativa. É manifesto, face às razões apontadas, que os autos não permitem o conhecimento desta questão, no seu estado actual, nem a configuração sumária da reclamação dá aos interessados suficientes garantias – desde logo probatórias – para fazerem valer os seus pontos de vista.
Com efeito, ainda que se conseguisse comprovar nos autos que o montante em causa foi transferido para conta titulada pelo inventariado, ou para conta que este pudesse movimentar, sendo certo que os autos não detêm tais elementos, adivinha-se já como certo que outras diligências, e eventualmente questões mais complexas, como a alegada doação verbal, serão solicitadas e levantadas, o que não é compatível com a natureza do presente incidente, que já vai demasiado longo, tendo os presentes autos sido instaurados em 2018!» (destaques aditados).
Com efeito, se o art.º 1092.º citado se reporta a “questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição de direitos de interessados diretos na partilha” (sublinhado aditado), o art.º 1093.º, n.º 1, alude, diversamente (fora daqueles casos), à situação de a “complexidade da matéria de facto subjacente à questão tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução de garantias das partes”.
No caso dos autos, ocupando-nos a decisão incidental da reclamação à relação de bens, não está em causa a (in)admissibilidade do processo, nem, se bem se vê, a definição, propriamente dita, de direitos de interessados diretos na partilha. Não é aí que se gera a controvérsia.
O que está em causa é a definição quanto aos bens relacionados ou por relacionar, neste particular, e concretamente, determinado montante/fundo de conta bancária, após a Cabeça de casal ter liquidado uma conta, da qual o inventariado também era titular, e creditado noutra conta o muito elevado montante de € 365.000,00, discutindo-se a matéria da “titularidade” (ter-se “o valor de € 182.500,00” como “doado à cabeça de casal”).
Problemática esta que se situa no âmbito do dito art.º 1093.º, n.º 1, importando saber se a complexidade da matéria de facto subjacente à questão torna inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução de garantias das partes.
A este respeito, indicam Abrantes Geraldes e outros ([10]) poderem suscitar-se no processo de inventário questões “conexas com a definição dos bens que integram o acervo hereditário, dos que devam entrar em linha de conta para o cálculo da massa da herança (art. 2162.º do CC) e/ou com direitos de terceiros para cuja resolução se revelem inadequados os constrangimentos inerentes ao processo de inventário (…), cuja tramitação difere substancialmente da prevista para o processo comum (…). Nestas situações (…) o litígio pode envolver larga indagação fáctica ou a produção demorada de meios de prova, podendo justificar a remessa dos interessados para os meios comuns” (itálico aditado).
E prosseguem os mesmos Autores: «Destacam-se os casos em que para a apreciação das questões se revele inadequada a tramitação do processo de inventário para assegurar as garantias de defesa dos interessados, tendo em conta designadamente as restrições probatórias ou a menor solenidade associada a uma tramitação de cariz incidental», sendo verdade que «a resolução, no âmbito do processo de inventário, de questões de natureza incidental obedece a uma tramitação menos solene do que a consagrada para o processo comum”, designadamente quanto a “meios probatórios admissíveis (arts. 1091.º e 1105.º, n.º 3), o que poderá justificar que não sejam sacrificados os valores da segurança e da justiça em função da maior celeridade na conclusão do processo de inventário» (op. e loc. cits.).
Na base desta opção vinculada do julgador tem de estar sempre a “complexidade da matéria de facto” e não de questões de ordem jurídica, revelando-se a tramitação do processo de inventário, mormente em lógica incidental, “inadequada”, especialmente em termos de “garantias dos interessados” (op. cit., p. 582).
Ora, sabido que o art.º 1091.º, n.º 1, do CPCiv. remete para a disciplina dos incidentes da instância, também no âmbito probatório (veja-se o disposto nos art.ºs 292.º a 295.º do CPCiv., mormente em matéria de tramitação e provas), e visto o caráter abreviado e simplificado resultante do art.º 1105.º, n.ºs 2 e 3, do mesmo Cód., também no campo probatório, afigura-se-nos que a materialidade de facto subjacente à questão suscitada – onde se integra a invocada matéria de “doação” – e o valor pecuniário em causa não se compadecem com uma decisão incidental no processo de inventário.
Na verdade, assume complexidade o apuramento fáctico respetivo – não basta a prova documental, de índole bancária ou outra, para fazer prova em matéria de doação –, ao que acresce a relevância dos interesses em questão, visto o muito elevado montante pecuniário em discussão.
Por isso, carece-se de uma base processual que transcenda a regulamentação meramente abreviada e incidental, permitindo, diversamente, às partes/interessados uma discussão cabal, nos meios comuns, seja quanto a admissibilidade de meios de prova, seja quanto a garantias processuais/de defesa inerentes.
Em suma, é de manter a decidida remessa para os meios comuns nesta matéria.
Quando ao mais suscitado – arrumada a questão do aludido montante pecuniário e doação, com manutenção da decisão de remessa para os meios comuns –, resta a questão dos ditos imóveis, relativamente aos quais a Recorrente entende existir “uma dúvida séria de que em parte pertencem à reclamante e irmãs”, assim requerendo a remessa para os meios comuns, a fim de “através de ação judicial competente, se decidirem todas as questões, referente aos bens imóveis”.
Já se viu que a impugnação da decisão de facto não procedeu, também em matéria de imóveis.
Na decisão recorrida expendeu-se assim:
«Tal como se extrai da factualidade considerada como não provada, não se logrou provar que “c) A verba n.º 22, respeitante ao artigo inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... 1926, foi vendida a RR.” e que “d) As verbas 18, 19, 20, 24, 28, 29, 34, 36, 37, 38, e 40, da relação de bens, são bens que compunham as heranças de DD, mãe da reclamante e de sua irmã EE (processos inventário n.ºs 14/35 e 28/54), sendo assim propriedade da reclamante e de suas irmãs.”, motivo pelo qual se impõe julgar improcedente tal pretensão da interessada reclamante.».
Improcedendo – como improcedeu – a impugnação da decisão de facto, mantendo-se, por isso, o julgamento a respeito, já efetuado no âmbito incidental do processo de inventário, não há razões, cumpre agora referir – em apreciação recursiva –, para remeter nesta parte os interessados para os meios comuns, nem, em conformidade, para suspender os autos de inventário, sem esquecer a aludida existência de sentença homologatória de transação quanto à adjudicação em partilha (com verificado célere trânsito em julgado).
Termos em que é de manter o decidido pela 1.ª instância, não se vislumbrando qualquer imputada violação de lei.
Improcede, pois, o recurso.
As custas da apelação serão suportadas pela Recorrente, vencida no recurso (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).
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IV – Sumário: (…)
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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em, julgando improcedente a apelação, manter a decisão recorrida.
Custas da apelação pela Recorrente, vencida no recurso (art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).
Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).
Assinaturas eletrónicas.
Coimbra, 27/05/2025
Vítor Amaral (relator)
Fernando Monteiro
Carlos Moreira
([1]) Alegando, em síntese, a Reclamante:
- dever ser relacionado o saldo da conta à ordem n.º ...00, da Banco 2..., existente à data do óbito e em poder da Cabeça de casal, no montante de € 7.517,57;
- dever ser relacionada a importância de € 365.000,00, entregue em 13/05/2015 à Cabeça de casal pelo falecido, conforme extrato do histórico das aplicações existentes na conta da Banco 2... (conta n.º ...00 e outra) conta aforro mais – ...01 e Depósito Especial Mais 3 anos – ...01;
- deverem ser relacionadas as verbas existentes na Conta do Banco 3... – hoje Banco 1... –, valores em montante desconhecido;
- deverem ser relacionados os objetos em ouro, existentes na casa da ..., e em poder da Cabeça de casal;
- dever ser relacionado o veículo automóvel de matricula “FF-..-..”, com o valor de € 300,00;
- dever ser relacionado o veículo automóvel de matricula “JB-..-..”, com o valor de € 200.00;
- dever ser relacionado o veículo automóvel da Cabeça de casal, comprado por esta e pelo falecido, de marca Peugeot 106, por ser compra conjunta, fazendo, assim, o valor de metade parte da herança em partilha e cuja matrícula por agora se desconhece – € 150,00;
- dever ser relacionado o veículo trator agrícola com matrícula “L-....4” (Reboque) – € 150,00;
- dever ser relacionada a arma de defesa do falecido, de marca “Automatic – Pistole”, livrete n.º ...37, em poder da Cabeça de casal e no valor de € 200,00;
- dever ser relacionado um motocultivador e um rachador de lenha no valor de € 200,00;
- deverem ser relacionados os bens móveis existentes na casa da ... e que são os seguintes:
a) Cobertores e lençóis para todas as camas no valor de € 100,00;
b) Serviços de jantar, faqueiro, serviço de copos, o louceiro do rés-do-chão, em poder da cabeça de casal, no valor de € 300,00;
c) Sala 1.º andar: louceiro, mesa com 6 cadeiras, no valor de € 100,00;
d) Sala de rés-do-chão: louceiro, armário (estante), no valor de € 50,00;
e) Cozinha: fogão, frigorifico, arca congeladora, mesa com 6 cadeiras, máquina de lavar roupa, máquina de lavar louça, fogão industrial, 2 serviços de jantar, serviço de copos, faqueiro, no valor de € 500,00;
- deverem ser relacionados os bens móveis da casa da ..., na proporção de metade:
a) Cinco mobílias de quarto, 3 completas (cama de casal, cómoda, mesas de cabeceira, cadeira, candeeiros de teto e de cabeceira) e 2 sem roupeiro, no valor de € 1.000,00;
b) Tapetes e 2 cobertores por cada cama, no valor de € 100,00;
c) Sala: louceiro, mesa e 8 cadeiras, 2 serviços de jantar, um chinês e outro porcelana mais simples, 1 serviço de copos, 1 faqueiro, 1 móvel para televisão e bar, e uma televisão;
d) mesa de terraço com 6 cadeiras em plástico, máquina de lavar roupa, máquina de lavar louça, esquentador, fogão, frigorifico, grelhador elétrico, no valor de € 500,00;
- no que respeita a bens imóveis:
a) As verbas número dez e dezoito da relação de bens não existem, tendo a verba dez sido vendida a RR;
As verbas seis, sete, oito, doze, quinze, dezassete, vinte e quatro, vinte e seis, vinte e sete, vinte e oito, e trinta, da relação de bens, são bens que compunham as heranças das referidas EE, e de DD, sendo assim propriedade da reclamante e de suas irmãs, devendo ser retiradas da relação de bens;
- no tocante ao passivo, o falecido vendeu, sem autorização da reclamante e de suas irmãs, os seguintes bens imóveis, que as mesmas haviam herdado:
a) Terreno na ..., vendido a GG (art.º ...14);
b) Terreno da ... para a escola (Artº ...60), vendido por oito mil escudos;
c) Vinha do ..., vendido a HH;
d) ... (da ...), vendido a II (art.º 57-B);
e) Casa de habitação da avó, quintal e celeiros, vendido a JJ;
f) Armazém (adega) ..., vendido a KK;
g) Armazém em ..., vendido a LL;
h) Charneca de mato e pinhal nas ..., ..., vendido a MM (art.º 2155);
i) Vendeu a casa dos ..., pertença da tia avó;
Caso existissem estes bens, e constituíam património da reclamante e de suas irmãs, na proporção de 1/3 para cada um, donde que o valor atualizado de todos estes bens imóveis ascendesse a € 200.000,00, o qual, por não existir e constituir um crédito, deve, como dívida, e em separado, ser relacionado.
([2]) Consta, a respeito, do relatório da decisão recorrida: «Nesta sede (acta de 23/03/2022), as partes acordaram:
- Em aditar à relação de bens o saldo da conta bancária da Banco 2... no montante de 7.517,57€;
- A interessada reclamante desiste no contido nos pontos 4) e 8) da sua reclamação;
- Em aditar à relação de bens o veículo de matrícula FF-..-.., no valor de 300€, referido no ponto 5 da reclamação;
- Em aditar na verba 11 da relação de bens, a seguir a alfaias agrícolas um veículo trator da marca Galucho com a matrícula L-....4 (reboque), um motocultivador e um rachador de lenha.».
([3]) E até já transitada em julgado (por renúncia ao direito ao recurso respetivo).
([4]) Excetuadas, naturalmente, questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([5]) Seguindo um critério de apreciação lógico-sistemática das questões suscitadas, desde que nenhuma delas resulte prejudicada pela decisão que recaia sobre as precedentes.
([6]) Com efeito, ainda no dia 18/12/2023 foi apresentado requerimento conjunto nos seguintes termos:
«BB e CC, OO e PP, respetivamente, Cabeça de Casal e Interessadas nos autos supra mencionados, vem expôr e requerer a V. Exa. o seguinte: // Por lapso, do qual, desde já, se penitênciam foi indicado, no acordo efetuado hoje, que a verba treze seria adjudicada às interessadas, quando pretendiam dizer que tal verba seria adjudicada à cabeça de casal. // Com efeito, tal verba corresponde a metade de um veículo automóvel da marca Peugeot, modelo 106, cuja outra metade já pertence à cabeça de casal. // Assim, requerem a correção do acordo no sentido de passar a constar que:
As verbas Treze, Quinze, Quarenta e três e Quarenta e Quatro são adjudicadas à Cabeça de Casal e receberá ainda de tornas a quantia de 80.000€ ( oitenta mil euros)
As restantes verbas são adjudicadas em comum às Interessadas.».
([7]) Neste âmbito, apenas analisou prova por declarações de parte/interessada, com apresentação de excertos/transcrição da gravação áudio.
([8]) Cabia à Recorrente, analisando depoimentos e documentos, mostrar que deles resultava, em concreto, a prova do facto invocado, tarefa a que não correspondeu.
([9]) Como é consabido, o Tribunal de recurso é livre, dentro da questão suscitada, na indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. art.º 5.º, n.º 3, do CPCiv.).
([10]) Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, p. 581.