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CONTRATO DE ARRENDAMENTO
PRAZO CERTO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
Sumário
I - O contrato de arrendamento em que foi clausulado que o prazo seria de um ano, iniciando-se em dia identificado, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos de um ano se não denunciado, é um contrato com prazo certo. II - Tendo sido observado o prazo de oposição e observada forma legal de notificação, é válida a oposição à renovação do contrato.
Texto Integral
Processo: 3114/21.0T8STS.P1
Sumário
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Relatora: Teresa Maria Fonseca
1.ª adjunta: Maria Fernanda Almeida
2.º adjunto: José Nuno Duarte
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
“A..., S.A.” intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “B..., Lda.”.
Pede:
- que seja reconhecido o seu direito de propriedade e posse sobre o prédio urbano composto de edifício fabril de rés-do-chão e 1.º andar e logradouro, sito na Avenida ... da freguesia ..., ..., que confronta de norte com AA e BB, de sul com A..., S.A., de nascente com CC e de poente com estrada nacional, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso sob o n.º ...1/19900613 e inscrito na matriz respetiva sob o n.º ...61;
- que seja declarada a caducidade, ocorrida em 28 de fevereiro de 2021, do contrato de arrendamento celebrado entre A. e R. identificado;
- que a R. seja condenada a ré a desocupar o espaço e a entregar o imóvel livre de pessoas e bens;
- que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia que vier a ser liquidada a título de indemnização pela ocupação ilícita do imóvel.
Invocou:
- ter cedido à R. imóvel de que é proprietária para fins não habitacionais com início em 1 de março de 2008 e termo a 28 de fevereiro de 2009;
- que o prazo que se prorrogava por sucessivos períodos de um ano, quando não denunciado;
- ter deduzido oposição à renovação do contrato através de notificação judicial avulsa, que ocorreu em 15-9-2020, findando o contrato em 28 de fevereiro de 2021;
- que a R. se nega a entregar o arrendado;
- que se propõe reconstruir o imóvel, o que não pode fazer em face da ocupação;
- que tal lhe causa prejuízos, que, por ora, não consegue liquidar.
A R. contestou, invocando a exceção de litispendência por referência ao processo n.º ..., pendente no ... do Juízo Central da Póvoa de Varzim e dizendo que a oposição à renovação do contrato é inválida.
Pediu a sua absolvição da instância com fundamento em litispendência.
Na improcedência desta pretensão, a instância deveria ser suspensa, até ao trânsito em julgado da decisão que recaia sobre os pedidos 2 e 4, deduzidos na reconvenção do processo n.º ....
Na improcedência dos pedidos antecedentes, a ação deveria ser julgada totalmente, improcedente, com a consequente absolvição da R. de todos os pedidos.
Caso naquele processo n.º ... não sejam julgados os pedidos 2 e 4, deveria a reconvenção ser julgada procedente, sendo a A. condenada a reconhecer a existência, a validade, a eficácia e a subsistência do contrato de arrendamento de 3 de março de 2008 e a respeitar esse contrato, abstendo-se da prática de qualquer ato que perturbe os direitos da R. inerentes a esse contrato.
A A. respondeu. Pugnou pelo desatendimento da exceção.
Sustentou inexistir motivo para suspender a instância por a questão da ocupação da fração «Q» já não ser objeto daquela outra ação.
Defendeu que o pedido reconvencional é inadmissível.
A reconvenção não foi admitida, o que foi confirmado por acórdão transitado em julgado.
Na sequência de determinação do juiz, foi esclarecido que nos presentes autos está apenas em causa a fração “Q” do imóvel.
O valor da causa foi fixado em € 45 000,00, ao abrigo do disposto nos artigos 296.º/1, 297.º/1, 299º/ 1 e 302º/, do C.P.C..
Foram julgados verificados os pressupostos processuais, julgada improcedente a exceção de litispendência e indeferido o pedido de suspensão da instância
No desenvolvimento da audiência de julgamento, a R. apresentou requerimento na sequência da sentença proferida no Juízo Central Cível da Povoa do Varzim, no âmbito do processo nº ..., ..., invocando a situação de autoridade de caso julgado face ao decidido.
Decidiu-se que a apreciação da pretensão ficou prejudicada, por tal requerimento ter sido apresentado na sequência de um lapso da sentença, que incluiu a identificação da fração aqui em causa, lapso que foi retificado,
Finda a audiência de julgamento, a A. desistiu do pedido de condenação da R. no pagamento de indemnização a liquidar.
A desistência foi homologada por sentença, sem que tenha havido lugar a condenação em custas.
A ação foi julgada procedente, declarando-se a A. dona e legítima proprietária do prédio urbano identificado, declarando-se a caducidade, em 28 de fevereiro de 2021, do contrato de arrendamento celebrado entre A. e R. e condenando-se a R. a desocupar o espaço e a entregar o imóvel livre de pessoas e bens.
As custas ficaram a cargo da R..
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Inconformada, a R. interpôs o presente recurso, que rematou com as conclusões que em seguida se transcrevem. Da síntese conclusiva.
a) Quanto ao articulado superveniente.
1ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 2 à página 7 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se que seja proferida decisão que julgue verificada a exceção dilatória do caso julgado, que revogue a respetiva decisão da página 21 da sentença recorrida por esta ter violado, por falta de aplicação, o disposto nos artigos 580º, 581º, no nº 2 do artigo 576º, e na alínea i) do artigo 577º, todos do Código Civil, e que absolva da instância a recorrente. b) Quanto à decisão de facto.
2ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 8 à página 13 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão que altere o ponto da alínea E da decisão de facto da sentença recorrida e que julgue provado: « No escrito particular do contrato de arrendamento foi pela Autora e pela Ré declarado que o prazo é de um ano, com início no dia um de março de dois mil e oito, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos de um ano se não denunciado».
3ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 14 e 15 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão que altere o ponto da alínea I. da decisão de facto da sentença recorrida e que julgue, apenas, provado: « Na sequência da notificação judicial avulsa, a Ré não desocupou o armazém da fração “Q” do prédio, não fez a sua entrega livre de pessoas e bens à Autora até ao dia 28 de fevereiro de 2021, o que ocorre até à presente data, e a Ré nega-se a abandoná-lo». c) Quanto à decisão de direito.
4ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 17 à página 24 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, o contrato de arrendamento dos autos é contrato de arrendamento de duração indeterminada, previsto no artigo 1099º do Código Civil, face à procedência da antecedente 2.ª conclusão,
5ª- E a fundamentação de direito da sentença recorrida, neste particular, violou o disposto naquele artigo 1099º e no nº 1 do artigo 1095º, ambos do Código Civil.
6ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 25 à página 30 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, a oposição à renovação do contrato de arrendamento dos autos, levada a cabo pela recorrida através da notificação judicial avulsa dos factos provados nos pontos das alíneas G. e H. da decisão de facto da sentença recorrida, não é válida, e o contrato de arrendamento dos autos mantém-se em vigor.
7ª- E a fundamentação de direito da sentença recorrida violou, neste particular, o disposto na alínea c) do artigo 1101º e no artigo 1104º, ambos do Código Civil.
8ª- Por causa das procedências das anteriores 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e 7ª conclusões, e dos fundamentos, especificados na página 31 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, a fundamentação de direito da sentença recorrida violou, neste particular, o disposto no nº 2 do artigo 1311º do Código Civil, e, em consequência, impõe-se que a sentença recorrida seja revogada e substituída por decisão que absolva a recorrente dos respetivos pedidos, e que nas custas condene a recorrida. d) Na improcedência de todas as anteriores conclusões.
9ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 32 e 33 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, porque a decisão da sentença recorrida que condenou nas custas a recorrente, violou o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 527º, no nº 1 do artigo 535º e no nº 1 do artigo 537º, todos do Código de Processo Civil, impõe-se decisão que a revogue e nas custas condene a recorrida na proporção de 50%.
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A apelada contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
A) A alegação da Recorrente de que se verifica a exceção dilatória de caso julgado não pode proceder, pois a sentença proferida no Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim apenas teve um lapso na identificação das frações, nomeadamente a fração aqui em causa, tal como já foi confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto no Acórdão proferido no Processo n.º ....
B) É inequívoco que a Recorrida nessa ação apenas confessou os pedidos relativos às frações “O” e “P”, não abrangendo a fração “Q”.
C) Não assiste razão à Recorrente ao sustentar que a decisão de facto proferida pelo Tribunal aquo enferma de erro na qualificação do contrato de arrendamento, pois a cláusula terceira do contrato estipula expressamente um prazo inicial de um ano, renovável por iguais períodos, salvo denúncia, o que é compatível com a qualificação de prazo certo.
D) É improcedente a alegação de que a decisão do Tribunal antecipou uma questão de direito antes do julgamento, uma vez que a determinação do prazo do contrato não constitui um juízo meramente conclusivo, mas sim um elemento objetivo e essencial do contrato de arrendamento, passível de prova documental e interpretação conforme a vontade das partes.
E) A validade formal do contrato não exclui a possibilidade de prova testemunhal para esclarecimento do seu teor e alcance, nos termos do artigo 393.º, n.º 3, do Código Civil, sendo admissível o recurso a este meio probatório para interpretar corretamente o contrato e determinar a sua qualificação jurídica.
F) A interpretação do Contrato de Arrendamento deve ter em conta não apenas o teor literal das cláusulas contratuais, mas também o contexto e a vontade efetiva das partes.
G) Por outro lado, não assiste razão à Recorrente na alegação de que o contrato de arrendamento deve ser qualificado como contrato de duração indeterminada.
H) O argumento da Recorrente de que a ausência de um prazo final expresso impede a qualificação do contrato como sendo de prazo certo não tem fundamento legal, uma vez que o NRAU (Lei n.º 6/2006) não exige a declaração inequívoca da duração exata do contrato, comosucedia nos regimes anteriores ao RAU (Decreto-Lei n.º 321/90, de 15 de outubro).
I) A jurisprudência invocada pela Recorrente não é aplicável ao caso concreto, pois refere-se a contratos de arrendamento celebrados aquando da vigência do RAU, em que existia a exigência de uma declaração expressa para que o contrato fosse considerado de duração limitada, requisito esse que não subsiste no NRAU.
J) Nos termos do artigo 1110.º, n.º 1 do Código Civil, a oposição à renovação do contrato é válida e não carece de estipulação expressa no contrato, uma vez que, na falta de previsão contratual específica, aplicam-se as regras do arrendamento para fins habitacionais, que permitem a oposição à renovação.
K) Ficou demonstrado que a oposição à renovação foi validamente realizada através de notificação judicial avulsa, nos termos legalmente admissíveis, pelo que o contrato cessou validamente.
L) O acordo escrito celebrado entre a Recorrida e a Recorrente reflete de forma clara a vontade das partes de celebrar um contrato de arrendamento para fins não habitacionais com prazo certo de um ano, renovável por iguais e sucessivos períodos enquanto não fosse denunciado, pelo que não subsiste qualquer fundamento para a requalificação do contrato como sendo de duração indeterminada.
M) Em consequência, a decisão recorrida não violou o disposto nos artigos 1095.º, 1099.º, 1101.º, alínea c) e 1104.º do Código Civil, devendo ser integralmente mantida, uma vez que interpretou corretamente os elementos contratuais e legais aplicáveis.
N) Por outro lado, quanto à desistência do pedido o Autor, é livremente permitida em qualquer momento em todo ou em parte de acordo com o artigo 283º do CPC.
O) Em matéria de custas, a Recorrente não tem razão ao argumentar que não é responsável pelas custas uma vez que, efetivamente, contestou a ação.
P) Por os motivos expostos deve ser mantida na íntegra a Douta Sentença proferida em primeira instância.
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II - Questões suscitadas pelo recurso:
a - do pedido de absolvição da instância com fundamento em autoridade de caso julgado;
b - da reapreciação da matéria de facto;
c - se o contrato celebrado o foi por tempo indeterminado ou se se trata de um contrato a termo certo;
d - se o contrato infringe o disposto nos artigos 1095.º e 1099.º do C.C.;
e - se a oposição à renovação do contrato de arrendamento é inválida por infringir o disposto nos artigos 1101.º/c e 1104.º do C.C.;
f - da divisão das custas.
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III - Fundamentação de facto
Factos provados (enunciados na sentença)
A. A A. é legítima proprietária do prédio urbano composto de edifício fabril de rés-do-chão e 1.º andar e logradouro sito na Avenida ... da freguesia ..., concelho ..., que confronta de norte com AA e BB; de sul com A..., S.A., de nascente com CC e de poente com estrada nacional, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso sob o n.º ...1/19900613 e inscrito na matriz respetiva sob o n.º ...61.
B. O imóvel supra foi adquirido pela A. através de escritura pública de compra e venda datada de 28 de julho de 1998, encontrando-se a respetiva aquisição registada em nome da autora.
C. Sempre por si e ante possuidores, a A. detém o imóvel há mais de 20 anos de forma pública, contínua, pacífica e de boa-fé, na convicção de exercer direito próprio e não lesar quem quer que seja, pagando as contribuições referentes ao mesmo, fazendo obras de conservação, mandando-o limpar, dando-o de arrendamento, o que faz sempre na presença de todos os vizinhos, na convicção de que exerce o direito de proprietária, sem oposição de ninguém.
D. Aos 3 de março de 2008, A. e a R. celebraram um contrato de arrendamento comercial ou para fins não habitacionais.
E. O teor desse contrato é, no essencial, o seguinte:
Objeto de Arrendamento: um armazém com área de 1350 m2, que faz parte do denominado Parque Industrial ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na planta, que ora se junta, com a letra “Q”
Fim do Arrendado: armazém
Prazo do Arrendamento: o contrato de arrendamento foi celebrado com prazo certo de 1 ano, com início em 1 de março de 2008 e termo a 28 de fevereiro de 2009.
Prazo que se prorrogava por sucessivos períodos de um ano, quando não denunciado.
Valor da Renda Mensal: A renda mensal inicialmente fixada foi de 1.500, 00 € (mil e quinhentos euros).
F. O contrato em causa foi-se renovando por sucessivos e iguais períodos de um ano.
G. A A. requereu através de notificação judicial avulsa, realizada a 10 de setembro de 2020, a notificação da R. de que o termo do contrato ocorre aos 28 de fevereiro de 2021 e que se opunha a renovação do mesmo.
H. Ao 15 de setembro de 2020, em cumprimento da notificação judicial supramencionada, a R. foi notificada, na pessoa do seu sócio gerente, DD, ficando a conhecer nesta data a pretensão da A..
I. Na sequência do pedido constante da notificação judicial avulsa, a R. estava obrigada a desocupar o locado e a fazer a sua entrega livre de pessoas e bens, até dia 28 de fevereiro de 2021, o que não ocorreu e até à presente data, a R. nega-se a abandonar o locado.
J. O objeto do arrendamento sendo um armazém, tem a área de 1350 m2, que faz parte do denominado Parque Industrial ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito no artigo urbano ...61 da ....
K. Esse armazém é o localizado na planta que ora se junta e com a letra “Q” – doc. 2.
L. Para além das cláusulas referidas em E. o contrato de arrendamento previa a possibilidade de denúncia da arrendatária a qual deveria ser efetuada com a antecedência de pelo menos noventa dias relativamente ao fim do contrato ou da sua renovação, por carta registada com aviso de receção.
M. A renda anual, que fica submetida às atualizações legais e anuais, é de € 18.000,00 (dezoito mil euros ), que será paga em duodécimos de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) no primeiro dia útil do mês anterior ao que disser respeito, na residência da senhoria ou local por esta a indicar.
N. O prédio aqui arrendado destina-se a armazém, não lhe podendo ser dado outro destino sem prévia autorização dada por escrito reconhecido da senhoria.
O. A senhoria desde já autoriza as necessárias obras de adaptação para o ramo pretendido, desde que não ponham em causa a estrutura do local arrendado ficando a fazer parte integrante do imóvel e por isso sem qualquer direito a indemnização ou retenção, com exceção das obras amovíveis, que serão pertença da arrendatária.
P. E ainda que todas as obras de conservação ordinária e limpeza do arrendado ficam a cargo e são da exclusiva responsabilidade da arrendatária, necessitando sempre de prévia autorização da senhoria, dado por escrito reconhecido notarialmente.
Q. Assim como, qualquer mudança de destino do objeto aqui arrendado, assim como obtenção de licenças e autorizações oficiais, serão da exclusiva responsabilidade da arrendatária.
R. Ficou, ainda, a constar que a arrendatária seria responsável por todas as despesas inerentes ao abastecimento, ligação, consumo e serviço de água, eletricidade e saneamento, obrigando-se a mudar para o seu nome os respetivos contratos de abastecimento, no prazo máximo de trinta dias.
S. E, quando o contrato findar, o prédio aqui arrendado será entregue à senhoria em bom estado de conservação, tal como se encontra atualmente, com tudo o que lhe pertence, nomeadamente chaves, vidros e instalação elétrica.
T. A coberto deste escrito particular, a A. entregou aquele armazém fração “Q” à R. que o ocupou e utilizou, reportados os seus inícios àquele dia um de março de 2008.
U. No dia 3 de maio de 2021, a A. enviou à R., registada com o código de aceitação postal RH...41PT e aviso de receção, a carta com o respetivo envelope, pela qual participou à R. o seguinte: « Fomos informados por V/ email de 23.04.21 que o valor enviado por V. Exia se destina a “ pagamento da B... – contrato celebrado no dia 3 de março de 2008”. Sucede que esse contrato cessou já em 28 de fevereiro de 2021 e em consequência não são nossos arrendatários. Resta-nos: a) Devolver as quantias recebidas. b) Aceitar as mesmas como indemnização de ocupação abusiva. Queiram escolher qual das soluções supra apresentadas vos convém».
V. No dia 18 de maio de 2021, registada com o código de aceitação postal RH...35PT e com aviso de receção, a R. enviou à A., que a recebeu, a carta, o talão de aceitação postal e o aviso de receção, « Acusamos a receção da vossa carta, datada de 3 de maio corrente, e participamos o seguinte: 1- Como sabem, ou não podem ignorar, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 257.º do Código de Processo Civil: “As notificações avulsas não admitem oposição, devendo os direitos respetivos ser exercidos nas ações próprias”. Assim, será nessa oportunidade que exerceremos os nossos direitos, atinentes a demonstrar que o respetivo contrato de arrendamento, celebrado em 3 de março de 2008, não cessou no dia 28 de fevereiro de 2021, pela respetiva notificação judicial avulsa, requerida pela vossa sociedade, e daí as quantias pagas a título de rendas, pela nossa sociedade, e pela vossa sociedade, recebidas.
2- Em consequência, não aceitamos que pela vossa sociedade as mesmas sejam imputadas a título de ocupação abusiva, nem que nos sejam devolvidas
W. A R. continuou a pagar, por transferência bancária, à A. a quantia mensal de € 1.500,00, indicando que era a renda da fração, designada pela letra “Q” deste contrato de arrendamento de 3 de março de 2008, sem que a Autora, até hoje, lhe tenha enviado os respetivos recibos.
X. Desde aquele dia 1 de março de 2008 que a R. continua a ocupar e a utilizar, no exercício da sua atividade, aquela designada fração “Q”.
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IV - Fundamentação jurídica
a - Da existência de caso julgado
Alega a apelante que se verifica a exceção de caso julgado por referência a decisão contida na ação n.º ..., ..., do Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim do Tribunal Judicial da Comarca do Porto.
Em 24-9-2024, foi proferida sentença em que, assinaladamente, se reconheceu que desde dezembro de 2008 que a ali e aqui R. é arrendatária das frações designadas pelas letras “O” “P” e “Q” do prédio urbano em causa.
Segundo a apelante, em sede de recurso da assinalada sentença, o ac. do Tribunal da Relação do Porto teria confirmado a sentença proferida pelo Tribunal Central Cível da Póvoa de Varzim.
Pedido o seguimento do processo, constata-se que no ac. do Tribunal da Relação do Porto de 9-2-2024, proferido no proc. n.º ..., consta que a sentença proferida no Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim contém um lapso na identificação das frações, não abrangendo a fração “Q”. Lê-se o seguinte: (…) dada a referida redução do pedido da ação, não subsiste nestes autos qualquer pretensão da A. relativamente à fração Q do imóvel, cingindo a sua reivindicação aos espaços O e P do imóvel.Como assim, deixando de ter qualquer relevância a invocação, pela R., de posse legítima daquele espaço Q, seja pela alegação de um contrato de arrendamento, seja com base em qualquer outro facto jurídico causal, também não faz sentido e não pode ser admitida a possibilidade de a R. deduzir, em reconvenção, o pedido de reconhecimento do contrato de arrendamento a ela relativo e, autonomamente, a condenação da A. a respeitar esse contrato de 3 de março de 2008 e a abster-se da prática de qualquer ato que perturbe os seus direitos inerentes a esse negócio. Mais se remete para a nota de rodapé 15, cujo teor é este: sendo até, no mínimo, duvidoso que se trate de um verdadeiro pedido reconvencional, já que o respeito devidopelo contrato e seus efeitos decorre diretamente do reconhecimento da sua existência, validade e eficácia que ématéria da defesa (por exceção) propriamente dita. Não se tratará, verdadeiramente, de uma pretensão de tutelajurisdicional substancialmente autónoma, fundada no facto jurídico que serve de base à alegação da defesa(neste sentido, Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 182).Deste modo, não se justifica aquela defesa relativamente à fração Q - obstativade uma restituição, não solicitada - e, por consequência, qualquer pedido com ela conexionada, ou melhor, que seja dela emergente, para usar a própria expressão legal. Improcede esta segunda e última questão do recurso.
O acórdão proferido, neste conspecto, não sofreu alteração.
A 1.ª das questões suscitadas pela apelante, tendo sido ultrapassada pela decisão que vimos de enunciar, improcede.
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b - Da reapreciação da matéria de facto
A apelante pretende ver alterado o ponto da alínea E da decisão de facto da sentença recorrida, julgando-se provado que no escrito particular do contrato de arrendamento foi pela Autora e pela Ré declarado que o prazo é de um ano, com início no dia um de março de dois mil e oito, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos de um ano se não denunciado.
O ponto E, tal como vertido na sentença, é o seguinte: O teor desse contrato é, no essencial o seguinte: Objeto de Arrendamento: um armazém com área de 1350 m2, que faz parte do denominado Parque Industrial ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na planta, que ora se junta, com a letra “Q” Fim do Arrendado: Armazém Prazo do Arrendamento: O contrato de arrendamento foi celebrado com prazo certo de 1 ano, com início em 1 de março de 2008 e termo a 28 de fevereiro de 2009. Prazo que se prorrogava por sucessivos períodos de um ano, quando não denunciado. Valor da Renda Mensal: A renda mensal inicialmente fixada foi de 1.500, 00 € (mil e quinhentos euros).
A questão invocada pela recorrente visa alteração no sentido de que no contrato consta que este se inicia no dia um de março de dois mil e oito, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos de um ano se não denunciado e não exatamente que termina a 28 de fevereiro de 2009, se não denunciado.
Trata-se de questão de rigor terminológico. Compulsado o documento em causa, o contrato de arrendamento carreado para os autos pela A., da alínea E da decisão de facto da sentença recorrida, deverá passar a constar, para além do mais que aí se lê, que no escrito particular do contrato de arrendamento foi pela Autora e pela Ré declarado que o prazo do presente Contrato de Arrendamento é de um ano, com início no dia um de março de dois mil e oito, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos de um ano se não denunciado.
Requer ainda a apelante que se altere o ponto da alínea I da decisão de facto da sentença recorrida e que se julgue, apenas, provado que na sequência da notificação judicial avulsa, a Ré não desocupou o armazém da fração “Q” do prédio, não fez a sua entrega livre de pessoas e bens à Autora até ao dia 28 de fevereiro de 2021, o que ocorre até à presente data, e a Ré nega-se a abandoná-lo.
Consta da alínea I, conforme decidido em 1.ª instância, o seguinte: Na sequência do pedido constante da notificação judicial avulsa, a R. estava obrigada a desocupar o locado e a fazer a sua entrega livre de pessoas e bens, até dia 28 de fevereiro de 2021, o que não ocorreu e até à presente data, a R. nega-se a abandonar o locado.
A questão é terminológica. Para melhor esclarecimento, por ser o que consta da notificação judicial avulsa, deverá passar a constar, em vez de na sequência do pedido, nos termos do pedido de notificação judicial avulsa,a R. foi notificada de que o termo do contrato ocorre aos 28 de fevereiro de 2021, a Ré não desocupou o armazém da fração “Q” do prédio, não fez a sua entrega livre de pessoas e bens à Autora até ao dia 28 de fevereiro de 2021, o que ocorre até à presente data, e a Ré nega-se a abandoná-lo.
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c - Se o contrato celebrado é um contrato de arrendamento de duração indeterminada
A apelante entende que a sentença entendeu erroneamente que o contrato celebrado é um contrato com prazo certo. Ao invés, defende que se trata de contrato celebrado por tempo indeterminado.
A questão é relevante pela sua relação com a oposição da apelada/senhoria à renovação do contrato.
Dispõe o art.º 1095.º do C.C.:
1 - O prazo deve constar de cláusula inserida no contrato.
2 - O prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a um nem superior a 30 anos, considerando-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respetivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo.
Na situação dos autos, conforme explanado, as partes fizeram constar do contrato de arrendamento o seguinte: o prazo do presente Contrato de Arrendamento é de um ano, com início no dia um de março de dois mil e oito, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos de um ano se não denunciado.
Como decorre da própria expressão duração indeterminada, no contrato de arrendamento por duração indeterminada o senhorio cede ao inquilino o uso e fruição de um imóvel sem definição de uma data limite pré-estabelecida.
Prevê o art.º 1099.º do C.C. que o contrato de duração indeterminada cessa por denúncia de uma das partes, nos termos dos artigos seguintes.
A sentença recorrida entendeu que nos encontramos perante um contrato de arrendamento com prazo certo porque as partes escreveram nele que o contrato seria celebrado com prazo certo de um ano.
Segundo a apelante, a fixação de prazo de um ano como duração do contrato não significa inequivocamente que se trata de uma cláusula de duração limitada. Remete, assinaladamente, para tese vertida no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de julho de 2024, segundo a qual as partes hão de referir a pretendida duração limitada do contrato.
A hermenêutica negocial (a atividade destinada a fixar o sentido e alcance decisivo dos negócios jurídicos, segundo as respetivas declarações negociais integradoras) é presidida pela teoria da impressão do destinatário. Esta vem estabelecida no art.º 236.º/1 do C.C., segundo a qual a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
O art.º 238.º/1 do C.C, por seu turno, prevê que nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
A interpretação dos negócios jurídicos deve ser assumida como uma tarefa científica, tendente a determinar o regime aplicável aos problemas que se ponham no seu âmbito (in António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, Parte Geral, 4.ª ed., Almedina, p. 685).
Na situação em apreço, em nosso entender, a tese da apelante não consubstancia a melhor interpretação do acordado.
Como já se viu, consta da materialidade assente que no escrito particular do contrato de arrendamento foi pela Autora e pela Ré declarado que o prazo do presente Contrato de Arrendamento é de um ano, com início no dia um de março de dois mil e oito, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos de um ano se não denunciado.
Um declaratário normal não poderá deixar de entender que o contrato celebrado o foi com o prazo certo de um ano.
Já pretender que o contrato só será de considerar enquanto contrato de duração limitada se as partes deixarem tal consideração vertida no contrato não é defensável. Tal equivaleria a dizer que os contratos devem integrar, mais do que orientações para a respetiva interpretação, a sua própria qualificação jurídica. Ainda que tal possa ser pontualmente defensável em questões melindrosas ou controvertidas, não é o que se verifica numa questão simples, como a presente.
Em súmula, o contrato ajuizado é um contrato com prazo certo, não assistindo razão à apelante.
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d - Se o contrato infringe o disposto nos artigos 1095.º e 1099.º do C.C.
Vimos já que segundo o art.º 1095.º do C.C.:
1 - O prazo deve constar de cláusula inserida no contrato.
2 - O prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a um nem superior a 30 anos, considerando-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respetivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo.
Não se verifica a invocada violação do preceituado no art.º 1095.º do C.C., já que o prazo consta de cláusula do contrato e tem o prazo de um ano.
O art.º 1099.º do C.C. prevê que o contrato de duração indeterminada cessa por denúncia de uma das partes, nos termos dos artigos seguintes.
O contrato em apreço, pelos fundamentos sobreditos, não é um contrato de duração indeterminada. O normativo invocado não tem, por conseguinte, aplicação ao caso concreto.
Improcede esta linha de argumentação da recorrente.
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e - Se a oposição à renovação do contrato de arrendamento é inválida por infringir o disposto nos artigos 1101.º/c e 1104.º do C.C..
Na tese argumentativa da apelante, a oposição à renovação levada a cabo pela recorrida através da notificação judicial avulsa teria sido inválida. Por consequência, o contrato de arrendamento manter-se-ia em vigor.
A apelante sustenta que a sentença sob recurso violou o disposto na alínea c) do art.º 1101.º do C.C. e no art.º 1104.º do mesmo Código.
O art.º 1101.º (denúncia pelo senhorio) tem o seguinte teor:
O senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada nos casos seguintes:
a) Necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau;
b) Para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado, desde que não resulte local com características equivalentes às do locado, onde seja possível a manutenção do arrendamento;
c) Mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação.
Prevê o art.º 1104.º - (confirmação da denúncia): No caso previsto na alínea c) do artigo 1101.º, a denúncia deve ser confirmada, sob pena de ineficácia, por comunicação com a antecedência máxima de 15 meses e mínima de um ano relativamente à data da sua efetivação.
A denúncia, enquanto forma de cessação contratual, traduz-se numa figura privativa dos contratos de execução duradoura (i.e., execução que se prolonga no tempo), como o contrato de arrendamento – que é também de execução continuada -, que se renovam por vontade (real ou presumida) das partes ou por determinação da lei, ou que foram celebrados por tempo indeterminado, visando satisfazer necessidades não transitórias das partes. O interesse das partes é dessa forma realizado. A denúncia consiste precisamente na declaração feita por uma das partes à outra, em regra com certa antecedência sobre o termo do período negocial em curso, de que não quer a renovação ou a continuação do contrato renovável ou fixado por tempo indeterminado. Permite, pois, fazer cessar unilateralmente um contrato de duração indeterminada, ou evitar a sua renovação automática. Extingue a relação obrigacional complexa derivada do contrato cuja renovação ou continuação impede. Denunciado o arrendamento, cessam, a partir do momento em que a declaração opera os seus efeitos, as obrigações, tanto do locador como do locatário. Em síntese, uma das partes comunica à outra que deseja pôr termo ao contrato (in ac. do S.T.J. de 30/11/2021, proc. 19/20.5YLPRT.L1.S1, Maria João Vaz Tomé).
Como já se constatou, por um lado, o contrato celebrado entre as partes não era de duração indeterminada. Por outro lado, a apelada não denunciou o contrato. A apelada opôs-se à sua renovação.
As normas cuja violação a recorrente invoca não tem, por conseguinte, aplicação à situação dos autos.
O caso dos autos merece avaliação, isso sim, à luz das normas que regem a oposição à renovação do contrato de arrendamento.
Veja-se que o art.º 1079.º do C.C. prescreve que o arrendamento urbano cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei.
O normativo seguinte - o art.º 1080.º -, a propósito da imperatividade, prevê que as normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário.
O art.º 1110.º (duração, denúncia ou oposição à renovação) preceitua:
1. As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no presente artigo e no seguinte.
2. Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.
3. Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1096.º.
4. Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação.
A oposição à renovação corresponde a uma forma de cessação dos contratos de duração determinada, com renovação automática. Encontra-se expressamente prevista, relativamente ao aluguer e ao arrendamento urbano, seguindo o regime especialmente previstos nos artigos 1055.º e 1096.º e seguintes do C.C..
A oposição à renovação traduz-se numa manifestação de vontade unilateral e discricionária de uma das partes. Produz os seus efeitos quando é conhecida ou chega ao poder do destinatário, não carecendo de aceitação da contraparte. O seu exercício não precisa de ser motivado. Produz efeitos extintivos para o futuro.
Dispõe o art.º 1055.º (oposição à renovação):
1 - A oposição à renovação tem de ser comunicada ao outro contraente com a antecedência mínima seguinte:
a) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
c) 30 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a três meses e inferior a um ano;
d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a três meses.
2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.
E o art.º 1096.º (renovação automática):
1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior.
3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.
Decorre destes dispositivos que a oposição à renovação opera por comunicação da parte que não deseja a renovação do contrato, no termo do seu prazo inicial ou das suas renovações, dirigida à outra parte (declaração de oposição à renovação). Esta comunicação, por força das regras da boa-fé, deve ser feita com uma antecedência razoável em relação ao momento em que a parte pretende ver extinto o contrato, de modo a não lesar as expectativas da parte contrária (prazo de pré-aviso). No caso da oposição à renovação no arrendamento, quanto maior a duração do contrato, maior o prazo de pré-aviso necessário.
Como se viu, nos termos do preceituado no art.º 1110.º/1 do C.C., as regras relativas à duração, denúncia e oposição dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, com a ressalva do prazo de duração inicial (o que não está em discussão), aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, o que vem consignado no art.º 1055.º do C.C..
O senhorio de imóvel que não é destinado à habitação não está impedido de comunicar ao arrendatário a sua vontade de não o renovar desde que observe a antecedência convencionada ou prevista na lei. O regime legal, nesta matéria, é idêntico ao aplicável aos arrendamentos para habitação (cf. ac. da Relação do Porto de 21-11-2023, proc. 16892/22.0T8PRT.P1, Anabela Miranda).
A oposição à renovação do contrato, por parte da ora apelada, observou o prazo legal, bem como as demais disposições aplicáveis. Tratou-se, por conseguinte, de oposição à renovação válida e eficaz.
Em súmula, não está em causa denúncia do contrato, mas oposição à renovação. Assim, o contrato cessou os seus efeitos. A alegação da apelante carece de fundamento.
Tendo a oposição à renovação do contrato operado validamente, improcede a pretensão da recorrente de ver revertida a reivindicação da A..
A apelação está condenada a improceder.
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f - Da condenação em custas
Considera a apelante que, na improcedência das suas demais pretensões, as custas deverão, em todo o caso, ser repartidas em partes iguais entre si e a A.. A condenação em custas deveria ser revogada, condenando-se a recorrida na proporção de 50%. A sentença recorrida teria violado o disposto no art.º 527.º/1/2, no art.º 553.º/1, no art.º 535.º/1 e no art.º 537.º/1, todos do C.P.C..
O pedido formulado pela A. decompõe-se da forma seguinte:
- que seja reconhecido o seu direito de propriedade e posse sobre o prédio urbano composto de edifício fabril de rés-do-chão e 1.º andar e logradouro sito na Avenida ... da freguesia ..., ..., que confronta de norte com AA e BB, de sul com A..., S.A., de nascente com CC e de poente com estrada nacional, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso sob o n.º ...1/19900613 e inscrito na matriz respetiva sob o n.º ...61;
- que seja declarada a caducidade, ocorrida aos 28 de fevereiro de 2021, do contrato de arrendamento celebrado entre A. e R. identificado;
- que a R. seja condenada a ré a desocupar o espaço e a entregar o imóvel livre de pessoas e bens;
- que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia que vier a ser liquidada a título de indemnização pela ocupação ilícita do imóvel.
O valor da causa foi fixado em € 45 000,00, fazendo-se apelo ao disposto nos artigos 296.º/1, 297.º/1, 299º/ 1 e 302º/, do C.P.C..
Finda a audiência de julgamento, a A. desistiu do pedido de condenação da R. no pagamento de indemnização a liquidar. A desistência foi homologada por sentença.
A ação foi julgada procedente, declarando-se a A. dona e legítima proprietária do prédio urbano identificado, declarando-se a caducidade, ocorrida aos 28 de fevereiro de 2021, do contrato de arrendamento celebrado entre A. e R. e condenando-se a R. a desocupar o espaço e a entregar o imóvel livre de pessoas e bens.
Preceitua o art.º 607.º/6 do C.P.C. que no final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade.
Nos termos do art.º 527.º/1/2 do C.P.C., a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. Segundo o n.º 2 do mesmo art.º 527.º/1, entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
As custas devem ser fixadas segundo um critério de causalidade, em conformidade com o critério do vencimento ou decaimento na causa, ou no recurso (art.º 663.º/2 do C.P.C.). Subsidiariamente, não operando o primeiro critério, as devem ser fixadas segundo um critério da vantagem ou de proveito processual.
A A. não fez corresponder a cada um dos pedidos por si formulados um valor determinado. Os três primeiros pedidos, aliás, correspondem a um mesmo desiderato de entrega do imóvel, sendo, os dois primeiros, pressuposto da procedência do terceiro.
Apenas o pedido indemnizatório a liquidar era suscetível de assumir um valor autónomo.
A decisão proferida na sentença não integra condenação em custas a propósito da desistência do pedido formulada em audiência quanto ao pedido de indemnização a liquidar.
A homologação da desistência ocorreu através de sentença transitada em julgado, sem que tivesse sido posto em crise que, no que a esse pedido concerne, não tivesse havido condenação em custas.
No que se refere aos pedidos que se mantinham na ação é inequívoco que a ação procedeu. Assim, a condenação da R. na totalidade das custas não merece reparo.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar a apelação totalmente improcedente, confirmando-se a decisão recorrida por fundamentos que dela em nada dissentem.
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Custas pela apelante por ter decaído na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).