CASO JULGADO FORMAL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECISÃO SURPRESA
Sumário

I - Não existe caso julgado formal quando o tribunal recorrido lavra despacho a relegar para momento ulterior o conhecimento da exceção dilatória da ilegitimidade ativa, vindo depois, no despacho senador, a conhecer de tal exceção com a consequente absolvição da instância do Réu.
II - Não existe violação do princípio do contraditório versus decisão surpresa quando, no despacho saneador, o juiz julga procedente a referida exceção com a mesma fundamentação ou argumentação jurídica idêntica à debatida pelas partes nos articulados.

Texto Integral

Processo nº 314/23.1T8ESP-Apelação
Origem-Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro-Juízo de Competência Genérica ...


Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Dr. Nuno Araújo
2º Adjunto Des. Dr.ª Ana Olívia Loureiro

5ª Secção




Sumário:
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I-RELATÓRIO


Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

AA, e BB, residentes na Rua ..., intentaram ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra Condomínio do Edifício Denominado “...”, sito na ..., n.ºs ...80, ...88, ...32, ..., n.ºs ...97, ...05, ...31 e Praceta ..., n.ºs 9, ...7, ...7, ...5, ...7, ...9, ...7, ...1, ...07, ...13, ...23, ...27, ...37, ...43, ...51, na freguesia e concelho ..., representado em juízo pela administração do condomínio A..., Lda. e contra todos os condóminos que votaram favoravelmente a ata da reunião da assembleia de condóminos de 11 de março de 2023 aí melhor identificados nos termos e pelos fundamentos vertidos na petição inicial, formulando os seguintes pedidos:
a) Ser a deliberação tomada na Assembleia de Condóminos de 11 de março de 2023 anulada nos vários pontos acima discriminados, por violação inter alia dos arts. 1432.º, n.º 5, 1431.º, n.º 1, 1433.º, n.º 1, 1432.º, n. º4, 1434.º, n.º 1, 334.º todos do Código Civil, e art.º 6.º, n.º 3, do Regime da Propriedade Horizontal;
b) Sem prejuízo, serem as cláusulas penais fixadas na supramencionada deliberada reduzidas equitativamente.
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Devidamente citados, vieram os Réus CC e DD e o Réu Condomínio do Edifício ..., invocar a exceção dilatória da ilegitimidade ativa dos Autores por entender que estes aprovaram as deliberações que agora pretendem impugnar e, como tal, padecem de ilegitimidade para apresentação da presente ação, ao abrigo do disposto no artigo 1433.º, n.º 1 do Código Civil.
Concluem peticionando a sua absolvição da instância.
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Os Autores vieram responder à exceção invocada, alegando que apenas assinaram o registo de presenças, discordando do teor da deliberação e invocando a falsidade da Ata, ao descrever realidades que não existem.
Concluem propugnando pela improcedência da exceção invocada.
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Em 04 de julho de 2024 foi proferido despacho que relegou para final a exceção da ilegitimidade ativa invocada pelo Réu Condomínio e, julgado procedente a mesma exceção invocada pelos Réus CC e DD, absolveu todos os condóminos da instância.
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Tendo o processo seguido os seus regulares termos foi proferido despacho saneador sentença que, julgando procedente a exceção dilatória da ilegitimidade ativa dos Autores e a exceção dilatória inominada da sua falta de interesse em agir absolveu o Réu Condomínio da instância.
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Não se conformando com o assim decidido, vieram os Autores interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
I. Por Despacho Saneador datado 31 de janeiro de 2025, do qual aqui se recorre, veio o Tribunal a quo proferir decisão, julgando verificada exceções dilatórias, máxime i) ilegitimidade ativa e ii) falta de interesse em agir, absolvendo o Réu Condomínio Edifício ... da presente instância, pretensamente nos termos do artigo 576.º n.º 2 do Código de Processo Civil.
II. Como se aflorará na presente via recursal, as sobreditas exceções deveriam ter sido julgadas totalmente improcedentes.
III.O Tribunal de primeira instância, através do Despacho Saneador proferido, veio julgar procedente a exceptio de Ilegitimidade Ativa dos Autores.
Todavia,
IV. tal Decisão está em manifesta contradição com o que fora decidido a 04 de julho de 2024, quando o douto Tribuna proferiu Despacho a estatuir o seguinte:
“Da ilegitimidade ativa
Veio o Réu, Condomínio do Edifício ..., invocar a exceção dilatória da ilegitimidade ativa dos Autores por entender que
estes aprovaram as deliberações que agora pretendem impugnar e, como tal, padecem de ilegitimidade para apresentação da presente ação, ao abrigo do disposto no artigo 1433.º, n.º 1 do Código Civil. Concluem peticionando a sua absolvição da instância.
Os Autores vieram responder à exceção invocada alegando que apenas assinaram o registo de presenças, discordando do teor da deliberação e invocando a falsidade da Ata, ao descrever realidades que não existem. Concluem propugnando pela improcedência da exceção invocada.
Ora, não se olvida que o artigo 1433.º, n.º 1 dispõe que “1. As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.”.
No entanto, o cerne destes autos e a causa de pedir dos Autores, consiste, em parte, na alegada falsidade da ata, por descrever realidades que não existem, nomeadamente que as deliberações aí constantes foram aprovadas por unanimidade.
Como tal, a decisão de tal ilegitimidade necessita, invariavelmente, que seja produzida prova. Assim, entende o Tribunal ainda não se encontrar em condições de conhecer de imediato a exceção invocada, relegando- se para final o conhecimento de tal exceção.”
Face ao retro exposto, eis em breves rasgos os motivos do desacerto da decisão:
V. Primo, a decisão proferida viola, evidentemente, a figura do caso julgado, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
Efetivamente,
VI. a decisão agora proferida e da qual agora se recorre, está em clara contradição com aquela que foi proferida anteriormente, nada tendo sucedido posteriormente que justifique a alteração da decisão.
VII. É consabido que o poder judicial não pode ser colocado numa posição de decidir algo que já foi decidido e que, a acrescentar a isso, ainda transitou em julgado, com a consciência de estabilidade e de inimpugnabilidade que se forma, ou deve formar, nas partes, pelo que a contradição coloca em crise a justiça, criando um efeito de incerteza na comunidade em geral e, em concreto, nas partes.
Por conseguinte,
VIII. deve a sentença ser revogada.
IX. Secundo, para além de ferir o caso julgado, a decisão aqui recorrida constitui decisão surpresa atendendo à contradição clara e evidente entre os Despachos referidos, o que aqui expressamente se invoca e que impõe a revogação da decisão proferida.
X. Tertio e não menos importante, sem prescindir da matéria supra, existe matéria controvertida que carece de Julgamento, pelo que o douto Tribunal conheceu prematuramente da exceção.
XI. Constitui jurisprudência assente que quando existem factos controvertidos relevantes para apreciação de determinada exceção que foi arguida nos autos (por exemplo, a ilegitimidade), é precoce processualmente a decisão sobre essa exceção, em sede de saneador-sentença, devendo essa factualidade ser sujeita a produção de prova e ser apreciada, a final, em sentença.
XII.O critério que deverá nortear o juiz da 1ª instância é saber se face às soluções plausíveis de direito para apreciação daquela matéria (mesmo que seja matéria de exceção) ainda existem factos controvertidos nos autos quando chega a fase da audiência prévia (ou do despacho saneador, quando ela for dispensada), pelo que deverá nesse caso relegar o seu conhecimento para a sentença de harmonia com o disposto no artigo 595º nº 4 do CPC.
XIII. Summo rigore, até foi o Tribunal noutro Despacho a constatar a existência de matéria controvertida, pelo que por tudo isto deve a decisão ser, in totum, revogada.
XIV. A necessidade de recorrer às vias judiciais, como substractum do interesse processual, não tem de ser uma necessidade absoluta, a única ou a última via aberta para a realização da pretensão formulada.
XV. Ora, no caso que nos ocupa, os Autores articularam factos de onde resulta a existência de um conflito de interesses com os Réus, não restando dúvidas que existe da parte dos Autores interesse em agir.
XVI. Atenta a posição assumida pelas partes nos articulados respetivos, permanece controvertido entre aquelas a causa de pedir invocada.
Nestes termos,
XVII. conclui-se que, contrariamente ao sustentado pelo Tribunal recorrido, os Autores têm interesse em agir, improcedendo a exceção dilatória.
XVIII. Os Recorrentes, oportuna e fundamentadamente, alegaram na Petição Inicial o seu interesse em agir na presente lide, interesse este que decorre de forma primacial da qualidade que ambos investem como Condóminos, concomitantemente à posição jurídica de Autores em que figuram nos presentes autos.
XIX. Assim, tal qualidade confere aos Autores por si só, nos termos do disposto no artigo 1433.º, n.ºs 1 e 4 do Código Civil, o direito a impugnar as deliberações tomadas em Assembleia7 e o direito a propor a ação de anulação. Que sejam contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados e a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado, como sucede no presente caso.
XX. Tais direitos têm ainda respaldo constitucional, porquanto decorrem do próprio artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, o qual estipula o princípio mais basilar em Direito conhecido do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, a partir do qual é “(…) A todos assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (…)”.
XXI. Isto posto, quer a negligência da administração do condomínio, alegada nos pontos 54.º a 83.º da Petição Inicia; quer a temática discutida no ponto três da ata de assembleia melhor exposta nos artigos 119.º a 150.º da Petição Inicial 9–contendem com deliberações que foram tomadas à revelia dos Autores (primeiro ponto) e que, não obstante figurarem na ordem de trabalhos, não foram efetivamente discutidas/colocadas a votação (segundo ponto).
XXII. Quanto à negligência da administração do condomínio, em ter decidido cobrar montantes absolutamente exorbitantes, bem sabendo quer dos limites do título executivo fixados por lei (no caso extravasados) quer da atribuição de força executória à ata da assembleia, foi a mesma tomada sem a aprovação dos Autores, pelo que, tão só pelo disposto no n.º 1 do artigo 1433.º do Código Civil, têm eles, mais do que interesse em agir, direito a impugnar tal deliberação.
XXIII. Por seu turno, atendendo a que o Ponto Três da ordem de trabalhos da ata da assembleia em apreciação, não foi efetiva e comprovadamente discutido, na mesma medida, mais do que interesse em agir, têm os Autores direito a impugná-la nos mesmo termos do artigo supracitado.
XXIV. Aqui chegados, demonstrado que se encontra o interesse em agir dos Autores, relativamente aos pontos especificamente alegados nos artigos 54.º a 83.º (inclusive) e 119.º a 150.º (inclusive), todos da Petição Inicial. Cujo conteúdo aqui se tem por integralmente reproduzido, em respeito ao princípio da economia processual e para todos os efeitos legais tidos por convenientes.
XXV. Resulta evidente que o Despacho Saneador proferido violou, entre outros, os artigos 3º, 7º, 8º, 580.º, 581.º, 615º, 619.º do Código de Processo Civil, 1433º do Código Civil.
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Contra-alegou o Réu Condomínio concluindo pelo não provimento do recurso.
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Foram dispensados os vistos.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cf. arts. 635.º, nº 3, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa decidir no presente recurso:
a)- saber se estão ou não verificadas as exceções dilatórias nominada e inominada, respetivamente, da ilegitimidade ativa dos Autores e da sua falta de interesse em agir.
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A)-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

É a seguinte a matéria factual que o tribunal recorrido deu como provada:
1 – “Aos onze dias do mês de março do ano de dois mil e vinte e três, reuniram na sala do condomínio garagem coletiva -1 do edifício em Assembleia Geral ordinária de Condóminos, os condóminos do edifício denominado de "..." (…)
A presente Assembleia foi regularmente convocada pelo administrador do condomínio, para apreciação e discussão da seguinte ordem de trabalhos:
Ponto Um - Apresentação, discussão e votação do relatório de contas referente ao período anual de fevereiro de 2022 a janeiro de 2023;
Ponto Dois - Apresentação, discussão e votação do orçamento para o período de fevereiro de 2023 a janeiro de 2024;
Ponto Três - Ponto de situação relativamente ao contencioso relativo às construções realizadas em zonas comuns (terraços de cobertura);
Ponto Quatro - Conservação e manutenção do edifício, discussão e votação de medidas a adotar;”
2 – “Pelas dez horas, estando presentes, em segunda convocatória, por si ou por procurador não contestado pelos demais, os condóminos representativos de mais de 25,00% (vinte e cinco por cento) da totalidade do edifício, conforme lista de presenças que se arquiva na pasta de documentos desta assembleia como documento número um e aqui se dá por integralmente reproduzida, foi dado inicio à presente assembleia de condóminos”.
3 – “No Ponto um da ordem de trabalhos, estabelecido em convocatória para esta assembleia, foi apresentado o relatório de contas relativo ao período de um de fevereiro de dois mil e vinte a trinta e dois a trinta e um de janeiro de dois mil e vinte três, que faz parte integrante desta ata e que se arquiva na pasta de documentos desta assembleia com o número dois. Depois de devidamente discutido e sujeito a votação, o relatório de contas apresentado foi aprovado por unanimidade dos presentes, e com o mesmo sentido de voto a mobilização/afetação de importâncias realizadas no que toca a valores de fundo comum de reserva por esse motivo a não constituir como resulta do citado relatório de contas. No que respeita aos valores em divida das diversas frações autónomas foi deliberado por unanimidade dos presentes quantificar as situações mais significativas de comparticipações para as despesas comuns, respeitantes às frações autónomas identificadas no documento número dois que faz parte integrante da presente ata, devendo os respetivos proprietários proceder ao pagamento das comparticipações para as despesas comuns no prazo oito dias após o envio da presente ata, sob pena de recurso a via judicial a fim de promover a correspondente cobrança, acrescendo as importâncias em divida uma multa correspondente a 50% (cinquenta por cento) das importâncias em divida e bem assim de € 900,00 (novecentos euros) para fazer face as despesas de expediente e contencioso, que se têm por vencidas e por isso exigíveis com a propositura da correspondente ação judicial.”
4 – “No ponto dois foi deliberado por unanimidade dos presentes aprovar o orçamento para vigorar no período de um de fevereiro de dois mil e vinte e três a trinta e um de janeiro de dois mil e vinte e quatro, que fica a fazer parte integrante da presente ata e se arquiva na pasta de documentos desta assembleia como documento número três, vencendo-se as contribuições para as despesas comuns ao dia oito dos meses respetivos.”.
5 – “Foi ainda deliberado por unanimidade dos presentes que, o não pagamento atempado de tais comparticipações determina o pagamento de uma multa correspondente a 50% (cinquenta por cento) das importâncias em divida, aplicada automaticamente, logo que decorridos noventa dias sobre o respetivo vencimento e bem assim de € 900,00 (novecentos euros) para fazer face as despesas de expediente e contencioso, em caso de recurso à via judicial para cobrança das mesmas.”.
6 – “Foi ainda deliberado por unanimidade dos presentes, que a assembleia-geral ordinária de condóminos poderá ser realizada até 31 de março de cada ano, nos termos do n.º 4 do artigo 1431.º do Código Civil (Lei 8/2022).”.
7 – “No ponto quatro, em face da demora na execução dos trabalhos propostos foi apresentada uma solução alternativa do gabinete B..., no valor de €3,450,00+IVA, com o prazo de execução 60 dias após a adjudicação, inclui análise das zonas comuns e a visita das 109 frações (lojas e habitações), a apresentação de relatório de patologias, caderno de encargos, mapa de trabalhos e quantidades, esclarecimento e acompanhamento de todo o processo de concurso com a realização de assembleias de condóminos estando presente o engenheiro civil responsável da B.... Foi deliberado por unanimidade dos presentes a adjudicação de ta proposta de orçamento a pagar pelas disponibilidades de caixa/bancos e fundo de reservas.”.
8 – A Ata de 11 de março de 2023 foi assinada pelos Autores.
9. A fração CO do edifício denominado “...” está registada em nome dos Autores.
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III- O DIREITO

Como supra é apenas uma a questão que vem colocada no recurso:
a)- saber se estão ou não verificadas as exceções dilatórias nominada e inominada, respetivamente, da ilegitimidade ativa dos Autores e da sua falta de interesse em agir.
1- A questão da ilegitimidade ativa dos Autores.
Como se evidencia da decisão recorrida a ilegitimidade ativa dos Autores entroncou na circunstância de que, estando em causa o vício da anulabilidade de todos os pontos constantes da deliberação tomada na Assembleia de Condóminos de 11 de março de 2023, os mesmos votaram favoravelmente a referida deliberação, sendo que, não invocaram em relação a ela qualquer outro vício.
Vem agora os apelantes alegar que em relação à questão da ilegitimidade ativa invocada pelo Réu Condomínio o tribunal já se havia pronunciado em despacho anterior à decisão recorrida, razão pela qual existe ofensa de caso julgado.
Analisando.
É certo que em 04/07/2024 o tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho:
“Da ilegitimidade ativa
Veio o Réu, Condomínio do Edifício ..., invocar a exceção dilatória da ilegitimidade ativa dos Autores por entender que estes aprovaram as deliberações que agora pretendem impugnar e, como tal, padecem de ilegitimidade para apresentação da presente ação, ao abrigo do disposto no artigo 1433.º, n.º 1 do Código Civil.
Concluem peticionando a sua absolvição da instância.
Os Autores vieram responder à exceção invocada alegando que apenas assinaram o registo de presenças, discordando do teor da deliberação e invocando a falsidade da Ata, ao descrever realidades que não existem.
Concluem propugnando pela improcedência da exceção invocada.
Ora, não se olvida que o artigo 1433.º, n.º 1 dispõe que “1. As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.”.
No entanto, o cerne destes autos e a causa de pedir dos Autores, consiste, em parte, na alegada falsidade da ata, por descrever realidades que não existem, nomeadamente que as deliberações aí constantes foram aprovadas por unanimidade.
Como tal, a decisão de tal ilegitimidade necessita, invariavelmente, que seja produzida prova.
Assim, entende o Tribunal ainda não se encontrar em condições de conhecer de imediato a exceção invocada, relegando-se para final o conhecimento de tal exceção.
Notifique”.
Mas será que existe ofensa de caso julgado entre este despacho e a decisão recorrida?
Salvo o devido respeito por diferente opinião, a resposta é, a nosso ver, negativa.
Com efeito, o despacho transcrito é um despacho interlocutório de natureza ordenatória, e não um despacho com força de caso julgado formal (art.º 620.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Segundo este normativo a decisão (sentença ou despacho) que não seja impugnável torna-se obrigatória dentro do processo (caso julgado formal). Porém, isso pressupõe que a questão tenha sido, efetivamente, decidida.
Acontece que, o despacho em causa não decidiu definitivamente sobre a exceção dilatória de ilegitimidade ativa, apenas relegou o seu conhecimento para momento ulterior, considerando que a matéria de facto alegada pelos Autores (falsidade da ata, discordância com a deliberação) exigia produção de prova.
Ora, não há caso julgado formal sobre uma questão que o juiz apenas decidiu adiar ou relegar para momento posterior (como aqui se verificou).
Destarte, torna-se evidente que o tribunal recorrido, no momento próprio, ou seja, no despacho saneador podia e devia [cf. artigo 595.º, nº 1 al. a) do CPCivil] conhecer da invocada exceção como, aliás, o fez, sem que isso represente qualquer contradição entre os dois despachos, pois que, o primeiro nada decidiu, sendo irrelevante o que se afirma na parte final da conclusão VI.
É que, importa sublinhar, não estávamos em presença de uma legitimidade substantiva (a que se refere à titularidade do direito), mas sim da legitimidade adjetiva ou processual, ou seja, questão que se prende com a determinação do sujeito ativo da relação material controvertida tal como o vem configurada na petição inicial, sendo que, o que distingue as duas formas de legitimidade, para além do mais, é que a substancial dá origem à absolvição do pedido e a processual à absolvição da instância.
Portanto, o caso julgado formal há de ser aferido por referência à decisão recorrida e não em relação ao despacho prolatado em 04/07/2024 como, aliás, decorre do citado artigo 595.º, n.ºs 1, alínea a) e 3.
Em suma, o tribunal recorrido ao julgar em sede de despacho saneador, procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa, exerceu validamente o seu poder jurisdicional de apreciar e decidir a matéria em causa, após fixar a matéria factual relevante.
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Sob este conspecto alegam ainda os apelantes que para além de ferir o caso julgado, a decisão aqui recorrida constitui decisão surpresa atendendo à contradição clara e evidente entre os despachos referidos.
Mas, salvo o devido respeito, continuam os apelantes a laborar em manifesto equivoco.
Na verdade, como acima se referiu apenas o despacho recorrido é decisório, sendo o proferido em 04/07/2024 é meramente ordenatório, nada tendo decidido, razão pela qual se não pode falar em contradição entre eles.
Ora, assim sendo, a questão da exceção da ilegitimidade ativa dos Autores foi deduzida na contestação pelo Réu/apelado tendo aqueles exercido de forma plena o respetivo contraditório, ou seja, tratava-se de questão sobre a qual o tribunal recorrido tinha que emitir obrigatoriamente pronúncia, sob pena de nulidade da decisão que viesse a ser posteriormente proferida nos autos [cf. artigo 615.º, nº 1 al. d) do CPCivil].
Como assim, não se divisa como se pode afirmar que a decisão recorrida constitui decisão surpresa.
Efetivamente, só existiria violação do princípio do contraditório/decisão surpresa se a referida exceção dilatória consistente na ilegitimidade dos Autores para os termos da causa tivesse sido decidida com uma fundamentação ou argumentação jurídica completamente diferente da debatida pelas partes nos articulados, o que não foi, manifestamente, o caso, bastando, para o efeito, ler e comparar aquelas processuais com a decisão recorrida.
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Atinente ainda a esta questão, alegam os apelantes que existe matéria controvertida que carece de julgamento, pelo que o tribunal conheceu prematuramente da exceção.
Ora, em primeiro lugar os apelantes não indicam, em concreto, que matéria está controvertida e que seja relevante para o conhecimento da mencionada exceção dilatória.
Segundo, não impugnam a matéria de facto considerada assente no despacho recorrido e que é a única relevante para o conhecimento da exceção.
É certo, que na reposta às exceções alegam os apelantes que, ao contrário do que alega o Réu/apelado, eles não votaram favoravelmente o teor da deliberação, apenas se limitaram a assinar o registo de presenças, discordando do teor da mesma, verificando-se, assim, a falsidade da ata ao descrever realidades que não existem.[1]
Acontece que, o teor da fundamentação factual vertida na decisão recorrida contraria essas afirmações. Com efeito, resulta dos pontos 1-a 7- da referida fundamentação que os Autores/apelados votaram favoravelmente todos os pontos constantes da deliberação em causa e assinaram a respetiva ata (cf. ponto 8- dos factos provado).
Como assim, não tendo impugnado a referida fundamentação factual é apodítico que, tal como concluiu a decisão recorrida, falecia aos apelantes legitimidade ativa para a causa por terem votada favoravelmente o teor da deliberação que pretendiam anular.
É que importa sopesar, como noutro passo já se referiu, que a ilegitimidade ativa dos Autores entroncou na circunstância de que, estando em causa o vício da anulabilidade de todos os pontos constantes da deliberação tomada na Assembleia de Condóminos de 11 de março de 2023, os mesmos votaram favoravelmente a mesma, ou seja, não descortina que outra matéria factual alegada estava carecida de prova e que fosse relevante para o conhecimento da referida exceção.
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Improcede, assim, as conclusões I a XIII formulada pelos apelantes e, com elas, o respetivo recurso.
Com efeito, se os Autores/apelantes não têm legitimidade processual para demandar quanto ao objeto do litígio, prejudicada fica a análise da questão da falta ou não do seu interesse em agir (cf. artigo 608.º, nº 2 do CPCivil), ou seja, a ilegitimidade constitui obstáculo processual cuja verificação impede o conhecimento do mérito da causa e afasta a apreciação de outras exceções que apenas teriam utilidade se a parte fosse legítima.

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IV-DECISÃO


Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.

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Custas pelos apelantes (artigo 527.º, nº 1 do CPCivil).

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Porto, 26 de maio de 2025.

Dr. Manuel Fernandes

Dr. Nuno Araújo (dispensei o visto)

Dr.ª Ana Olívia Loureiro (dispensei o visto)

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[1] Importa realçar que os apelante na petição inicial não alegaram a falsidade da ata nem puseram em causa a sua assinatura/presença ou voto, o que só vieram alegar na resposta às exceções, sem, contudo, terem pedido a alteração da causa de pedir da ação e sem pedirem a declaração da falsidade da ata.