CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
Sumário

O segmento final do n.º1 do artigo 1096.º do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º13/2019, de 12/2, deve considerar-se norma imperativa, no sentido de impedir que o contrato de arrendamento seja objecto de oposição à renovação validamente deduzida pelo senhorio em período inferior a três anos.

Texto Integral

Proc. n.º 2080/23.1T8VCD.P1




ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM O
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
(3.ª SECÇÃO CÍVEL):





Relator: Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
1.º Adjunto: José Nuno Duarte
2.º Adjunto: Carlos Gil






RELATÓRIO.

AA, titular do NIF ...63, residente na Rua ..., ..., em ..., intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra BB, com o NIF ...22, e CC, portador do NIF ...75, com residência na Rua ...., também em ....
Pela procedência da acção, pediu:
a) seja declarada a cessação do contrato de arrendamento celebrado entre A. e RR. com efeitos a 31/10/2023;
b) sejam os RR. condenados a entregar imediatamente o locado, livre de pessoas e bens, ao A.; e
c) sejam os RR. condenados do pagamento da indemnização prevista no art. 1045.º do Código Civil, desde a data da cessação do contrato até efectiva desocupação do locado e entrega do mesmo ao A., a liquidar em execução de sentença.
Para o efeito e em resumo, alegou a celebração de um contrato de arrendamento entre o A. e a R., a 1/11/2013, com prazo certo de um ano, renovável por igual período, relativo à fração autónoma designada pelas letras “AI”, destinada a habitação, do prédio urbano sito na Rua ..., ..., da freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...59, de que o primeiro é proprietário, mediante a renda mensal que ascende atualmente a €340,00.
Algum tempo depois, em meados de 2015, instalou-se também no imóvel o R., que com a R. passou a viver em união de facto.
Nessas circunstâncias, por cartas datadas de 23/11/2022, o A. comunicou aos RR. a oposição à renovação do contrato, com efeitos a 31/10/2023, ao que eles responderam com a indicação de que não aceitavam a cessação do arrendamento naquela data, atenta a sua interpretação do art. 1096.º, n.º1, do CC, na redação dada pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, permanecendo sem desocupar o imóvel.
Na contestação, os RR. excepcionaram a questão da ilegitimidade activa, para a eventualidade de o Autor ser casado, aceitaram parte da matéria vertida na petição inicial (itens n.ºs 2 a 9) e impugnaram a restante.
Mais, defenderam que, por força do art. 1096.º do Código Civil, com a redação dada pela Lei n.º13/2019, de 12/02, aplicável ao arrendamento em causa, desde 1/11/2019, o contrato tem sido renovado por 3 anos, pelo que, à data de envio da carta indicada na PI (23 de Novembro de 2022), estava já em curso a renovação operada no dia 31 de Outubro de 2022, pelo prazo de três anos e, portanto, mantendo-se a validade do contrato até ao dia 31/10/2025.
Por fim, para a hipótese de o fundamento da contestação ser considerado improcedente, requereram os RR. o diferimento da desocupação do locado por período não inferior a um ano, invocando para tanto as suas condições económicas.
Foi proferido despacho que saneou a instância, fixou à causa o valor de € 10.200,00, julgou improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa e indeferiu o requerimento de diferimento da desocupação do locado, por processualmente inadmissível.
Para além disso, dispensou a fixação dos termos do litígio e dos temas da prova.
Realizou-se a audiência prévia, na qual foi tentada a conciliação das partes, sem sucesso, e apresentadas alegações sobre o mérito dos pedidos.
E, na sequência, conclusos os autos, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os RR. dos pedidos formulados na petição inicial.
Dessa decisão, inconformado, o A. veio interpor recurso, admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Rematou com as seguintes conclusões:
“1.ª O Tribunal a quo entendeu julgar improcedente a ação instaurada pelo Autor e em consequência absolver os Réus dos pedidos formulados.
2.ª Não existiu da parte do Tribunal a quo uma correta aplicação e interpretação do Direito ao caso concreto, pelo que deverá aquela decisão ser substituída por outra que julgue procedente o requerido pelo Recorrente, especificamente, que seja declarado que o contrato de arrendamento celebrado entre as partes cessou em 31/10/2023, que os Réus sejam condenados a entregar imediatamente o locado e no pagamento da indemnização prevista no art.º 1045.º do Cód. Civil desde a data de cessação do contrato até à sua efetiva desocupação.
3.ª A questão que, neste recurso, importa apreciar e decidir é a de saber qual é o prazo de renovação do contrato de arrendamento com prazo certo de um ano, renovável automaticamente por igual período, celebrado em 01/11/2013 entre o Autor e a Ré, se o de um ano nele estipulado, se o de três anos previsto no art.º 1096.º do CC, na redação decorrente da Lei n.º 13/2019, de 12/02.
4.ª Apesar das divergências doutrinárias acerca do assunto, a verdade é que, a tendência da jurisprudência maioritária tem vindo a ser no sentido de que o regime previsto no n.º 1 do art.º 1096.º do CC se reveste de natureza meramente supletiva e não imperativa e, em consequência, o direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos.
5.ª É também este o entendimento sufragado no recente Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, proferido em 21/11/2024, no âmbito do processo 1064/24.7YLPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt.
6.ª Perfilhado o mesmo entendimento, pronunciou-se também este Tribunal da Relação do Porto em 23/03/2023, no processo 3966/21.3T8GDM.P1; em 12/07/2023, no processo n.º19506/21.1T8PRT-A.P1; em 14/09/2023, no processo 1394/22.2YLPRT.P1; em 09/10/2023, no processo n.º 1467/22.1YLPRT.P1; e em 16/01/2024, no processo 3223/23.0T8VNG.P1
7.ª Daqui resulta que o art.º 1096.º, n.º 1 do CC, na redação emergente da Lei n.º 13/2019, de 12/02 tem natureza supletiva e não imperativa, só sendo de aplicar o regime nele consagrado no caso de, no contrato de arrendamento, nada ter sido estipulado quanto à duração da sua renovação.
8.ª Volvendo ao caso dos autos, resulta da matéria de facto provada que o contrato de arrendamento foi celebrado em 01 de novembro de 2013, renovável por um ano.
9.ª Em 23 de novembro de 2022, o Recorrente enviou aos Recorridos carta de oposição à renovação com efeitos a partir do dia 31/10/2023, a qual, por válida e eficaz, determinou a cessação do contrato de arrendamento naquela data, com a consequente obrigação de entrega do locado.
10.ª Porque não desocuparam o locado na data da cessação do contrato sub judice, terão os Recorridos de ser condenados no pagamento da indemnização prevista no art.º 1045.º do CC, desde a data de cessação do contrato até à sua efetiva desocupação.”.
Finalizou com o pedido de que, com a procedência do recurso, seja revogada a sentença e substituída por outra que julgue a acção procedente e condene os RR. nos termos peticionados.
Os demandados responderam ao recurso, mediante requerimento que culminou com as conclusões seguintes:
“1. No modesto entendimento dos Recorridos, a decisão a quo fez uma correta interpretação do direito, aplicando ainda a corrente jurisprudencial maioritária.
2. Está em causa uma questão inteiramente jurídica, que se prende com a interpretação do artigo 1096.º n.º 1 do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro.
3. O referido artigo tem merecido interpretações diferentes, sendo vastas as decisões dos Tribunais de 1.ª Instância quer dos Tribunais Superiores, que decidem em sentidos opostos.
4. Pese embora exista bastante controvérsia quanto a esta temática, e com o devido respeito pelo entendimento contrário, no qual a referida norma assume natureza supletiva, a posição dos Recorridos vai no sentido da jurisprudência maioritária que defende a imperatividade da norma.
5. O entendimento jurisprudencial tem seguido a posição da imperatividade, onde a expressão “Salvo disposição em contrário” contida no artigo 1096.º n.º 1 do Código Civil, deve ser interpretada como reportando-se apenas à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato de arrendamento, ao abrigo da liberdade contratual, fixando-se contudo, um prazo de renovação mínimo de 3 anos, caso as partes convencionem a renovação do contrato.
6. É o entendimento sufragado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 12/10/2023, Processo n.º 328/23.1YLPRT.P1; no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 25/01/2024, Processo n.º 8357/23.9T8PRT.P1; no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 08/02/2024, Processo n.º 897/23.6YLPRT.P1; no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 26/09/2024, Processo n.º 907/24.0YLPRT.L1-8; no do Tribunal da Relação do Porto, datado de 21/11/2024, Processo n.º 5650/24.7T8PRT.P1.
7. E ainda, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12/12/2024, no qual confirma a imperatividade do artigo 1096.º do Código Civil: “Extrai-se do artigo 1096º, nº1, do Código Civil, que na ausência de estipulação das partes sobre o prazo de renovação, as renovações serão de períodos sucessivos iguais à duração contratual estabelecida, salvo se o mesmo for inferior a 3 anos, que valerá então com carácter injuntivo.
8. Da mesma forma a doutrina tem vindo a defender a posição da imperatividade da norma.
9. Aplicando-se o artigo 1096.º do Código Civil na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, e considerando a jurisprudência maioritária dos tribunais portugueses, a 01 de Novembro de 2019 (data em que operou a renovação do contrato) o contrato de arrendamento renovou-se por três anos, ou seja, até 31 de Outubro de 2022.
10. Nessa medida, aquando do envio da carta de comunicação da oposição à renovação, datada de 23 de Novembro de 2022, o contrato de arrendamento encontrava-se já no decurso da renovação operada no dia 31 de Outubro de 2022, pelo prazo de três anos.
11. Apesar de não existir uma jurisprudência uniformizadora, a verdade é que a sentença recorrida seguiu a interpretação dominante, motivo pelo qual não deve a decisão a quo ser revogada.
12. Contudo, e sem prescindir, caso se entenda que o contrato de arrendamento tenha cessado os seus efeitos a 31/10/2023, não podem os Recorridos serem condenados ao pagamento de qualquer indemnização, uma vez que em causa está uma questão controvertida, que não foi provocada pelos arrendatários.
13. Por essa razão, o caso concreto, não parece subsumir na previsão da norma do artigo 1045.º n.º 1 e 2 do C.C., motivo pelo qual, não podem os Recorridos ser condenados no pagamento de qualquer valor indemnizatório.”
Nada obsta ao conhecimento da apelação, a qual foi admitida na forma e com os efeitos legalmente previstos.

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DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.

Sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões, as quais, assim, definem e delimitam o objeto do recurso (arts. 635.º/4 e 639.º/1 do CPC).
Assim sendo, importa apreciar:
a) se o contrato de arrendamento em causa nos autos está sujeito ao prazo de renovação de um ano, convencionado pelos outorgantes, sendo válida e eficaz a cessação do contrato a partir do dia 31/10/2023 (conclusões 1 a 9 do recorrente e 1 a 11 dos recorridos);
b) na afirmativa, se os RR. devem ser condenados no pagamento da indemnização prevista no art.º 1045.º do CC, desde a data de cessação do contrato até à sua efetiva desocupação (conclusões 10 do recurso, 12 e 13 da resposta).
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Para o efeito, e em sede de factualidade relevante julgada provada em primeira instância, tendo em consideração que nenhum ponto foi colocado em crise no recurso, importa considerar a seguinte, extraída da decisão recorrida:
1) Por contrato com prazo certo de um ano, renovável por igual período, de 01/11/2013, o Autor deu de arrendamento à Ré a fracção autónoma designada pelas letras “AI”, destinada a habitação, do prédio urbano sito na Rua ..., ..., da freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...59 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o número ...71, mediante a renda anual de € 3.840,00, a pagar em duodécimos de € 290,00.
2) Em meados de 2015, instalou-se no imóvel o Réu, que passou a viver com a Ré em união de facto.
3) Por cartas datadas de 23/11/2022, o Autor veio comunicar aos Réus a oposição à renovação do contrato celebrado em 01/11/2013, com efeitos a 31/10/2023.
4) Em resposta às mencionadas cartas, vieram os Réus, por comunicação de 06/02/2023, transmitir que não aceitavam a cessação do contrato de arrendamento em 31/10/2023, atenta a sua interpretação do art. 1096.º, n.º1 do Cód. Civil, na redacção dada pela Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro.
5) Em resposta de 02/03/2023, veio o Autor reiterar a cessação do contrato em 31/10/2023.
6) Não obstante, em 31/10/2023, os Réus não desocuparam o imóvel, não o deixando livre de pessoas e bens.
Com relevo para a decisão da causa, não existiram quaisquer factos dados como não provados.
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O DIREITO.

Como resulta manifesto desde logo em função das conclusões, a questão decisiva para o desfecho do litígio e do recurso assenta na interpretação do art. 1096.º/1 do Código Civil, da qual dependerá a sujeição do arrendamento dos autos ao prazo de renovação de um ou de três anos.
Na primeira hipótese, a carta de oposição à renovação enviada aos RR., em 23/11/2022, produziu validamente os seus efeitos na renovação anual seguinte e, em consequência, determinou a cessação do contrato desde 31/10/2023.
Na segunda, porém, estando o arrendamento subordinado ao prazo de renovação de três anos, a carta de oposição enviada a 23/11/2022 é ineficaz para garantir a cessação do contrato na data nela indicada, por já se encontrar em curso a renovação iniciada a 1/11/2022, até 31/10/2025.
Note-se que não existe divergência das partes relativamente à premissa, acertadamente seguida em primeira instância, de que é aplicável ao caso dos autos a referida norma do art. 1096.º/1 do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei nº13/2019, de 12/02.
Com efeito, nos termos do art. 12.º daquele diploma legal, “a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular” (nº1), acrescentando que “quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos” (nº2).
Todavia, ainda segundo o nº2 do art. 12.º do CC, quando a lei “dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.
E tendo em conta que a Lei nº13/2019, de 12/02, versou sobre o conteúdo da relação jurídica do arrendamento, abstraindo do facto que lhe deu origem, é de concluir facilmente pela sua aplicabilidade ao contrato em análise, apesar de constituído anteriormente, mercê desta última regra de aplicação da lei no tempo, prevista na parte final do art. 12.º do CC.
Ora, de acordo com o disposto no 1096.º/1 do Código Civil, na redacção dada pela Lei nº13/2019, de 12/02, salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
Como assinalam as partes, com conhecimento de causa, tal como, de resto, o tribunal recorrido, a citada norma tem dado origem a interpretações diversas a respeito da questão, decisiva para o mérito do recurso, da definição do prazo de renovação do contrato de arrendamento.
Mais concretamente, a discórdia assenta na eventual natureza imperativa do prazo mínimo de três anos previsto para o efeito, mercê do segmento que estabelece a renovação por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior.
Ou, ao invés, na prevalência também nesse plano da liberdade contratual, em razão da ressalva inicial da estipulação em contrário.
Ao lado destas duas, uma outra interrogação emerge da actual redacção da norma, relativa a saber se o prazo de renovação de pelo menos três anos, no pressuposto da sua imperatividade, é igualmente aplicável ao senhorio e ao inquilino, ou apenas ao primeiro, mas essa questão é irrelevante para a situação em apreço, certo que a iniciativa para a cessação do contrato foi do locador.
Sobre a questão essencial, é notória a existência de uma forte divergência nos tribunais superiores, do que, aliás, também nos dá conta, de forma atenta, a decisão recorrida, e que se estende inclusivamente a acórdãos do mesmo tribunal e da mesma secção.
Assim, no sentido de que o art. 1096.º/1, do Código Civil, na redacção actual, “fixa um prazo de renovação mínimo de três anos, o qual [é] de natureza imperativa, pelo que não podem as partes convencionar um prazo de renovação inferior”, já decidiram, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal da Relação do Porto de 12/10/2023 (processo nº328/23.1YLPRT.P1, relator Paulo Dias da Silva), de 25/1/2024 (processo nº8357/23.9T8PRT.P1, do mesmo relator), de 8/2/2024 (processo nº840/23.2YLPRT.P1, relator Isoleta de Almeida Costa), de 8/2/2024 (processo nº 897/23.6YLPRT.P1, relator Ana Vieira), de 20/5/2024 (processo nº1686/23.3YLPRT.P1, relator José Eusébio de Almeida) e ainda de 21/11/2024 (processo nº5650/24.7T8PRT.P1, relator Ana Vieira).
Ao passo que, diversamente, defendendo que aquela disposição legal “é de natureza supletiva, não tendo aplicação, por isso, quando, no contrato celebrado, e como expressamente ressalvado no preceito, haja estipulação em contrário”, propugnaram, por exemplo, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 23/3/2023 (processo nº3966/21.3T8GDM.P1, relator Isabel Ferreira), de 14/9/2023 (processo nº1394/22.2YLPRT.P1, relator Judite Pires), de 9/10/2023 (processo nº1467/22.1YLPRT.P1, relator Miguel Baldaia de Morais), de 16/1/2024 (processo nº3223/23.0T8VNG.P1, relator Rui Moreira) e ainda de 21/11/2024 (processo nº1064/24.7YLPRT.P1, relator José Manuel Correia).
A verdade, todavia, é que a divergência de posições jurisprudenciais, embora também exista, não tem sido sentida de forma significativa no Supremo Tribunal de Justiça, onde, pelo menos até ao momento presente, tudo aponta para que esteja a consolidar-se a orientação no sentido da imperatividade do período de renovação não inferior a três anos.
Com efeito, sempre que foi chamada a pronunciar-se sobre esta questão, a nossa mais alta instância tem decidido que, na sequência da alteração introduzida ao nº1 do art. 1096.º do Código Civil pela Lei nº13/2019, de 12/02, “os contratos de arrendamento habitacionais, com prazo certo, quando renováveis, estão sujeitos à renovação pelo prazo mínimo de três anos”.
Foi o que ocorreu nos seguintes arestos:
· Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/1/2023, processo 7135/20.1T8LSB.L1.S1, relator Pedro de Lima Gonçalves, no qual se entendeu que a oposição à renovação do contrato, por ter sido manifestada a 5/7/2019, “escapou à disciplina imperativa instituída pela mesma Lei n.º 13/2019 para a 1.ª renovação dos arrendamentos habitacionais com prazo certo”;
· Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/9/2023, processo 3966/21.3T8GDM.P1.S1, relator Jorge Leal, de onde se extraiu a citação acima referida, embora com o voto de vencido de Jorge Arcanjo;
· Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/12/2024, processo 138/20.8T8MDL.G1.S1, relator Isabel Salgado (com voto de vencido de Emídio Santos, que todavia não entrou nesta questão), onde se sentenciou que “extrai-se do artigo 1096º, nº1, do Código Civil, que na ausência de estipulação das partes sobre o prazo de renovação, as renovações serão de períodos sucessivos iguais à duração contratual estabelecida, salvo se o mesmo for inferior a 3 anos, que valerá então com carácter injuntivo”;
· Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/2/2025, processo 907/24.0YLPRT.L1.S1, relator Nuno Pinto Oliveira (com voto de vencido de Maria de Deus Correia), no qual se firmou que “o segmento final n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, na redacção da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, deve considerar-se norma imperativa, no sentido de não permitir que o contrato de arrendamento se renove por um período inferior a três anos”; e
· Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/3/2025, processo 1395/24.6YLPRT.L1.S1, relator Rui Machado e Moura (com voto de vencido de Maria de Deus Correia), segundo o qual “o legislador ao estatuir no art.1096º nº1 do Cód. Civil o prazo de 3 anos para a renovação do contrato de arrendamento, caso tal prazo de renovação seja inferior, estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação”, e que, “por isso, a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado no contrato for superior a 3 anos”.
Sob este enquadramento de acesa polémica, embora menos acentuada no Supremo Tribunal de Justiça, tem de apontar-se, desde logo, a importância de uma intervenção do legislador que clarifique a questão ou, tardando ela, de um acórdão daquele tribunal que opere uniformização de jurisprudência.
Enquanto isso não sucede, e sem prejuízo da validade que se reconhece aos argumentos que têm sido adoptados num e noutro sentido, propendemos a aderir à interpretação segundo a qual o prazo de renovação do arrendamento urbano, de três anos, previsto no art. 1096.º do CC, na redacção que emergiu da Lei nº13/2019, de 12/02, assume natureza imperativa, no sentido de vedar ao senhorio a faculdade de, válida e livremente, fazer cessar o contrato antes do final desse prazo.
É certo que a letra da lei – salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte – evidencia, ao menos numa primeira leitura, um sentido diverso.
São expressivas, com o referido significado, as palavras da doutrina que, recorrendo em especial ao elemento literal para a defesa do entendimento da ausência de imperatividade, e por referência ao segmento salvo estipulação em contrário, destaca que “a ressalva é expressa, surgindo, soberana, a encabeçar o preceito” (cfr. Jorge Pinto Furtado, in Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 3ª ed. revista e actualizada, 2021, pág. 651).
Não se nos afigura decisiva, porém, no referido sentido, a letra da lei, certo que a natureza supletiva da norma é imediatamente colocada em dúvida através da referência expressa do art. 1096.º/1 do CC à duração da renovação de três anos, se esta for inferior, o que, mesmo num plano estritamente gramatical, aponta com suficiência para uma posição de superioridade da estatuição legal perante convenção diversa dos contratantes.
Acresce, decisivamente, a regra que emana da norma essencial sobre a interpretação legal, consagrada no art. 9.º do CC, e segundo a qual ela não deve cingir-se à letra da lei, importando antes o intento de reconstituir o pensamento legislativo com base nas demais circunstâncias relevantes, desde que com um mínimo de correspondência verbal com o texto da norma.
Algo que convoca ao caso os factores que regem a interpretação da lei, em acréscimo ao literal, a que a doutrina tradicional chama de “elemento lógico, “subdividido em três elementos: a) o elemento racional (ou teleológico), b) o elemento sistemático e c) o elemento histórico” (cfr. J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 181).
Ora, segundo pensamos, a aplicação conjugada destes três critérios de hermenêutica é decisiva para concluir pela natureza imperativa da renovação do arrendamento pelo período mínimo de três anos, limitando a liberdade das partes à possibilidade de estipulação de o contrato ser ou não renovável e, na afirmativa, de um prazo superior de renovação.
Começando pelo último, embora restrito à averiguação das mais recentes alterações legais, deve destacar-se que, antes da Lei nº13/2019, de 12/02, o art. 1096.º/1 do Código Civil disponha, por força da redacção resultante da Lei nº31/2012, de 14-8, que salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte, acrescentando ainda que, em princípio, não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias.
Confrontando esta com a formulação actual, uma primeira nota relevante deve destacar-se: não há dúvida que, desde 2012, a ressalva da estipulação em contrário foi estabelecida especialmente para a possibilidade de renovação automática do contrato e não, ou não tanto, para o período em que ela deveria ocorrer ou para a sua duração.
Para além disso, o elemento histórico da interpretação demonstra que a alteração de 2019 introduziu na versão anterior as expressões ou de três anos se esta for inferior, por contraposição e em aditamento à renovação automática por períodos sucessivos de igual duração, passando a prever a renovação por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior.
Apesar de o legislador ter seguido a opção de a inserir, algo forçadamente, deve dizer-se, numa norma que já existia (o art. 1096.º/1 do CC), parece claro que se está na presença de uma inovação legal, de uma nova regra relativa à renovação do contrato de arrendamento.
E assim se explica a alusão feita na jurisprudência à existência de “um corpo estranho” naquela norma legal, “a menção de um prazo mínimo, de três anos, de renovação do contrato”, que “não deixa de causar algum alerta, que é ampliado pelos antecedentes históricos, atrás expostos, de fixação imperativa (…) de limites mínimos de renovação dos contratos de arrendamento habitacional com prazo certo” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/9/2023, acima citado).
De tal modo que, concatenando agora os critérios histórico e sistemático da interpretação legal, mostra-se defensável, pelo menos, o entendimento que aplica à nova regra, à referida inovação legal de um mínimo de renovação de três anos, o princípio resultante do art. 1080.º do CC e que determina que as normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário.
Tudo se passando, nesta ordem de ideias, como se o legislador tivesse aditado ao Código Civil um novo preceito segundo o qual a renovação prevista no art. 1096.º não pode ser inferior a três anos.
Mas há mais, no plano sistemático da hermenêutica.
Com efeito, como refere a doutrina, “ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos”.
Tanto mais que, “conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Assim, o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser à renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. No final destes períodos (tratando-se de contrato celebrado por 1 ano), o senhorio não terá direito de oposição à renovação. Tal direito extintivo cabe, assim, exclusivamente ao arrendatário antes de o contrato atingir 3 anos de vigência” (cfr. Maria Olinda Garcia, Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, in Julgar on line, março de 2009, pp. 11-2).
No mesmo sentido, esclarece a jurisprudência, “com o máximo respeito por quem propugna a posição contrária, que a interpretação correta da solução legal é a da imposição, quanto ao prazo de renovação de contratos de arrendamento habitacional com prazo certo, do limite mínimo de três anos”, visto que “só essa interpretação se harmoniza com a norma imperativa contida no n.º 3 do art.º 1097.º do CC, aditada pela Lei n.º 13/2019”.
Desse modo, “não faria sentido permitir prazos contratuais de renovação de um ano, para contratos com a duração inicial de um ano, para depois se impor uma primeira renovação compulsória do contrato a fim de se garantir uma duração mínima de três anos desse contrato” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/9/2023, acima citado).
Para além do exposto, e ainda com recurso ao elemento sistemático, deve destacar-se que a solução que vimos preconizando mostra-se inteiramente coerente com as faculdades concedidas às partes no âmbito das diferentes modalidades de arrendamento urbano contempladas na lei.
Assim, em primeiro lugar, os contratos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios, para além de não estarem subordinados ao limite mínimo de duração de um ano (art. 1095.º/3 do CC), ficam afastados, em princípio, do regime da renovação automática (art. 1096.º/2 do CC).
Relativamente aos tradicionais arrendamentos urbanos para habitação, as partes são livres, em prol do seu cabal esclarecimento, de afastar a renovação do contrato (art. 1096.º/1 do CC), o mesmo sucedendo com os arrendamentos comerciais ou industriais (art. 1110.º/3 do CC).
Todavia, estabelecendo as partes que o contrato é renovável, o limite mínimo para a renovação será, imperativamente, de três ou de cinco anos, face ao disposto nos arts. 1096.º/1 e 1110.º/3 do CC e em nome do princípio da protecção da estabilidade do arrendamento tradicional.
E assim, em atenção a este princípio, chegamos ao elemento racional ou teleológico da interpretação e que, a nosso ver, assume carácter decisivo na questão da definição do sentido destas duas normas legais.
Na verdade, não é apenas o art. 1.º da Lei n.º 13/2019, que anuncia o propósito legislativo de estabelecer “medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade”.
É também a Proposta de Lei n.º 129/XIII, publicada no D.A.R., II série-A, n.º 106/XIII/3, de 30/4/2018, que esteve na génese do diploma, que sublinha a preocupação do legislador em “estimular a oferta de habitação para arrendamento que constitua uma alternativa habitacional efetiva, proporcionando a estabilidade, a segurança e a acessibilidade em termos de custos, necessárias ao desenvolvimento da vida familiar e aos investimentos realizados com a conservação desses edifícios”.
Ora, tem de reconhecer-se que este desígnio legislativo estaria condenado ao fracasso, em profunda medida, caso as alterações introduzidas nos arts. 1096.º/1 e 1110.º/3 do CC se limitassem aos contratos que, para além de não excluírem a renovação, nada tivessem estabelecido sobre o prazo desta.
E, no entanto, é isso que sucederá com a adesão ao entendimento que pugna pela natureza supletiva de toda a estatuição daqueles preceitos legais.
Nessa linha de pensamento, como a indicada ressalva inicial, relativa ao segmento salvo estipulação em contrário, rege, não apenas a possibilidade de renovação, mas também a duração desta, é evidente que a regulação legal cede perante convenção diversa numa e noutra questão.
Razões pelas quais, a alteração da lei apenas imporia o prazo de três anos aos contratos que, para além de não terem excluído a renovação, fossem omissos em relação à duração desta.
Todavia, evidenciando a experiência que os contratos celebrados nessas circunstâncias representam um peso ínfimo na economia dos arrendamentos do país, é de crer que não teria sentido o cuidado do legislador na promoção das referidas alterações legais somente destinada a tão restrito campo de vigência.
Dito por outras palavras, não é razoável nem plausível supor que o legislador, certamente consciente da raridade de semelhantes contratos, tivesse empreendido uma alteração legislativa de significativa monta aplicável tão-só, afinal, às situações extremamente residuais a que a tese da supletividade total acaba por limitar o seu império.
Em suma, acompanhando as elucidativas palavras da jurisprudência, “entendemos que, sob pena de o preceito ficar sem sentido ou sem objeto, o artigo 1110, n.º 3 do Código Civil (tal como o paralelo artigo 1096, n.º 1 do mesmo diploma), na parte em que determina que o contrato se renova por períodos “sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior” – e diversamente do que sucede quanto à possibilidade (supletiva) de ser afastada a renovação – veio estabelecer, com a Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, um regime imperativo (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/5/2024, relator José Eusébio de Almeida, processo 1686/23.3YLPRT.P1, dgsi.pt).
Razões pelas quais, segundo pensamos, não merece censura a decisão recorrida, o que implica a improcedência das conclusões do recurso.
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DECISÃO

Pelo exposto, negando provimento à apelação, decide-se confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo autor, atento o seu decaimento (art. 527.º do CPC).







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SUMÁRIO
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(o texto desta decisão não segue o Novo Acordo Ortográfico)










Porto, d. s. (26/05/2025)

Relator: Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo

1.º Adjunto: José Nuno Duarte (COM VOTO DE VENCIDO)

[Declaração de vencido
(artigo 663.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código do Processo Civil)
Votei vencido uma vez que, por perfilhar diferente interpretação do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil (na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12-02) daquela que fez vencimento, julgaria procedente a apelação, considerando que, efectivamente, a cessação do contrato de arrendamento celebrado entre A. e RR. ocorreu em 31/10/2023.
Como se mostra devidamente caracterizado no acórdão, a questão relativa à imperatividade ou não da renovação por três anos dos contratos de arrendamento para habitação com prazo certo, vem dividindo a nossa jurisprudência e, sem dúvida, que urge clarificá-la através de uma intervenção legislativa. Todavia, enquanto tal não sucede, e num momento em que está longe de se estabilizar uma jurisprudência dominante, não posso deixar de sustentar aquele que me parece ser o entendimento mais consentâneo com os princípios interpretativos constantes do artigo 10.º do Código Civil e que me levam a defender que as partes podem convencionar que os referidos contratos de arrendamento se renovem por períodos de duração inferior a três anos (desde que não inferiores ao prazo mínimo de um ano referido no n.º 2 do artigo 1095º do CC).
Uma vez que, ante a multiplicidade de escritos sobre o tema, me parece não se justificar que, nesta sede, alongue argumentos, limitar-me-ei a enunciar, de forma resumida e esquemática, aqueles que considero serem os fundamentos nucleares do entendimento que perfilho:
1º) A redacção que foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12-02, ao artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, em termos gramaticais, é mais consentânea com a possibilidade de as partes contratantes estipularem não só que o contrato não se renove automaticamente, como também que a renovação opere por períodos de duração inferior a três anos;
2º) Como, não obstante, o elemento gramatical da interpretação não é decisivo, procurando-se reconstituir o pensamento legislativo a partir do texto legal, também se me afigura que não é possível concluir que o legislador tenha pretendido estabelecer que, sempre que as partes não afastem a renovação automática do contrato de arrendamento, este se renove imperativamente por um prazo mínimo de três anos, pois:
· não existe qualquer fonte que permita alcançar a razão pela qual, no decurso do processo legislativo, surgiu, já na fase da discussão parlamentar da Proposta de Lei n.º 129/XIII/3, a alteração ao texto do artigo 1096.º, n.º 1, que, então, estava em vigor;
· se é verdade que a Lei n.º 13/2019, de 12-02, procurou estabelecer “medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade”, também é verdade que foram acolhidas soluções de evidente compromisso com o respeito pela autonomia negocial das partes, desde logo expressas na possibilidade de estas poderem estipular a celebração de contratos de arrendamento habitacional não renováveis com a duração de um ano;
· daí que, ainda que seja possível enfocar, com base no disposto no artigo 1097.º, n.º 3, do Código Civil, que “não faria sentido permitir prazos contratuais de renovação de um ano, para contratos com a duração inicial de um ano, para depois se impor uma primeira renovação compulsória do contrato a fim de se garantir uma duração mínima de três anos desse contrato”, mostra-se tanto ou mais impressivo observar que é também incongruente que as partes possam afastar a renovação de um contrato cuja duração podem fixar em um ano, mas, caso o queiram renovar, já o tenham de fazer, imperativamente, por três anos;
· reforçando esta última incongruência, pode-se acrescentar que a interpretação do artigo 1096.º, n.º 1 do Código Civil no sentido da imperatividade da renovação do contrato por um mínimo de três anos, face ao actual quadro legal, em vez de se assumir como um factor de protecção do arrendatário, em termos práticos, pode até contribuir para uma menor estabilidade das relações locatícias, já que imparidades ao nível da força negocial das partes podem, facilmente, levar a que o senhorio, para não ficar vinculado por períodos de tempo mais alargados, privilegie a celebração de contratos não renováveis com prazos de duração o mais curto possíveis, nomeadamente com a duração de apenas um ano;
· acima de tudo, resulta do que se vem de dizer, que nenhum dos argumentos que, num ou noutro sentido, possam ser utilizados, sejam eles de índole histórica, sistemática ou teleológica, revelam a consistência necessária para dirimir, de forma decisiva, a questão que nos ocupa. Seguro é apenas que nos contratos de arrendamento habitacional com estipulação de prazo certo, este prazo, como se estabelece no artigo 1095.º, n.º 2, do Código Civil, não pode ser inferior a um nem superior a trinta anos.
3º) Ante a insuficiência dos diversos elementos interpretativos até aqui referidos, subsiste aquele que resulta dos princípios gerais da nossa Ordem Jurídica, sede em que, por estarmos no campo do direito das obrigações, é forçoso dar prevalência à autonomia privada e ao princípio da liberdade contratual, genericamente previsto no artigo 405.º do Código Civil.
4º) Desta forma, sou do entendimento de que a melhor interpretação do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção que lhe foi dado pela Lei n.º 13/2019, de 12-02, é aquela que admite a possibilidade de as partes estipularem não só que o contrato de arrendamento que celebram com prazo certo não se renove automaticamente no seu termo, como também que, caso se renove, as renovações ocorram por períodos com duração inferior a três anos, contanto que não inferiores ao prazo mínimo de um ano imposto pelo artigo 1095.º, n.º 2, do Código Civil.]



2.º Adjunto: Carlos Gil