Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONCESSIONÁRIO DE ESTABELECIMENTO PÚBLICO
COBRANÇA DE TAXAS OU TARIFAS DE ESTACIONAMENTO
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Sumário
O requerimento de injunção para cobrança de taxas ou tarifas relativas ao estacionamento na via pública, apresentado pelos concessionários municipais, ao qual haja sido deduzida oposição, configura pretensão cujo conhecimento é da competência dos tribunais administrativos e fiscais.
Texto Integral
Proc. n.º 139483/24.0YIPRT.P1
ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO (3.ª SECÇÃO CÍVEL):
Relator: Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
1.º Adjunto: Carlos Gil
2.º Adjunto: Teresa Maria Sena Fonseca
RELATÓRIO.
A..., com sede na Estrada ..., ..., … ..., intentou procedimento de injunção, contra AA, residente na Rua ..., em Matosinhos, tendo em vista o pagamento da quantia de €1.047,11, sendo de €873,00 a título de capital, invocando que esta, sendo proprietária do veículo com a matrícula ..-XI-.., estacionou o seu veículo nos vários parques de estacionamento que a requerente explora na cidade de Matosinhos, sem se dignar proceder ao pagamento do tempo de utilização, conforme regras devidamente publicitadas no local.
A R. ofereceu oposição, na qual, entre o mais, excepcionou a questão da incompetência material do tribunal, alegando para o efeito que a alicerçar o pedido apenas pode estar a relação relativa ao alegado “Contrato de exploração ou de concessão do estacionamento de duração limitada em parqueamento automóvel”, celebrado entre a demandante e o Município de Matosinhos, em função do qual passou a A. a assumir também interesses públicos e poderes de índole autoritária que àquele órgão administrativo competia.
A A. apresentou resposta, ao abrigo do contraditório, pugnando pela improcedência das excepções suscitadas pela contraparte.
Na sequência, foi proferida decisão que, julgando verificada a excepção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal, declarou o Tribunal incompetente em razão da matéria para apreciar o mérito da acção, sendo competente o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
E dessa decisão, inconformada, a requerente veio interpor o presente recurso, admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Rematou com as seguintes conclusões:
“a) Vem o presente recurso apresentado contra a Douta Sentença A Quo, que decidiu julgar a incompetência material do Juízo Local Cível de Matosinhos, para cobrança dos créditos da Autora.
b) No âmbito da sua atividade, a A. celebrou um contrato de concessão com a Câmara Municipal de Matosinhos, através do qual lhe foi cedida a exploração particular de zonas de estacionamento automóvel na cidade sem cedência de quaisquer poderes de autoridade, ou de disciplina.
c) No seguimento deste contrato de exploração, a A... adquiriu e instalou em vários locais da cidade de Matosinhos, dispendiosas máquinas para pagamento dos tempos de estacionamento automóvel, para as quais desenvolveu o necessário software informático.
d) Enquanto utilizadora do veículo automóvel ..-XI-.., a R. estacionou o mesmo em diversos Parques de Estacionamento que a A. explora comercialmente na cidade de Matosinhos, sem, contudo, proceder ao pagamento dos tempos de utilização, num total em dívida de € 873,00 que a R. recusa pagar.
e) Para cobrança deste valor, a A. viu-se obrigada a recorrer aos tribunais comuns, peticionando o seu pagamento, pois a sua nota de cobrança está desprovida de força executiva, não podendo, portanto, dar lugar a um imediato processo de execução, seja administrativo, seja fiscal.
f) A natureza jurídica da quantia paga pelos utentes em contrapartida da prestação do serviço de parqueamento é a de um preço e não de um encargo ou contrapartida fiscal ou tributária.
g) As ações intentadas pela A. contra os proprietários de veículos automóveis inadimplentes, que não tenham procedido ao pagamento dos montantes devidos, não se inserem em prorrogativas de autoridade pública munida de ius imperii, mas sim no âmbito da gestão enquanto entidade privada.
h) A Recorrente ao atuar perante terceiros, não se encontra munida de poderes de entidade pública, agindo como mera entidade privada, pelo que, contrariamente ao entendimento do Tribunal “a quo”, o contrato estabelecido entre si e os automobilistas, relativo à utilização dos parqueamentos explorados, é de natureza privada, cuja violação é suscetível de fazer o utilizador incorrer em responsabilidade por incumprimento do contrato.
i) A doutrina qualifica este tipo de contrato como uma relação contratual de facto - em virtude de não nascer de negócio jurídico - assente em puras atuações de facto, em que se verifica uma subordinação da situação criada pelo comportamento do utente ao regime jurídico das relações contratuais, com a eventual necessidade de algumas adaptações.
j) O estacionamento remunerado, apresenta-se como uma afloração clara da relevância das relações contratuais de facto e a relação entre o concessionário e o utente resulta de um comportamento típico de confiança.
k) Comportamento de confiança, que não envolve nenhuma declaração de vontade expressa, e sim uma proposta tácita temporária de um espaço de estacionamento, mediante retribuição.
l) Proposta tácita temporária da A., que se transforma num verdadeiro contrato obrigacional, mediante aceitação pura e simples do automobilista, o qual, ao estacionar o seu automóvel nos parques explorados pela A., concorda com os termos de utilização propostos pela A., amplamente publicitados no local.
m) O conceito de relação jurídica administrativa pode ser tomado em diversos sentidos, seja numa aceção subjetiva, objetiva, ou funcional, sendo certo que nenhuma das acessões permite englobar a presente situação.
n) Caso contrário, teríamos de entender como públicas quaisquer relações jurídicas, já que todo o interesse de regulação, é em si mesmo um interesse público e nessa medida, tudo seria público, até à mais ténue e simples regulamentação de relações entre particulares, desde que geradoras de direitos e obrigações suscetíveis de ser impostos coativamente.
o) A A... SA., não efetua atos de fiscalização, não tendo poderes para autuar coimas ou multas por incumprimento das regras estradais, tarefa que está exclusivamente atribuída às autoridades públicas de fiscalização do espaço rodoviário da cidade.
p) Nos termos do disposto no artigo 2º do DL 146/2014 de 09 de outubro, a atividade de fiscalização incide exclusivamente na aplicação das contraordenações previstas no artigo 71º do Código da Estrada, o qual estabelece as coimas aplicáveis às infrações rodoviárias ali identificadas.
q) Quaisquer infrações ou coimas que devam ser aplicadas aos automobilistas prevaricadores de regras estradais, ficam a cargo da Autarquia, sem qualquer intervenção ou conexão com a atividade da empresa concessionária.
r) Entender que os tribunais competentes são os administrativos e de entre estes os fiscais, corresponde a esvaziar de utilidade o Contrato de Concessão de Exploração dos Parqueamentos, por retirar à concessionária o poder de reclamar judicialmente os seus créditos.
s) Institucionalizar este entendimento, irá fomentar do incumprimento das obrigações dos automobilistas, que cientes da impossibilidade de cobrança coerciva dos valores devidos pelo estacionamento dos seus veículos, cedo deixarão de cumprir semelhante obrigação.
t) Fundamental é que a Recorrente carece, em absoluto, de poderes de autoridade, fiscalização ou ordenação efetiva, apenas podendo registar os incumprimentos de pagamento e tentar recuperar judicialmente, sem acesso direto a um título executivo, os valores que tiverem sido sonegados, em violação da relação contratual de confiança, pelos utentes.
u) Não estando em causa a natureza pública do contrato entre a Câmara Municipal e a A... SA., não pode, contudo, este primeiro contrato, contagiar, ou ser equiparado, aos posteriores contratos celebrados entre a A... e os utentes, pois tais contratos têm natureza privada.
v) Refira-se finalmente que, ainda que se entenda estarmos perante a prestação de serviços de natureza pública, o que apenas se concebe para mero efeito de raciocínio, as competências dos tribunais administrativos e fiscais estão definidas no artigo 4.º do ETAF (Lei 13/2002, de 19 de fevereiro, aplicável nestes autos na redação introduzida pela L 114/2019, de 12 de setembro, que introduziu a alínea e) ao nº 4 do Art.4º do E.T.A.F).
w) Nos termos dessa alínea, “estão… excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respetiva cobrança coerciva”.
x) Da exposição de motivos da Proposta de Lei nº 167/XIII-4ª, que esteve na origem da L 114/2019, consta: “A necessidade de clarificar determinados regimes, que originam inusitadas dificuldades interpretativas e conflitos de competência, aumentando a entropia e a morosidade, determinaram as alterações introduzidas no âmbito da jurisdição. Esclarece-se que fica excluída da jurisdição a competência para a apreciação de litígios decorrentes da prestação e fornecimento de serviços públicos essenciais. Da Lei dos Serviços Públicos (Lei n.º 23/96, de 26 de julho) resulta claramente que a matéria atinente à prestação e fornecimento dos serviços públicos aí elencados constitui uma relação de consumo típica, não se justificando que fossem submetidos à jurisdição administrativa e tributária; concomitantemente, fica agora clara a competência dos tribunais judiciais para a apreciação destes litígios de consumo.”
y) O serviço de estacionamento não é um dos serviços elencados no Art.1º nº 2 da L 23/96, mas, tal como ocorre nos serviços públicos essenciais, a relação
entre o prestador do serviço e o utente é uma relação de direito privado. Veja-se por tudo, o Douto Acórdão da Veneranda Relação de Lisboa de 18.12.2024, proferido no âmbito do Processo 16685/24.0YIPRT da 8ª Secção.
z) É o direito privado que se aplica às relações de prestação de serviços públicos, mesmo quando o serviço público é gerido pela própria Administração.”.
Finalizou com o pedido de que, com a procedência do recurso, seja revogada a sentença e substituída por outra que, julgando competente o Juízo Local Cível de Matosinhos, ordene o prosseguimento dos autos.
A requerida respondeu ao recurso, mediante requerimento sem conclusões, no qual, em síntese, afirmou que, salvo o devido respeito, nenhuma razão assiste à recorrente, devendo manter-se a sentença em crise, nos seus precisos termos, aos quais declarou aderir na íntegra.
Mais, referiu que através do contrato de concessão, a Câmara Municipal de Matosinhos passou a contar com os serviços da recorrente para levar a cabo determinados objectivos compreendidos nas suas atribuições, nomeadamente no que concerne ao estacionamento de veículos na via pública, objectivos e interesses esses exclusivamente públicos (im)postos por lei a seu cargo.
Por seu lado, a concessionária da exploração/recorrente, apesar de ser uma entidade privada, através do contrato de concessão ficou munida dos poderes necessários de autoridade para proceder à fiscalização, prosseguindo desta feita fins de interesse público.
Em consequência, não existe qualquer dúvida que estamos perante uma relação jurídico admnistrativa/fiscal, na esteira, aliás, do que tem repetidamente afirmado a jurisprudência (Acórdão de 25/10/2017 do STA, relator Aragão Seia, Acórdão do STJ de 09/11/2017 no Proc. nº 8214/13.TBVNG-A.P1.S1, relator António Piçarra, do Tribunal da Relação de Coimbra de 07/11/2017, no Proc. nº4055/16.8T8VIS.C1, e mais recentemente o Tribunal da Relação de Évora, de 16/12/2024, na Apelação nº 42536/24.7YIPRT.E1, da Relatora Maria João Sousa e Faro, todos acessíveis para consulta in www.dgsi.pt, bem como o Tribunal de Conflitos, no seu Acordão de 25/11/2010, no âmbito do Proc. nº 021/10).
Rematou com o pedido de que seja negado provimento ao recurso.
Nada obsta ao conhecimento da apelação, a qual foi admitida na forma e com os efeitos legalmente previstos.
*
DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
Sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões, as quais, assim, definem e delimitam o objeto do recurso (arts. 635.º/4 e 639.º/1 do CPC).
Assim sendo, importa unicamente decidir qual o tribunal competente em razão da matéria para apreciar a pretensão deduzida, através de procedimento de injunção com oposição, por empresa de natureza privada, e destinada ao pagamento devido pela utilização de parque ou local de estacionamento cuja exploração tenha sido concessionada por uma câmara municipal.
*
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Considerando a decisão recorrida, embora nesse plano sem a justificada autonomização, são os seguintes os factos provados relevantes, e que as partes não colocaram em crise: a) A..., nos autos melhor id., apresentou junto do BNI requerimento de injunção contra AA, nos autos igualmente melhor id., concluindo por pedir o pagamento da quantia de € 1.047,11, respeitante a Capital: € 873,00 Juros de mora: € 97,61 e Taxa de Justiça paga: €76,50. b) Alega para o efeito e em síntese não se tratar de transacção comercial, mas antes de contrato com consumidor, de fornecimento de bens ou serviços, referente ao período compreendido entre 29-06-2019 a 29-04-2024, bem assim: c) “1.A Requerente é uma sociedade que se dedica, além do mais, à exploração e prestação de serviços na área do parqueamento automóvel. 2.No âmbito da referida exploração, a Requerente adquiriu e colocou, em vários locais da cidade de MATOSINHOS, máquinas para pagamento de estacionamento automóvel, com a indicação dos preços e condições de utilização dos mesmos. 3.A Requerida é proprietária do veículo com a matrícula ..-XI-... 4.Enquanto utilizadora do referido veículo, a Requerida estacionou, nos vários parques de estacionamento que a Requerente explora na cidade de MATOSINHOS, sem se dignar proceder a pagamento do tempo de utilização, conforme regras devidamente publicitadas no local.”, nos termos que melhor concretiza, concluindo que se encontra em dívida a quantia de € 873,00 que a Requerida, apesar das inúmeras insistências da Requerente, se vem recusando a pagar até hoje”. d) Indicou como Tribunal competente em caso de distribuição: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Unidade Central de Matosinhos. e) Foi junta certidão da qual consta ter sido outorgado pela requerente “Contrato de concessão Gestão, exploração, manutenção e fiscalização dos lugares de estacionamento pago na via pública e de dois parques públicos de estacionamento para viaturas”, com o Município de Matosinhos, representado pelo presidente da Câmara, “em execução da deliberação da Câmara Municipal”.
*
O DIREITO.
Em data muito recente, participou o ora relator, na qualidade de adjunto, no Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 10/2/2025, tirado no processo 126592/24.4YIPRT.P1, relator José Eusébio Almeida, e publicado na base de dados da DGSI em linha, que versou situação idêntica à dos presentes autos, na qual estava em causa, precisamente como agora sucede, a cobrança judicial de taxas ou tarifas de estacionamento que o utente deixou de pagar, através de acção iniciada no BNI como procedimento injuntivo e remetida de seguida, mercê da oposição do R., para o Juízo Local Cível escolhido para o efeito no requerimento inicial.
Realizada nova ponderação da questão jurídica suscitada, mantemos integralmente a orientação que então foi preconizada e acompanhamos em pleno a sua fundamentação.
Com efeito, como foi destacado nesse aresto, a jurisprudência tem sido consensual, ao que se saiba (não nos foi possível localizar o acórdão de sentido diverso a que a recorrente se refere, e cuja indicação padecerá certamente de erro, pelo menos, sobre a identificação do processo e/ou da data), no sentido de que, pretendendo a concessionária cobrar judicialmente as taxas de estacionamento que o utente deixou de pagar, compete materialmente aos tribunais administrativos e fiscais a apreciação dessa pretensão.
Neste sentido, como ali se referiu, apontou desde logo o acórdão de 20/01/2011, do Tribunal da Relação de Lisboa (Processo n.º 918/09.5TBP DL.L1-8, Relator, Desembargador António Valente, dgsi), onde se deixou sumariado: “Celebrado um contrato de concessão entre a Câmara Municipal e a autora, contrato esse de direito público, através do qual o município, munido de jus imperii, adjudicou a esta, a concessão, exploração, gestão e manutenção dos estacionamentos de duração limitada (...) é da competência dos tribunais administrativos a apreciação da ação de responsabilidade civil contratual, relativa ao contrato celebrado entre a concessionária e o réu que utilizou o estacionamento e não efetuou o pagamento da taxa de utilização”.
Do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, já antes, a 13/07/2010 (Processo n.º 825/09.1TBPDL.L1-8, Relatora, Desembargadora Carla Mendes, dgsi) resultou sumariado: “1 – A competência do tribunal afere-se essencialmente pela causa de pedir e pelo pedido. 2 – Incumbe aos tribunais administrativos o julgamento de ações que tenham por objeto todos os litígios originados no âmbito da administração pública globalmente considerada, com exceção dos que o legislador ordinário atribua expressamente a outra jurisdição. 3 - Esta competência fixa-se no momento da instauração da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente. 4 – Celebrado um contrato de concessão entre a Câmara Municipal e a autora, contrato esse de direito público, através do qual o município, munido de jus imperii, adjudicou a esta, a concessão, exploração, gestão e manutenção dos estacionamentos de duração limitada na cidade – deliberação camarária/atos de gestão corrente é da competência dos tribunais administrativos a apreciação da ação de responsabilidade civil contratual, relativa ao contrato celebrado entre a concessionária e o réu que utilizou o estacionamento e não efetuou o pagamento da taxa de utilização”.
E ainda do Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 22/04/2010 (Processo n.º 1950/09.4TBPDL.L1-2, Relator, Desembargador Ezaguy Martins, dgsi) resultou a seguinte jurisprudência: “Compete aos tribunais administrativos e fiscais conhecer de ação intentada por empresa a quem o Município adjudicou a concessão da exploração e gestão de zonas de estacionamento de duração limitada, para haver de particular utilizador daquelas a importância de tarifas devidas pela falta de pagamento da taxa correspondente à utilização da zona de estacionamento”.
Por outro lado, também o Supremo Tribunal Administrativo já apreciou a questão, no Acórdão de 25/10/2017 (Processo n.º 0167/17, Relator, Conselheiro Aragão Seia, dgsi), no qual se decidiu que “o requerimento de injunção para cobrança de taxas ou tarifas apresentado pelos concessionários municipais ao qual haja sido deduzida oposição, consubstancia-se, nos termos da lei, numa acção cujo conhecimento é da competência dos TAFs”.
Mais recentemente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16/12/2024, Processo n.º 42536/24.7YIPRT.E1, Relatora Desembargadora Maria João Sousa e Faro, foi decidido, entre o mais, que “a competência em razão da matéria afere-se pelos termos em que o autor propõe a ação, definida esta pela causa de pedir, pelo pedido, pela natureza das partes, ou seja em função dos termos em que o autor estrutura a pretensão que quer ver reconhecida. No caso, a recorrente intentou procedimento de injunção tendente ao pagamento pela recorrida de determinadas quantias respeitantes ao estacionamento do seu veículo em zonas em que se mostra concessionada a exploração do estacionamento tarifado de superfície pela C.M Local 1. à recorrente. Não há quaisquer dúvidas que a Câmara Municipal transferiu, através do contrato de concessão, a atividade pública, por si titulada, melhor, o “direito de gerir essa atividade no seu próprio nome”. A responsabilidade para definir o estacionamento de veículos nas vias públicas e demais lugares públicos é de natureza pública, constituindo atribuição das Câmaras (...) enquanto concessionária da exploração do estacionamento tarifado de superfície a recorrente prossegue fins de interesse público, estando, para tanto, munida dos necessários poderes de autoridade, o que nos reconduz à conclusão de que estamos em presença de uma relação jurídica administrativa /tributária. Aliás, o STA tem repetidamente afirmado (cfr. entre outros, Acórdão de 25-10-2017 (Aragão Seia), que “o requerimento de injunção para cobrança de taxas ou tarifas apresentado pelos concessionários municipais ao qual haja sido deduzida oposição, consubstancia-se, nos termos da lei, numa acção cujo conhecimento é da competência dos TAFs.” (...) Trata-se de matéria que cai na previsão da alínea o) do nº 1 do artigo 4º do ETAF, cabendo, por isso, na esfera de competência dos tribunais administrativos e fiscais. Em suma: Não há qualquer motivo para alterar a jurisprudência do Tribunal de Conflitos e que tem sido sufragada pela do STA”.
Essa é também a jurisprudência acolhida neste Tribunal da Relação do Porto, onde, igualmente em finais de 2024, a 11/11, foi prolatado acórdão no mesmo sentido (Processo n.º 79534/24.2YIPRT.P1, Relatora, Desembargadora Isabel Peixoto Pereira, dgsi) e com o seguinte sumário: “Compete à jurisdição administrativa conhecer de uma ação para pagamento/ condenação em quantia pecuniária, na qual a autora, concessionária da exploração e manutenção de parques de estacionamento em espaços públicos, em conformidade com determinado regulamento municipal, pede a condenação do réu no pagamento de quantias devidas pela utilização desses parques, a saber, taxas”.
Como ali foi escrito, “a exploração e concomitante cobrança pela A., respeitando a domínio público, é feita ao abrigo do disposto no contrato de concessão celebrado com a edilidade, sendo que bem assim as tarifas cobradas aos utentes são definidas por via do Regulamento Municipal das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada no Concelho de Matosinhos publicado em DR de 8 de março de 2016 (...) nos termos do Regulamento citado, os meios coercivos e as interdições, como claras manifestações do poder do Estado, estabelecidos no quadro do ordenamento/regime do estacionamento de duração limitada, em cujo contexto a Apelante intervém e de cujo quadro nunca enjeitou aproveitar-se, como se vê, claramente, por exemplo do valor reclamado. (...) Conclui-se, pois, que o objeto da ação se origina no quadro de uma relação jurídica materialmente administrativa, sem que a atribuição de faculdades de intervenção a empresa privada convole a relação para o domínio jus privatístico, já que o regime que regula os contornos da atividade cedida se submetem, manifestamente, a um estatuto substantivo de direito público. (...) em causa a concessão pelo Município de Matosinhos à A., para exploração, gestão e manutenção de parques de estacionamento naquela cidade, nos termos previstos no Regulamento das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada já citado (…). Ora, por via da concessão, ficou a A. obrigada, perante a concedente, a assegurar o funcionamento dos referidos parques de estacionamento em conformidade com o referido Regulamento, cabendo-lhe, em consequência, exigir o pagamento das “taxas” nele previstas (cfr. artigo 4º do Regulamento) e fiscalizar essa utilização pelos interessados, como naquele igualmente se prevê (16º, última parte do regulamento), sendo certo que vem reclamado o valor integrante da taxa sancionatória prevista no artigo 19º do mesmo Regulamento.
E, assim, concluiu “que, por via da concessão, a recorrente foi investida de um poder público, para a realização de um interesse público, legalmente definido como sendo o de solucionar o estacionamento no perímetro urbano da cidade de Matosinhos”.
Ainda mais recentemente (20/01/2025), neste Tribunal da Relação do Porto, e nesta mesma Secção, foi proferida Decisão Singular do Relator (Desembargador Miguel Baldaia de Morais), em recurso em que apela a também aqui recorrente. Permitimo-nos citar, com síntese, o que ali ficou dito: “(...) para decidir qual das diversas normas definidoras dos critérios que presidem à distribuição do poder de julgar entre os diferentes tribunais, deve olhar-se aos termos em que a ação foi posta – seja quanto aos seus elementos objetivos seja quanto aos seus elementos subjetivos. (...) a competência do foro comum só pode afirmar-se com segurança depois de se ter percorrido o quadro dos tribunais de outras ordens jurisdicionais e se ter verificado que nenhuma disposição da lei submete a ação em vista à jurisdição de qualquer tribunal especial. Daí que a afirmação da incompetência em razão da matéria do tribunal comum implique necessariamente a identificação de um normativo que atribua o conhecimento da causa em apreço a outra ordem jurisdicional. (...) o conceito de relação jurídica administrativa assume-se como decisivo para determinar a competência material dos tribunais administrativos, conceito esse que a doutrina tem procurado densificar, defendendo-se maioritariamente que o mesmo deverá ser entendido no sentido tradicional de relação jurídica de direito administrativo, regulada por normas de Direito Administrativo, e que serão aquelas em que “pelo menos um dos sujeitos seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”.
No entanto, para além da cláusula geral positiva de atribuição de competência aos tribunais administrativos, o ETAF contém no n.º 1 do seu art. 4.º um elenco de matérias que, em concreto, se consideram ser da competência dos Tribunais Administrativos, sendo que quando estejam em causa ações relativas a contratos, como é o caso, releva especialmente a norma inserta na al. e). (...) In casu, a decisão recorrida afirmou a competência dos tribunais de jurisdição administrativa para a apreciação do presente pleito, convocando a regra plasmada na mencionada al. e) do n.º 1 do art. 4.º do ETAF, na qual se dispõe que «compete aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas à validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes». (...) A alínea e) enuncia, assim, três critérios: - contratos de objeto passível de ato administrativo; - contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulam aspetos específicos do respetivo regime substantivo; - contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que atue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público. (...) independentemente da natureza jurídica que assumam os contratos ou acordos tácitos que se concretizam sempre que os utentes utilizam para estacionamento os espaços públicos concessionados à autora, tanto esta como os referidos utentes (como é o caso da ré) estão submetidos às regras do Regulamento Municipal que disciplina esses estacionamentos, e só por isso tem a demandante direito a cobrar as taxas de utilização fixadas nesse instrumento normativo (...) Por outro lado, e tendo em conta que no âmbito do contrato de concessão a apelante se vinculou expressamente ao cumprimento do Regulamento de Estacionamento, recai sobre esta o ónus de conformar a sua atuação com o disposto naquele diploma e agir no âmbito dos poderes que o mesmo lhe confere, nomeadamente na sua relação com os terceiros particulares que usufruem do estacionamento concessionado e como tal passam a estar sujeitos às suas respetivas regras e condições”.
Não vislumbramos, salvo o devido respeito, qualquer fundamento jurídico idóneo para divergir da jurisprudência citada, verificando-se, ao invés, que ela tem sido replicada noutros tribunais superiores.
Assim, no novel Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4/2/2025 (processo 118032/24.5YIPRT.L1-7, relator Ana Rodrigues da Silva e acessível na já mencionada base de dados), foi sentenciado, na sequência, por coincidência, da interposição de recurso da ora novamente recorrente, que “a acção proposta por entidade concessionária da exploração particular de zonas de estacionamento automóvel em espaços públicos pedindo a condenação no pagamento de quantias devidas pela utilização desses estacionamentos é da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais”.
Ao passo que, também este ano, decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30/1/2025 (processo 42537/24.5YIPRT.E1, relator José António Moita, disponível igualmente em dgsi.pt), igualmente com a mesma recorrente, que “colocada na posição de concessionária da exploração do estacionamento tarifado de superfície em via pública e equiparada num município, a Apelante prossegue finalidades de interesse público estando, assim, munida de poderes de autoridade para tal, o que configura a existência de uma relação jurídica administrativa/tributária”.
Em face disso, concluiu que “os tribunais judiciais não são materialmente competentes para apreciação de procedimento de injunção com vista ao pagamento de quantias monetárias relativas ao estacionamento de viatura particular em zonas abrangidas pela concessão de exploração do estacionamento tarifado por parte de uma Câmara Municipal”.
E ainda mais recentemente, este Tribunal da Relação do Porto reiterou que “compete aos tribunais administrativos e fiscais conhecer de acção intentada por empresa a quem o Município adjudicou a concessão da exploração e gestão de zonas de estacionamento de duração limitada, para haver de particular utilizador daquelas a importância de tarifas devidas pela falta de pagamento da taxa correspondente à utilização da zona de estacionamento” (Acórdão de 20/2/2025, processo 79555/24.5YIPRT.P1, relatora Isabel Peixoto Pereira, na referida base de dados em linha).
Reafirma-se, pois, que está em causa um contrato de concessão de exploração do domínio público (art. 408.º do Código dos Contratos Públicos), respeitante a um bem dominial, isto é, um bem que, por motivo da sua afetação à utilidade geral ou comunitária, está submetido a um regime de proteção que exorbita o âmbito do direito comum.
E que, sendo gerido pelo concessionário, em vez de o ser pela Administração, paga-se ao cabo de contas pela cobrança de taxas ao público – se se tratar de um bem no uso direto do público (é o caso, por ex., da concessão de exploração de um porto de recreio ou de uma doca) – ou pela exploração económica do bem – nos casos em que o bem não é usado diretamente pelo público (concessão de uma pedreira, de uma mina, de uma nascente de águas mineromedicinais).
Neste sentido, refere a melhor doutrina que “a partir do momento em que os homens e as mulheres vivem em comunidade, eles passam, porém, a sentir necessidades que, vivendo isolados, não sentiriam (…) ou que, em todo o caso, perdem a sua individualidade inicial, para passarem a ser consciencializadas e, portanto, assumidas como necessidades colectivas, necessidades públicas de segurança e bem estar, moral e material – como sucede com a garantia da prestação de cuidados essenciais em domínios como o da educação, da saúde, da limpeza das ruas, etc” e que merece o nome “de função administrativa” (cfr. Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, O Novo Regime do Código de Procedimento Administrativo, 4.ª ed., pp. 18-9).
Ora, da mesma forma que se reporta, por exemplo, à limpeza das ruas, aquelas necessidades colectivas também incluem a actividade de organização e exploração dos estacionamentos na via pública, acessíveis aos cidadãos em comunidade, e em cuja regulação está, claramente, presente o ius imperium e o enquadramento na referida função administrativa.
Certo que, como assinala a mesma doutrina, “nem todas as relações jurídicas reguladas pelo Direito Administrativo envolvem a Administração Pública” e, assim, “é, desde logo, o que sucede sempre que uma entidade pública, designadamente o Estado, confia a prossecução de atribuições públicas a uma entidade privada”, visto que “a partir do momento em que um particular é investido no exercício de funções pública, designadamente através da concessão de poderes de administração de bens ou serviços públicos, ele passa a exercer função administrativa, passando a ser destinatário das normas de Direito Administrativo que lhe são aplicáveis”, assim ocorrendo, entre o mais, no caso de delegação de poderes resultante “de contrato de concessão” (cfr. Mário Aroso de Almeida, Ob. cit., pp. 25-6).
Em consequência, segundo pensamos, a competência material para a apreciação do presente litígio deve caber aos tribunais administrativos e fiscais por força do disposto nas als. e) e o) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF.
Não colhem provimento, por isso, as conclusões do recurso, devendo manter-se a decisão recorrida.
*
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e, em consequência, decide-se confirmar a decisão recorrida. Custas pela requerente, atento o seu decaimento (art. 527.º do CPC).