I - No caso do n.º 1 do art. 493.º CC, quem estiver obrigada à vigilância de coisa móvel ou imóvel ou de animal, tem sobre si a presunção de culpa (salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte), em caso da ocorrência de danos em pessoas ou bens de terceiros. Segundo a orientação mais moderna, esta presunção de culpa abrange também a presunção de ilicitude e mesmo a de causalidade.
II - A parte final do n.º 1 do art. 493.º estabelece aquilo que já se denominou a relevância negativa da causa virtual do dano, significando que o lesante pode eximir-se da responsabilidade se provar que os danos causados pela coisa ou pelo animal que lhe cabia vigiar se teriam produzido ainda que não houvesse culpa sua.
III - A intervenção da Ré, dona de prédio antigo, onde iniciou obra de restauro em fevereiro de 2017, e a posterior ruína do telhado do prédio contíguo, também antigo, bem como as inundações subsequentes (em outubro e dezembro de 2017) neste último, não podem ser consideradas uma simples coincidência, porque os estragos verificados, decorrentes das infiltrações vindas do telhado que ruiu ocorreram na empena que separa os dois prédios, não sucedendo abatimento semelhante do lado oposto do prédio afetado.
IV - Numa leitura atualista do art. 493.º/1 CC, tendo sido violado o direito de propriedade dos AA. (que viram ruir o telhado do seu prédio com posteriores inundações), incorre em responsabilidade civil extracontratual a Ré – sobre quem impende o dever de vigilância do seu prédio, executou a obra e estava em melhores condições de o infirmar – que não demonstrou ter efetuado a obra com observância de todas as técnicas exigíveis e vigiado o seu imóvel de modo a permitir resguardar o telhado vizinho que já se apresentava frágil.
V - A norma do art. 1349.º do CC, que permite a invasão do prédio vizinho, impõe a indemnização deste último, em caso de passagem forçada momentânea em que se não demonstrou a essencialidade do uso do prédio vizinho, para executar, fosse que parte fosse, de obra no prédio de quem invadiu prédio alheio.
Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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RELATÓRIO
AUTORES: AA e marido, BB (falecido na pendência da ação, estando habilitado como seu herdeiro, para além da Autora, CC), residentes na rua ..., Porto.
RÉ: A..., Ld.ª, com sede na R. da ...., Porto.
Mediante a presente ação declarativa, pretendem os AA. a condenação da Ré:
a) a desfazer a obra que edificou sobre parte do prédio dos AA., a fim de restituir-lhes aquela parte/parcela que a Ré ocupou no prédio daqueles com a construção que fez sobre o tal prédio, em área visionável de 3m2, sem prejuízo daquela que venha a ser apurada, após os ensaios destrutivos e da respetiva quantificação da área ocupada, ordenando-se à Ré que elimine aquela parte da sua construção edificada naquela parcela/área do prédio dos AA. ou, no caso de estes optarem pelo recebimento do valor devido pela parcela ocupada do seu prédio, condenando-se a Ré a pagar-lhes a quantia que, pelo mínimo da referida área, foi, na data da pi, avaliada em 15.000,00€, sem prejuízo de valor superior que venha a ser apurado em sede de avaliação pericial;
b) a pagar aos AA. a quantia de € 11.975,59, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, designadamente, para efeitos da reparação dos danos de que ficou a padecer o seu prédio por causa da utilização que dele fez a Ré para edificar o seu e dos problemas decorrentes das entradas das águas naquele, surgidas na sequência da construção e da alteração do preexistente edificado, sem prejuízo da ulterior quantificação do valor que vier a ser necessário para reparação e resolução dos problemas de que está afetado o prédio dos AA., ou de outros ocultos que venham a surgir, cuja quantificação do valor superior que para esse efeito venha a revelar-se necessário relegaram para liquidação posterior;
c) ou, se vier a entender-se que, em vez da indemnização pelo valor referente a tais reparações, por ora estimado de 11.787,00€, deva a Ré realizar os trabalhos necessários executar para resolução definitiva dos problemas referidos na parte final da anterior alínea, ou de outros que venham a revelar-se serem precisos para reposição integral do estado de salubridade do prédio e dos direitos dos AA. a gozar e fruir plenamente da sua propriedade, condenar-se a Ré a realizá-los, sendo as obras de execução e materiais a aplicar em tais reparações acompanhada e fiscalizada pelo perito que vier a ser nomeado para o efeito;
d) a fazer os trabalhos de correção das patologias/anomalias que a Ré deve realizar no seu prédio, descritas nos n.ºs 7, 8 e 9 do art. 89.º da P.I., fazendo as obras necessárias à reposição dos direitos dos AA., sendo os trabalhos de execução e materiais a aplicar acompanhada e fiscalizada pelo perito que vier a ser nomeado para o efeito;
e) a indemnizar os AA. por todos os danos que estes sofreram ou venham a sofrer enquanto a Ré não cumpra as suas obrigações, designadamente pelos danos não patrimoniais, valorados, na data da propositura da ação, na quantia de 3.000,00€, atribuindo-se a cada um dos AA. o direito a serem ressarcidos na quantia de 1.500€, para cada um deles, relegando-se para liquidação ulterior a quantificação daqueles que, entretanto, se vierem a acumular enquanto a Ré não cumpre os seus deveres;
f) nos juros legais de mora, a calcular sobre todas as quantias em que a Ré venha a ser condenada a pagar aos AA., a contar da citação até integral e efetivo cumprimento;
g) na sanção pecuniária compulsória de € 50,00, por cada dia de atraso no cumprimento dos aludidos deveres.
Para tanto alegaram que são donos de prédio urbano contíguo a outro que pertence à Ré, tendo os dois imóveis sempre tido telhados ao mesmo nível e estando, na frente como na traseira, à mesma cota, o que aconteceu até que, em 2017, a Ré efetuou obras, subindo um piso ao seu imóvel, na zona das traseiras, e elevando-o acima dos anteriores telhados. Com tais obras, a Ré ocupou o prédio dos AA., revestiu com capoto (sem remate nem pingadeira) a parede que fez apoiar no prédio dos demandantes e ocupou o muro (numa área de 30 m2) do terraço do prédio dos demandantes. Do mesmo modo, colocou uma caleira, a nascente da nova parede, caleira essa que invade o prédio dos AA., cortando (partindo e fissurando) também algumas das telhas do telhado dos AA., as quais passaram a ter inclinação inversa ao descarregamento natural das águas. A partir do outono daquele ano, as águas pluviais passaram a infiltrar-se no vão do telhado do prédio dos AA., afetando a madeira que compõe a estrutura de apoio às telhas e descendo pelas paredes, o que levou, durante uma noite de outubro de 2017 (e, depois, em dezembro), à ruína de parte do teto da sala de jantar e de estar da casa dos AA., sitas no último piso, tendo-se a água expandido para o piso inferior, o que assustou os AA., então com 92 e 78 anos de idade, tendo até levado à queda do A. marido que, mercê das lesões físicas de que padeceu, veio a ser assistido em meio hospitalar. Beneficiando os AA. de seguro, efetuaram algumas obras de reparação e de recuperação de equipamentos, mas não foram ressarcidos de outros danos, nomeadamente pela impossibilidade de usarem a sala de jantar e os equipamentos, como o frigorífico, tendo estado vários dias sem energia elétrica. Ademais, com as obras da Ré, foram abertas portas ou janelas que devassam a intimidade dos AA.
Apesar das solicitações que lhe foram dirigidas, a Ré não procedeu a reparações, tendo as chuvas de dezembro de 2018 agravado a situação das humidades, impondo aos AA. um Natal lastimável, rodeados de recipientes para aparar a água, vendo a sua saúde prejudicada e acordando com o colchão da cama molhado pela chuva.
Impõe-se, por isso, que a Ré repare os AA. dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, efetue as obras necessárias e os indemnize pela invasão do seu prédio.
Contestou a Ré, opondo-se à procedência da ação, afirmando que a construção que efetuou na zona recuada apenas assentou sobre metade do muro meeiro, não tendo ocupado os 15 cms indicados pelos AA. Mais refere que o reboco poderá ser retirado se os AA. pretenderem elevar o seu prédio, tendo as obras sido efetuadas de acordo com as leges artis. O telhado da casa dos AA. encontrava-se já depauperado, com telhas degradadas, fissuradas e desencaixadas, pelo que quaisquer infiltrações nesse prédio resultaram da degradação da cobertura e não das obras encetadas pela Ré.
Requereu a intervenção provocada de B..., Ld.ª, empreiteira que realizou a obra, o que foi admitido, como intervenção acessória, por despacho de 10.2.2020.
A chamada apresentou a sua contestação, opondo-se igualmente à pretensão dos AA. e chamando à lide, como partes acessórias, C..., Ld.ª e D..., Ld.ª, por serem, respetivamente, responsável pelo projeto de arquitetura da obra da Ré e responsável pelos projetos da especialidade, de acordo com os quais a obra foi executada, incidentes que foram deferidos por despacho de 7.9.2020, tendo ambas apresentado contestação, nomeadamente defendendo-se por exceção de ilegitimidade (D..., Ld.ª), exceção julgada improcedente em despacho saneador, de 6.12.2021.
Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença, datada de 30.10.2024, a qual julgou a ação improcedente e absolveu a Ré dos pedidos.
Desta sentença, recorrem os AA., visando a procedência parcial da ação[1], com base nos argumentos que assim alinharam em conclusões:
1 – Atendendo:
a) ao vertido nas als. l), k), iv) e v) de fls. 6/9 a 8/9 do relatório pericial datado de 15 de junho de 2022, na al. k) de fls. 3/3 dos esclarecimentos de 5 de agosto de 2022 e no ponto 25. de fls. 6/12 do relatório complementar de 5 de agosto de 2022 e, ainda, do referido pelo Senhor Perito aquando dos esclarecimentos prestados na audiência de julgamento (cf. registo do sistema Habilus Media Studio a que se refere a ata da audiência de julgamento de 16 de novembro de 2023, entre as 10h13 e as 11h14) entre os minutos 01:07 e 05:30 e 30:43 e 33:50, de onde resulta que o Senhor Perito, apesar de não dizer expressamente ou asseverar qual a origem das infiltrações em apreço, dá “pistas” importantes a esse respeito, dizendo, designadamente, que (i) apenas quem conhecia o prédio antes das obras realizadas pela Recorrida A... poderá dizer com total segurança tal origem, (ii) o telhado do prédio dos Recorrentes, apesar de antigo, apresentava-se estável e a cumprir adequadamente a sua função não sendo essa, na sua opinião, a origem das infiltrações de água ocorridas, (iii) até porque os vestígios de infiltrações de água e humidade, aparecem essencialmente na parede de meação entre os prédios e da empena existente entre o prédio da Recorrida A... (à cota mais alta) e o prédio dos Recorrentes, sob a zona da caleira instalada entre os prédios e na zona adjacente a essa parede, (iv) e se aí não entrava água antes das obras também não tinha por que entrar depois destas; e que (v) é normal que os trabalhadores que realizaram as obras no prédio da Recorrida A... tenham utilizado para o efeito o telhado do prédio dos Recorrentes e com o peso e carga de trabalhadores, materiais e meios de execução dos trabalhos tenham provocado fissuras e quebra de telhas;
b) ao referido pela testemunha DD (cf. registo do sistema Habilus Media Studio a que se refere a ata da audiência de julgamento de 16 de novembro de 2023, entre as 15h15 e as 16h29) entre os minutos 0:55 a 18:05, 19:40 a 20:45, 23:48 a 29:06, 34:45 a 35:20, 49:36 a 50:30, 55:55 a 56:19 e 1:00:45 a 1:01:15, testemunha que conhecia o telhado do prédio dos Recorrentes antes e depois das obras realizadas pela Recorrida A... (condição que o Senhor Perito referiu ser essencial para poder pronunciar-se com propriedade acerca da origem das infiltrações em apreço) por ser construtor civil, tendo o seu estabelecimento no rés-do-chão do prédio dos Recorrentes, e ter sido quem fazia as obras de manutenção e a limpeza anual desse telhado e do prédio, e que referiu expressamente, em resumo, para o que aqui interessa, que: (i) o prédio dos Recorrentes nunca tinha tido uma inundação do género, apenas tendo entradas pontuais de água noutra zona que não a que está em causa neste processo; (ii) se deslocou ao local aquando da primeira inundação ocorrida em outubro de 2017, que fez cair o teto da sala, e viu que a caleira transbordava água o que se ficava a dever ao facto de junto à parede do prédio da Recorrida A... acrescentada com as obras por esta realizadas (a) existirem na caleira por ela substituída sobras de esferovite do capoto que tapavam a sua saída e impediam que a mesma escoasse, (b) as telhas encontrarem-se, numa zona com cerca de 2 metros de extensão, completamente encostadas ao capoto da parede, não permitindo que a água escoasse para a caleira, antes recuando para dentro do telhado, e (c) a última fiada de telhas ter caimento invertido, conduzindo as águas para dentro do telhado em vez de as encaminhar para a caleira; (iii) que limpou a caleira, substituiu uma ripa de suporte do telhado que estava partida e calçou as telhas por forma a colocá-las com o caimento adequado; (iv) que passado uns meses a situação voltou a repetir-se porque os funcionários da Recorrida B... não tinham entretanto feito qualquer intervenção; (v) que foi por sua sugestão que os funcionários da Recorrida B... cortaram a parte inferior do capoto e cortaram as telhas da última fiada do telhado, por forma a que estes elementos não continuassem encostados; (vi) que os funcionários da Recorrida B... tiveram necessariamente de andar no telhado do prédio dos Recorrentes para realizar os trabalhos e que um abatimento que existe noutra zona do telhado não existia antes, sendo que coincidia com o local por onde necessariamente os funcionários da Recorrida B... tinham que passar para aceder à zona onde foi erguida a parede do prédio da Recorrida A... e onde foi substituída a caleira; (vii) que apresentou os orçamentos que constituem os docs. 48 e 49 juntos com a petição inicial, os quais se referem, respetivamente, às intervenções que era necessário realizar no interior (2.º andar) e no telhado do prédio dos Recorrentes, sendo que a segunda dessas intervenções se tornou desnecessária em virtude de os trabalhos em questão terem sido realizados pelos funcionários da Recorrida B...; e (viii) que a Recorrente e o seu falecido marido tiveram que ir viver para o 1.º andar do seu prédio em virtude de não existirem condições para o fazerem no 2.º andar, tendo gasto em obras no 1.º andar, para o tornar habitável, 3.500 € mais IVA;
c) ao referido pela testemunha EE (cf. registo do sistema Habilus Media Studio a que se refere a ata da audiência de julgamento de 23 de novembro de 2023, entre as 10h27 e as 11h26) entre os minutos 00:40 e 3:00,05:05 e 08:47, 09:49 e 11:58, 19:25 e 21:00, 24:24 e 25:21 29:40 e 30:00 e 35:45 e 36:25 da primeira gravação, testemunha que referiu designadamente que: (i) aquando da vistoria que efetuou ao prédio dos Recorrentes em março de 2019 constatou o que consta do relatório que constitui o doc. 3 junto com a petição; (ii) a caleira colocada em substituição da caleira de meação ficou mais elevada, o que fez com que a última fiada de telhas do telhado do prédio dos Recorrentes ficasse com inclinação invertida (isto, inclinadas no sentido do interior do telhado e não, como deviam, no sentido da caleira), o que deu origem às inundações em causa no processo, as quais continuam a verificar-se; (iii) o facto de o capoto ter estado sobreposto às telhas, praticamente em cima destas, também contribuiu para a verificação das inundações; e que (iv) para proceder a todas as reparações necessárias serão necessários cerca de 10.800 euros (estimativa com margem de erro de 1000 euros); d) ao depoimento da Recorrente (cf. registo do sistema Habilus Media Studio a que se refere a ata da audiência de julgamento de 16 de novembro de 2023, entre as 11h15 e as 11h59) entre os minutos 02:35 e 04:21, 06:36 e 08:14, 14:38 e 15:22, 15:47 e 25:50, 26:52 e 27:56 e 31:28 e 35:09;
e) aos docs. 3, 8 a 10, 16, 34 a 43, 45 a 49 juntos com a petição inicial;
f) ao facto de não ter existido, ao contrário do referido pelo Mmo. Juiz a quo, qualquer dilação temporal entre a realização das obras pela Recorrida A... e a ocorrência de inundações no prédio dos Recorrentes: estas inundações ocorreram em finais de 2017 no decurso daquelas obras, como resulta de forma clara, designadamente, do depoimento da Recorrente, da participação da PSP que constitui o doc. 16 junto com a petição inicial e dos factos dados como provados com os n.ºs 60 e 68 (as obras começaram em fevereiro de 2017 e só foi emitido alvará de utilização em 28.9.2018),
deve ser alterada a decisão da matéria de facto por forma a:
- serem dados como não provados os factos constantes dos pontos 42 a 46, 48 a 50, 86 e 89 a 93 da factualidade dada como provada; e
- serem dados como provados os factos constantes dos pontos 18, 25, 27, 28, 33, 36, 48, 58 e 65 da factualidade dada como não provada.
2 – Atendendo a que:
a) o Senhor Perito referiu (cf. ponto 25. fls. 6/12 do relatório complementar de 5 de agosto de 2022) que é normal que os trabalhadores que realizaram as obras no prédio da Recorrida A... tenham utilizado para o efeito o telhado do prédio dos Recorrentes e com o peso e carga de trabalhadores, materiais e meios de execução dos trabalhos, tenham provocado fissuras e quebras de telhas;
b) a testemunha DD, mestre de obras, referiu também (cf. minutos 0:55 a 18:05 - parte final - do seu depoimento), que os funcionários da Recorrida B... tiveram necessariamente de andar no telhado do prédio dos Recorrentes para realizar os trabalhos e que um abatimento que existe noutra zona do telhado não existia antes, sendo que coincidia com o local por onde necessariamente os funcionários da Recorrida B... tinham que passar para aceder à zona onde foi erguida a parede do prédio da Recorrida A... e onde foi substituída a caleira;
c) a própria Recorrida A... alega (cf. art. 27º da petição inicial) que a Recorrente havia autorizado a passagem pontual pelo seu telhado.
deverá ser alterada a decisão da matéria de facto, passando a dar-se como não provada a factualidade constantes dos pontos 37 a 39 e 85 dos factos dados como provados.
3 – Atendendo a que se afigura que a factualidade dos pontos 1, 3 e 4 (até “caleira nova”) dos factos dados como não provados é aceite por todas as partes e que coincide com factualidade que foi dada como provada nos pontos 5, 6, 34, 35 e 36 dos factos dados como provados, deverá a mesma ser dada como provada (ou removida, por repetição, da decisão da matéria de facto).
4 - Alterada que seja a decisão da matéria de facto nos moldes supra indicados, face a essa “nova” factualidade e à constante dos pontos 9, 13, 21, 22, 25, 26 e 29 da factualidade dada como provada, deverá a, aliás, douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a presente ação parcialmente procedente e, por via dela, a Recorrida A... condenada a pagar aos Recorrentes: (i) a quantia de € 8.675,59 (= 8.487,00 € + 188,59 €), ou outra que vier a liquidar-se em execução de sentença necessária à realização das reparações que se tornaram necessárias no prédio dos Recorrentes em virtude das entradas de água em causa neste processo; e (ii) a quantia de € 3.000,00 em virtude dos danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente e pelo seu falecido marido, com as legais consequências.
Opondo-se à procedência do recurso, contra-alegaram a Ré e a chamada C..., Ld.ª.
Objeto da ação:
- do cumprimento dos ónus decorrentes dos arts. 640.º (para impugnação da matéria de facto) e 639.º/2 b, do CPC (para a impugnação da matéria de facto);
- da alteração da matéria de facto;
- da responsabilidade civil por danos no prédio dos AA.
FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentos de facto
Na sentença recorrida, foram dados como provados os factos seguintes:
1. O prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...1/20110530, com o n.º de matriz ...69, da freguesia ..., situado na rua ..., que é composto por casa de 3 pavimentos, encontra-se registado a favor da Autora e de BB[2], casados entre si, pela ap. ...7 de 1992/3/17.
2. A Ré é dona e legítima possuidora do prédio urbano descrito sob o n.º ...9/20091110 na Conservatória do Registo Predial do Porto, com o n.º de matriz ...71, da freguesia ..., situado na rua ..., que era composto por casa de rés do chão, 2 andares e logradouro e cuja aquisição da propriedade se encontra inscrita a favor dela pela ap. ...42 de 2015/4/24.
3. A Ré tem por objeto comercial o exercício de atividades imobiliárias, designadamente compra e venda, arrendamento ou qualquer outro meio de exploração ou rentabilização de imóveis, incluindo o alojamento local, tendo, à data dos factos, a gerência atribuída a FF, com domicílio profissional na avenida ..., ..., ..., Porto.
4. Quando a Ré fez obras no seu identificado prédio, no ano de 2017, os suprarreferidos e confinantes prédios tinham os telhados ao mesmo nível.
5. Com a execução das obras efetuadas, o prédio da Ré subiu um piso na zona das traseiras.
6. A Ré procedeu a obras de reabilitação e de construção, tendo o seu prédio sido completamente intervencionado e, por último, ampliado, designadamente mediante a construção do novo andar recuado na zona das traseiras do mesmo, a poente do prédio que pertence aos AA., descrito no ponto 1) dos factos provados, elevando-o acima do nível dos anteriores telhados ou cota.
7. A estrutura de apoio das telhas do prédio dos Autores é feita em madeira.
8. Por volta das 0h30 do dia 18/10/2017, ruiu grande parte do teto de “pladur” da sala de jantar e de estar, no último piso do prédio dos Autores, tendo essa divisão ficado completamente inundada da água que caiu com partes do referido teto e que abateu, expandindo-se essa água para o piso inferior através da parede do prédio confinante com o prédio da Ré.
9. Por causa dessa inundação, o mobiliário ficou molhado, designadamente uma estante, uma mesa, cadeiras e uma aparelhagem de som e as respetivas colunas, que levou dias a secar, e um computador e uma impressora ficaram estragados.
10. O descrito nos pontos 8) e 9) dos factos provados foi constatado pelas autoridades que, pela 1 hora da manhã desse dia, se deslocaram ao local, designadamente a Polícia de Segurança Pública e elementos do Batalhão de Sapadores dos Bombeiros do Porto, cujo subchefe verificou “que não existe o conveniente escoamento das águas pluviais entre os dois edifícios e que em alguns locais as telhas do edifício do lesado estão junto da parede do andar que foi aumentado do outro edifício”, conforme documento n.º 16 que acompanha a petição inicial, que se dá aqui por reproduzido.
11. Consta ainda desse documento que “após uma verificação às condições de segurança do compartimento onde ocorreu a queda, foi indicado ao participante que não podia circular naquela zona, ficando a luz desligada no quadro”.
12. Para obtenção de cópia da participação escrita (documento a que se refere o ponto 10) dos factos provados), os Autores despenderam a quantia de € 4,21.
13. Além do susto que a Autora e o falecido marido sofreram naquele dia, este último, ao tentar limpar/eliminar a água, escorregou e caiu no chão, o que lhe provocou dores na grade costal direita, tendo recorrido aos Serviços de Urgência do Centro Hospitalar do Porto, na manhã desse mesmo dia 18/10/2017, e devido à dor na coxa direita que, entretanto, se instalou, voltou aos mesmos serviços de urgência no dia 28/10/2017, no que despendeu €19,00.
14. BB nasceu em ../../1925.
15. Foi solicitada ao Conselho de Administração da Porto Vivo, S.R.U., a emissão de cópia do projeto de arquitetura e a consulta ao processo ...61/17/SRU, relativo ao pedido de alteração da licença do prédio requerida pela Ré para realizar as obras.
16. O alvará de construção tinha o n.º 07/17 e os projetos que instruíam esse procedimento camarário tinham a data de julho de 2017.
17. Em dezembro de 2017, voltou a ocorrer outra entrada de água no prédio descrito no ponto 1) dos factos provados.
18. Foi enviada pela Mandatária dos Autores uma carta à Ré, datada de 16/1/2018, conforme documento n.º 29 apresentado com a petição inicial, que se dá aqui por reproduzido.
19. A Ré respondeu por carta datada de 1/2/2018, onde se pode ler, entre o mais que “a referida empresa procedeu, a nossas exclusivas expensas, à substituição da caleira de meação – que, como V. Exa. sabe, pertence em comum, a ambos – e que está hoje nova, sem que os clientes de V. Exa. tenham despendido qualquer quantia, o mesmo acontecendo aliás com os remates entre os telhados”, conforme documento n.º 30 apresentado com a petição inicial, que se dá aqui por reproduzido.
20. A carta a que se refere o ponto 19) foi respondida em 16/2/2018, conforme documento n.º 31 apresentado com a petição inicial, que se dá aqui por reproduzido.
21. A Autora continua a viver na sua residência, sujeitando-se a apanhar uma pneumonia, a que acresce o perigo de incêndio, com risco para a sua vida, vivendo em constante sobressalto e receando a ocorrência de deflagração, dado que os pontos de luz ficaram molhados com a água, que neles continua a infiltrar-se, vinda do telhado.
22. A Autora encontra-se num impasse, intranquila, nervosa e triste, dormindo desassossegada e vivendo em estado de alerta e ansiedade permanentes.
23. No dia 15/6/2018, ocorreu uma deslocação ao local por parte do gerente da Ré, com GG e DD, sendo este último quem habitualmente fazia a manutenção do prédio dos Autores.
24. No dia 7/11/2018, realizou-se uma reunião entre a Mandatária dos Autores, GG e o gerente da Ré.
25. A Autora e o seu falecido marido passaram o Natal nervosos, desconfortáveis com a humidade, rodeados de bacias e recipientes para aparar a água que caía na sua habitação, transtornados e já agastados com o arrastar da situação, tendo ficado doentes, acamados com gripe.
26. A Autora e o seu falecido marido acordaram pelas 4 horas da madrugada por sentirem o colchão da sua cama molhado e depararam-se com o quarto onde dormiam com água, quarto esse que se situa no piso por baixo da já referida sala de jantar, donde vinha escorrendo água que passou dum piso para o outro, agravando-se as humidades que já se vinham alastrando às divisões interiores contíguas.
27. A Autora e o seu falecido marido enviaram à Ré uma carta, datada de 18/2/2019, conforme documento n.º 44 da petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
28. A Autora e o seu falecido marido liquidaram à Mandatária a quantia de € 1.230, 00.
29. As reparações do interior da habitação da Autora e algumas das correções nas caleiras e telhas foram estimadas, em novembro de 2018 e janeiro de 2019, em € 8.487, 00.
30. O prédio da Ré é contíguo a nascente e encontra-se unido ao prédio com os números de polícia ...8 e ...8-A através de um muro de suporte comum, de construção em granito, com cerca de 30 centímetros de espessura.
31. A construção na zona recuada foi elevada até à cota definida e somente sobre a metade do muro meeiro pertencente ao prédio da Ré.
32. O reboco aplicado, que é um revestimento de carácter provisório e destinado a tratar termicamente as divisões que confinam com as novas paredes, será facilmente removível se e quando os Autores – ou um comprador que, entretanto, surja, uma vez que o prédio dos Autores chegou a estar à venda - pretenderem elevar o seu prédio, e encostar a sua nova parede elevada à parede do novo piso do prédio da Ré.
33. Os Autores colocaram umas telas para fazer de cobertura nuns anexos construídos no seu logradouro, assim ocupando metade da parede meeira pertença da Ré.
34. Com a execução da obra de reabilitação levada a cabo pela Ré, o seu prédio subiu um piso, em respeito pelo projeto de arquitetura aprovado pela Câmara Municipal do Porto.
35. A Ré colocou duas caleiras novas: uma, a uma cota superior, no perímetro da nova cobertura em telha do prédio da Ré, e que capta a água desta nova cobertura, encaminhando-a para a rede pluvial; e uma outra, à cota inferior do telhado do prédio confinante, onde se encontrava a antiga caleira comum, que recolhia as águas das pendentes dos telhados de ambos os prédios e que recolhe as águas pendentes apenas do prédio dos Autores.
36. Ao deixar de existir a situação anterior de um telhado comum aos dois prédios, à mesma cota e com pendentes a convergir para o calão comum, este deixou de ter utilidade e foi removido, além de que estava muito degradado e em péssimo estado de conservação, tendo sido substituído por uma caleira que serve apenas o prédio dos Autores e que apenas este beneficia, às custas da Ré.
37. Toda a estrutura do novo piso foi executada a partir do prédio da Ré, nunca tendo sido utilizado o prédio dos Autores como suporte de construção.
38. O estado de degradação do telhado era de tal ordem que não oferecia condições mínimas de segurança para um apoio ou suporte dessa natureza.
39. A única exceção consistiu no trabalho de impermeabilização da empena lateral do prédio da Ré, com especiais cautelas de segurança e materiais de suporte apropriados, e que durou apenas dois dias.
40. A secção em forma retangular da nova caleira construída pela Ré não tem qualquer impacto nesse aspeto, sendo até de dimensões mais generosas que as caleiras tradicionais em meia-cana e, portanto, mais eficiente do que estas.
41. Do lado nascente do prédio dos Autores nem sequer existe caleira, não obstante a cota do prédio contíguo ser também mais elevada do que a dos Autores.
42. Foi necessário adaptar as telhas ao novo eixo da nova caleira inferior e que acompanha o limite longitudinal do muro de meação, visto que anteriormente o eixo da caleira era ao centro do muro, cortando algumas e substituindo outras, salvaguardando sempre o descarregamento natural das águas para a caleira.
43. A cobertura do prédio dos Autores apresenta um estado de degradação generalizada, com apodrecimento da sua estrutura em madeira, sendo que esta apresenta várias e expressivas deformações ao nível da pendente do telhado.
44. Esse estado de degradação da cobertura do prédio dos Autores já era evidente em 2017, ano em que se realizaram as obras, que os trabalhadores da empreiteira E... nunca andaram nem colocaram materiais ou ferramentas sobre o mesmo, com receio de a sua estrutura não conseguir suportar o respetivo peso.
45. São essas deformações que fazem com que as telhas junto às paredes de apoio da estrutura de madeira da cobertura apresentem o caimento reduzido ou até inverso.
46. As inclinações inversas (ou “barrigas”) e todas as deficiências ao nível do escoamento de águas do prédio dos Autores não se devem, pois, aos trabalhos realizados pela E..., mas sim ao estado degradado e mal conservado do telhado dos Autores, o qual apresenta várias deformações, nomeadamente provocadas pela degradação da madeira ao longo dos anos, facto que é bem visível em ambas as pendentes.
47. A inclinação mínima dos telhados, recomendada pelas principais marcas de telhas, é de 17%.
48. O telhado dos Autores não tem essa inclinação e não tinha antes das obras, na maioria da sua extensão, tendo até, em algumas partes, inclinação nula ou mesmo inversa.
49. O estado de degradação das telhas ao longo de todo o telhado potencia ainda mais esses problemas.
50. Há telhas fissuradas, outras desencaixadas, e há até zonas em que as ripas estão partidas.
51. Não existe qualquer tubo de queda a encaminhar águas do prédio da Ré para o dos Autores.
52. O tubo de queda criado apenas conduz a água da cobertura dos Autores, e não da da Ré.
53. E a nova caleira colocada à cota superior, ao nível do novo piso construído, conduz as águas para um tubo de queda existente no alçado das traseiras e dentro dos limites do terreno da Ré.
54. Também não houve qualquer alteração da pendente das telhas do prédio dos Autores, a qual se manteve intacta.
55. Os trabalhadores da E... até substituíram algumas telhas degradadas e reposicionaram outras, de forma a que as mesmas cumpram adequadamente a sua função.
56. O revestimento em capoto foi corretamente executado e colocado e não apresenta qualquer pingadeira, até porque a parte inferior foi cortada em chanfro precisamente para aumentar a secção aberta da caleira, apresentando o capoto, em toda a extensão da empena, uma espessura total de cerca de 5 centímetros, sendo o mesmo removível.
57. As cumeeiras estão também devidamente executadas e colocadas, sendo que o remate de proteção adotado no prédio dos Autores é exatamente igual ao da Ré, o que constitui uma solução técnica normal e com totais garantias de eficiência.
58. Após a conclusão das obras de reabilitação do prédio da Ré, as coberturas foram devidamente limpas e testadas pela E... de modo a garantir que tudo estava a funcionar convenientemente.
59. O pedido de licenciamento da obra de reabilitação realizada pela Ré no prédio a que se vem aludindo foi apresentado à “Porto Vivo” em 2016.
60. Daí resultou o Alvará de Licenciamento de Obras de Alteração e Ampliação nº 07/17/SRU, emitido pela Porto Vivo SRU em 25/1/2017, ou seja, antes do início das obras, que ocorreu em fevereiro de 2017.
61. Em face de pequenas alterações pontuais, de ordem arquitetónica, como por exemplo a localização de uma cozinha numa das frações projetadas ou de uma parede confinante com outro dos prédios vizinhos (que não o dos Autores), foi necessário submeter um aditamento ao projeto de arquitetura.
62. Que veio a dar origem ao Alvará de Licenciamento de Obras de Alteração e Ampliação n.º 55/18/SRU, emitido pela Porto Vivo SRU em 15/6/2018.
63. A Ré não abriu quaisquer janelas a deitar para o prédio dos AA..
64. As únicas janelas que foram abertas no prédio da Ré foram colocadas no alçado traseiro do referido prédio para onde estão viradas.
65. O prédio dos Autores encontra-se numa posição lateral e não de frente para as ditas janelas.
66. Entre a Ré e a B..., Lda., com o número de pessoa coletiva ...57, com sede na praceta ..., sala ..., ... ..., empresa que usa comercialmente o nome E..., foi, em 13/2/2017, celebrado um contrato de empreitada, através do qual esta se comprometeu a reabilitar o prédio da Ré, situado na rua ..., Porto.
67. A obra de reabilitação urbana realizada pela E..., com base num contrato de empreitada celebrado entre esta empresa e a Ré, enquanto dona da obra, incluiu o projeto de arquitetura da autoria do Arquiteto HH, bem como dos projetos de especialidades submetidos à apreciação e decisão da Porto Vivo SRU, Sociedade de Reabilitação Urbana, incluindo, para o que aqui interessa, o projeto de Hidráulica.
68. Em 28/9/2018, foi emitido o competente Alvará de Utilização.
69. A Ré diligenciou junto da E... no sentido de esta aceitar fazer pequenos trabalhos no telhado dos Autores que eventualmente minorassem os problemas que estes diziam estar a sofrer, o que a E... aceitou fazer, de boa-fé e sem cobrar por isso qualquer valor aos Autores.
70. A E... levou a cabo trabalhos, expressamente combinados dias antes em reunião havida no prédio dos Autores, e que contou com a presença de técnicos de ambas as partes e das próprias partes.
71. Após combinação prévia com os Autores e com a sua Mandatária, a Ré e a E... deslocaram-se ao prédio da Ré para perceber no local qual era exatamente o motivo da reclamação dos Autores e, concretamente, o que era que estes imputavam à E..., como tendo sido deficientemente executado.
72. Em junho de 2018, realizou-se uma reunião no prédio dos Autores, na qual estiveram presentes ambos os Autores, o Arq. GG e o Sr. DD, como técnicos por si escolhidos, a Ré, representada pelo seu Gerente FF, e ainda a Engª. II e o Sr. JJ, ambos funcionários da E..., que acompanharam a obra desde o seu início.
73. Com exceção dos Autores e do Arq. GG, todos os restantes participantes na reunião, incluindo o gerente da Ré, subiram ao telhado dos Autores, para melhor verem quais eram, em concreto, as queixas dos Autores.
74. Conforme foi ali relatado pelo Sr. DD, o problema estaria, em sua opinião, no escoamento da água pela nova caleira situada no telhado dos Autores e à cota.
75. Não obstante ter sido explicado pelos técnicos da E... que a obra não tinha qualquer defeito ou outro problema de construção, estes aceitaram proceder a ligeiros ajustamentos - nomeadamente no capoto - de molde a melhorar o escoamento das águas, na nova caleira que assentava sobre o telhado dos Autores, tendo sido nessa ocasião acordado entre os técnicos de ambos os lados quais exatamente os trabalhos seriam executados pela E....
76. O que a E... fez no telhado dos Autores.
77. Quando o Sr. JJ e a Eng.ª II se deslocaram, posteriormente, ao prédio dos Autores, a Autora AA proibiu a entrada dos referidos técnicos no seu prédio.
78. A Ré forneceu à chamada os projetos de arquitetura e especialidades da obra a realizar, nomeadamente os projetos de estabilidade/estruturas e águas pluviais, entre outros, que foram oportunamente submetidos à apreciação das autoridades camarárias tendo sido emitido o respetivo Alvará de Utilização.
79. A chamada limitou-se a executar a obra em causa nos presentes autos em conformidade e no estrito cumprimento de tais projetos, que lhe foram fornecidos pela Ré, e a mando desta.
80. O dono de obra, ora Ré, nomeou uma empresa de fiscalização, à sua custa, que encarregou de fiscalizar a execução da obra, tendo a mesma concordado expressamente com a obra executada.
81. A chamada nunca executou qualquer trabalho na aludida obra que não tivesse tido o conhecimento e a autorização do dono de obra, dos projetistas e da empresa responsável pela fiscalização da obra, nem nunca qualquer destas entidades reportou à chamada que a referida obra estaria a ser executada incorretamente ou que alguém estaria, em desacordo com o que estava a ser executado pela mesma.
82. A obra de remodelação do prédio da Ré foi executada, exclusivamente, sobre a metade do muro de meação propriedade da mesma, sem que tenha sido ocupada ou invadida a propriedade dos Autores.
83. A chamada construiu o novo piso do prédio da Ré, no local que consta dos projetos de arquitetura e especialidades, em conformidade e no estrito cumprimento de tais projetos, que lhe foram fornecidos pela Ré e a mando desta.
84. Com a execução das obras, subiu-se um piso na traseira do prédio, tendo sido executadas duas caleiras novas, designadamente uma caleira a uma cota superior que capta a água da nova cobertura executada em telha e uma outra caleira à cota da antiga caleira que recolhe as águas das duas pendentes.
85. Toda a estrutura do novo piso foi executada a partir do prédio da Ré, face ao elevado estado de degradação do telhado do prédio dos Autores.
86. Existe uma parede de estrutura em granito que pertence a ambas as partes, sendo que a obra executada pela chamada respeitou rigorosamente essa propriedade comum e elevou o novo piso recorrendo unicamente à metade que pertence à Ré.
87. O calão antigo ocupava a metade do muro de meação pertence à Ré.
88. A nova caleira colocada destinava-se a recolher unicamente as águas do telhado dos Autores.
89. A nova caleira foi colocada precisamente à mesma cota da antiga, ou seja, no topo da parede de meação.
90. As inclinações do telhado do prédio dos Autores devem-se ao estado de degradação generalizada de toda a cobertura do prédio dos Autores, que apresentava, como ainda apresenta, várias deformações provocadas pela degradação da madeira e sua deformação ao longo dos anos.
91. Tais deformações podem ser visualizadas tanto de uma pendente do telhado como da outra pendente do mesmo telhado.
92. São essas deformações já existentes no telhado do prédio dos Autores, que fizeram, e ainda fazem, com que as telhas junto às paredes de apoio da estrutura de madeira da cobertura apresentem caimento reduzido ou inverso.
93. Ao longo de todo o telhado do prédio dos Autores há telhas fissuradas, outras desencaixadas e há zonas em que as ripas estão partidas.
94. O tubo de queda em causa nos presentes autos apenas conduz a água da cobertura do telhado dos Autores.
95. A nova caleira colocada ao nível do novo piso construído no prédio da Ré conduz as águas para um tubo de queda existente no alçado das suas traseiras, situado nesse mesmo prédio.
96. O limite inferior da nova parede edificada pela chamada, a mando da Ré, não tem, nem tem de ter, qualquer remate, nem qualquer pingadeira.
97. A Ré, para além de ter celebrado um contrato de empreitada com a chamada, também contratou a sociedade C..., Lda., para elaborar o projeto de arquitetura da obra em causa nos presentes autos e ainda para proceder à fiscalização da mesma.
98. A Ré contratou ainda a sociedade D... Lda. para elaborar todos os projetos de especialidades da aludida obra.
99. A chamada C..., Lda., é uma empresa de arquitetura que foi contratada pela Ré para elaborar, como elaborou, o projeto de arquitetura, além do mais, com base nas ideias, pedidos e nos elementos fornecidos e transmitidos pela própria Ré.
100. O projeto de arquitetura elaborado foi sujeito à verificação da sua conformidade legal pelos serviços do Município do Porto, obteve aprovação e o Município do Porto emitiu a competente licença de construção e respetivo alvará.
101. A chamada apenas teve que fazer a compatibilização dos trabalhos realizados com os desenhos gerais adotados, verificação dos materiais empregues e sua correspondência com o caderno de encargos e verificação dos autos de medição apresentados pelo empreiteiro.
102. A chamada ANI, enquanto autora dos projetos de especialidades, limitou-se a elaborar os mesmos em conformidade com o projeto de arquitetura executado pelo respetivo autor, de acordo com as orientações do dono da obra e aprovado pelo Município.
Foram dados como não provados os factos seguintes:
1. Que até à execução das obras que a Ré fez no seu identificado prédio, no ano de 2017, os suprarreferidos e confinantes prédios tinham os telhados ao mesmo nível, ou seja, até então, e desde há cerca de um século, sempre tais prédios estiveram à mesma cota, quer na frente, com fachada para a Rua ..., quer nas traseiras;
2. Que na parte da frente desses 2 prédios o telhado era comum e tinha três águas que eram descarregadas em duas caleiras laterais e encaminhadas para as águas pluviais, através de dois tubos condutores (de queda) no arruamento; que a água do telhado que descarregava para a frente era recolhida numa caleira exterior, que descarrega em dois tubos de queda para a rede de águas pluviais no arruamento;
3. E na parte traseira dos aludidos prédios, os telhados de cobertura de cada um deles, respetivamente daquele que pertence aos Autores e daqueloutro contíguo, propriedade da Ré, sempre foram separados e, entre eles, existia um calão comum, em mais de dois terços do comprimento, que recebia as águas das duas pendentes;
4. Que com a execução das obras efetuadas, o prédio da Ré criou uma empena no limite longitudinal dos dois e foi executada uma caleira nova para passar a receber as águas vindas do telhado/cobertura daquele piso aumentado, bem como um tubo de queda que daí provém, caindo sobre o prédio dos Autores, a nascente.
5. Que os Autores, por alturas de agosto de 2017, aperceberam-se que andavam sobre o telhado de cobertura do prédio que lhes pertence e constitui a sua habitação permanente, sem que de nada tivesse sido dado conhecimento ou avisado aos Autores acerca das obras que a Ré iria efetuar;
6. Que os Autores vieram depois a apurar que a Ré tinha procedido a modificações daquilo que lá estava anteriormente edificado, designadamente, no prédio dos Autores;
7. Que a Ré executou a construção nova, apoiando-a em parte da parede que pertence ao prédio descrito no ponto 1) dos factos provados e que foi ocupado em aproximadamente 15 (quinze) centímetros de espessura, uma vez que não só foi subida/construída uma parede sobre a dos Autores, para edificar o recuado, como ainda foi acrescentado à mesma um revestimento em capoto com cerca de 6 cm de espessura, ocupando o prédio dos Autores, até então livre e desocupado, que foi invadido naquela parte do prédio que à Ré não pertencia;
8. Que a parede nova, que foi subida/levantada na referida obra pela Ré, foi construída na parede nascente, em vez de o ter sido na parede poente, ou seja, estando aquela parede nova apoiada na parede do prédio com os n.ºs ...8/...8-A, ocupando essa parte da parede que arranca do seu prédio e continua ao longo do mesmo, dando seguimento por muro do terraço do prédio dos Autores, sendo que a parede nova ali edificada foi revestida com capoto, que deita para o telhado do prédio dos Autores, mais avançando para dentro do espaço/prédio deles;
9. Que quanto aos muros das traseiras dos prédios, eles arrancam em segmento de continuidade e individualizadamente, são 2 e que lá se encontram contíguos e paralelos, cada um deles com espessura de cerca de 20 cm;
10. Que o prédio n.º ...0/...2, apresenta um muro do seu lado, que arranca do seu prédio individualizadamente;
11. Que a Ré levantou a parede da construção nova sobre parte da parede do prédio vizinho, que arranca do seu prédio em continuidade e individualizadamente e que só aos Autores pertence;
12. Que pelo menos desde março de 1992 e até ter sido retirado pela Ré, nas obras que fez em 2017, sempre existiu um calão (caleira larga de escoamento das águas) naquela zona traseira divisória dos prédios, separando os telhados que cobriam cada um deles, calão esse que foi eliminado aquando da execução das referidas obras pela Ré;
13. Que no local onde antes existia o tal calão passou a estar um tubo redondo, na base da parede nova erigida para construção do recuado, tendo sido alterada a anterior localização e o tipo da caleira arredondada preexistente, à semelhança doutras caleiras originais que ainda existem noutra parte do telhado do prédio dos Autores, uma vez que foi executada uma nova caleira de geometria diferente, agora com ângulos retos, que passou a estar a nascente da referida parede nova, e, portanto, a Ré ultrapassou os limites do seu prédio, invadindo ou entrando no prédio dos Autores;
14. Que as alterações que a Ré realizou, ocupando parte do prédio dos Autores com a nova obra que lá fez, ao longo de cerca de 20 metros e meio, multiplicados pelos 15 cm acima referidos, perfaz uma área de cerca de 3 metros quadrados;
15. Que essa área, multiplicada pelo valor do preço médio corrente na zona onde se encontra implantado o prédio dos Autores (baixa histórica do Porto) e que é de € 5.000 por m2;
16. Que tem vindo a aumentar a valorização dos prédios ali situados;
17. Que a caleira nova é inadequada ao escoamento dos lixos e das águas das chuvas, na medida em que a sua geometria, diferente da original e com ângulos retos, não é a que melhor se adequa ao fim a que se destinam as caleiras, isto é, ao descarregamento das águas e lixos que nela se alojem;
18. Que, para o efeito da execução das referidas obras, foi alterada, também, a filada das telhas do telhado dos Autores, as quais em grande parte e ao longo das referidas novas parede e caleira, construídas pela Ré, foram cortadas no seu comprimento para fazer com que ali descarregassem as águas vindas da referida parede nova e, ainda assim, aquelas telhas passaram a estar praticamente “coladas” à parede nova que foi levantada/edificada para construção do tal recuado e além disso, tendo aquela filada passado a apresentar, em certos pontos, uma inclinação inversa ao descarregamento natural das águas e, consequentemente, atirando com elas para o interior do prédio dos Autores;
19. Que é uma situação muito grave, porque ao serem essas águas atiradas para o interior do prédio, existe o risco de vir a ser provocado um incêndio, dado que entrando essa água em contacto com os fios elétricos do sistema de iluminação da casa dos Autores, designadamente aqueles que se encontram sobre o teto, esse perigo existe, tanto assim que há já pelo menos 2 focos de iluminação avariados, sendo que daquele foco, que está situado a cerca de 1 metro da parede da sala confinante com o outro prédio, escorre água quando chove, e já apresenta corrosão visível;
20. Que a(s) nova(s) caleira(s) colocada(s) a nascente do anterior calão, ou seja, ocupando agora o prédio a nascente para além da linha anteriormente existente da separação dos prédios, em cerca de 15 cm de espessura, denotam falta de desenvolvimento em toda a sua extensão e mesmo na parte mais larga, e estão a escassos centímetros das telhas do telhado do prédio dos Autores;
21. Que o novo tubo de queda que foi colocado na parte superior do referido acrescentado recuado, para descarregar as águas desse telhado/cobertura, da caleira superior para a caleira inferior, que foram criados de novo pela Ré, ou a seu mando, padece de deficiências, quer quanto à sua orientação, quer no que tange à sua altura, permitindo a entrada de águas, dele provindas, nas telhas encurtadas naquele local do telhado dos Autores;
22. Que essa orientação e altura de descarga originam conflitos no curso de água que se pretende seja o mais fluente possível e, consequentemente, é natural que tenha vindo a aparecer a água no interior do prédio dos Autores, como sucedeu após as obras, seguidamente às primeiras chuvas do outono de 2017;
23. Que seria evitável se a Ré, em vez de ter colocado o tubo de queda naquele canto, a partir da beira do telhado do seu andar recuado, a debitar as águas para aquela zona do telhado dos Autores, como se encontra ali executado, o tivesse posicionado noutro local – o que era viável – designadamente prolongando a caleira superior, que parte da cobertura/beira do prédio da Ré, para a parte traseira do seu prédio, escoando-a por tubo de queda que deitasse para o seu logradouro;
24. Que a Ré, ao invés, optou por colocar o referido tubo de queda de escoamento das águas sobre o telhado do prédio dos Autores, sem sequer tenha deixado o intervalo mínimo de 50 cm entre o prédio e a referida beira, como estava obrigada a respeitar;
25. Que na execução das mencionadas obras não só não foi evitado que a beira do telhado ou cobertura do andar recuado gotejasse sobre o telhado do prédio dos Autores, como foi alterada a pendente original das telhas do telhado destes últimos, que veio a ficar com uma fiada de telhas, em certos pontos dela, com pendente contrária, e a parede nova foi edificada praticamente em cima dessas telhas, provocando uma natural tendência para as águas da chuva se introduzirem no vão do telhado do prédio dos Autores (no qual se encontram vestígios de água e zonas molhadas, igualmente existentes sob as telhas e caleiras) sendo que, desde outubro de 2017, de cada vez que chove de forma mais abundante, as águas escorrem pela parede da casa dos Autores que confina com o prédio da Ré, criando humidades nos compartimentos da casa deles que têm a poente essa parede confinante;
26. Que é provável que a estrutura de apoio das telhas do prédio dos Autores esteja afetada nos locais onde a água tem andado, desde há cerca de ano e meio e, por conseguinte, suscetível de provocar o seu apodrecimento;
27. Que após as obras vindas de referir apareceram telhas partidas (quem lá andou a fazê-las só substituiu duas das antigas por novas) e as telhas da referida fiada do telhado dos Autores junto à parede nova do recuado edificado pela Ré foram cortadas/encurtadas, bem como há outras que estão fissuradas, estado esse que antes das referidas obras de construção não existia;
28. Que as obras foram feitas de maneira descuidada e não zelosa;
29. Que o telhado do prédio dos Autores se mantém tal como se mantinha até 8/3/2019, com tinta azul usada na pintura do prédio da Ré e com os lixos típicos das obras, que também existem nas caleiras e debaixo de telhas, designadamente poliuretano, o que também impede o adequado escoamento das águas das chuvas, causando a entrada delas no prédio dos Autores;
30. Que o limite inferior do capoto da parede nova edificada pela Ré, que se encontra sobre a zona das caleiras, não tem nenhum remate, nem tem qualquer pingadeira, como teria de ter ao longo de toda aquela, não só para afastar as águas das paredes da nova construção/recuado, como também para obrigar a que tais águas que delas escorrem pudessem descarregar dentro da caleira;
31. Que o que está executado pela Ré propicia que as águas que escorrem pelas paredes do andar recuado se infiltrem pela parede confinante e se introduzam no prédio dos Autores, tendo vindo a cair nas divisões da sua habitação que com essa parede dos prédios confinam;
32. Que as cumeeiras dos telhados também sofreram com a intervenção/obras, sendo que no limite da cumeeira do telhado da frente o trabalho está mal-executado, podendo originar a entrada da água das chuvas, sendo visível que numa cumeeira, tentaram fazer, recentemente, um remendo, recolocando-a e colando-a com poliuretano expansivo, o que não corresponde à solução construtiva adequada, dado que não previne os problemas de entrada das águas no prédio dos Autores;
33. Que a alteração feita pela Ré, na parte da frente do telhado, na medida em que a caleira que ali foi colocada, que acompanha a inclinação do telhado e que separa as águas dos prédios, também apresenta um desenvolvimento inadequado, pois permite que, com facilidade, as águas ultrapassem a caleira penetrando no prédio a nascente (isto é, naquele que pertence aos Autores) para mais estando também aquelas sujas, inclusive com detritos das obras e poliuretano expansivo, material que lá apareceu depois das referidas obras, o que também explica a entrada das águas das chuvas na casa dos Autores;
34. Que as anomalias na execução de tais caleiras resultam também da geometria retangular, como são as que lá foram aplicadas pela Ré, diferentes dos originais, que eram arredondadas, e sem que tivesse sido respeitado, também, o desenvolvimento daquelas que originariamente existiam, que eram os mais adequados para evitar a entrada das águas no prédio dos Autores;
35. Que junto ao canto superior do prédio a poente, a caleira apresenta uma altura insuficiente, isto é, está abaixo do local de escorrimento da água, o que pelas boas regras construtivas não devia acontecer e igualmente contribui para entrada das águas no prédio dos Autores;
36. Que na sequência das aludidas obras e por força das alterações e patologias suprarreferidas, vieram a ocorrer episódios repetidos de introdução de águas na casa dos Autores, como nunca antes tinha sucedido, que continuam a ocorrer até à presente data;
37. Que BB só por grande sorte é que não foi atingido com o teto que abateu com a enxurrada;
38. Que a dor na coxa direita de BB não debelava com analgésicos;
39. Que os Autores tinham um seguro multirriscos habitação e que foram feitas algumas obras de reparação no interior da referida sala (as urgentes) e recuperados os mencionados equipamentos, mas obviamente que a Seguradora não se responsabilizou por aqueles e outros prejuízos sofridos pelos AA., designadamente pelos incómodos gerados pela impossibilidade de utilização da sala de jantar e dos equipamentos (nomeadamente o frigorifico, cujos géneros alimentícios se estragaram) quer os devidos às obras urgentes que tiveram de ser feitas para repor o estado de mínima habitabilidade e condignidade do seu lar, face ao perigo que a água infiltrada, especialmente nos pontos elétricos, implicava para a sua segurança, saúde e integridade física;
40. Que os Autores, receando esse perigo, evitaram ao máximo ligar o quadro da luz, o que condicionou sobremaneira o seu bem-estar, na medida em que, por falta de água quente, chegaram a estar 5 dias seguidos sem tomar banho, pelo menos em duas ocasiões, bem como deixaram de utilizar os aquecedores, tendo, aliás, passado os 2 últimos invernos com frio e desconfortáveis devido aos problemas suprarreferidos;
41. Que na altura da entrada dos documentos a que se refere o ponto 16) dos factos provados, já a obra se encontrava em fase adiantada;
42. Que não consta que tenham sido apresentados os prédios vizinhos em planta, no que concerne a cortes nem a alçados;
43. Que não foi obtida a respetiva licença ou alvará de utilização;
44. Que também não constam do aditamento entregue à S.R.U. os arranques dos prédios confrontantes, não constando a vermelho, como é normal, a construção nova de andar recuado, que ao invés se encontra a preto, como só o pré-existente deve estar, para se distinguir nas plantas o que vai ser reabilitado e aquilo que vai ser construído de novo em alteração do prédio existente;
45. Que até ter sido elevada a altura do prédio da Ré, com a construção do andar recuado, os Autores gozavam de privacidade, que deixaram de ter, pois foram feitas aberturas com uma configuração que mais se assemelham a portas do que propriamente janelas, interferindo com as vistas do prédio dos Autores, que até então tinham desde há mais de 20 anos;
46. Que a altura daquelas aberturas que foram feitas no erigido andar recuado, é quase equivalente à altura desse novo piso e situam-se muito acima do muro/parede do terraço traseiro da casa dos Autores, sendo que, entre a mais próxima dessas aberturas e o referido terraço, onde está situada a sua casa de banho, medeia não mais que meio metro, o que viola a privacidade dos Autores na medida em que a partir dessa abertura passou a poder visionar-se a casa de banho e o terraço referidos;
47. Que os Autores fizeram queixas verbais e manifestaram oposição, naquela primeira oportunidade que tiveram, ao pessoal que lá andava nas obras;
48. Que, em dezembro de 2017, voltou a ocorrer outra abundante entrada de água no prédio descrito no ponto 1) dos factos provados, e estes, vendo, que de nada adiantara, solicitaram à Mandatária que reclamasse, por escrito, junto da Ré para que esta tomasse medidas, repusesse os seus direitos, reparasse os problemas causados pelas obras e regularizasse as irregularidades construtivas e de ocupação daquela parte do seu prédio acima relatada;
49. Que a Ré tinha construído a parede daquela parte do prédio que ampliou, praticamente colada às telhas do telhado dos Autores, cuja inclinação alterou, e sem que naquela tivesse sido executado o já acima referido remate e pingadeira na parte inferior do capoto;
50. Que não adianta voltar a fazer reparações no interior sem que sejam corrigidas as anomalias no exterior;
51. Que a Ré, apesar de ir prometendo que iria corrigir as patologias, na realidade nada praticamente fez para resolver os problemas que causou aos Autores;
52. Que na deslocação ao local ocorrida a 15/6/2018 foi abordado o que de mais premente teria de ser feito.
53. Que, em finais de julho de 2018, apareceu alguém a mando da Ré, mas não avisou os Autores previamente e quando a Autora lhe disse que para fazer o “lindo serviço que tinham feito na altura das obras, nunca tinham precisado de passar pelo interior da sua casa, como agora aquele queria”, seguiu-se uma troca azeda de palavras, aquele virou as costas à Autora e foi-se embora.
54. Que a Mandatária dos Autores insistiu junto do gerente da Ré para que fossem feitas as reparações mais urgentes, sobretudo em setembro, porque se avizinhava o fim desse Verão e o tempo das chuvas, tendo-lhe reafirmado que era conveniente, antes de serem iniciadas as obras de reparação, fazer-se um documento escrito, para especificar concretamente os problemas que iriam ser objeto de reparação e discriminar os trabalhos necessários a executar para correção de patologias e de colocação do tapa vistas, com o que se visava tentar garantir, pelo menos, que os trabalhos a executar fossem os adequados ao objetivo de eliminação dos pontos de entrada das águas e para que fossem cumpridos em tempo útil, aprazando-os, bem como procurando assegurar que seriam realizados de conformidade com as soluções técnicas construtivas e materiais apropriados, para sanar de vez tais problemas e pretendendo-se com tal documento afastar a possibilidade de serem feitos pela Ré meros remedeios, que temporária e aparentemente só servissem para dissimular a resolução das anomalias, pois queria-se que fosse feita uma correção mediante real solução de fundo, e não, como veio a suceder já findo o Outono, quando foi feito um remendo, na cumeeira, que levou cerca de uma hora na sua execução ao homem que a Ré lá mandou, e que nada resolveu, antes pelo contrário tendo-se vindo a agravar os problemas das infiltrações;
55. Que a Ré não fez um tapume/tapa vistas que a mesma se havia comprometido a fazer;
56. Que a eng. II, escolhida pela Ré para ir verificar o que tecnicamente seria necessário para corrigir os problemas, não chegou a comparecer na casa dos Autores no dia 12/11 que tinha ficado combinado, nem posteriormente, quando foi remarcado outro dia desse mês;
57. Que com as chuvas de dezembro de 2018 aumentaram as humidades;
58. Que a Mandatária voltou a insistir junto do gerente da Ré para que fossem feitas as reparações e ressarcidos os danos, por emails que lhe remeteu, entre outros (como vinha fazendo desde inícios do ano) sucessivamente, nos dias 18 e 19 desse mês, em que fixou o prazo duma semana para ser resolvido o assunto, sob pena dos Autores não mais se disporem a tentar resolver a questão a bem e no dia 28/12/2018, a mandatária dos Autores enviou novo email, dando conta ao gerente da Ré que a Eng. II e o mestre de obras que a Ré tinha designado para irem tratar de fazer as reparações, tal como a mesma se havia comprometido iniciar no dia anterior, mais uma vez, não tinham comparecido e, portanto, voltou-se a insistir que era urgente serem feitas as obras de reparação no exterior bem como no interior da habitação (em paredes, tetos e madeiras nas divisões, etc., afetados pelas águas) e que, para as obras do interior, os Autores já tinham um orçamento no valor de € 5.870 (mais IVA), que pese embora feito em Novembro, já dava uma ideia do respetivo custo;
59. Que a Mandatária dos Autores advertiu a Ré que já estava a chover outra vez no interior da casa dos Autores;
60. Que o colchão acabou por ficar estragado pela humidade que a Autora não conseguiu erradicar, bem como ficou avariada a impressora Canon e novamente o computador, pela introdução da água que sobre eles pingara, tendo um aspirador deixado de funcionar, mas que por ser velho, os Autores decidiram não o consertar;
61. Que a Mandatária reafirmou ao gerente da Ré, no aludido e-mail, que se o assunto não fosse definitiva e completamente resolvido durante a semana seguinte (entre 28/12 e 4/1/2019), não restaria alternativa senão avançar para a via judicial;
62. Que o gerente da Ré só respondeu a esse email a 20/1/2019, prometendo que durante a semana seguinte responderia àquelas questões, face à ausência dessa prometida resposta, no dia 25 desse mês, a Mandatária dos Autores remeteu-lhe novo email ao final desse dia, informando que os seus clientes entendiam não aguardar mais;
63. Que só quatro dias o gerente da Ré respondeu à Mandatária dos Autores, sugerindo nova visita ao local por todos os ante referidos técnicos, resposta que eles consideraram não passar de mais uma tentativa de protelamento sem qualquer desenvolvimento do já antes repetido, razão pela qual o Arq. GG e DD também não estavam para perder mais tempo noutra deslocação ao prédio, como fora sugerido pelo gerente da Ré;
64. Que pese embora a Mandatária não visse utilidade nessa outra visita, ainda procurou convencer a Autora e o seu falecido marido para se marcar um dia para essa deslocação, mas após doença da Autora e do referido GG, a Autora e o seu falecido marido, já cansados de tanto protelamento e sem resultados concretos nem soluções para os problemas que persistiam e se vinham agravando, deram por esgotada a sua paciência;
65. Que a Autora e o seu falecido marido, no conserto dos referidos computador e impressora, gastaram € 98,40 e € 66,98, a que acrescem as suprarreferidas despesas de € 4,21€ e € 19;
66. Que as reparações das caleiras, das telhas das cumeeiras, dos “panos” do telhado encostados ao prédio da Ré, da estrutura de apoio das telhas e dos elementos elétricos deteriorados foi estimada em cerca de € 3.300;
67. Que cada um dos telhados na parte traseira dos imóveis apresenta duas pendentes ou “panos”, separadas por um calão situado entre esses telhados de cada um dos prédios e os dois muros individualizados possuem arranque nos dois prédios no seguimento da linha que provinha da parede;
68. Que a Autora AA seguiu, interessada e atenta, quase diariamente, o desenrolar da obra, falando cordialmente com os operários que ali se encontravam a laborar, jamais se opondo, antes autorizando, a que estes passassem pontualmente pelo seu telhado sem, contudo, danificarem o que quer que fosse;
69. Que a Porto Vivo exigiu que a Ré submetesse um novo e integral pedido de licenciamento, que incluía a totalidade dos documentos, pareceres de entidades externas, plantas, projetos de especialidades, relatórios dos bombeiros, até os documentos dos trabalhos arqueológicos (!) já realizados antes do início das obras;
70. Que a Autora, após contacto telefónico com o Arq. GG, não permitiu a entrada dos referidos técnicos da E...;
71. Que os Autores sempre autorizaram que os trabalhadores da chamada, em caso de necessidade, pudessem passar pontualmente pelo seu telhado;
72. Que a inclinação do telhado do prédio dos Autores é de tal ordem reduzida, que, mesmo sem essa deformação, é muito provável que já houvesse infiltrações nos dias de maiores chuvadas, conjugadas com ventos.
Afirmam a recorrida e a chamada – com maior ênfase, a primeira – não deterem as conclusões de recurso virtualidade para dar como verificado o encargo processual que impõe ao impugnante da matéria de facto a indicação dos concretos meios probatórios que impõem decisão diversa sobre os concretos pontos impugnados, isto porque, impugnando um conjunto vasto de factos (provados e não provados), não individualizaram para cada um a prova que imporia distinta decisão.
Não concordamos, contudo, com este modo de ver os ónus que aqui estão em causa.
O que o art. 640.º/1 a) CPC impõe é a individualização de cada facto que se impugna, resultando da al. c) a obrigatória indicação do sentido da decisão pretendida.
Este encargo encontra-se perfeitamente preenchido nas conclusões – estas, aliás, invulgarmente escorreitas e claras – como se vê nas seguintes passagens:
deve ser alterada a decisão da matéria de facto por forma a:
- serem dados como não provados os factos constantes dos pontos 42 a 46, 48 a 50, 86 e 89 a 93 da factualidade dada como provada; e
- serem dados como provados os factos constantes dos pontos 18, 25, 27, 28, 33, 36, 48, 58 e 65 da factualidade dada como não provada.
(…)
deverá ser alterada a decisão da matéria de facto, passando a dar-se como não provada a factualidade constantes dos pontos 37 a 39 e 85 dos factos dados como provados.
3 – Atendendo a que se afigura que a factualidade dos pontos 1, 3 e 4 (até “caleira nova”) dos factos dados como não provados é aceite por todas as partes e que coincide com factualidade que foi dada como provada nos pontos 5, 6, 34, 35 e 36 dos factos dados como provados, deverá a mesma ser dada como provada (ou removida, por repetição, da decisão da matéria de facto).
Para cada conjunto de factos, na maioria relativos à questão de saber se as infiltrações no prédio dos AA. e a derrocada de parte do telhado ficaram a dever-se às obras levadas a efeitos pela Ré no prédio contíguo[3], a respetiva indicação é precedida, mesmo nas conclusões, da discriminação dos meios de prova que devem auxiliar na pretendida alteração da decisão factual, o que sequer seria necessário, pois, neste tocante, bastaria a remessa para o que consta do corpo alegatório[4]. Este procedimento, tendo em conta que, embora se trate de factos diferentes, respeitam essencialmente à mesma questão, não torna incompreensível ou processualmente errónea a impugnação, porquanto se vislumbra de forma evidente, a propósito de cada meio de prova, o que dele pretendem extrair os recorrentes quanto aos factos que indicam.
Termos em que se considera corretamente impugnada a matéria de facto.
Diz também a recorrida que, não obstante terem os recorrentes anunciado abranger o recurso matéria de direito, não indicaram, desde logo, as normas jurídicas violadas e, de facto, nas conclusões não constam elencadas quaisquer normas legais que impusessem decisão distinta.
Cremos que esta omissão resulta da circunstância de os recorrentes se terem centrado na questão da impugnação de facto e, com isso, vendo-a alterada no sentido pretendido, entenderem que sempre se cairia na aplicação das normas relativas à responsabilidade civil extracontratual, genericamente referidas na sentença, também ela parca no que à subsunção jurídica toca.
Embora – como veremos adiante - se nos afigure que a problemática jurídica subjacente à ação não se centra, tão-só, nas normas invocadas em primeira instância (arts. 483.º/1 e 493.º/2 do CC, citados na penúltima p. da decisão recorrida), pois o que está em causa é a debatida questão do segmento da causalidade entre a ilicitude e o dano (art. 562.º CC) e das diversas conceções teórico-práticas em que pode ser encarada aquela, a verdade é que a sentença tratou essa matéria em sede de facto e, assim, evitou a dilucidação de uma vasta e complexa discussão relativa à interpretação dos arts. 493.º e 562.º do CC e, mais do que isso, à debatida problemática da insuficiência da teoria da causalidade adequada em situações limite ou de fronteira, mormente quando existam concausas (causalidade alternativa incerta, causalidade cumulativa necessária, causalidade cumulativa não necessária e causalidade aditiva)[5].
Tendo-se a sentença limitado à conclusão de que os factos não permitiam a reunião dos pressupostos do art. 483.º/1 e que de não existia fundamento para o regime previsto no n.º 2 do art. 493.º CC (este absolutamente deslocado face aos factos em causa e que não integram, claro está, o exercício de uma atividade perigosa), não vimos como necessária a indicação pelos recorrentes de outras normas jurídicas, para além das citadas na sentença e, por isso, não foram os mesmos convidados a, desnecessária e dilatoriamente, cumprirem uma formalidade que seria, já se vê, despicienda. O que está em causa é o instituto da responsabilidade civil extracontratual, como assinalou a sentença e, nessa ótica, cremos que a falta de indicação de normas legais pelos recorrentes não constitui motivo para não conhecer o recurso.
Mesmo que aquele convite tivesse sido efetuado e os recorrentes nada dissessem, nada justificaria tal gravosa solução (não conhecimento do recurso)[6].
O recurso é, por isso, de admitir in totum.
O primeiro tema respeita aos factos relativos às obras realizadas pela Ré, ao estado do telhado da casa dos AA. e à origem das infiltrações e danos no prédio dos recorrentes.
Em causa, por isso – e de acordo com o que consta das conclusões (que é ligeiramente distinto dos factos impugnados nas motivações de recurso) -, os factos provados em 42 a 46, 48 a 50, 86 e 89 a 93 (relativos ao estado de degradação do telhado do prédio dos AA.) e não provados em 18, 25, 27, 28, 33, 36, 48, 58 e 65 (genericamente relativos à intervenção da Ré e a matéria ocorrida após os factos que interessam ao objeto da ação).
Sabemos que os prédios são contíguos, situando-se o dos AA. (n.º ...8 e ...8-A), a nascente do prédio da Ré (n.º ...90 e ...92)[7], tendo tido telhados ao mesmo nível, e continuando a ter agora mas apenas já na confrontação com a Rua ....
Sendo assim, vejamos os primeiros factos impugnados.
Ponto 42 – este ponto de facto reproduz, em parte, o que já consta do ponto 35, quanto à substituição da caleira anterior (que recolhia as águas dos dois imóveis), localizada entre os dois prédios, mas a verdade é que o teor deste ponto é equívoco pois que o corte e substituição das telhas, na zona desta caleira, teve um histórico concreto que ali se não expôs.
Com efeito, as testemunhas indicadas pela Ré, sobretudo quem lá trabalhou, o encarregado da obra, KK, e o Eng. Civil, sócio-gerente da chamada B..., disseram que o capoto em nada interferiu com as telhas dos AA. Porém, disseram, depois, ter ido lá cortar um pouco do capoto (que recobre a parede do piso a mais que ergueram nas traseiras), assim subindo esta cobertura, o que fizeram a pedido dos AA. e já depois de ter caído o pladur do teto destes. O que sucedeu, segundo a Engª. Civil, II, funcionária da B... e elemento da direção da obra, é que, a pedido do cliente, posteriormente à obra, fizeram um corte das telhas dos AA. nessa parte, o que coincide com o depoimento da testemunha DD, anterior caseiro dos AA e sócio-gerente de uma empresa de construção civil que, a pedido dos AA., foi indo ao local aquando das obras efetuadas pela Ré, como até foi confirmado pelas testemunhas indicadas por esta. A testemunha DD, que chegou a habitar um dos pisos do prédio dos AA., era quem, a pedido destes, ia procedendo às reparações necessárias, mesmo no telhado, antes das obras efetuadas pela Ré, tendo sido quem aconselhou o corte das telhas no confronto com o capoto aplicado pela Ré, de modo a puxá-las para trás e evitar a entrada de água, tendo “calçado” a última fiada de telhas, nesse confronto, para que ficassem com mais inclinação e a água pudesse fluir para a caleira (o que, segundo afirmou, não estava sucedendo, como veremos infra), referindo ter a Ré deixado telhas do telhado dos AA. com inclinação contrária, como também afirmou EE, engenheiro e autor do relatório junto com a pi como doc. 3[8], que fez vistoria ao local em 6.3.2019.
Como veremos mais adiante, as telhas foram cortadas pela Ré, em 2018, após as inundações de outono e inverno de 2017, o que, como afirmou o próprio perito nomeado pelo tribunal, salvaguardou o descarregamento natural das águas para a caleira e sendo que as fiadas de telhas do prédio dos AA. continuam praticamente coladas à parede nova erigida pela Ré. Se assim foi, e se a testemunha DD, tendo sido chamada pela A. logo após a primeira inundação, subiu ao telhado e verificou que “a caleira transbordava água para dentro do prédio dos AA.”, o que, na sua ótica, ficou a dever-se a três fatores: - havia sobras de capoto (esferovite) que tapavam parcialmente a caleira; - as telhas do telhado dos AA. estavam completamente encostadas à obra efetuada pela Ré e a água não entrava dentro da caleira recuando; - a última fiada de telhas do telhado dos AA., em vez de ter inclinação para baixo, inclinava-se ao contrário e a água recuava e se, além disso, como referiu várias vezes o perito (em audiência, no relatório que apresentou a 17.6.2022 e esclarecimentos escritos subsequentes), as humidades mais graves ocorreram junto à empena entre os prédios de AA. (quando a PSP se deslocou a casa dos AA. foi também consignado não existir escoamento de águas entre os dois edifícios – ponto de facto 10), o teor do ponto 42 haverá de ser alterado.
Que a Ré, através da chamada E..., interveio no prédio dos AA., no sentido sugerido pela testemunha DD, acha-se provado em 72 a 76, tendo o perito nomeado pelo tribunal, nos esclarecimentos datados de 15.7.2022, respondido ao ponto i (p. 5/9) que as telhas cortadas e substituídas pela Ré salvaguardaram o descarregamento natural das águas para a caleira, o mesmo acrescentando na resposta ao ponto 15, a fls. 4/12 dos esclarecimentos datados de 5.8.2022.
Sendo assim, o ponto 42 passa a ter o seguinte conteúdo:
42 – A pedido dos AA. e do seu caseiro, DD, após os factos referidos em 8 e 17, a Ré procedeu ao corte do capoto, conforme mencionado em 56, que ficou mais alto relativamente ao telhado do prédio dos AA., tendo cortado algumas telhas que se encontravam a pender no sentido contrário à caleira, e substituído outras no telhado do prédio dos AA., o que salvaguardou o descarregamento natural das águas para a caleira nova e sendo que as fiadas de telhas do prédio dos AA. estão praticamente coladas à parede nova que foi levantada pela construção do andar recuado, ficando a mesma a escassos centímetros do limite das telhas do prédio dos AA.
Os pontos seguintes, de 43 a 46, especialmente este último, referem-se ao estado de degradação do telhado do prédio dos AA., atribuindo-lhe deficiências ao nível do escoamento, as quais teriam levado aos acontecimentos mencionados em 8 e 17, isentando assim a Ré da responsabilidade que lhe é assacada pelos demandantes.
Afigura-se-nos que o ponto 44 se apresenta mesmo como redundante, face ao que consta dos pontos 37 a 40, mas acrescentou a A., em depoimento de parte, ter visto os trabalhadores da obra vizinha a “passearem-se” no seu telhado (sem a sua autorização prévia), pedindo-lhes aquela para terem cuidado com as telhas, sendo certo que no ponto 39 já se consignou ter sido utilizado o telhado dos AA. durante a impermeabilização da empena lateral. Esta utilização do telhado dos AA. pelos trabalhadores da obra do lado também foi admitida pelo perito e, apesar de os não ter visto, pela testemunha DD que o deduziu do facto de não terem sido construídos andaimes o que tornaria impossível a concretização daquela obra sem pisar o telhado dos AA.
Em todo o caso, as testemunhas indicadas pela Ré reconheceram que ali andaram, pelo menos durante dois dias, para execução do capoto, pelo que não daremos como provado, neste aspeto, senão o que consta em 39.
Sendo assim, em retas contas, e dada a equidistância e caráter técnico da avaliação junta a 14.10.2020, pela chamada Ani, os pontos 43, 48 a 50 passam a ter uma redação coincidente com o que consta desse relatório subscrito pelo arquiteto LL, que o confirmou de forma isenta em audiência, e que tem a vantagem de corresponder a uma visita ao local mais próxima dos acontecimentos em concatenação com o relatório elaborado pelo perito nomeado pelo tribunal e com os diversos aditamentos que foram sendo juntos, donde se recolhe o seguinte:
43, 45 e 48 a 50 – Em outubro de 2020 (data do relatório junto a 14.10.2020), o telhado do prédio dos AA. apresentava evidências de falta de manutenção e limpeza, bem como telhas deslocadas, quer no plano horizontal, como na vertical, apresentando claras zonas propícias à perda de estanquicidade do sistema de cobertura em telha. Este facto evidencia falta de manutenção, que possivelmente não era realizada nos últimos anos. O telhado apresentava, ainda, inclusão de chapas a funcionar como “remendos”, claramente deterioradas, que sugerem serem bastante anteriores às obras realizadas no prédio vizinho e que não garantem a perfeita estanquicidade do sistema de cobertura. O sistema de cobertura apresentava deformações claras, possivelmente por fluências dos materiais que compõem a sua estrutura de suporte, facto que implicava clara perda de estanquicidade da cobertura. Todas as anomalias identificadas evidenciavam falta de manutenção do telhado por muitos anos, anomalias que promoviam a clara perda de eficiência do sistema de cobertura, fazendo crer que o último piso deste prédio já teria eventuais infiltrações antes do início de quaisquer trabalhos no prédio confinante, pertença da Ré. O telhado apresentava várias deformações as quais se formaram ao longo de muitos anos e décadas, bem antes da data em que obra foi realizada no edifício da Ré e devem-se ao efeito da fluência dos materiais. Este processo deve-se à existência de carga permanente causada pelo próprio peso da estrutura e das telhas (ao longo do tempo), registando-se um aumento lento de deformação. Estas deformações implicavam a existência de locais que não garantiam as pendentes necessárias para o escoamento das águas, assim como implicavam que as telhas saíssem da sua posição natural, causando frequentemente a perda de estanquicidade do telhado. Existiam também diversas telhas levantadas, fora da sua posição natural, o que implicava não só a eventual entrada de água como o aumento do teor de humidade na envolvente da estrutura de suporte do telhado. Verificou-se a existência de pequenos resíduos decorrentes aparentemente da obra, mas que, nessa altura (outubro de 2020), não se mostraram suficientes para provocar infiltrações pela caleira. A cobertura, embora antiga, em estrutura de madeira, está revestida por telha marselhesa que se apresentava aparentemente estável e funcional, tendo naturais deformações, atendendo à idade do prédio (resposta do perito ao ponto j, de fls. 6/9, dos esclarecimentos prestados em relatório de 15.7.2022).
Face à existência desses resíduos e ao que afirmaram as testemunhas DD e EE que puderam ver o telhado, após as obras e, o segundo, mais recentemente (diz ter-se ali deslocado poucas semanas antes da sua inquirição, a 23.11.2023), para evitar contradições com a matéria de facto provada (contradições entre factos provados e não provados que existem já patentes na sentença e que veremos mais adiante), elimina-se o ponto 58 dos factos provados, sendo óbvio que, após a conclusão das obras, a cobertura dos AA. não foi complemente limpa de resíduos, que aí permanecem, e sendo que a referência a “tudo estava a funcionar convenientemente” é, a todos os títulos, conclusiva.
Quanto ao ponto 44, referiu o arquiteto MM que a degradação do telhado do prédio dos AA. é fruto de uma progressão com várias décadas, admitindo que já assim se encontrasse em 2017, ao tempo da execução das obras, o que também foi referido pelas testemunhas indicadas pela Ré, mormente pelo encarregado da obra, KK, embora tanto este como a Eng. II, elemento da direção da obra, tivessem negado terem os trabalhadores andado diretamente sobre o telhado do prédio dos AA. (senão nos dois dias do capoto). O facto está em oposição com o provado em 39, sendo certo que, pelo menos, no revestimento da parede nova com capoto, na zona em que confronta com o prédio dos AA., foi feito o uso do telhado dos AA., quer pelos trabalhadores, quer pelos materiais, sendo visível pelo perito restos destes, anos após a feitura dos trabalhos, sendo maiores os detritos que daí advieram, na época, e depositados no telhado dos AA., como afirmaram as testemunhas DD, que subiu ao telhado e fala de esferovite que tapava a caleira, e a testemunha EE, engenheiro que ali se deslocou em março de 2019 e ainda verificou os mesmos resíduos. Depois, o próprio perito nomeado pelo tribunal o admitiu, a fls. 6/12 do esclarecimento datado de 5.8.2022, em resposta ao ponto 25.
De modo que o ponto 44 passa a ter a seguinte redação:
44 – O estado de degradação da cobertura do prédio dos AA. era já evidente em 2017, aquando das obras levadas a efeito no prédio da Ré, tendo, não obstante, os trabalhadores da obra usado aquele telhado para se deslocarem e colocarem materiais, pelo menos, quando aplicaram o capoto na empena lateral do prédio da Ré, na parte confrontante com o prédio dos AA., como referido em 39.
O ponto 46 encerra, afinal, uma conclusão que não é possível afirmar face à prova produzida nos autos. Trata-se, ao fim e ao cabo, de saber se foram as inclinações do telhado do prédio dos AA. e as demais deficiências já anteriormente apontadas e devidamente descritas supra que terão motivado as inundações mencionadas em 8 e 17 ou se, ao invés, essas ocorrências se devem à intervenção efetuada pela Ré aquando das obras efetuadas no seu prédio.
É uma questão de causalidade que aqui se coloca e se, este momento do percurso, desde o facto ilícito até ao dano e ao estabelecimento da indemnização na responsabilidade civil, não dispensa um início factual, constante da matéria de facto provada, o certo é que o juízo que se faça, após, no sentido da causalidade, é eminentemente jurídico[9].
Assim, tecnicamente, o que temos, da parte do perito NN, mestre em arquitetura, na área do planeamento e patologia urbano, é a ausência de uma resposta naturalística ou factual àquela questão.
Com efeito, quando questionado em que medida o estado anterior do telhado dos AA. poderia ter contribuído para as infiltrações da água no interior, afirmou não poder responder, acrescentando algo que merece reflexão: os vestígios de infiltrações de água e humidade aparecem essencialmente na parede de meação entre os dois prédios e da empena existente entre o prédio da Ré e o prédio dos AA., sob a zona da caleira instalada entre os prédios e na zona adjacente a essa parede (resposta aos pontos k e v, de fls. 6/9 e 8/9, dos esclarecimentos datados de 15.7.2022 e, ainda, resposta ao ponto 33 de fls. 7/12 dos esclarecimentos datados de 5.8.2022).
Em audiência de julgamento, esclareceu que o correto, quando se reabilitam prédios antigos, é fazer uma vistoria aos prédios confinantes para, em caso de problemas, se poder fazer a comparação entre o antes e o depois. Neste caso, isso não foi feito, pelo que afirmou expressamente não poder entrar pela via da presunção de causalidade porque “naturalmente as coisas contribuem”, uma vez mais realçando que a água entrou junto à empena do prédio que foi remodelado, acrescentando que ninguém consegue afirmar que essa entrada foi devida só por causa da obra, pois podiam já existir problemas das caleiras ou das empenas, o que não pôde confirmar. Mais referiu que, apesar de ter mais de cem anos de idade, a casa dos AA. tem condições de habitabilidade, estava limpa, asseada, com as paredes “arranjadinhas” e pintadas, não significando que uma cobertura fragilizada não vede e que as telhas, em geral, não se partem quando se não anda por cima delas.
Sendo assim, entendemos considerar como não provado o facto constante em 46, que passará para o elenco dos não provados.
Nesta primeira parte da impugnação, além de factos não provados, resta apreciar os provados em 86 e 89 a 93 que os recorrentes pretendem ver como não provados.
Quanto à parede em granito e ao respeito pela Ré dos limites impostos por esta, entendemos tratar-se de facto que, tendo em vista o visado pelo recurso – a indemnização pelos danos causados com a entrada de água na habitação - deixou de ter interesse porquanto relevava para pedido que ficou já definitivamente julgado improcedente (o da invasão dos limites da propriedade dos AA.). Em todo o caso, face ao que já acima se mencionou e ficou demonstrado, o ponto 86 passa a ter a seguinte redação:
86 – Existe uma estrutura de granito que pertence a ambas as partes, sendo que a obra executada pela chamada elevou o novo piso recorrendo, pelo menos no que respeita ao revestimento da empena com capoto, ao telhado dos AA. nessa confrontação, tal como resulta provado em 39 e 44.
Mantém-se o ponto 89 porque já resulta, em parte, do ponto 35 e foi mencionado por praticamente todas as testemunhas ouvidas.
Eliminam-se os pontos 90 e 92 face ao que acima já consta provado quanto à degradação do telhado do prédio dos AA. e ao que se explicou quanto à causalidade e aos esclarecimentos periciais acima espelhados, passando estes factos a constar dos não demonstrados.
Mantém-se o ponto 91 (sendo que este, por ter sido suprimido o ponto 90 e para se perceba passará a ter referência ao que ficou provado em 43, 45, 48 a 50 e 93), visto que o relato pericial aponta degradação em todo o telhado, embora, no interior da habitação, a maior concentração de humidades ocorra na confrontação entre os dois imóveis.
No tocante aos factos impugnados não provados em 18, 25, 27, 28, 33, 36, 48, 58 e 65, diremos o seguinte:
O facto 18 está, pelo menos parcialmente, em consonância com o que agora ficou descrito como sendo o conteúdo do ponto 42. Mas, além disso, verifica-se o seguinte:
As telhas foram cortadas pela Ré, em 2018, após as inundações de outono e inverno de 2017, o que, como afirmou o próprio perito, salvaguardou o descarregamento natural das águas para a caleira e sendo que as fiadas de telhas do prédio dos AA. continuam praticamente coladas à parede nova erigida pela Ré. Se assim foi, e a testemunha DD, tendo sido chamada pela A. logo após a primeira inundação, subiu ao telhado e verificou que “a caleira transbordava água para dentro do prédio dos AA.”, o que, na sua ótica, ficou a dever-se a três fatores: - havia sobras de capoto (esferovite) que tapavam parcialmente a caleira; - as telhas do telhado dos AA. estavam completamente encostadas à obra efetuada pela Ré e a água não entrava dentro da caleira recuando; - a última fiada de telhas do telhado dos AA., em vez de estar a cair para baixo, caía ao contrário e a água recuava e, se, além disso, como referiu várias vezes o perito, as humidades mais graves ocorrem junto à empena entre os prédios de AA. e Ré, acrescenta-se aos factos provados o ponto 103, com o seguinte teor (consequentemente se eliminando os pontos 31 e 49 dos factos não provados):
103 – Após a intervenção efetuada pela Ré e mencionada em 42, as fiadas de telhas do prédio dos AA. encontram-se praticamente coladas à parede nova que foi levantada pela construção do andar recuado no prédio da Ré, tendo aquela fiada de telhas passado a apresentar, em certos pontos, uma inclinação diversa ao descarregamento natural das águas o que contribuiu para que a água entrasse no interior do prédio dos AA., ao invés de fluir para a caleira, situação que concorreu para as humidades que existem na casa dos AA. e que são visíveis, maioritariamente, junto à empena entre os prédios.
Estando demonstrado este facto e a fim de evitar contradições (que já existem na sentença e que adiante veremos), eliminamos o ponto 54 dos factos provados e 18 dos factos não provados, sendo que os factos não provados em 19 se eliminam de igual modo, porquanto se demonstrou que, com a entrada de água na casa dos AA., passaram a existir riscos elétricos – como se refere na participação da PSP – de tal modo que equipamentos eletrónicos se terão danificado.
Eliminando-se os pontos 18 e 19 (este parcialmente) não provados, acrescenta-se um facto provado 103A, com o seguinte conteúdo:
103A – Por efeito da entrada de águas no interior da habitação dos AA., passaram a existir riscos na instalação elétrica.
O que consta do ponto 25 dos factos não provados e que os AA. pretendem ver como provado ficou, no que aqui interessa, já constando dos factos supra descritos e pelo modo como ficou apurado, pelo que se elimina o ponto 25 não provado.
Quanto ao ponto 27, constam aí também factos que já acima ficaram documentados, não tendo resultado dos factos provados que, antes das obras encetadas pela Ré, não existissem telhas partidas ou fissuradas no telhado da casa dos AA., até porque nenhum levantamento do estado do telhado ou do prédio dos AA. foi efetuado pela Ré exatamente para acautelar a eventual futura responsabilidade por possíveis danos.
Pelo que este ponto 27, não provado, passa a ter apenas a seguinte redação:
- Antes das obras efetuadas pela Ré não existiam telhas partidas ou fissuradas na cobertura da casa dos AA.
Não se dá como provado que o que consta do ponto 28 não provado, asserção que sequer deveria constar do elenco factual, por encerrar matéria conclusiva.
No tocante ao ponto 29, o mesmo acha-se em desconformidade com a descrição efetuada pelo perito, que alude à presença de detritos das obras, como supra descrito, embora não resulte que, na altura mencionada em 29 (8.3.2019), esses resíduos impedissem o adequado escoamento das águas das chuvas que assim e por isso entrassem em casa dos AA.
Deste modo, o ponto 29 não provado passa a ter a seguinte redação:
29 – A presença de lixos provenientes das obras, que atualmente ainda se mantém no telhado dos AA., impeçam atualmente o escoamento das águas das chuvas, causando a sua entrada no prédio dos AA.
O teor do ponto 33 dos factos não provados não está indemonstrado na sua plenitude.
Como já mencionámos, depois das obras e posteriormente à inundação de outubro de 2017, a testemunha DD, cujo depoimento se afigura crível e sem manifestar interesse numa solução injusta do pleito, subiu ao telhado dos AA. e, entre os três fatores que lhe pareceram potenciar a entrada de água na casa dos AA. daquela forma mais intensa do que a habitual (pois que existiam já humidades na casa, como parece certo e resulta do relatório junto pela chamada) – recordando-se que a testemunha não é leiga em matéria de obras, sendo sócio-gerente de uma empresa de construção civil – assinalou exatamente a existência de restos de capoto (esferovite) que tapavam a caleira e impediam que escoasse.
Deste modo, mantendo-se o teor do ponto 33 não provado até “pertence aos Autores)”, adita-se à matéria de facto provado o ponto 104, com o seguinte conteúdo:
104 – Após as obras efetuadas pela Ré, foram deixados, no telhado da casa dos AA., detritos de poliuretano (ou esferovite), provenientes do capoto usado para recobrir a parede do andar que a Ré efetuou acima da construção anteriormente existente, na parte em que confronta com os AA., o que contribuiu para a falta de escoamento da caleira, antes do acontecimento mencionado em 8.
O ponto 36 dos factos não provados inclui matéria que, do ponto de vista da causalidade naturalística, transfere exclusivamente para a Ré a responsabilidade pelas inundações de outubro e dezembro de 2017, tal como fazia o ponto 46 dos factos provados em primeira instância, mas em ordem a desresponsabilizar a demandada. Porém, face ao que ficou provado em 43, 45 e 48 a 50, o que sucede, na verdade, é a preexistência de uma deterioração generalizada do telhado da casa dos AA., não tendo sequer o perito chegado a concluir que as inundações do outono e inverno desse ano se devessem a um ou outro dos fatores: pré-existência de um telhado deteriorado ou atuação da Ré. Mas, mais do que isso, também ocorre – e o perito não o descarta - uma atuação da Ré, por via da sua empreiteira, que terá contribuído para o agravar do que já era uma má situação.
Vimo-lo no ponto 104, agora dado como provado, tendo ainda mencionado já que as telhas do telhado dos AA. tiveram que ser cortadas, após as inundações, para que aumentasse a eficácia de descarregamento da água para a caleira, o que foi demonstrado pela perícia.
Deste modo, será da conjunção desses factos que se apreciará a causalidade naturalística (e, depois, jurídica), sendo de eliminar, dos factos provados e não provados o que consta do ponto 36 não provado.
Os pontos 48 e 58 dos factos não provados afiguram-se-nos irrelevantes quanto ao objeto da ação (com exceção da inundação de dezembro de 2017 que já está dada como provada), mas neste tocante – contacto da mandatária dos AA. com a Ré – encontram-se junto com a pi cartas, uma datada de 16.1.2018[10] (e respetivo registo postal e aviso de receção – docs. 29, 29-A e 29-B) e outra de 16.2.2018[11] (docs. 31, 31-A e 31-B), por via da qual uma advogada se dirige à Ré, aludindo, entre o mais, às inundações e pedindo a solução dos problemas (a Ré aceita este factos no art. 100.º da contestação), mas não há registo de outras comunicações que não aquelas que estão demonstradas.
Sendo assim, elimina-se o ponto 48 dos factos não provados.
Mantém-se como não provado o facto constante do ponto 65 porquanto os docs. juntos com a pi, docs. 45 a 47, com datas muitos posteriores às inundações, não são suficientes para relacionar os serviços que aí se mencionam (assistência técnica ao vosso equipamento, o segundo impercetível e o terceiro relativo a serviços jurídicos) com quaisquer deficiências de equipamentos informáticos decorrentes dos factos de outubro e dezembro de 2017.
O segundo conjunto de factos impugnados pelos recorrentes respeitam aos pontos 37 a 39 e 85 dos factos provados que pretende se deem como não provados.
Os pontos 37 e 38 estão já acima mencionados em 44, com a prova que aí se indica, pelo que se eliminam, por desnecessidade, mantendo-se o ponto 39, por inexistir prova de que o uso do telhado dos AA. tenha ocorrido noutras circunstâncias, mas altera-se a sua redação (incluindo, ao invés de “a única exceção” por “pelo menos” e retirando “com especiais cautelas de segurança e materiais de suporte apropriados” por se não verem a que cautelas se trata e a que materiais de suporte, sendo certo que andaimes não foram vistos no local). Embora se admita que assim possa ter sido, ou seja, tenha sido usado o telhado pelos trabalhadores noutras situações de obra (como referiram as testemunhas DD e o próprio perito), os demais testemunhos, mormente da parte da Ré, não permitem essa afirmação positiva. Por essa razão, dá-se como não provado o que consta em 85 dos factos provados.
Finalmente, a impugnação respeita ao que de contraditório se verifica entre os factos provados e não provados.
O que consta do ponto 1 dos factos não provados, pelo menos parcialmente, é contraditório com o que consta do ponto 4 dos factos provados, pois que os telhados são confinantes e estavam à mesma cota, tanto à frente, como atrás, embora não se saiba se a existência de telhados ao mesmo nível ocorre já há cerca de um século, pelo que o ponto 1 dos factos não provados passa a ter a seguinte redação:
1 – Não provado que o referido em 4 ocorresse há mais de um século.
Quanto ao ponto 3 não provado, a verdade é que existia um calão entre os dois prédios, como mencionado em 36 dos factos provados, o qual recebia as águas das duas pendentes. Estes factos dados como provados são suficientes no que respeita à existência de um calão e sua utilidade, pelo que se elimina o facto não provado constante em 3.
No ponto 4, é certo que o que consta aí até “piso aumentado” conflitua com o provado em 5, 6, 35 e 36, onde se refere a caleira nova que recebe a água da nova cobertura, e 53, onde está descrita essa caleira, pelo que o ponto 4 passará a ter a seguinte redação:
4- Não provado que da caleira nova referida em 35 e 53 provenha um tubo de queda que caia no prédio dos AA., a nascente.
Porque nos parece que, na redação atual, o ponto 75 dos factos provados, no que toca à localização da caleira a que aí se alude, poderá levar a confusão sobre a localização desta, este ponto de facto passa a ter a seguinte redação:
75. Não obstante ter sido explicado pelos técnicos da E... que a obra não tinha qualquer defeito ou outro problema de construção, estes aceitaram proceder a ligeiros ajustamentos - nomeadamente no capoto - de molde a melhorar o escoamento das águas, na nova caleira referida em segundo lugar do facto provado 35, tendo sido nessa ocasião acordado entre os técnicos de ambos os lados quais exatamente os trabalhos que seriam executados pela E....
O facto não provado 42. tem um conteúdo incompreensível quando desgarrado do teor do ponto 16 provado e do ponto 41 provado, como resulta dos arts. 51.º e 52.º da pi de onde foram extraídos.
Por tal motivo, o ponto 42. não provado passa a ter a seguinte redação.
42. Nos docs. referidos em 16 dos factos provados não constam terem sido apresentados os dois prédios vizinhos em planta, no que concerne a cortes e alçados.
O ponto 57, mencionando que, com as chuvas de dezembro de 2017, não aumentaram as humidades no prédio dos AA. contraria a afirmação que consta em 17, onde se diz que, em dezembro desse ano voltou a ocorrer outra entrada de água no prédio dos AA., de modo que se elimina o ponto 57 dos factos não provados.
No tocante ao ponto 87 dos factos dados como provados, a respetiva redação é equívoca, pois sendo o muro meeiro, o que se pretende ali referir é que o antigo calão ocupava esse espaço. O teor deste ponto não corresponde nem ao alegado pelos AA. nos arts. 6.º, 16.º, 23.º, 58.º e 98.º da pi e nem ao 20.º da contestação da Ré e, além disso, referir-se-ia ao tema da invasão do prédio dos AA. pelas obras efetuadas pela Ré, tema esse que já ficou decidido, sem recurso.
Não se vendo a que prova se reporta este ponto 87, dado o seu sentido equívoco e a sua irrelevância para a decisão sobre o objeto do recurso, decide-se eliminar tal ponto de facto.
1. O prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...1/20110530, com o n.º de matriz ...69, da freguesia ..., situado na rua ..., que é composto por casa de 3 pavimentos, encontra-se registado a favor da Autora e de BB[12], casados entre si, pela ap. ...7 de 1992/3/17.
2. A Ré é dona e legítima possuidora do prédio urbano descrito sob o n.º ...9/20091110 na Conservatória do Registo Predial do Porto, com o n.º de matriz ...71, da freguesia ..., situado na rua ..., que era composto por casa de rés do chão, 2 andares e logradouro e cuja aquisição da propriedade se encontra inscrita a favor dela pela ap. ...42 de 2015/4/24.
3. A Ré tem por objeto comercial o exercício de atividades imobiliárias, designadamente compra e venda, arrendamento ou qualquer outro meio de exploração ou rentabilização de imóveis, incluindo o alojamento local, tendo, à data dos factos, a gerência atribuída a FF, com domicílio profissional na avenida ..., ..., ..., Porto.
4. Quando a Ré fez obras no seu identificado prédio, no ano de 2017, os suprarreferidos e confinantes prédios tinham os telhados ao mesmo nível.
5. Com a execução das obras efetuadas, o prédio da Ré subiu um piso na zona das traseiras.
6. A Ré procedeu a obras de reabilitação e de construção, tendo o seu prédio sido completamente intervencionado e, por último, ampliado, designadamente mediante a construção do novo andar recuado na zona das traseiras do mesmo, a poente do prédio que pertence aos AA., descrito no ponto 1) dos factos provados, elevando-o acima do nível dos anteriores telhados ou cota.
7. A estrutura de apoio das telhas do prédio dos Autores é feita em madeira.
8. Por volta das 0h30 do dia 18/10/2017, ruiu grande parte do teto de “pladur” da sala de jantar e de estar, no último piso do prédio dos Autores, tendo essa divisão ficado completamente inundada da água que caiu com partes do referido teto e que abateu, expandindo-se essa água para o piso inferior através da parede do prédio confinante com o prédio da Ré.
9. Por causa dessa inundação, o mobiliário ficou molhado, designadamente uma estante, uma mesa, cadeiras e uma aparelhagem de som e as respetivas colunas, que levou dias a secar, e um computador e uma impressora ficaram estragados.
10. O descrito nos pontos 8) e 9) dos factos provados foi constatado pelas autoridades que, pela 1 hora da manhã desse dia, se deslocaram ao local, designadamente a Polícia de Segurança Pública e elementos do Batalhão de Sapadores dos Bombeiros do Porto, cujo subchefe verificou “que não existe o conveniente escoamento das águas pluviais entre os dois edifícios e que em alguns locais as telhas do edifício do lesado estão junto da parede do andar que foi aumentado do outro edifício”, conforme documento n.º 16 que acompanha a petição inicial, que se dá aqui por reproduzido.
11. Consta ainda desse documento que “após uma verificação às condições de segurança do compartimento onde ocorreu a queda, foi indicado ao participante que não podia circular naquela zona, ficando a luz desligada no quadro”.
12. Para obtenção de cópia da participação escrita (documento a que se refere o ponto 10) dos factos provados), os Autores despenderam a quantia de € 4,21.
13. Além do susto que a Autora e o falecido marido sofreram naquele dia, este último, ao tentar limpar/eliminar a água, escorregou e caiu no chão, o que lhe provocou dores na grade costal direita, tendo recorrido aos Serviços de Urgência do Centro Hospitalar do Porto, na manhã desse mesmo dia 18/10/2017, e devido à dor na coxa direita que, entretanto, se instalou, voltou aos mesmos serviços de urgência no dia 28/10/2017, no que despendeu €19,00.
14. BB nasceu em ../../1925.
15. Foi solicitada ao Conselho de Administração da Porto Vivo, S.R.U., a emissão de cópia do projeto de arquitetura e a consulta ao processo ...61/17/SRU, relativo ao pedido de alteração da licença do prédio requerida pela Ré para realizar as obras.
16. O alvará de construção tinha o n.º 07/17 e os projetos que instruíam esse procedimento camarário tinham a data de julho de 2017.
17. Em dezembro de 2017, voltou a ocorrer outra entrada de água no prédio descrito no ponto 1) dos factos provados.
18. Foi enviada pela Mandatária dos Autores uma carta à Ré, datada de 16/1/2018, conforme documento n.º 29 apresentado com a petição inicial, que se dá aqui por reproduzido.
19. A Ré respondeu por carta datada de 1/2/2018, onde se pode ler, entre o mais que “a referida empresa procedeu, a nossas exclusivas expensas, à substituição da caleira de meação – que, como V. Exa. sabe, pertence em comum, a ambos – e que está hoje nova, sem que os clientes de V. Exa. tenham despendido qualquer quantia, o mesmo acontecendo aliás com os remates entre os telhados”, conforme documento n.º 30 apresentado com a petição inicial, que se dá aqui por reproduzido.
20. A carta a que se refere o ponto 19) foi respondida em 16/2/2018, conforme documento n.º 31 apresentado com a petição inicial, que se dá aqui por reproduzido.
21. A Autora continua a viver na sua residência, sujeitando-se a apanhar uma pneumonia, a que acresce o perigo de incêndio, com risco para a sua vida, vivendo em constante sobressalto e receando a ocorrência de deflagração, dado que os pontos de luz ficaram molhados com a água, que neles continua a infiltrar-se, vinda do telhado.
22. A Autora encontra-se num impasse, intranquila, nervosa e triste, dormindo desassossegada e vivendo em estado de alerta e ansiedade permanentes.
23. No dia 15/6/2018, ocorreu uma deslocação ao local por parte do gerente da Ré, com GG e DD, sendo este último quem habitualmente fazia a manutenção do prédio dos Autores.
24. No dia 7/11/2018, realizou-se uma reunião entre a Mandatária dos Autores, GG e o gerente da Ré.
25. A Autora e o seu falecido marido passaram o Natal nervosos, desconfortáveis com a humidade, rodeados de bacias e recipientes para aparar a água que caía na sua habitação, transtornados e já agastados com o arrastar da situação, tendo ficado doentes, acamados com gripe.
26. A Autora e o seu falecido marido acordaram pelas 4 horas da madrugada por sentirem o colchão da sua cama molhado e depararam-se com o quarto onde dormiam com água, quarto esse que se situa no piso por baixo da já referida sala de jantar, donde vinha escorrendo água que passou dum piso para o outro, agravando-se as humidades que já se vinham alastrando às divisões interiores contíguas.
27. A Autora e o seu falecido marido enviaram à Ré uma carta, datada de 18/2/2019, conforme documento n.º 44 da petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
28. A Autora e o seu falecido marido liquidaram à Mandatária a quantia de € 1.230, 00.
29. As reparações do interior da habitação da Autora e algumas das correções nas caleiras e telhas foram estimadas, em novembro de 2018 e janeiro de 2019, em € 8.487, 00.
30. O prédio da Ré é contíguo a nascente e encontra-se unido ao prédio com os números de polícia ...8 e ...8-A através de um muro de suporte comum, de construção em granito, com cerca de 30 centímetros de espessura.
31. A construção na zona recuada foi elevada até à cota definida e somente sobre a metade do muro meeiro pertencente ao prédio da Ré.
32. O reboco aplicado, que é um revestimento de carácter provisório e destinado a tratar termicamente as divisões que confinam com as novas paredes, será facilmente removível se e quando os Autores – ou um comprador que, entretanto, surja, uma vez que o prédio dos Autores chegou a estar à venda - pretenderem elevar o seu prédio, e encostar a sua nova parede elevada à parede do novo piso do prédio da Ré.
33. Os Autores colocaram umas telas para fazer de cobertura nuns anexos construídos no seu logradouro, assim ocupando metade da parede meeira pertença da Ré.
34. Com a execução da obra de reabilitação levada a cabo pela Ré, o seu prédio subiu um piso, em respeito pelo projeto de arquitetura aprovado pela Câmara Municipal do Porto.
35. A Ré colocou duas caleiras novas: uma, a uma cota superior, no perímetro da nova cobertura em telha do prédio da Ré, e que capta a água desta nova cobertura, encaminhando-a para a rede pluvial; e uma outra, à cota inferior do telhado do prédio confinante, onde se encontrava a antiga caleira comum, que recolhia as águas das pendentes dos telhados de ambos os prédios e que recolhe as águas pendentes apenas do prédio dos Autores.
36. Ao deixar de existir a situação anterior de um telhado comum aos dois prédios, à mesma cota e com pendentes a convergir para o calão comum, este deixou de ter utilidade e foi removido, além de que estava muito degradado e em péssimo estado de conservação, tendo sido substituído por uma caleira que serve apenas o prédio dos Autores e que apenas este beneficia, às custas da Ré.
37. e 38. eliminados
39. Pelo menos, no trabalho de impermeabilização da empena lateral do prédio da Ré, os trabalhadores da obra andaram sobre o telhado dos AA., pelo menos durante dois dias.
40. A secção em forma retangular da nova caleira construída pela Ré não tem qualquer impacto nesse aspeto, sendo até de dimensões mais generosas que as caleiras tradicionais em meia-cana e, portanto, mais eficiente do que estas.
41. Do lado nascente do prédio dos Autores nem sequer existe caleira, não obstante a cota do prédio contíguo ser também mais elevada do que a dos Autores.
42. A pedido dos AA. e do seu caseiro, DD, após os factos referidos em 8 e 17, a Ré procedeu ao corte do capoto, conforme mencionado em 56, que ficou mais alto relativamente ao telhado do prédio dos AA., tendo cortado algumas telhas que se encontravam a pender no sentido contrário à caleira, e substituído outras no telhado do prédio dos AA., o que salvaguardou o descarregamento natural das águas para a caleira e sendo que as fiadas de telhas do prédio dos AA. estão praticamente coladas à parede nova que foi levantada pela construção do andar recuado, ficando a mesma a escassos centímetros do limite das telhas do prédio dos AA.
43, 45 e 48 a 50 – Em outubro de 2020 (data do relatório junto a 14.10.2020), o telhado do prédio dos AA. apresentava evidências de falta de manutenção e limpeza, bem como telhas deslocadas, quer no plano horizontal, como na vertical, apresentando claras zonas propícias à perda de estanquicidade do sistema de cobertura em telha. Este facto evidencia falta de manutenção, que possivelmente não era realizada nos últimos anos. O telhado apresentava, ainda, inclusão de chapas a funcionar como “remendos”, claramente deterioradas, que sugerem serem bastante anteriores às obras realizadas no prédio vizinho e que não garantem a perfeita estanquicidade do sistema de cobertura. O sistema de cobertura apresentava deformações claras, possivelmente por fluências dos materiais que compõem a sua estrutura de suporte, facto que implicava clara perda de estanquicidade da cobertura. Todas as anomalias identificadas evidenciavam falta de manutenção do telhado por muitos anos, anomalias que promoviam a clara perda de eficiência do sistema de cobertura, fazendo crer que o último piso deste prédio já teria eventuais infiltrações antes do início de quaisquer trabalhos no prédio confinante, pertença da Ré. O telhado apresentava várias deformações as quais se formaram ao longo de muitos anos e décadas, bem antes da data em que obra foi realizada no edifício da Ré e devem-se ao efeito da fluência dos materiais. Este processo deve-se à existência de carga permanente causada pelo próprio peso da estrutura e das telhas (ao longo do tempo), registando-se um aumento lento de deformação. Estas deformações implicavam a existência de locais que não garantiam as pendentes necessárias para o escoamento das águas, assim como implicavam que as telhas saíssem da sua posição natural, causando frequentemente a perda de estanquicidade do telhado. Existiam também diversas telhas levantadas, fora da sua posição natural, o que implicava não só a eventual entrada de água como o aumento do teor de humidade na envolvente da estrutura de suporte do telhado. Verificou-se a existência de pequenos resíduos decorrentes aparentemente da obra, mas que, nessa altura (outubro de 2020), não se mostraram suficientes para provocar infiltrações pela caleira. A cobertura, embora antiga, em estrutura de madeira, está revestida por telha marselhesa que se apresentava aparentemente estável e funcional, tendo naturais deformações, atendendo à idade do prédio.
44. O estado de degradação da cobertura do prédio dos AA. era já evidente em 2017, aquando das obras levadas a efeito no prédio da Ré, tendo, não obstante, os trabalhadores da obra usado aquele telhado para se deslocarem e colocarem materiais, pelo menos, quando aplicaram o capoto na empena lateral do prédio da Ré, na parte confrontante com o prédio dos AA., como referido em 39.
46. eliminado
47. A inclinação mínima dos telhados, recomendada pelas principais marcas de telhas, é de 17%.
51. Não existe qualquer tubo de queda a encaminhar águas do prédio da Ré para o dos Autores.
52. O tubo de queda criado apenas conduz a água da cobertura dos Autores, e não da da Ré.
53. E a nova caleira colocada à cota superior, ao nível do novo piso construído, conduz as águas para um tubo de queda existente no alçado das traseiras e dentro dos limites do terreno da Ré.
54. eliminado
55. Os trabalhadores da E... substituíram algumas telhas degradadas e reposicionaram outras, de forma a que as mesmas cumpram adequadamente a sua função.
56. O revestimento em capoto foi corretamente executado e colocado e não apresenta qualquer pingadeira, até porque a parte inferior foi cortada em chanfro precisamente para aumentar a secção aberta da caleira, apresentando o capoto, em toda a extensão da empena, uma espessura total de cerca de 5 centímetros, sendo o mesmo removível.
57. As cumeeiras estão também devidamente executadas e colocadas, sendo que o remate de proteção adotado no prédio dos Autores é exatamente igual ao da Ré, o que constitui uma solução técnica normal e com totais garantias de eficiência.
58. (eliminado)
59. O pedido de licenciamento da obra de reabilitação realizada pela Ré no prédio a que se vem aludindo foi apresentado à “Porto Vivo” em 2016.
60. Daí resultou o Alvará de Licenciamento de Obras de Alteração e Ampliação nº 07/17/SRU, emitido pela Porto Vivo SRU em 25/1/2017, ou seja, antes do início das obras, que ocorreu em fevereiro de 2017.
61. Em face de pequenas alterações pontuais, de ordem arquitetónica, como por exemplo a localização de uma cozinha numa das frações projetadas ou de uma parede confinante com outro dos prédios vizinhos (que não o dos Autores), foi necessário submeter um aditamento ao projeto de arquitetura.
62. Que veio a dar origem ao Alvará de Licenciamento de Obras de Alteração e Ampliação n.º 55/18/SRU, emitido pela Porto Vivo SRU em 15/6/2018.
63. A Ré não abriu quaisquer janelas a deitar para o prédio dos AA.
64. As únicas janelas que foram abertas no prédio da Ré foram colocadas no alçado traseiro do referido prédio para onde estão viradas.
65. O prédio dos Autores encontra-se numa posição lateral e não de frente para as ditas janelas.
66. Entre a Ré e a B..., Lda., com o número de pessoa coletiva ...57, com sede na praceta ..., sala ..., ... ..., empresa que usa comercialmente o nome E..., foi, em 13/2/2017, celebrado um contrato de empreitada, através do qual esta se comprometeu a reabilitar o prédio da Ré, situado na rua ..., Porto.
67. A obra de reabilitação urbana realizada pela E..., com base num contrato de empreitada celebrado entre esta empresa e a Ré, enquanto dona da obra, incluiu o projeto de arquitetura da autoria do Arquiteto HH, bem como dos projetos de especialidades submetidos à apreciação e decisão da Porto Vivo SRU, Sociedade de Reabilitação Urbana, incluindo, para o que aqui interessa, o projeto de Hidráulica.
68. Em 28/9/2018, foi emitido o competente Alvará de Utilização.
69. A Ré diligenciou junto da E... no sentido de esta aceitar fazer pequenos trabalhos no telhado dos Autores que eventualmente minorassem os problemas que estas diziam estar a sofrer, o que a E... aceitou fazer, de boa-fé e sem cobrar por isso qualquer valor aos Autores.
70. A E... levou a cabo trabalhos, expressamente combinados dias antes em reunião havida no prédio dos Autores, e que contou com a presença de técnicos de ambas as partes e das próprias partes.
71. Após combinação prévia com os Autores e com a sua Mandatária, a Ré e a E... deslocaram-se ao prédio da Ré para perceber no local qual era exatamente o motivo da reclamação dos Autores e, concretamente, o que era que estes imputavam à E..., como tendo sido deficientemente executado.
72. Em junho de 2018, realizou-se uma reunião no prédio dos Autores, na qual estiveram presentes ambos os Autores, o Arq. GG e o Sr. DD, como técnicos por si escolhidos, a Ré, representada pelo seu Gerente FF, e ainda a Engª. II e o Sr. JJ, ambos funcionários da E..., que acompanharam a obra desde o seu início.
73. Com exceção dos Autores e do Arq. GG, todos os restantes participantes na reunião, incluindo o gerente da Ré, subiram ao telhado dos Autores, para melhor verem quais eram, em concreto, as queixas dos Autores.
74. Conforme foi ali relatado pelo Sr. DD, o problema estaria, em sua opinião, no escoamento da água pela nova caleira situada no telhado dos Autores e à cota.
75. Não obstante ter sido explicado pelos técnicos da E... que a obra não tinha qualquer defeito ou outro problema de construção, estes aceitaram proceder a ligeiros ajustamentos - nomeadamente no capoto - de molde a melhorar o escoamento das águas, na nova caleira referida em segundo lugar do facto provado 35, tendo sido nessa ocasião acordado entre os técnicos de ambos os lados quais exatamente os trabalhos que seriam executados pela E....
76. O que a E... fez no telhado dos Autores.
77. Quando o Sr. JJ e a Eng.ª II se deslocaram, posteriormente, ao prédio dos Autores, a Autora AA proibiu a entrada dos referidos técnicos no seu prédio.
78. A Ré forneceu à chamada os projetos de arquitetura e especialidades da obra a realizar, nomeadamente os projetos de estabilidade/estruturas e águas pluviais, entre outros, que foram oportunamente submetidos à apreciação das autoridades camarárias tendo sido emitido o respetivo Alvará de Utilização.
79. A chamada limitou-se a executar a obra em causa nos presentes autos em conformidade e no estrito cumprimento de tais projetos, que lhe foram fornecidos pela Ré, e a mando desta.
80. O dono de obra, ora Ré, nomeou uma empresa de fiscalização, à sua custa, que encarregou de fiscalizar a execução da obra, tendo a mesma concordado expressamente com a obra executada.
81. A chamada nunca executou qualquer trabalho na aludida obra que não tivesse tido o conhecimento e a autorização do dono de obra, dos projetistas e da empresa responsável pela fiscalização da obra, nem nunca qualquer destas entidades reportou à chamada que a referida obra estaria a ser executada incorretamente ou que alguém estaria, em desacordo com o que estava a ser executado pela mesma.
82. A obra de remodelação do prédio da Ré foi executada, exclusivamente, sobre a metade do muro de meação propriedade da mesma, sem que tenha sido ocupada ou invadida a propriedade dos Autores.
83. A chamada construiu o novo piso do prédio da Ré, no local que consta dos projetos de arquitetura e especialidades, em conformidade e no estrito cumprimento de tais projetos, que lhe foram fornecidos pela Ré e a mando desta.
84. Com a execução das obras, subiu-se um piso na traseira do prédio, tendo sido executadas duas caleiras novas, designadamente uma caleira a uma cota superior que capta a água da nova cobertura executada em telha e uma outra caleira à cota da antiga caleira que recolhe as águas das duas pendentes.
85. eliminado
86 – Existe uma estrutura de granito que pertence a ambas as partes, sendo que a obra executada pela chamada elevou o novo piso recorrendo, pelo menos no que respeita ao revestimento da empena com capoto, ao telhado dos AA. nessa confrontação, tal como resulta provado em 39 e 44.
87. eliminado.
88. A nova caleira colocada destinava-se a recolher unicamente as águas do telhado dos Autores.
89. A nova caleira foi colocada precisamente à mesma cota da antiga, ou seja, no topo da parede de meação.
90. eliminado
91. As deformações referidas em 43, 45, 48 a 50 e 93 podem ser visualizadas tanto de uma pendente do telhado como da outra pendente do mesmo telhado.
92. eliminado
93. Ao longo de todo o telhado do prédio dos Autores há telhas fissuradas, outras desencaixadas e há zonas em que as ripas estão partidas.
94. O tubo de queda em causa nos presentes autos apenas conduz a água da cobertura do telhado dos Autores.
95. A nova caleira colocada ao nível do novo piso construído no prédio da Ré conduz as águas para um tubo de queda existente no alçado das suas traseiras, situado nesse mesmo prédio.
96. O limite inferior da nova parede edificada pela chamada, a mando da Ré, não tem, nem tem de ter, qualquer remate, nem qualquer pingadeira.
97. A Ré, para além de ter celebrado um contrato de empreitada com a chamada, também contratou a sociedade C..., Lda., para elaborar o projeto de arquitetura da obra em causa nos presentes autos e ainda para proceder à fiscalização da mesma.
98. A Ré contratou ainda a sociedade D... Lda. para elaborar todos os projetos de especialidades da aludida obra.
99. A chamada C..., Lda., é uma empresa de arquitetura que foi contratada pela Ré para elaborar, como elaborou, o projeto de arquitetura, além do mais, com base nas ideias, pedidos e nos elementos fornecidos e transmitidos pela própria Ré.
100. O projeto de arquitetura elaborado foi sujeito à verificação da sua conformidade legal pelos serviços do Município do Porto, obteve aprovação e o Município do Porto emitiu a competente licença de construção e respetivo alvará.
101. A chamada apenas teve que fazer a compatibilização dos trabalhos realizados com os desenhos gerais adotados, verificação dos materiais empregues e sua correspondência com o caderno de encargos e verificação dos autos de medição apresentados pelo empreiteiro.
102. A chamada ANI, enquanto autora dos projetos de especialidades, limitou-se a elaborar os mesmos em conformidade com o projeto de arquitetura executado pelo respetivo autor, de acordo com as orientações do dono da obra e aprovado pelo Município.
103 – Após a intervenção efetuada pela Ré e mencionada em 42, as fiadas de telhas do prédio dos AA. encontram-se praticamente coladas à parede nova que foi levantada pela construção do andar recuado no prédio da Ré, tendo aquela fiada de telhas passado a apresentar, em certos pontos, uma inclinação diversa ao descarregamento natural das águas o que contribuiu para que a água entrasse no interior do prédio dos AA., ao invés de fluir para a caleira, situação que concorreu para as humidades que existem na casa dos AA. e que são visíveis, maioritariamente, junto à empena entre os prédios.
103A – Por efeito da entrada de águas no interior da habitação dos AA., passaram a existir riscos na instalação elétrica.
104 – Após as obras efetuadas pela Ré, foram deixados, no telhado da casa dos AA., detritos de poliuretano (ou esferovite), provenientes do capoto usado para recobrir a parede do andar que a Ré efetuou acima da construção anteriormente existente, na parte em que confronta com os AA., o que contribuiu para a falta de escoamento da caleira, antes do acontecimento mencionado em 8.
Factos não provados:
1. Não provado que o referido em 4 ocorresse há mais de um século.
2. Que na parte da frente desses dois prédios o telhado era comum e tinha três águas que eram descarregadas em duas caleiras laterais e encaminhadas para as águas pluviais, através de dois tubos condutores (de queda) no arruamento; que a água do telhado que descarregava para a frente era recolhida numa caleira exterior, que descarrega em dois tubos de queda para a rede de águas pluviais no arruamento;
3. eliminado
4. Que da caleira nova referida em 35 e 53 provenha um tubo de queda que caia no prédio dos AA., a nascente.
5. Que os Autores, por alturas de agosto de 2017, se aperceberam que andavam sobre o telhado de cobertura do prédio que lhes pertence e constitui a sua habitação permanente, sem que de nada tivesse sido dado conhecimento ou avisado aos Autores acerca das obras que a Ré iria efetuar;
6. Que os Autores vieram depois a apurar que a Ré tinha procedido a modificações daquilo que lá estava anteriormente edificado, designadamente, no prédio dos Autores;
7. Que a Ré executou a construção nova, apoiando-a em parte da parede que pertence ao prédio descrito no ponto 1) dos factos provados e que foi ocupado em aproximadamente 15 (quinze) centímetros de espessura, uma vez que não só foi subida/construída uma parede sobre a dos Autores, para edificar o recuado, como ainda foi acrescentado à mesma um revestimento em capoto com cerca de 6 cm de espessura, ocupando o prédio dos Autores, até então livre e desocupado, que foi invadido naquela parte do prédio que à Ré não pertencia;
8. Que a parede nova, que foi subida/levantada na referida obra pela Ré, foi construída na parede nascente, em vez de o ter sido na parede poente, ou seja, estando aquela parede nova apoiada na parede do prédio com os n.ºs ...8/...8-A, ocupando essa parte da parede que arranca do seu prédio e continua ao longo do mesmo, dando seguimento por muro do terraço do prédio dos Autores, sendo que a parede nova ali edificada foi revestida com capoto, que deita para o telhado do prédio dos Autores, mais avançando para dentro do espaço/prédio deles;
9. Que quanto aos muros das traseiras dos prédios, eles arrancam em segmento de continuidade e individualizadamente, são 2 e que lá se encontram contíguos e paralelos, cada um deles com espessura de cerca de 20 cm;
10. Que o prédio n.º ...0/...2, apresenta um muro do seu lado, que arranca do seu prédio individualizadamente;
11. Que a Ré levantou a parede da construção nova sobre parte da parede do prédio vizinho, que arranca do seu prédio em continuidade e individualizadamente e que só aos Autores pertence;
12. Que pelo menos desde março de 1992 e até ter sido retirado pela Ré, nas obras que fez em 2017, sempre existiu um calão (caleira larga de escoamento das águas) naquela zona traseira divisória dos prédios, separando os telhados que cobriam cada um deles, calão esse que foi eliminado aquando da execução das referidas obras pela Ré;
13. Que no local onde antes existia o tal calão passou a estar um tubo redondo, na base da parede nova erigida para construção do recuado, tendo sido alterada a anterior localização e o tipo da caleira arredondada pré-existente, à semelhança doutras caleiras originais que ainda existem noutra parte do telhado do prédio dos Autores, uma vez que foi executada uma nova caleira de geometria diferente, agora com ângulos retos, que passou a estar a nascente da referida parede nova, e, portanto, a Ré ultrapassou os limites do seu prédio, invadindo ou entrando no prédio dos Autores;
14. Que as alterações que a Ré realizou, ocupando parte do prédio dos Autores com a nova obra que lá fez, ao longo de cerca de 20 metros e meio, multiplicados pelos 15 cm acima referidos, perfaz uma área de cerca de 3 metros quadrados;
15. Que essa área, multiplicada pelo valor do preço médio corrente na zona onde se encontra implantado o prédio dos Autores (baixa histórica do Porto) e que é de € 5.000 por m2;
16. Que tem vindo a aumentar a valorização dos prédios ali situados;
17. Que a caleira nova é inadequada ao escoamento dos lixos e das águas das chuvas, na medida em que a sua geometria, diferente da original e com ângulos retos, não é a que melhor se adequa ao fim a que se destinam as caleiras, isto é, ao descarregamento das águas e lixos que nela se alojem;
18. eliminado
19. Há já pelo menos dois focos de iluminação avariados, sendo que daquele foco, que está situado a cerca de um metro da parede da sala confinante com o outro prédio, escorre água quando chove e já apresenta corrosão visível;
20. Que a(s) nova(s) caleira(s) colocada(s) a nascente do anterior calão, ou seja, ocupando agora o prédio a nascente para além da linha anteriormente existente da separação dos prédios, em cerca de 15 cm de espessura, denotam falta de desenvolvimento em toda a sua extensão e mesmo na parte mais larga, e estão a escassos centímetros das telhas do telhado do prédio dos Autores;
21. Que o novo tubo de queda que foi colocado na parte superior do referido acrescentado recuado, para descarregar as águas desse telhado/cobertura, da caleira superior para a caleira inferior, que foram criados de novo pela Ré, ou a seu mando, padece de deficiências, quer quanto à sua orientação, quer no que tange à sua altura, permitindo a entrada de águas, dele provindas, nas telhas encurtadas naquele local do telhado dos Autores;
22. Que essa orientação e altura de descarga originam conflitos no curso de água que se pretende seja o mais fluente possível e, consequentemente, é natural que tenha vindo a aparecer a água no interior do prédio dos Autores, como sucedeu após as obras, seguidamente às primeiras chuvas do outono de 2017;
23. Que seria evitável se a Ré, em vez de ter colocado o tubo de queda naquele canto, a partir da beira do telhado do seu andar recuado, a debitar as águas para aquela zona do telhado dos Autores, como se encontra ali executado, o tivesse posicionado noutro local – o que era viável – designadamente prolongando a caleira superior, que parte da cobertura/beira do prédio da Ré, para a parte traseira do seu prédio, escoando-a por tubo de queda que deitasse para o seu logradouro;
24. Que a Ré, ao invés, optou por colocar o referido tubo de queda de escoamento das águas sobre o telhado do prédio dos Autores, sem sequer tenha deixado o intervalo mínimo de 50 cm entre o prédio e a referida beira, como estava obrigada a respeitar;
25. eliminado.
26. Que é provável que a estrutura de apoio das telhas do prédio dos Autores esteja afetada nos locais onde a água tem andado, desde há cerca de ano e meio e, por conseguinte, suscetível de provocar o seu apodrecimento;
27. Que antes das obras efetuadas pela Ré não existissem telhas partidas ou fissuradas na cobertura da casa dos AA.
28. Que as obras foram feitas de maneira descuidada e não zelosa;
29. Que a presença de lixos provenientes das obras, que atualmente ainda se mantém no telhado dos AA., impeçam atualmente (ao tempo da sentença) o escoamento das águas das chuvas, causando a sua entrada no prédio dos AA.
30. Que o limite inferior do capoto da parede nova edificada pela Ré, que se encontra sobre a zona das caleiras, não tem nenhum remate, nem tem qualquer pingadeira, como teria de ter ao longo de toda aquela, não só para afastar as águas das paredes da nova construção/recuado, como também para obrigar a que tais águas que delas escorrem pudessem descarregar dentro da caleira;
31. eliminado
32. Que as cumeeiras dos telhados também sofreram com a intervenção/obras, sendo que no limite da cumeeira do telhado da frente o trabalho está mal-executado, podendo originar a entrada da água das chuvas, sendo visível que numa cumeeira, tentaram fazer, recentemente, um remendo, recolocando-a e colando-a com poliuretano expansivo, o que não corresponde à solução construtiva adequada, dado que não previne os problemas de entrada das águas no prédio dos Autores;
33. Que a alteração feita pela Ré, na parte da frente do telhado, na medida em que a caleira que ali foi colocada, que acompanha a inclinação do telhado e que separa as águas dos prédios, também apresenta um desenvolvimento inadequado, pois permite que, com facilidade, as águas ultrapassem a caleira penetrando no prédio a nascente (isto é, naquele que pertence aos Autores).
34. Que as anomalias na execução de tais caleiras resultam também da geometria retangular, como são as que lá foram aplicadas pela Ré, diferentes dos originais, que eram arredondadas, e sem que tivesse sido respeitado, também, o desenvolvimento daquelas que originariamente existiam, que eram os mais adequados para evitar a entrada das águas no prédio dos Autores;
35. Que junto ao canto superior do prédio a poente, a caleira apresenta uma altura insuficiente, isto é, está abaixo do local de escorrimento da água, o que pelas boas regras construtivas não devia acontecer e igualmente contribui para entrada das águas no prédio dos Autores;
36. eliminado
37. Que BB só por grande sorte é que não foi atingido com o teto que abateu com a enxurrada;
38. Que a dor na coxa direita de BB não debelava com analgésicos;
39. Que os Autores tinham um seguro multirriscos habitação e que foram feitas algumas obras de reparação no interior da referida sala (as urgentes) e recuperados os mencionados equipamentos, mas obviamente que a Seguradora não se responsabilizou por aqueles e outros prejuízos sofridos pelos AA., designadamente pelos incómodos gerados pela impossibilidade de utilização da sala de jantar e dos equipamentos (nomeadamente o frigorifico, cujos géneros alimentícios se estragaram) quer os devidos às obras urgentes que tiveram de ser feitas para repor o estado de mínima habitabilidade e condignidade do seu lar, face ao perigo que a água infiltrada, especialmente nos pontos elétricos, implicava para a sua segurança, saúde e integridade física;
40. Que os Autores, receando esse perigo, evitaram ao máximo ligar o quadro da luz, o que condicionou sobremaneira o seu bem-estar, na medida em que, por falta de água quente, chegaram a estar 5 dias seguidos sem tomar banho, pelo menos em duas ocasiões, bem como deixaram de utilizar os aquecedores, tendo, aliás, passado os 2 últimos invernos com frio e desconfortáveis devido aos problemas suprarreferidos;
41. Que na altura da entrada dos documentos a que se refere o ponto 16) dos factos provados, já a obra se encontrava em fase adiantada;
42. Nos docs. referidos em 16 dos factos provados não constam ter sido apresentados os dois prédios vizinhos em planta, no que concerne a cortes e alçados.
43. Que não foi obtida a respetiva licença ou alvará de utilização;
44. Que também não constam do aditamento entregue à S.R.U. os arranques dos prédios confrontantes, não constando a vermelho, como é normal, a construção nova de andar recuado, que ao invés se encontra a preto, como só o pré-existente deve estar, para se distinguir nas plantas o que vai ser reabilitado e aquilo que vai ser construído de novo em alteração do prédio existente;
45. Que até ter sido elevada a altura do prédio da Ré, com a construção do andar recuado, os Autores gozavam de privacidade, que deixaram de ter, pois foram feitas aberturas com uma configuração que mais se assemelham a portas do que propriamente janelas, interferindo com as vistas do prédio dos Autores, que até então tinham desde há mais de 20 anos;
46. Que a altura daquelas aberturas que foram feitas no erigido andar recuado é quase equivalente à altura desse novo piso e situa-se muito acima do muro/parede do terraço traseiro da casa dos Autores, sendo que, entre a mais próxima dessas aberturas e o referido terraço, onde está situada a sua casa de banho, medeia não mais que meio metro, o que viola a privacidade dos Autores na medida em que a partir dessa abertura passou a poder visionar-se a casa de banho e o terraço referidos;
47. Que os Autores fizeram queixas verbais e manifestaram oposição, naquela primeira oportunidade que tiveram, ao pessoal que lá andava nas obras;
48. eliminado
49. eliminado
50. Que não adianta voltar a fazer reparações no interior sem que sejam corrigidas as anomalias no exterior;
51. Que a Ré, apesar de ir prometendo que iria corrigir as patologias, na realidade nada praticamente fez para resolver os problemas que causou aos Autores;
52. Que na deslocação ao local ocorrida a 15/6/2018 foi abordado o que de mais premente teria de ser feito.
53. Que, em finais de julho de 2018, apareceu alguém a mando da Ré, mas não avisou os Autores previamente e quando a Autora lhe disse que para fazer o “lindo serviço que tinham feito na altura das obras, nunca tinham precisado de passar pelo interior da sua casa, como agora aquele queria”, seguiu-se uma troca azeda de palavras, aquele virou as costas à Autora e foi-se embora.
54. Que a Mandatária dos Autores insistiu junto do gerente da Ré para que fossem feitas as reparações mais urgentes, sobretudo em setembro, porque se avizinhava o fim desse Verão e o tempo das chuvas, tendo-lhe reafirmado que era conveniente, antes de serem iniciadas as obras de reparação, fazer-se um documento escrito, para especificar concretamente os problemas que iriam ser objeto de reparação e discriminar os trabalhos necessários a executar para correção de patologias e de colocação do tapa vistas, com o que se visava tentar garantir, pelo menos, que os trabalhos a executar fossem os adequados ao objetivo de eliminação dos pontos de entrada das águas e para que fossem cumpridos em tempo útil, aprazando-os, bem como procurando assegurar que seriam realizados de conformidade com as soluções técnicas construtivas e materiais apropriados, para sanar de vez tais problemas e pretendendo-se com tal documento afastar a possibilidade de serem feitos pela Ré meros remedeios, que temporária e aparentemente só servissem para dissimular a resolução das anomalias, pois queria-se que fosse feita uma correção mediante real solução de fundo, e não, como veio a suceder já findo o Outono, quando foi feito um remendo, na cumeeira, que levou cerca de uma hora na sua execução ao homem que a Ré lá mandou, e que nada resolveu, antes pelo contrário tendo-se vindo a agravar os problemas das infiltrações;
55. Que a Ré não fez um tapume/tapa vistas que a mesma se havia comprometido a fazer;
56. Que a eng. II, escolhida pela Ré para ir verificar o que tecnicamente seria necessário para corrigir os problemas, não chegou a comparecer na casa dos Autores no dia 12/11 que tinha ficado combinado, nem posteriormente, quando foi remarcado outro dia desse mês;
57. eliminado
58. Que a Mandatária voltou a insistir junto do gerente da Ré para que fossem feitas as reparações e ressarcidos os danos, por emails que lhe remeteu, entre outros (como vinha fazendo desde inícios do ano) sucessivamente, nos dias 18 e 19 desse mês, em que fixou o prazo duma semana para ser resolvido o assunto, sob pena dos Autores não mais se disporem a tentar resolver a questão a bem e no dia 28/12/2018, a mandatária dos Autores enviou novo email, dando conta ao gerente da Ré que a Eng. II e o mestre de obras que a Ré tinha designado para irem tratar de fazer as reparações, tal como a mesma se havia comprometido iniciar no dia anterior, mais uma vez, não tinham comparecido e, portanto, voltou-se a insistir que era urgente serem feitas as obras de reparação no exterior bem como no interior da habitação (em paredes, tetos e madeiras nas divisões, etc., afetados pelas águas) e que, para as obras do interior, os Autores já tinham um orçamento no valor de € 5.870 (mais IVA), que pese embora feito em Novembro, já dava uma ideia do respetivo custo;
59. Que a Mandatária dos Autores advertiu a Ré que já estava a chover outra vez no interior da casa dos Autores;
60. Que o colchão acabou por ficar estragado pela humidade que a Autora não conseguiu erradicar, bem como ficou avariada a impressora Canon e novamente o computador, pela introdução da água que sobre eles pingara, tendo um aspirador deixado de funcionar, mas que por ser velho, os Autores decidiram não o consertar;
61. Que a Mandatária reafirmou ao gerente da Ré, no aludido e-mail, que se o assunto não fosse definitiva e completamente resolvido durante a semana seguinte (entre 28/12 e 4/1/2019), não restaria alternativa senão avançar para a via judicial;
62. Que o gerente da Ré só respondeu a esse email a 20/1/2019, prometendo que durante a semana seguinte responderia àquelas questões, face à ausência dessa prometida resposta, no dia 25 desse mês, a Mandatária dos Autores remeteu-lhe novo email ao final desse dia, informando que os seus clientes entendiam não aguardar mais;
63. Que só quatro dias o gerente da Ré respondeu à Mandatária dos Autores, sugerindo nova visita ao local por todos os ante referidos técnicos, resposta que eles consideraram não passar de mais uma tentativa de protelamento sem qualquer desenvolvimento do já antes repetido, razão pela qual o Arq. GG e DD também não estavam para perder mais tempo noutra deslocação ao prédio, como fora sugerido pelo gerente da Ré;
64. Que pese embora a Mandatária não visse utilidade nessa outra visita, ainda procurou convencer a Autora e o seu falecido marido para se marcar um dia para essa deslocação, mas após doença da Autora e do referido GG, a Autora e o seu falecido marido, já cansados de tanto protelamento e sem resultados concretos nem soluções para os problemas que persistiam e se vinham agravando, deram por esgotada a sua paciência;
65. Que a Autora e o seu falecido marido, no conserto dos referidos computador e impressora, gastaram € 98,40 e € 66,98, a que acrescem as suprarreferidas despesas de € 4,21€ e € 19;
66. Que as reparações das caleiras, das telhas das cumeeiras, dos “panos” do telhado encostados ao prédio da Ré, da estrutura de apoio das telhas e dos elementos elétricos deteriorados foi estimada em cerca de € 3.300;
67. Que cada um dos telhados na parte traseira dos imóveis apresenta duas pendentes ou “panos”, separadas por um calão situado entre esses telhados de cada um dos prédios e os dois muros individualizados possuem arranque nos dois prédios no seguimento da linha que provinha da parede;
68. Que a Autora AA seguiu, interessada e atenta, quase diariamente, o desenrolar da obra, falando cordialmente com os operários que ali se encontravam a laborar, jamais se opondo, antes autorizando, a que estes passassem pontualmente pelo seu telhado sem, contudo, danificarem o que quer que fosse;
69. Que a Porto Vivo exigiu que a Ré submetesse um novo e integral pedido de licenciamento, que incluía a totalidade dos documentos, pareceres de entidades externas, plantas, projetos de especialidades, relatórios dos bombeiros, até os documentos dos trabalhos arqueológicos (!) já realizados antes do início das obras;
70. Que a Autora, após contacto telefónico com o Arq. GG, não permitiu a entrada dos referidos técnicos da E...;
71. Que os Autores sempre autorizaram que os trabalhadores da chamada, em caso de necessidade, pudessem passar pontualmente pelo seu telhado;
72. Que a inclinação do telhado do prédio dos Autores é de tal ordem reduzida, que, mesmo sem essa deformação, é muito provável que já houvesse infiltrações nos dias de maiores chuvadas, conjugadas com ventos.
73. (era do 46 dos factos provados) As inclinações inversas (ou “barrigas”) e todas as deficiências ao nível do escoamento de águas do prédio dos Autores não se devem aos trabalhos realizados pela E..., mas sim ao estado degradado e mal conservado do telhado dos Autores, o qual apresenta várias deformações, nomeadamente provocadas pela degradação da madeira ao longo dos anos.
73. (era do 90 dos factos provados) Que as inclinações do telhado do prédio dos Autores devem-se ao estado de degradação generalizada de toda a cobertura do prédio dos Autores, que apresentava, como ainda apresenta, várias deformações provocadas pela degradação da madeira e sua deformação ao longo dos anos.
74. (era do 92 dos factos provados) Que são essas deformações já existentes no telhado do prédio dos Autores, que fizeram, e ainda fazem, com que as telhas junto às paredes de apoio da estrutura de madeira da cobertura apresentem caimento reduzido ou inverso.
75. (era do 85) Que toda a estrutura do novo piso foi executada a partir do prédio da Ré, face ao elevado estado de degradação do telhado do prédio dos Autores.
Fundamentos de direito
A sentença recorrida enquadrou os factos no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, fazendo alusão aos arts. 483.º e ss. do CC.
Mencionou, igualmente, o disposto no art. 493.º 2 do CC.
Como veremos é, ainda, convocável o normativo do art. 1349.º (passagem forçada momentânea).
Quanto aos requisitos da figura da responsabilidade aquiliana, vastamente conhecidos, importa saber se a Ré atuou de forma ilícita e se, desse modo, promoveu ou incrementou o nexo causal que conduziu aos danos cujo ressarcimento os AA. reclamam.
Também se impõe apurar se ao estado do prédio dos AA. se devem integral e exclusivamente as infiltrações ocorridas em outubro e dezembro de 2017, como defende a Ré.
No que tange ao art. 493.º, o que poderia aqui ser chamado à colação seria o n.º 1 (o n.º 2 refere-se a atividades perigosas onde se não nos afigura quadrar a remodelação deste prédio em concreto).
Sobre aquele n.º 1 reproduzimos parcialmente o trabalho[13] subscrito pela ora relatora:
«No campo do direito civil, a responsabilidade extracontratual ou aquiliana começou por bastar-se com o nada fazer, de modo a o agente não incorrer nos atuais pressupostos do art. 483.º/1 do Código Civil (CC).
Porém, no princípio do século passado, século da sociedade do risco, termo cunhado por Ulrich Beck[14], começou a desenvolver-se a consciência de que de certas omissões poderiam resultar prejuízos na esfera doutrem, mercê do perigo associado à utilização de certas coisas e animais, ou à prática de algumas atividades.
Foi na jurisprudência alemã do Reichsgericht, no dealbar de novecentos, que tiveram lugar as primeira experiências judicativas[15] relativas ao que mais tarde se denominaria deveres de tráfego, entendidos estes como uma tentativa de resposta aos perigos provenientes de causas diversas, como aqueles que ameaçam o meio ambiente, respeitam à conceção e utilização de produtos alimentares, brinquedos, medicamentos, energia, transportes, etc…[16]
Mais tarde, estes deveres de tráfego haveriam de dar lugar ao princípio da precaução, importado do âmbito ambiental para o direito civil[17].
(…)
Atualmente, o art. 493.º/1 CC refere-se aos danos causados por animais ou coisas móveis ou imóveis, i.é, aos danos que resultem desses animais e coisas que, na sua utilização, causem danos a terceiros, não prescindindo da culpa.
Já o art. 502.º prevê um caso de responsabilidade objetiva pelos danos causados por animais e que resultem de um perigo especial para quem os utilize no seu próprio interesse.
O primeiro normativo corresponde à categoria da responsabilidade extracontratual subjetiva (art. 483.º/1) e o segundo à categoria excecional da responsabilidade objetiva, isto é, neste último caso, o lesante responde ainda que não tivesse violado ilicitamente o direito ou o interesse de outrem ou ainda que o tivesse violado sem dolo ou sem negligência (arts. 500.º a 510.º CC). O princípio da excecionalidade da responsabilidade objetiva resulta do n.º 2 do art. 483.º CC.
Muitas situações de responsabilidade não cabem, todavia, entre os dois extremos - responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva tout court -, aludindo-se mesmo nos comentários dos princípios de direito europeu de responsabilidade civil a um continuum entre os dois extremos[18].
A este respeito, Nuno Oliveira refere-se a gradações de cinzento ou responsabilidades intermédias: em primeiro lugar, os casos em que o lesante só não fica constituído no dever de indemnizar se fizer a prova de que adotou o cuidado ou a diligência de uma pessoa média; em segundo lugar, a responsabilidade civil em que o lesante só não fica constituído no dever de indemnizar se demonstrar que adotou o cuidado e diligência de uma pessoa ideal com as mais elevadas capacidades e a mais complexa experiência; em terceiro, o lesante só não fica constituído na responsabilidade de indemnizar se fizer prova da “força maior”. Serão por culpa provada e por culpa presumida, os casos em que o lesante só se desonera se fizer a prova de que adotou a diligência e o cuidado de uma pessoa normal (responsabilidade subjetiva). Serão de responsabilidade objetiva ou pelo risco, os casos em que o lesante só não responde se demonstra um “caso fortuito”, ou quando responde mesmo que demonstre “caso de força maior”, ou quando responde sempre, mesmo que demonstre uma ou ambas as situações.
A zonas cinzentas alude igualmente Filipe Albuquerque Matos[19] explicando que exemplo paradigmático de atipicidade a propósito da delimitação de ilicitude manifesta-se, sem margem para dúvidas, no Direito Francês, centrado em torno da categoria ampla da faute[20], suscitando-se, a esse propósito, particulares dificuldades em deslindar se nessa sede apenas estará em causa o requisito de ilicitude ou se não se colocarão de permeio também questões nucleares atinentes ao pressuposto da culpa. Importa, no entanto, esclarecer que – segundo diz - as opções legislativas dos ordenamentos continentais em matéria de ilicitude não oscilam unicamente entre sistemas marcados predominantemente pelas ideias da tipicidade e da atipicidade. Uma análise meramente superficial dos direitos positivos português (art. 483.º, n.º 1) e alemão (§823I), permite-nos concluir que nos encontramos em face de sistemas intermédios, ou perante zonas cinzentas no tocante à delimitação do pressuposto de ilicitude extracontratual. Considerando as duas modalidades de ilicitude plasmadas no art. 483.º/1 CC do Código Civil Português dedicada à responsabilidade civil delitual, podemos constatar que a fórmula ampla da “violação dos direitos de outrem” se encontra nos antípodas de um modelo de tipicidade. De igual modo, quanto à segunda variante da ilicitude – violação de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios-, torna-se necessário o auxílio de contributos dogmáticos para definir o respetivo âmbito.
Contudo, conclui, dizendo que o carácter aberto e amplo da formulação vertida no n.º 1 do art. 483.º fica bastante aquém do nível de indeterminação coenvolvida na categoria francesa da faute, ou da fórmula italiana do dano ingiusto (art. 2043.º do Codice Civile), razão pela qual, qualifica o nosso modelo de ilicitude extracontratual como um sistema misto.
(…)
Para Menezes Leitão[21], o caso dos danos causados por coisas ou animais (art 493.º/1) pressupõe que é em face da perigosidade imanente de certas coisas ou de animais que surge um dever de segurança no tráfego que impõe automaticamente a sua custódia em relação ao seu detentor. Entre as coisas cuja perigosidade justifica essa obrigação de vigilância encontram-se por exemplo paióis de explosivos, depósitos de combustíveis, máquinas industriais, árvores secas, etc….[22]
(…)
No caso do n.º 1 do art. 493.º, a pessoa que estiver obrigada à vigilância da coisa ou do animal, tem sobre si o ónus da culpa (salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte).
Mas, tal como pode suceder para os dois normativos anteriores, esta presunção pode ser entendida como abrangendo mais do que a culpa.
Por um lado, se consideramos o disposto no normativo geral do art. 487.º/1 CC é sobre o lesado que incumbe a prova da ilicitude, não bastando a mera demonstração dos danos (assim, Almeida Costa[23] e Ac. STJ, de 21.11.1978 (Proc. 067305, Ferreira da Costa)[24]. Esta é a doutrina tradicional.
Segundo a orientação mais moderna, a presunção de culpa abrange também a presunção de ilicitude e até a de causalidade[25].
Para Menezes Cordeiro[26], a presunção do art. 493.º consagra uma responsabilidade ampla, tal com a da faute do sistema francês.
(…)
Em favor de um alargamento da presunção de culpa à ilicitude invoca-se o argumento da diferença entre o cuidado interno e o cuidado externo, pois seria mais fácil ao lesante a prova de que cumpriu os deveres de tráfego que o oneravam.
Sabemos que a regra geral em termos de onus probandi, a regra do art. 342.º/1 CC, impõe ao lesado a prova dos requisitos relativos à responsabilidade civil, saindo facilitada essa tarefa em caso de presunções de culpa (e de ilicitude).
Porém, nos campos em que a responsabilidade emerge da necessidade de precaução e da correlativa função reparadora do instituto da responsabilidade civil, a causalidade não surge desgarrada desses dois pressupostos, garantindo que o lesante apenas seja responsável pelos danos que causou e poderia controlar (no sentido de evitar o evento danoso), mas que se restaure o equilíbrio perdido (veja-se o art. 570.º CC). Fala-se, por isso, ao invés de causalidade, de imputabilidade (a qual se liga à liberdade ou autodeterminação do agente), que se distingue da culpa e abrange também a responsabilidade objetiva, ultrapassando o esquema causa/efeito (como pressupõem as teorias clássicas) e reconduzindo o dano indemnizável ao núcleo dos danos que a norma quis evitar. Algo semelhante à teoria finalística da ação, formulado por Welzel, em direito penal.
Assim, não haverá imputação quando o risco não foi criado pelo lesante, quando haja diminuição do risco ou ocorra caso fortuito ou força maior ou quando o risco é natural (tendo o lesado estado apenas no local errado e à hora errada), ou ainda quando o lesado tenha condições especiais (ex., problemas de saúde prévios) que o lesante desconhecia. Neste último caso, a imputação pode ainda ocorrer, quando a esfera de risco é demasiado grave, salvo se o contexto próprio do lesado for substancialmente anómalo, incomum ou raro. Também se atenderá, claro está, ao próprio comportamento do lesado, designadamente à luz do art. 570.º CC, ou mesmo à intervenção de um terceiro, que responderá se for autor mediato ou se atua no campo do perigo que potencializa o dano. Só assim não será se o lesante inicial tinha por obrigação evitar a intervenção do terceiro, salvaguardando-se a hipótese de, ainda assim, o terceiro agir de tal forma grave que afasta a imputação do dano ao titular da esfera de risco.
Por isso, afirma Mafalda Miranda Barbosa[27], que se entenderá da mesma forma o art. 493.º porque o que aqui se visa prevenir é o risco de um perigo especial. Sendo um perigo especial, a pessoa responsável pela sua não verificação tem de adotar todas as medidas de cuidado para proteção do outro. Não o fazendo, viola um dever de precaução, incorrendo em abuso de direito. O mesmo sucedendo no art. 502.º[28].
No tocante ao comportamento lícito alternativo (art. 493.º/1, parte final), a questão a colocar é a de saber se o comportamento correto do lesante teria evitado o risco ou tê-lo-ia diminuído significativamente. Mas a questão fica despida de sentido se atentarmos a que a ilicitude vai referida à violação do bem jurídico. De modo que falharia a ilicitude antes do nexo causal. Então, o lesante teria que provar, com alto grau de certeza, que não causou o dano ou que existia uma alta probabilidade de este ocorrer mesmo que o lesante não tivesse violado a norma.
A parte final do n.º 1 do art. 493.º estabelece aquilo que já se denominou a relevância negativa da causa virtual do dano, significando que o lesante poderia eximir-se da responsabilidade se provasse que os danos causados pela coisa ou pelo animal que lhe cabia vigiar se teriam produzido ainda que não houvesse culpa sua.
A jurisprudência refere-se a este conceito, por ex. no ac. STJ, 20.9.2014, Proc. 368/04.0TCSNT.L. S1[29] a que já fizemos referência.
A definição da causa virtual ou hipotética do dano tem a haver com a concorrência de causas do mesmo dano.
Antunes Varela[30] faz uma comparação com a figura da comparticipação criminosa em direito penal, embora não esteja propriamente em causa uma comparticipação (o que culminaria na responsabilidade solidária de todos – art. 490.º CC), mas uma convergência de duas ou mais causas na direção do mesmo dano.
E distingue vários casos de concorrência de causas:
a) Umas vezes (causa subsequente da outra), o facto praticado por terceiro é causa adequada do facto praticado por outra pessoa - ex. o depositário, de forma negligente, deixa a coisa abandonada em local que potencia o furto por outrem;
b) Outras vezes (causas complementares), as causas são complementares entre si, mas não há nexo de causalidade entre elas – ex. um veículo pesado embate numa casa e deixa-a a abanar e, depois, um outro veículo embate igualmente e deita a casa abaixo porque o seu estado já estava precário;
c) Noutros casos (causas cumulativas ou causas alternativas), os factos dos agentes são suficientes, cada um por si, para produzir o dano, mas cada uma atua na produção do dano; A e B envenenam C, sem combinação entre si, deitando-lhe cada um uma dose de veneno que, por si, já seria mortal;
d) Por último, a situação da simples coincidência ou simultaneidade de causas de responsabilidade – ex. o trabalhador atropelado por terceiro quando prestava serviço no âmbito da sua relação de trabalho.
Na causa virtual do dano, há uma causa real e efetiva do dano e um facto que também o teria produzido, não fosse a causa real.
O autor da causa real pode eximir-se da responsabilidade (ou ver reduzida a sua responsabilidade) alegando e provando a existência de uma causa virtual?
Por ex., um vizinho destrói a colheita do outro vizinho, mas alega que, no dia seguinte, a colheita seria destruída pela tromba de água que caiu.
Segundo a teoria da diferença prevista no art. 566.º CC, o lesado só tem direito à reposição do statuo quo ante, isto é, o lesado só pode receber a diferença entre o que tinha antes da lesão e aquilo com que ficou na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal.
Este normativo explicaria a relevância negativa da causa virtual.
Mas se a causa virtual provier de facto de terceiro, coloca-se a questão da relevância positiva da causa virtual. Por exemplo, duas pessoas colocam veneno em dois copos, sabendo que o lesado só beberia um. Só responde a que ministrou o líquido que levou à morte ou também a outra?
Também existe causa virtual quando o próprio lesado tinha já previsto destruir a coisa que foi objeto de furto. Trata-se aqui de uma causa hipotética.
Antunes Varela conclui que deve reconhecer-se a irrelevância positiva da causa virtual, porque o art. 483.º apenas determina a obrigação de indemnizar os danos que resultam da violação.
Quanto à relevância negativa da causa virtual, explica que a causa virtual do dano não destrói a relação de causalidade (adequada) entre a causa real e o dano e, assim, se A tiver envenenado o cão que B, pouco depois, abateu a tiro, o tiro é a causa real do dano concreto da morte.
A causa virtual não releva quando consista num facto de terceiro capaz de constituir o autor em responsabilidade se tivesse realmente causado o dano. Se A. danificou o automóvel de B que, depois, é consumido pelas chamas na oficina de C, por fogo posto por este último, A não se exime de responder pelos danos que efetivamente causou antes do fogo que destruiu o resto do automóvel.
Uma outra hipótese seria a da irrelevância da causa virtual, segundo a qual a responsabilidade do autor do dano não seria minimamente afetada pela existência de uma causa virtual.
O prof. Menezes Leitão adere a esta última, como a maioria da doutrina, considerando que efetivamente verificando-se a imputação delitual de um facto ao agente naturalmente que ele há de responder pelos danos causados (art. 483.º), não prevendo a lei como regra geral que essa responsabilidade seja perturbada pela causa virtual, o que se afiguraria absurdo face às funções preventivas e punitivas prosseguidas na responsabilidade delitual. Se a lei dá relevância à causa virtual em situações específicas, como as dos arts. 491.º; 492.º; 493.º, n.º 1; 616.º, n.º 2 e 807.º, nº 2, é como causa suplementar de exclusão de responsabilidade que concede em situações restritas de responsabilidade agravada[31].
De acordo com uma orientação minoritária, esta parte final do art. 493.º/1 não estabelece a relevância negativa da causa virtual, o que faz é afastar o nexo causal, dizendo que entre o facto e o dano não há nexo.
Ou seja, se o lesante demonstrar que o dano sempre ocorreria, mesmo que não houvesse culpa da sua parte, afastaria a sua responsabilidade pela demonstração de falta de nexo de causalidade, isto é, pela demonstração de que mesmo que tivesse adotado um comportamento lícito alternativo, não teria evitado o facto danoso[32].
A orientação da Sr.ª Prof.ª Mafalda Miranda Barbosa já foi sendo adiantada quando aludimos à questão o nexo de causalidade, podendo acrescentar-se a posição que expressou noutro local[33]: «Maiores problemas se colocam, portanto, quando existe uma atuação livre por parte do terceiro que conduz ao dano (…). Desde logo, temos de saber se os deveres do tráfego que coloram a esfera de risco/responsabilidade encabeçada pelo lesante tinham ou não por finalidade imediata obviar o comportamento do terceiro, pois, nesse caso, torna-se líquida a resposta afirmativa à indagação imputacional. Não tendo tal finalidade, o juízo há-de ser outro. O confronto entre o círculo de responsabilidade desenhado pelo lesante e o círculo titulado pelo terceiro – independentemente de, em concreto, se verificarem, quanto a ele, os restantes requisitos delituais – torna-se urgente e leva o jurista decidente a ponderar se há ou não consunção de um pelo outro. Dito de outro modo, a gravidade do comportamento do terceiro pode ser de molde a consumir a responsabilidade do primeiro lesante. Mas, ao invés, a obliteração dos deveres de respeito – deveres de evitar o resultado – pelo primeiro lesante, levando à atualização da esfera de responsabilidade a jusante, pode implicar que a lesão perpetrada pelo terceiro seja imputável àquele. Como fatores relevantes de ponderação de uma e outra hipótese encontramos a intencionalidade da intervenção dita interruptiva e o nível de risco que foi assumido ou incrementado pelo lesante. Entre ambas, pode também estabelecer-se o devido concurso.
Embora a jurisprudência entenda o art. 563.º como consagrando a teoria da causalidade adequada, ao nível jurisprudencial, há já alguma abertura a uma perspetiva imputacional, citando-se a este respeito o acórdão do Supremo Tribunal de 2014, relatado por Maria Clara Sottomayor (…). Estava ali em causa a eventual responsabilidade do réu pelos danos causados na sequência de três explosões ocorridas num contentor propriedade da autora. As explosões tiveram como causa uma fuga de gás ocorrida num tubo que fazia a ligação entre um fogão e uma garrafa de gás butano que os trabalhadores guardavam num contentor e que utilizavam para confecionar as suas refeições. O gás acumulado veio a ter como fonte de ignição uma faísca produzida pelo motor elétrico de um frigorífico que ali se encontrava. O acórdão considerou que se aplicava o artigo 493º/1 CC, que contém uma presunção de culpa e, simultaneamente, uma presunção de ilicitude. Do ponto de vista causal, fala-se da causalidade virtual e procura-se saber se o artigo em apreço admite ou não a prova da relevância negativa da causa virtual, respondendo-se em sentido afirmativo. Apela-se, portanto, a uma visão tradicional do problema causal, considerando-se ademais que a doutrina e jurisprudência maioritárias entendem que o artigo 563.º CC consagra a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa. A relatora do aresto diz, então, que “o facto que atuou como condição só deixa de ser considerado causa adequada quando, da sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a produção do dano”. E acrescenta que “por nexo de causalidade, entende-se que determinada ação ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que uma pessoa média poderia conhecer, essa ação ou omissão se mostrava à face da experiência comum como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar”».
Do mesmo modo, em Lições de responsabilidade Civil[34], a Prof. ª Mafalda Barbosa alude à relevância negativa da causa virtual como um afloramento do escopo punitivo da responsabilidade civil, mas sem esquecer a mudança de paradigma no que respeita à causalidade, perspetivando-a normativamente, o que, como já explicado, retiraria sentido à relevância positiva ou negativa de uma causalidade hipotética.
Noutro lugar[35], a mesma autora enfatiza que, tendo em conta a perspetiva normativa da causalidade[36], perde sentido o tema da relevância positiva ou negativa da causalidade. Pelo que a exceção da parte final do preceito não pode ser entendida senão em termos de prova da causalidade real ou da irrelevância do dever para a produção do tipo de dano gerado.
Em contrapartida[37], do nexo de causalidade também se não exclui a perspetiva de intervenção do lesado, aludindo aquela Professora às ideias de assunção de risco, autocolocação em risco ou heterecolocação em risco, considerando que a imputação do risco ao lesado não mitiga a culpa ou a ilicitude do lesante, mas o nexo de imputação (nexo de causalidade) ou nexo de responsabilidade, que permite reconduzir o dano, na totalidade ou parcialmente, também ao lesado. De modo que “sendo a atuação de cada um dos sujeitos intervenientes livre, é uma esfera de responsabilidade – sem a qual a autonomia não vai pensada – que é exercitada, sendo mister descobrir, no confronto entre as duas, qual funciona como polo de atração do evento danoso sobrevindo (…). Ou seja, quando pudermos reconhecer na conduta do lesado um comportamento livre, há que, em simultâneo, determinar se os deveres do tráfego que preenchem a esfera de responsabilidade do lesante se estendem à obliteração da lesão verificada e, concomitantemente, se os deveres que sobre o lesado impendem para proteção da sua própria esfera foram ou não postergados. Em última instância, assume particular importância a convocação do art. 570.º CC, podendo chegar-se a uma limitação da responsabilidade do lesante”[38].
Por outra parte, não há como deixar de fazer referência ao art. 1349.º/1 CC, inserido no capítulo relativo à propriedade de imóveis, mas constituindo uma restrição desta.
O normativo impõe ao proprietário que autorize a passagem no (ou sobre) o seu imóvel se, para reparar ou construir algum edifício, for indispensável levantar andaimes, fazer passar materiais ou a prática de atos análogos.
Para tanto, alude a dois requisitos: a) a finalidade (construção ou reparação); b) a indispensabilidade da necessidade do acesso.
Segundo o n.º 3, a prática do facto do n.º 1 – que é lícita – constitui fundamento da obrigação de indemnizar a cargo do agente de que é credor o titular do prédio vizinho obrigado a consentir o acesso.
Aqui chegados diremos que, mesmo não se aderindo à tese segundo a qual o art. 493.º/1 não prevê apenas uma presunção de culpa, mas também de ilicitude e de causalidade (modelo da faute) – o que já foi afirmado pelo STJ e por doutrina avalizada – a verdade é que temos a intervenção ilícita da Ré, na qualidade de proprietária de prédio confinante com o dos AA., restaurando o seu imóvel e, mais do que isso, erguendo nele um piso recuado.
Vejamos.
Ambos os prédios eram antigos e contíguos (ponto 30), com telhado ao mesmo nível.
Apesar de os dois imóveis serem antigos é evidente que um servia de suporte ao outro e vice-versa, pelo que, para levantar um novo piso, mesmo que recuado, no prédio da Ré verificou-se uma alteração do lado que servia de contraforte ao prédio dos AA. Aí, o telhado da casa da Ré teve que ser removido. Ademais todo o prédio da Ré foi completamente intervencionado (ponto 6).
Ora, as forças que as estruturas cimeiras exercem não funcionam apenas no sentido descendente, mas também lateralmente, pelo que quando se intervém na estrutura (telhado do prédio da Ré e criação de piso recuado) se está a fragilizar todo o prédio contíguo, seja ele novo ou antigo.
De modo que, a intervenção da Ré – que começou a obra em fevereiro de 2017 – e o ruir do telhado dos AA. e inundações subsequentes (em outubro e dezembro de 2017), não pode ser considerada uma simples coincidência, até porque os estragos verificados, decorrentes das infiltrações vindas do telhado ocorreram na empena que separa os dois prédios, não ocorrendo abatimento do telhado dos AA. do lado oposto, na parte em que confronta com outro prédio, sendo certo que a condição preexistente (decrepitude) no telhado do prédio dos AA. ocorria por todo ele (91), sendo que só na parte do confronto com a Ré se deu a sua ruína.
Assim, numa leitura atualista do art. 493.º/1 CC, tendo sido violado o direito de propriedade dos AA, teríamos não ter a Ré – que foi quem executou a obra e estava em melhores condições de o demonstrar – demonstrando ter efetuado a obra com observância de todas as técnicas (e quais elas foram) e vigiado o seu imóvel de modo a permitir resguardar o telhado vizinho que já se apresentava frágil.
A Ré não demonstrou não ter contribuído para o risco de ruína do prédio dos AA., risco que o art. 493.º/1 visa prevenir. Não está demonstrado, em toda a linha, pela Ré, a tomada de medidas de precaução face ao telhado contíguo que apresentava já uma decrepitude acentuada.
Temos, assim, verificada a ilicitude (lesão do direito de propriedade dos AA.), a culpa – não demonstração do cumprimento das regras do tráfego relativas à construção e manutenção do seu prédio naquelas circunstâncias particulares – surgindo a causalidade do facto de as regras do tráfego (regras relativas à reconstrução de prédios antigos contíguos a outros prédios também antigos e desgastados) terem por finalidade exatamente evitar o dano, tornando-se líquida a resposta afirmativa à indagação imputacional a que alude Mafalda Barbosa.
Além disso, a Ré também não demonstrou que os danos em causa (ruína do telhado dos AA.) ocorreriam naquela exata altura mesmo que a Ré tivesse cumprido todas as regras de vigilância diligente do seu prédio.
O que ficou exposto parece-nos suficiente para considerar existir responsabilidade extracontratual por parte da Ré, não cuidando nós agora, mas adiante, da concausa, ou seja, da causa complementar ou nexo de imputação de parte dos danos ao estado do telhado dos AA.
Mesmo afastando esta chamada zona cinzenta ou responsabilidade intermediária, e volvendo a atenção para os requisitos conhecidos previstos no art. 483.º CC., dos factos provados resulta suficientemente demonstrada a ilicitude da conduta da Ré.
Sabemos que o art. 1349.º permitia à Ré o uso do telhado vizinho, nomeadamente para impermeabilizar a empena lateral do prédio da Ré, o que esta fez (ponto 39).
Porém, duas circunstâncias aqui se deparam que mostram a violação de regras de segurança ou de tráfego por parte da Ré: por um lado, não demonstrou a essencialidade da passagem sobre o telhado dos AA. para esse efeito (porque não colocou andaimes ou lançou mão de outro expediente, como grua ou outro dispositivo) e o certo é que, pelo menos para a cobertura da parede nova, trabalhadores e materiais estiveram no prédio dos AA.; depois, era visível que o telhado dos AA., assente em antiga estrutura de madeira, já apresentava várias deformações evidentes para quem trabalhou ali (pontos 43 a 45, 48 e 50).
Esta atuação grosseiramente negligente é de molde a concitar a concorrência da atuação dos trabalhadores ao serviço da empreiteira contratada pela Ré para a ainda maior fragilização da cobertura do prédio dos AA.
E tanto assim é que, após reclamação dos AA., a empreiteira – embora mantivesse a opinião de que tudo tinha feito corretamente – aceitou proceder a ajustamentos de modo a melhorar o escoamento de águas na nova caleira (a segunda das referidas em 35 e 8 e 88, v. 75), tendo cortado o capoto, recuando-o no sentido ascendente e cortando telhas que, no confronto entre os dois prédios, apresentavam pendente contrária à nova caleira colocada pela Ré, com o que salvaguardou o descarregamento natural das águas (ponto 42).
Estando definida a ilicitude (por mor da violação do direito de propriedade dos AA.) e a culpa (a exigibilidade de que a empreiteira atuasse de forma distinta, face ao estado degradado do telhado vizinho), mesmo não se aceitando a causalidade como nexo imputacional no sentido acima referido (incremento da esfera de risco), sempre teremos que admitir a causalidade de um ponto de vista indireto, posto que o art. 562.º do CC não define o critério normativo da causalidade.
É exatamente essa a solução encontrada no acórdão do STJ, de 25.10.2018, Proc. 2511/10.0TBPTM.E2. S1, assim sumariado:
I - No nosso ordenamento jurídico, o exercício dos poderes dos proprietários de imóveis - entre os quais se incluem os de remodelação e ampliação de uma edificação, precedidas ou não da sua demolição (total ou parcial), ou os de escavação, desaterro e subsequente deposição de resíduos ou terras removidas - está condicionado, tanto pelas pertinentes regras urbanísticas ou de protecção do ambiente, como, primordialmente, pela necessidade de preservar, nas relações de vizinhança, o equilíbrio imobiliário existente, com a consideração das suas concretas circunstâncias.
II - Cada vez mais se acentua a evidência de que a situação de vizinhança de prédios implica limitações ao exercício do direito de propriedade - que não se quedam pelas explicitamente prevenidas no CC (como as previstas, p. ex., nas normas dos arts. 1346.º a 1348.º ou 1350.º, ou as dos arts. 492.º e 493.º) - através da ponderação dos direitos conexos com essa relação de vizinhança, para fundar um direito à protecção do proprietário através da responsabilização do proprietário do prédio vizinho por todas os actos ou omissões que provoquem uma ruptura do equilíbrio imobiliário existente e que exprimam ou realizem a violação de um dever geral de prevenção do perigo.
III - Das normas consagradas nos arts. 4.º, 128.º, 129.º, 135.º e 138.º do RGEU e art. 493.º, n.º 1 do CC resulta a imposição de os donos dos prédios os manterem, permanentemente, em estado de não poderem constituir perigo para a segurança pública e dos seus ocupantes ou para a dos prédios vizinhos, bem como de adoptarem as precauções e as disposições necessárias para evitar qualquer acidente e danos materiais, tendo em atenção a natureza do terreno, as condições de trabalho e a localização da obra em relação aos prédios vizinhos, sendo interditos quaisquer processos de trabalho susceptíveis de comprometer esse desiderato, sob pena de responsabilidade pelos danos que a coisa imóvel causar. IV - A violação do condicionamento advindo de regras urbanísticas (ou ambientais) também pode ser considerada para o efeito previsto na 2.ª parte do art. 483.º, n.º 1 do CC (disposição legal destinada a proteger interesses alheios), quando, em face da respectiva interpretação, se constate que a norma em questão também visa proteger interesses particulares e não apenas beneficiá-los enquanto interessados no bem da colectividade. V - A aferição global da causalidade adequada, não se referindo a um facto e ao dano isoladamente considerados, deve partir de um juízo de prognose posterior objectiva, formulado em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual que, em concreto, desencadeou a lesão e o dano, no âmbito da sua aptidão geral ou abstracta para produzir esse dano.
VI - A causa (adequada) pode ser, não necessariamente directa e imediata, mas indirecta, bastando que a acção causal desencadeie outra condição que, directamente, suscite o dano e não pressupõe a existência de uma causa ou condição exclusiva na produção do dano, no sentido de que a mesma tenha, só por si, determinado o dano, porquanto podem ter intervindo outros factos, contemporâneos ou não. VII - As relações de vizinhança e o facto de ter sido o réu o causador da situação determinante do risco para a moradia dos autores, envolveriam da parte daquele o dever de agir no sentido da prevenção da ocorrência de danos, respeitando a situação de equilíbrio imobiliário, que, no seu exclusivo interesse e por sua inteira responsabilidade foi perturbado. Não o tendo feito, não só se demonstrou que esse seu comportamento reprovável não foi indiferente para os danos sofridos pelos autores como se conclui, no plano geral e abstracto, que ele constituiu a causa adequada desses mesmos danos, sem que a deficiente conservação do prédio dos autores atenue essa eficácia causal.
Com efeito, em oposição à teoria instalada, da equivalência das condições (teoria da conditio sine qua non), formulou-se, na Alemanha oitocentista, a teoria subjetiva da causalidade adequada, segundo a qual não basta que um facto seja condição de um dano para se considerar causa dele, sendo necessário que se trate de uma condição tal que provoque o mesmo resultado, como consequência normal e adequada[39].
Ao contrário da teoria da equivalência das condições, na causalidade adequada a “causa” é estabelecida em abstrato e não em concreto, sendo necessário que o julgador retroaja mentalmente até ao momento da ação ou da omissão para verificar se esta era ou não adequada a produzir o dano (juízo de “prognose póstuma”).
É para a teoria da causalidade adequada que parece apontar a formulação do art. 563.º do Código Civil[40].
Todavia, o estabelecimento do nexo causal não tem de cingir-se aos parâmetros estreitos desta teoria e, não obstante ser essa a solução que parece decorrer da letra da lei (“provavelmente não teria sofrido”), a verdade é que não estão afastadas outras formulações.
Após criticar a teoria da causalidade adequada, Menezes Cordeiro[41] refere-se à teoria do escopo da norma violada (também conhecida por teoria da relatividade aquiliana) como sendo o meio idóneo de resolução de casos de fronteira[42].
Esta teoria funda-se no pressuposto de que não é possível individualizar um critério único e válido para aferir o nexo causal em todas as hipóteses de responsabilidade civil, propondo que o intérprete atenda à função da norma violada, para verificar se o evento danoso recai no seu âmbito de proteção. De modo que, quando o ilícito consiste na violação de regra imposta com o escopo de evitar a criação de um risco irrazoável, a responsabilidade estende-se somente aos eventos danosos que sejam resultado do risco em consideração do qual a conduta é proibida[43].
Assim, para Menezes Cordeiro[44], no campo da responsabilidade civil, “tudo quanto tenha a ver com omissões, com normas de proteção e com deveres do tráfego tem um enquadramento causal fácil, à luz do escopo das normas em presença”[45].
Também Menezes Leitão[46] defende a teoria do escopo da norma violada, referindo, por exemplo: “Já a teoria do escopo da norma violada defende, pelo contrário, que para o estabelecimento do nexo de causalidade é apenas necessário averiguar se os danos que resultaram do facto correspondem à frustração das utilidades que a norma visava conferir ao sujeito através do direito subjetivo ou da norma de proteção. Assim, a questão da determinação do nexo de causalidade acaba por se reconduzir a um problema de interpretação do conteúdo e fim específico da norma que serviu de base à imputação dos danos (…). Efetivamente a obrigação de reparar os danos causados constitui uma consequência jurídica de uma norma relativa à imputação de danos, o que implica que a averiguação do nexo de causalidade apenas se possa fazer a partir da determinação do fim específico e do âmbito de proteção da norma que determina essa consequência jurídica”.
Por outro lado, mesmo a causalidade adequada não afastaria a causalidade mediata ou indireta, ocorrendo esta quando o facto não produz o dano, mas desencadeia ou proporciona outro facto que leva à verificação daquele[47] (…).
Defluem do exposto duas conclusões:
- “O princípio geral dos deveres de prevenção de perigo, deveres no tráfego ou deveres de segurança no tráfego determina que quem cria ou controla uma situação de perigo tem de tomar as medidas necessárias, de acordo com as circunstâncias, para a protecção da pessoa e da propriedade de terceiros”, ac. STJ, de 24.10.2019, Proc. 128/11.1TBMMN.E1.S1;
- Sendo violado um destes deveres de tráfego, a causalidade decorre de forma indireta ou imediata.
No caso, temos, a norma do art. 1349.º, que exige a indemnização do vizinho em caso de passagem forçada momentânea e que tem em vista exatamente evitar o risco de desencadeamento de danos no prédio contíguo, não tendo sido demonstrada a essencialidade do uso do telhado vizinho (o dos AA.) para executar, fosse que parte fosse, da obra no prédio da Ré.
Aqui chegados, não podemos ignorar que também os AA. violaram os deveres que lhe assistem de realizar obras de conservação no seu prédio (mormente na cobertura antiga) de oito em oito anos, como impõe o art. 89.º do DL 555/89, de 12.16.
Sendo assim, nos termos do art. 570.º CC, a culpa dos AA., será imprópria e não técnica, por os lesados terem agido violando um dever geral de autoproteção, inobservando um ónus ou um encargo (ac. STJ, de 22.5.2028, Proc. 1646/11.7TBTNV.E1.S1).
Alude-se, nestas situações, a mitigation of damages[48].
Observamos, pois, um caso de concausalidade, devendo o tribunal ponderar a gravidade das culpas, por exemplo, em função das regras violadas e tendo em conta os efeitos que decorreram dessas violações.
Na situação dos autos, temos, de um lado, uma empresa dedicada à construção civil que intervém sobre todo o prédio da Ré, não podendo ignorar que existe um contra equilíbrio de forças entre os dois imóveis contíguos, ambos antigos. Intervém no telhado, criando um piso recuado, aumento, assim, o desnível dessas forças estruturais e, sendo visível o estado frágil do telhado do prédio dos AA., não se inibe de, pelo menos, nele circular para colocar o reboco na parede do novo piso recuado. Mesmo no que diz respeito à caleira colocada e que apenas passou a servir o prédio dos AA., a Ré permitiu, num primeiro momento, que as telhas da cobertura dos AA. não tivessem para aí virada a respetiva pendente.
Do outro lado, temos os AA., pessoas de avançada idade que obnubilaram o ónus de efetuaram obras de restauro da cobertura da sua casa, assim se colocando a si próprios em risco. Há aqui uma faute das vítimas que é corresponsável, mas que, considerando a sua debilidade em razão da idade, não assume a dimensão da liberdade da atuação da Ré. Sendo menor a liberdade de atuação (ou, mais corretamente, de omissão) dos AA. também se vislumbra menor o seu grau de responsabilidade.
Entendemos, assim, ser justo e equitativo fixar o grau da responsabilidade da Ré em 70% e o dos AA. em 30%.
Os danos que os recorrentes pretendem ver ressarcidos são os patrimoniais, a que alude o ponto 29 dos factos provados (outros se não demonstraram) e, assim, por aplicação daquelas percentagens, cabe aos AA. receberem indemnização de € 5.940, 90, com juros legais moratórios desde a citação.
No que tange aos danos não patrimoniais, que os AA. peticionam na quantia de € 1.500, 00, para cada um, os factos provados são absolutamente eloquentes das preocupações, tristezas e transtornos sofridos por duas pessoas de idade, tendo uma delas já ultrapassado os 90 anos, e manifestamente merecedores da tutela que lhes confere o art. 496.º CC.
De resto, o próprio direito à habitação condigna, com garantia constitucional (art. 65.º Const.), foi fortemente violado, na sua grande maioria, pela atuação de uma empresa de construção civil, acompanhada por técnicos da área, engenheiros civis e arquitetos, possibilitando que, durante meses, se vissem os AA. impedidos de usar os seus cómodos na totalidade, de terem o mínimo de conforto, pelo menos no inverno de 2017, e de manterem a saúde que a idade lhes permitia, não esquecendo a circunstância do acidente sofrido pelo A. quando procurava proceder à limpeza da água que lhe invadiu a casa.
Os valores pedidos a título de danos não patrimoniais, face ao contexto acabado de referir, revelam-se absolutamente exíguos, pelo que, referindo-se o limite da condenação previsto no art. 609.º CPC ao pedido global e não às suas parcelas, não se operará, quanto aos € 3.000, 00, de compensação, a subtração dos 30% mencionados, fixando-se a indemnização para ambos, em € 3.000, 00.
Sendo os valores peticionados a título de compensação por danos morais inferiores aos que, em retas contas, mereceriam os AA., os juros a fixar, pela mora, contam-se desde a citação e não desde a presente data porque não foi aqui efetuado cálculo atualizado nos termos do art. 566.º/2 CC (ao contrário do pressuposto do AUJ 4/2020).
Dispositivo
Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso dos AA. parcialmente procedente e, em consequência, revogando-se parcialmente a sentença recorrida, condenam a Ré a pagar aos AA. a quantia de € 8 940,90, com juros moratórios legais, de 4%, desde a citação e até integral pagamento, absolvendo-se a Ré do demais peticionado.
Custas da ação e do recurso por ambas as partes na proporção do decaimento.
Porto, 26.5.2025
Fernanda Almeida
Carlos Gil
Teresa Pinto da Silva
____________________________
[1] Na parte relativa à indemnização aos danos materiais causados no prédio para cuja reparação pretendem a quantia de € 8. 675, 59 e, bem assim, € 3.000, 00, pelos danos não patrimoniais sofridos pela A. e falecido marido.
[2] Entretanto falecido na pendência da ação, resultando habilitado, como seu herdeiro e para além da Autora, CC.
[3] De resto, a fls. 31 do recurso, os recorrentes delimitaram os temas da impugnação, dizendo:
Apesar de a factualidade em relação à qual se impugna a decisão da matéria de facto ser extensa, em número, a mesma resume-se a três categorias:
- factos relativos às obras realizadas pela Recorrida A..., ao estado do telhado do prédio dos Recorrentes, à origem das infiltrações ocorridas neste mesmo prédio e aos danos sofridos pelos Recorrentes, factualidade principal colocada em causa no presente recurso e central para a decisão da presente ação, à qual respeitam os pontos 42 a 46, 48 a 50, 86 e 89 a 93 da factualidade dada como provada e os pontos 18, 25, 27, 28, 33, 36, 48, 58 e 65 dos factos dados como não provados;
- factos relativos à ocupação do telhado do prédio dos Recorrentes aquando da realização das obras pela Recorrida A..., factualidade de importância residual, à qual respeitam os pontos 37 a 39 e 85 dos factos dados como provados;
e
- outros factos incorretamente julgados, factualidade à qual apenas se alude por questão de rigor e para se evitar contradição na decisão da matéria de facto, à qual se referem os pontos 1, 3 e 4 (até “caleira nova”) dos factos dados como não provados.
[4] Cfr. v.g., ac. STJ, de 1.10.2015, Proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1 II - Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação. IV – Com efeito, o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1, constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação.
[5] A esta temática dedicou Mafalda Miranda Barbosa as mais de 1500 páginas da sua tese de doutoramento, defendida em 2012, sob o título Do nexo de causalidade ao nexo de imputação: contributo para a compreensão da natureza binária e personalística do requisito causal ao nível da responsabilidade civil extracontratual, a qual podemos agora ver condensada pela autora, de modo mais acessível, em Causalidade Fundamentadora e Causalidade Preenchedora da Responsabilidade Civil, Gestlegal, fevereiro de 2025.
[6] Vide ac. STJ, de 29.10.2019, Proc. 738/03.0TBSTR.E1.S3: I. Quando as Conclusões inscritas nas Alegações de Recurso (art. 639º, 1, CPC) apresentam irregularidades manifestas e censuráveis de acordo com o ónus processual da conclusão recursiva – nomeadamente, deficiência, obscuridade, complexidade e falta das especificações legais necessárias tendo em conta o exigido nos arts. 639º, 2, e 640º, 1 e 2, CPC –, o CPC, de acordo com o n.º 3 do art. 639º, oferece ao Relator do processo em sede de recurso o poder-dever de convidar o recorrente a sanar e/ou a corrigir as irregularidades detectadas e susceptíveis de afectarem a função delimitadora e identificadora das Conclusões.
II. Os Recorrentes, não se tendo determinado pelo que lhes é exigido no despacho de aperfeiçoamento, colocam-se na situação de não ver apreciado o objecto do seu recurso na parte afectada (logo, total ou parcialmente) pelo vício identificado, pois essa é a sanção cominada pelo art. 639º, 3, do CPC para a não apresentação tempestiva das novas Conclusões, reservando-se ulteriormente um juízo definitivo de ponderação ao tribunal.
III. A cominação gravosa do art. 639º, 3 (não conhecimento do objecto do recurso) será justificada se as circunstâncias concretas do comportamento processual quanto ao ónus recursivo revelarem um juízo de especial censura à parte inadimplente de acordo com os princípios processuais pertinentes para tal regime (a tutela da igualdade das partes, a protecção do exercício do contraditório, a cooperação e a boa fé processual assim como o princípio da auto-responsabilidade das partes). Nessas hipóteses de actuação intolerável em face da expressão desses princípios encontraremos situações extremas de afastamento do conhecimento do mérito do recurso.
IV. Esse juízo implica, por um lado, a apreciação do conteúdo das Conclusões não obstante o incumprimento ou o cumprimento defeituoso do convite ao aperfeiçoamento e, por outro, comporta saber se a conduta processual em face do convite ao aperfeiçoamento revela uma particular indiferença para com o comando legal em sede de ónus de alegação recursiva (apreciação da forma de cumprimento no exercício do meio de impugnação da decisão recorrida).
V. Se esta apreciação formal, concreta e referida aos princípios processuais aplicáveis, conduzir positivamente a uma imputação de censura à parte, funcionará o princípio da preclusão do exercício de direitos ou da satisfação de pretensões adjectivas, em particular quando inerente ao não cumprimento do ónus da prática de certos actos processuais dentro dos prazos (considerados) peremptórios ou resolutivos cominados por lei, também plasmado no art. 639º, 3, do CPC
VI. Resultando o despacho de convite ao aperfeiçoamento do cumprimento de injunção do STJ ao Relator do processo de recurso de apelação na Relação, depois de os Recorrentes terem pugnando por evitar o efeito cominatório de rejeição do recurso de apelação com o fundamento na falta de conclusões com a prolação de despacho de aperfeiçoamento das conclusões, incidia sobre as partes recorrentes uma diligência particularmente qualificada no cumprimento do despacho de convite ao aperfeiçoamento à luz da cooperação (e, complementarmente, da boa fé) processual e da auto-responsabilidade dos Recorrentes no processo. Não só no conteúdo da peça – no que toca, maxime, ao ponto decisivo da capacidade de síntese nas Conclusões a reformular –, mas também no preenchimento formalmente rigoroso do art. 639º, 3, do CPC, desde logo do seu prazo resolutivo. Neste se demonstraria o cumprimento minimamente diligente da resposta de aperfeiçoamento das Conclusões no âmbito do procedimento impugnatório.
VII. Quando as partes recorrentes apresentam nesse circunstancialismo processual a peça de aperfeiçoamento fora do prazo peremptório imposto pelo art. 639º, 3 CPC, não se comportam processualmente com esse mínimo de diligência e essa extemporaneidade por omissão justifica, numa situação extrema de aplicação da sanção do art. 639º, 3, CPC, a preclusão do conhecimento do mérito do recurso.
VIII. É admissível revista do acórdão da Relação que se abstém de apreciar o mérito da apelação com fundamento na intempestividade do cumprimento do despacho de convite ao aperfeiçoamento para apresentação de novas conclusões, previsto e cominado no art. 639º, 3, do CPC com a rejeição do recurso, uma vez configurar-se decisão final da Relação que põe «termo ao processo» por razões de natureza adjectiva (art. 671º, 1, CPC).
[7] Podem ver-se em Google Earth e nos docs. 12 e 13 juntos com a pi.
[8] Ver ponto 6.2 deste relatório.
[9] ACSTJ de 02-12-2008, Revista n.º 3505/08 : I -A teoria da causalidade adequada impõe, num primeiro momento, a existência de um facto naturalístico concreto, condicionante de um dano sofrido, para que este seja reparado; e, num segundo momento, que o facto concreto apurado seja, em geral e abstracto, adequado e apropriado para provocar o dano. II - Se o nexo da causalidade constitui, no plano naturalístico, matéria de facto, não sindicável pelo STJ como tribunal de revista, já o mesmo vem a constituir, no plano geral e abstracto, matéria de direito, onde o Supremo pode intervir, pois respeita à aplicação e interpretação do art. 563.º do CC.
[10] Já dada como provada em 18.
[11] Já dada como provada em 27.
[12] Entretanto falecido na pendência da ação, resultando habilitado, como seu herdeiro e para além da Autora, CC.
[13] Os artigos 493.º/1 e 502.º do Código Civil – Breves notas, in Revista de Direito da Responsabilidade Civil, Ano 7, 20.5.2025, disponível em linha [atual].
[14] Risikogesellschaft, em 1986, citado por José Manuel Mendes, Ulrich Beck: a imanência do social e a sociedade do risco, Análise Social, 214, l (1.º), 2015 ISNN online 2182-2999. Disponível em n214a12.pdf [em linha] atual. Consultado em 15.1.2025.
[15] Descritas por Rui Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade civil por violação de deveres do tráfego. Tese de Doutoramento (2013), p.1, e explicitadas pelo mesmo autor em Os deveres de tráfego, Revista de Direito da Responsabilidade, de 11.7.2019, Ano 1, disponível em Os deveres no tráfego – Rui Ataíde – Revista de Direito da Responsabilidade atual, consultado em 12.1.2025, onde o autor refere: “a ruptura com a filosofia clássica da responsabilidade por omissões não foi obra das decisões analisadas em texto mas da jurisprudência alemã desenvolvida na segunda metade do século XIX, segundo a qual o exercício de uma actividade ou a mera detenção de uma coisa, apesar de não constituírem condutas perigosas, podiam justificar a responsabilidade por incumprimento de deveres de agir, contanto que se descurasse os cuidados devidos com a sua correcta condução ou conservação. A evolução decisiva levada a cabo pela jurisprudência oitocentista, marcou uma nova conceptualização da imputação por condutas omissivas, desligando-a do pensamento da ingerência, para a erguer sobre outros alicerces dogmáticos – ainda que só mais tarde elaborados sob a forma dos correspondentes enunciados teóricos – baseados em competências jurídico-materiais impostas pelo controlo de determinadas fontes de perigo, de que era exemplo a posse de edifícios relativamente a lesões sofridas em escadas ou causadas por clarabóias ou janelas por reparar (…)”.
[16] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, VII - Direito das Obrigações, 2.ª Ed., 2023, ps. 630-631, alude aos seguintes exemplos de deveres de tráfego: (1) deveres de aviso e de proibição de acesso ao local do perigo; (2) deveres de instrução das pessoas sujeitas à fonte do perigo; (3) deveres de controlo do perigo, tomando medidas físicas para a sua confinação; (4) deveres de escolha criteriosa de colaboradores e de organização; (5) deveres de formação profissional; (6) deveres de avisar e pedir auxílio, em tempo útil, às autoridades públicas competentes; 7) deveres de assistência e de cuidado reportados a pessoas: não servir vinho a um convidado excitável, que reaja agressivamente ao álcool; não convidar, em simultâneo, pessoas que estejam travadas de razões; evitar levar um ativista descontrolado a uma ação de protesto, quando seja de esperar incidentes; não entregar uma arma de fogo a um apaixonado ciumento, etc…
[17] Sobre o tema podem ver, entre outros, Mathilde Boutonnet, Bilan et avenir du principe de précaution en droit de responsabilité civile, Recueil Dalloz, 2010, p. 2662, acessível em linha, em https://dialnet.unirioja.es/servlet/revista?codigo=20524. BOUTONNET, Mathilde – L’influence du principe de précaution sur la responsabilité civile en droit français; un bilan em demi-teinte. [em linha]. Cons. em 19.4.2016, p. 20 e ss. Mariana Canotilho, O princípio do nível mais elevado de proteção em matéria de direitos fundamentais. Coimbra: Dissertação de mestrado na FDUC, 2008. Magali Gandin – Le principe de précaution: nouveau fondement de responsabilité civile? – Le principe de précaution: nouveau fondement de responsabilité civile?. Saarbrücken: Éditions Universitaires Européennes, 2014.
[18] European Group on Tort Law, Principios de derecho de la responsabilidade civil, apud Nuno Manuel Pinto Oliveira, Responsabilidade Objetiva, II Seminário dos Cadernos de Direito Privado. - Braga - 151 ps. N.º especial 2 (dezembro 2012) p. 107-121.
[19] Ilicitude Extracontratual, Umas Breves Novas, em Novos Olhares Sobre a Responsabilidade Civil, CEJ, Plano de Formação de 2017/2018 [em linha], consultado a 26.11.2024, p. 15 e 16.
[20] Menezes Cordeiro apresenta uma sistematização da matéria da responsabilidade civil, referindo serem dois os planos em que se dá a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil: um primeiro, de natureza fática, no qual concorrem o fato, o dano e a causalidade entre ambos, dito fático por ser percetível pelos sentidos, e um segundo, de natureza jurídica que permitirá a efetiva formação de um juízo de imputação em relação ao devedor da obrigação de indemnizar. Neste plano jurídico, poder-se-ão verificar, num sistema geral de responsabilidade, dois elementos integrantes, a saber: a ilicitude, enquanto juízo de atuação desconforme com o direito, e a culpa, enquanto juízo de censurabilidade da conduta geradora do dano. Estes pressupostos poderão ser objeto de verificação em separado, como é típico do modelo dualista de inspiração alemã, também chamado modelo culpa/ilicitude, no qual se constata a desconformidade da conduta com o direito (ilicitude) e, após, se afere a sua censurabilidade (culpa); num momento único, como é usual no modelo monista de tradição francesa, no qual a culpa e a ilicitude são condensadas no conceito jurídico de faute, que se apresenta “enquanto juízo envolvente, capaz de verificar, no agente, a desconformidade da sua conduta exterior com o exigido pelo Direito e a censurabilidade dessa desconformidade”, Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais. Lisboa: Lex, 1997, p. 423.
[21] Direito das Obrigações, Vol. I, 16.ª Ed., ps. 320 e ss.
[22] Para Menezes Leitão, Direitos Reais, Coimbra, Almedina, 2.ª edição, 2011, ps. 202-203, estão aqui abrangidas as coisas corpóreas que, pertencendo ao mundo material exterior às pessoas, têm existência física, independentemente de serem ou não apreensíveis pelos sentidos (por ex., os gases e a eletricidade não seriam coisas corpóreas, embora tenham existência física). Já Menezes Cordeiro, em Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo II, Coisas, 2000, ps. 106-107, considera coisa corpóreas não apenas as que são percetíveis pelos sentidos, mas também todas as que são suscetíveis de posse, abrangendo as coisas em estado sólido, mas também os líquidos e os gases.
[23] Direito das Obrigações, 6.ª Ed., p. 492: “Também existe culpa em relação à responsabilidade de quem detenha coisa móvel ou imóvel com dever de vigiá-la, ou haja assumido o encargo de vigilância de quaisquer animais (…). De novo [como nos dois artigos anteriores] se afasta a responsabilidade através da prova da falta de culpa ou de que os danos se teriam igualmente verificado”.
[24] Em cujo sumário se lê: I - Os requisitos da responsabilidade civil subjetiva são o facto ilícito, o dano, a relação de causalidade e a culpa do lesante. II - A lei estabelece uma presunção de culpa do autor do dano (artigo 493, n.ºs 1 e 2, e 503, n. 3 do Código Penal) mas essa presunção incide apenas sobre o elemento subjetivo da responsabilidade (não sobre o facto ilícito e a causalidade que têm de ser provados pelo próprio lesado - artigo 342 do Código Civil).
[25] Assim, Mafalda Miranda Barbosa, A Reforma da Responsabilidade Civil – Breves Considerações em Sede Extracontratual, Revista da Faculdade de Direito e Ciência Política, Universidade Lusófona do Porto, n.º 11 (2018), ps. 7-8: “Quanto a nós entendemos que a presunção de culpa implica também a presunção de ilicitude. Porque, na interpretação do perigo, e atenta a natureza arriscada das sociedades hodiernas, há que tratar de um especial perigo – o risco que ultrapasse o limiar da normalidade. Ora, em face dos perigos qualificados, a pessoa tem de adotar todas as medidas de cuidado para salvaguarda do outro. Não o fazendo, está a atuar em contravenção com um princípio de precaução ou prevenção (…)”.
[26] Tratado de Direito Civil, VIII, Direito das Obrigações, 2.ª Ed., ps. 485 e 486 e 642.
[27] Lições de responsabilidade civil 2017, ps. 244-245.
[28] No ac. do STJ, do passado dia 28.1.2025, observou-se o seguinte: «No caso sub judice, não obstante ter sido feita prova da causa concreta da explosão - presença de gás no interior da oficina existente na fração de rés-do-chão existente no prédio em causa - não ficou provado que esse gás proviesse do abastecimento feito em decorrência de contrato de fornecimento de gás celebrado com a ré. Ficou, sim, provado que, na oficina onde teve início a explosão, havia uma tubagem de gás natural, não existindo, à data, fornecimento de gás contratado, sendo que resultou adquirido que as frações do prédio eram abastecidas por gás natural proveniente do fornecimento, não apenas da ré, mas igualmente de outras duas sociedades (E..., S.A. e G..., S.A.). Estamos, assim, perante uma causa identificada – a fuga de gás -, desconhecendo-se, embora, a autoria do fornecimento de tal gás, o que nos conduz, desde logo, ao tema da causalidade alternativa incerta. Segundo Paulo Mota Pinto estes são casos em que, de modo típico, existe incerteza sobre qual foi, das diversas causas, aquela que produziu o resultado (Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, volumes I e II, Coimbra Editora, 2008, pág. 654, nota 1858); para Carneiro da Frada o problema da causalidade alternativa suscita-se quando é “possível asseverar que o causador do dano é um de entre certo número (limitado) de sujeitos, mas não se consegue identificar com precisão a sua identidade.” (Direito civil. Responsabilidade civil. O método do caso, Almedina, 2006, pág. 107); também Mafalda Miranda Barbosa dá conta da posição de Calvão da Silva, o qual “aderindo a uma formulação negativa da causalidade adequada, sustentou que cada lesante deve ser responsabilizado, bastando para isso que se prove que ambos os autores foram prováveis responsáveis. Para isso, invoca a inversão do ónus da prova quando se adira àquela formulação negativa, bastando ao lesado provar a condicionalidade. Mais concretamente, bastará ao lesado provar que uma qualquer causa, ou melhor um dos comportamentos de um dos produtores, é conditio sine qua non. Cada uma dessas condições é presumida como causa adequada do dano (“le dommage est la conséquence normale, typique, probable du DES défectueux” – op. cit., loc. cit.), pelo que “o autor da lesão deve ilidir essa presunção, demonstrando circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou irregulares” que tenham influenciado a situação. Determinada a capacidade abstrata, entende-se que o lesado pode utilizá-la para estabelecer a sua presunção, a probabilidade séria que aquele ou aqueles produtores sejam os responsáveis.” (Causalidade alternativa incerta: modelos de resolução da problemática e o projeto francês (2017) de reforma da responsabilidade civil”, Revista de Direito Civil, ano III, n.º 4, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Almedina, 2018, p. 808; na explanação da sua teoria das esferas de risco, refere esta autora “Quando A e B disparam sobre C, podem não ter causado a morte de C em conjunto, mas, na dúvida, ambos edificaram uma esfera de responsabilidade, por ela sendo chamados à liça. É ela e não a factualidade neutral que é ajuizada pelo direito. Não é, portanto, uma tomada de posição acerca da questão da relevância positiva da causalidade virtual que entra em cena (…) No fundo, ao partirmos de uma dada compreensão da causalidade como imputação, a ser afirmada, em homenagem à pessoalidade livre e responsável e tendo por base uma conceção de ação ético-axiologicamente densificada, a partir da edificação de uma esfera de risco e do cotejo com outras esferas de risco, estamos em condições de afirmar a solidariedade com base na constatação de mais do que uma esfera de responsabilidade, independentemente da prova da condicionalidade (…)” ( ob. cit, pág.. 833); também Patrícia Costa afirma que “respondendo positivamente à questão de saber se é possível afirmar um nexo de imputação objectiva nos casos de causalidade alternativa incerta, cremos que se poderá, senão mesmo se impondo, retirar a consequência de que o juízo de condicionalidade necessária não é, afinal, o limiar mínimo necessário ao juízo de imputação objectiva, antes se devendo orientar este para uma concepção normativa ligada à edificação de esferas de risco específico no âmbito das quais se realiza o resultado proibido.” (Causalidade Alternativa E A Jurisprudência Dos Tribunais Superiores – Ou “Três Caçadores Entram Num Bar...”», Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil, Ebook do CEJ, Outubro de 2018, pág. 117). Na jurisprudência, o STJ manifestou abertura à responsabilização solidária no âmbito da responsabilidade alternativa incerta, num caso, objecto de análise pelo acórdão de 19.5.2015, proc. n.º 154/10.8TBCDR.S1 em que se discutia a responsabilidade subjectiva dos participantes numa rixa, da qual resultaram danos, não sendo possível imputá-los à conduta de cada um dos agentes. Ainda que sem prescindir do modelo tradicional que faz apelo a uma ideia de “conditio sine qua non”, o STJ identificou a causalidade alternativa, a par da causalidade concorrente, como excepção àquele modelo, realçando que existem “situações em que se pode suprimir mentalmente um factor, sem que por isso um certo efeito deixe de ocorrer, parecendo, todavia arbitrário, de um ponto de vista jurídico, negar-lhe relevância causal.” Na análise casuística que empreendeu, o STJ, no acórdão em causa, observou que “basta reconhecer que foi a actuação do grupo a condição sine qua non do dano sofrido pelo lesado, o que permitirá responsabilizar solidariamente os membros desse grupo, permitindo-lhes embora, a cada um deles, provar que não causaram esse dano. Essa responsabilização solidária, emerge, no fim de contas do artigo 497.º do nosso Código Civil que afirma, precisamente, a responsabilidade solidária das várias pessoas responsáveis pelos danos (sem olvidar o artigo 490.º do mesmo Código que consagra que “se forem vários os autores, instigadores ou auxiliares do acto ilícito, todos eles respondem pelos danos que hajam causado”).” Cremos que tal posição deve ser acolhida para a solução do presente caso, em que se discute a responsabilidade objectiva da ré Lisboagás.»
[29] O Supremo Tribunal de Justiça vem, neste acórdão, abrir as portas à consagração jurisprudencial da teoria das esferas de risco. Pode ler-se no acórdão: «no caso da responsabilidade por danos causados por coisa móvel, a lei prevê, no nº 1 do artigo 493º do Código Civil, os seguintes pressupostos da obrigação de indemnizar: a) Especial aptidão da coisa, pela sua natureza, estrutura ou qualidades, para causar danos a terceiros; b) Atribuição da guarda da coisa móvel a um sujeito, a título de propriedade, ou outro, por exemplo, locação, depósito, comodato, etc.; c) Dever de vigilância do sujeito em relação à coisa potencialmente perigosa (deveres de segurança no tráfego); d) Culpa presumida a cargo do sujeito obrigado à vigilância, sem que este tenha provado a inexistência de culpa ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa (relevância negativa da causa virtual). O dever de vigilância tem um conteúdo indeterminado, dependente das circunstâncias do caso, e integra-se num dever geral de prevenção do perigo ou nos deveres de segurança do tráfego. A norma do artigo 493.º, nº 1, do CC estabelece uma presunção de culpa que é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude, de tal modo que, em face da ocorrência de danos, se presume ter existido, por parte da pessoa que detém a coisa, incumprimento do dever de vigiar. Tendo sido a Ré a criar a fonte do perigo, ela dá origem a uma esfera de risco/responsabilidade a seu cargo. Não tendo o lesado contribuído para o dano nem pertencendo este aos riscos comuns ou correntes da vida, verifica-se, assim, necessariamente, uma conexão funcional entre o dano e a esfera de risco posta em marcha pelo lesante».
[30] Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6.ª Ed., ps. 892 e ss.
[31] Das Obrigações, Vol. I, p. 277.
[32] Sousa Antunes, Responsabilidade Civil dos Obrigados à Vigilância de Pessoa Naturalmente Incapaz, UCE, Lisboa, 2000, 270-286, e Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade civil por violação de deveres de tráfego, 2015, ps. 925-943, para quem está afastada a culpa do lesante se este demonstrar a causa efetiva do dano (um facto do lesado, um facto de terceiro, ou um caso fortuito ou de força maior).
[33] Do nexo de causalidade ao nexo de imputação, CEJ, cit., ps. 69 e 70.
[34] P. 58, nota 108,
[35] Os artigos 491.º, 492.º e 493.º do Código Civil, cit, p. 350, nota 1.
[36] Que explicita, por ex., em Lições de Responsabilidade Civil, cit., ps. 265 e ss., onde a entende como imputação, no sentido de se ligar à escolha livre do sujeito e à autodeterminação pessoal e à dignidade da pessoa, ligando-se a liberdade à responsabilidade, o que impõe ao sujeito, primeiro, que assuma os deveres próprios da sua vivência em comunidade e evite a consumação do dano na esfera alheia e, depois, que se lhe imponha uma obrigação ressarcitória como contraponto da invasão do espaço de liberdade e segurança de terceiros. De modo que a responsabilidade civil pressupõe não apenas a ilicitude e a culpa, mas também a sua interpretação à luz da intencionalidade ético-axiológica que parte da ideia da liberdade da pessoa em que se ancora o direito. O tema do fundamento personalista da responsabilidade civil está igualmente exposto pela Sr.ª Profa. em O Tríptico da exclusão da ilicitude, Gestlegal, janeiro de 2023, ps. 23 e ss.
[37] Causalidade Fundamentadora e Causalidade Preenchedora da Responsabilidade Civil, Gestlegal, fevereiro de 2025, ps. 161 e ss.
[38] Ibidem, p. 186.
[39] Sobre a evolução da dogmática relativa à causalidade podem ver-se, ALARCÃO, Rui de, Direito das Obrigações, p. 280 e ss., e VARELA, J. Antunes, Das obrigações em geral, p. 858 e ss.,
[40] Embora com uma formulação deficiente que deixa ao critério do intérprete liberdade para optar pela solução que lhe pareça mais defensável, como refere VARELA, Antunes, Das Obrigações em geral, p. 871.
[41] CORDEIRO, António Menezes, Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, p. 534 e ss.
[42] CANOTILHO, José Joaquim Gomes, in O Problema da Responsabilidade do Estado por Actos Lícitos, p. 314-315, ao examinar a responsabilidade do Estado por atos lícitos considerava já ser insuficiente a teoria da causalidade adequada:
“a) Umas vezes porque a questão não pode ser solucionável em sede de causalidade. A mudança de uma estrada, a supressão de uma via férrea, a deslocação de uma Universidade serão actos estaduais susceptíveis de acarretarem o aniquilamento económico dos hoteleiros e livreiros (…). A medida estadual é abstractamente causa adequada dos danos sofridos pelos comerciantes referidos. (…) porém (…) alargar a responsabilidade estadual a todos os danos desta espécie, cairíamos na aceitação de uma responsabilidade objectiva geral do Estado (…) b) Noutros casos passa-se o inverso: a teoria da causalidade adequada leva-nos a negar a existência de um nexo causalístico para certos danos que, razoavelmente, se devem considerar merecedores de tutela reparatória a cargo do Estado”.
[43] A teoria em apreço é explicada por Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, cit,, p. 871 e ss., não com a pretensão de substituir o nexo de causalidade adequada, mas detendo a utilidade incontestada de ser uma elemento auxiliar na resolução de dúvidas que se suscitem quanto à existência quer da ilicitude, quer do nexo de causalidade, explicando-a deste modo:
“Trata-se da teoria segundo a qual a distinção entre os danos indemnizáveis e não indemnizáveis se deve fazer, não em obediência ao pensamento da causalidade adequada do facto, mas tendo em vista os reais interesses tutelados pelo fim do contrato, no caso da responsabilidade contratual, ou pelo fim da norma legal, no caso da responsabilidade extracontratual”.
[44] Idem, p. 555.
[45] Aliás, Menezes Cordeiro (ob. cit, p. 542 e ss.) examina de forma crítica a evolução do tratamento do tema da causalidade na jurisprudência nacional identificando três estádios de evolução:
“Num primeiro grupo de casos, verificamos que a causalidade é tratada, a nível do Supremo, em termos intuitivos, embora sempre com a possível sindicância normativa. (…) Num segundo grupo, o Supremo passa, sob clara pressão doutrinária, a apelar à causalidade adequada supondo mesmo, por vezes – o que não é, reconhecidamente, o caso – que ela tem consagração legal. Subjacente há, contudo, sempre uma interpretação das regras jurídicas em presença. (…) Finalmente, o Supremo, embora referindo, ainda, ‘uma causalidade adequada’ passa a ponderar os problemas em termos normativos.” Um dos exemplos jurisprudenciais é dado pelo ac. STJ, de 25.9.2007 (Faria Antunes), Proc. 07ª2206, onde se diz que se justifica que o prejuízo recaia sobre que, agindo ilicitamente, criou a condição do dano.
[46] Em Direito das Obrigações, p. 348.
[47] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Ano, Vol. I, 4ª Ed., p. 579. Também a jurisprudência admite a causalidade mediata, vejam-se v.g. Ac. STJ, de 7.4.05, Proc. 05B294, em wwww.dgsi.pt, onde se lê: O artº 563º do Código Civil consagra a doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa e (…) admite. – não só a ocorrência de outros factos condicionantes; - como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.
[48] Standard Chartered Bank v. Pakistan National Shipping Corporation & Ors [2001] EWCA 55 (26th January 2001), apud Mafalda Miranda Barbosa, tese de doutoramento, cit., p. 52, nota 95.