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CASSAÇÃO DA LICENÇA DE CONDUÇÃO
SUBSIDIARIEDADE DO DIREITO PENAL PARA A LEGISLAÇÃO PENAL DE CARÁCTER ESPECIAL
Sumário
I - O procedimento autónomo regulado no nº10 do art. 148 do Código da Estrada, prescreve no prazo de cinco anos, tal como a própria medida de segurança em que se traduz a cassação da licença de condução, por força do art.186 do Código da Estrada, que remete para o RGCO, - DL n.º 433/82, de 27 de Outubro -, e este por sua vez, nos artigos 32 e 41 nº1, remete, em tudo o que não seja contrário aquele diploma legal, para os preceitos reguladores do Código Penal e processo penal, e o art.8º do CP indica a subsidiariedade do direito penal para a legislação penal de carácter especial. II - Neste procedimento administrativo não podem ser invocados vícios relativos às condenações transitadas em julgado que estiveram na base da perda dos pontos. III - A omissão da formalidade prevista no art. 9º n.º2 do Decreto Regulamentar nº1-A/2016 de 30 de maio não têm consequências no referido procedimento administrativo e não impede o decretamento da cassação da licença de condução. IV - O referido procedimento administrativo não viola o disposto nos artigos 29 nº5 e 30 nº4 da CRP.
(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Texto Integral
Processo: 392/22.0T9FLG.P1
1. Relatório
AA veio impugnar para o Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Local Criminal de Felgueiras, a decisão administrativa proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, em 25.05.2022, que determinou, ao abrigo do disposto no art. 148 nºs 4, al. c) e 10 do Código da Estrada (subtração total dos pontos da carta de condução), a cassação do título de condução nº ... de que era titular a impugnante.
Em primeira instância foi decidido por sentença depositada em 9/09/2024 julgar a impugnação improcedente e manter a cassação do título de condução.
Inconformada veio a arguida interpor recurso da sentença que decidiu manter a cassação do título de condução.
É o seguinte o teor das conclusões do recurso: «A – Vem o presente recurso interposto da sentença que confirmou a cassação da carta de condução da ora Recorrente. B – Da decisão do tribunal de comarca que confirma a cassação da carta determinada pela entidade administrativa cabe recurso para o Tribunal da Relação – cfr. fundamentação constante dos Acs. do Tribunal da Relação do Porto de 27/05/2020, processo n.º 1294/19.3Y3VNG.P1; do Tribunal da Relação de Évora, os Acs. de 20/02/2024, processo n.º 1063/23.6 TOLH.E1, para a qual se remete e se dá aqui por reproduzida. C - O Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 425/2019 de 10/07/2019 refere: “Não se ignora, evidentemente, que o Regime Geral das Contraordenações não refere expressamente que a decisão judicial que confirma a decisão administrativa que decretou a cassação do título de condução é recorrível para o Tribunal da Relação. Tal recorribilidade, todavia, não só corresponde à solução que vem sendo sufragada na jurisprudência dos tribunais comuns (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13.06.2012, referente ao processo n.º 528/11.7TBNZR.C1, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 01.07.2013, proferido no processo n.º 1915/11.6TBFAF.G1 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09.05.2018, respeitante ao processo n.º 644/16.9PTPRT-A.P1, e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 30.04.2019, referente ao processo n.º 316/18.0T8CPV.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt), como constitui a única interpretação teleologicamente sustentável dos preceitos legais aplicáveis no caso.” D - Por outro lado, é manifestamente iníquo admitir-se o recurso para a Relação da sentença que aplica ao arguido uma coima superior a cerca de ¼ do salário mínimo nacional ou que abranja sanções acessórias, e retirar-se o direito de recurso numa matéria tão gravosa quanto a privação do direito a conduzir pelo período de 2 anos, consequente da cassação da carta de condução (privação que se soma a todas as inibições de conduzir parcelarmente aplicadas) e com as inúmeras implicações na vida pessoal e laboral da arguida. E – É nula, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, a douta sentença recorrida porquanto, não se pronunciou sobre uma das questões que deveria apreciar – a prescrição do procedimento de cassação do título de condução. F – Com efeito, a prescrição do procedimento é de conhecimento oficioso, e o procedimento para a cassação da carta de condução já prescreveu. G - O procedimento administrativo autónomo de cassação da licença de condução está sujeito a um prazo de prescrição, na medida em que constitui uma medida restritiva para efeitos do art. 18.º n.º 2 da CRP, sendo esse prazo de 2 anos, nos termos do art. 188.º do C.E. – cfr. neste sentido Ac. RE de 15-12-2022, processo n.º 194/22.4 T8CBA.E1. H - Ora, a prescrição começa a correr a partir do momento em que transita em julgado a última decisão administrativa que determinou a perda da totalidade dos pontos do título de condução da Recorrente, ou seja, in casu, em 12/12/2020, data do trânsito em julgado da decisão proferida nos processos CO n.ºs ... e .... I - Nos termos do n.º 3 do art. 28.º do RGCO, a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início, e ressalvado o tempo da suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade. J - Também nos termos do art. 27.º-A do RGCO, a suspensão não pode ultrapassar seis meses pelo que decorridos 3 anos e 6 meses contados sobre a data em que o procedimento de cassação se poderia ter iniciado, ocorre a prescrição do mesmo, o que sucedeu em 13/06/2024 (ou no limite em 26/08/2024 se se considerar a suspensão da prescrição decorrente da Covid), prescrição que expressamente se invoca e requer a V. Exas. que seja declarada. L - Na data em que foi proferida a douta sentença de que se recorre já o procedimento de cassação havia prescrito. M – Existe ainda uma contradição insanável da fundamentação e erro notório da apreciação da prova e nulidade sentença, N - Existe uma impossibilidade fáctica e consequentemente jurídica que obsta a que possam ser dados como provados os factos 2 - A) alínea g) “…g) a referida infracção foi praticada no dia 26.09.2019, às 10h03, no local ..., 0,1 em Matosinhos, e com a viatura de matrícula ..-MR-..; sendo que no respectivo auto constante de fls. 11 do Apenso, aí se refere e como descrição sumária, o seguinte: o referido veículo circulava, fora da localidade, pelo menos á velocidade de 101 km/h, correspondente á velocidade registada de 107 km/h, deduzida a margem de erro legalmente prevista, sendo o limite de velocidade permitido pela sinalização de 60 km/hora. A velocidade foi verificada através do equipamento “Jenoptik MultaRadarC”, conforme resulta de fls. 7 e foto de fls. 8. e 2 - B) alínea g) “…g) a referida infracção foi praticada no dia 26.09.2019, às 10h03, no local ..., 0,1 em Matosinhos, e com a viatura de matrícula ..-SM-..; sendo que no respectivo auto constante de fls. 15 do Apenso, aí se refere e como descrição sumária, o seguinte: o referido veículo circulava, fora da localidade, pelo menos á velocidade de 97 km/h, correspondente á velocidade registada de 103 km/h, deduzida a margem de erro legalmente prevista, sendo o limite de velocidade permitido pela sinalização de 60 km/hora. A velocidade foi verificada através do equipamento “Jenoptik MultaRadarC”, conforme resulta de fls. 15 e foto de fls. 16.” e ao mesmo tempo que se julgue como não provado que o veículo com a matrícula ..-MR-.. não fosse conduzido pela Recorrente, pelo menos num dos autos de contra-ordenação com os n.ºs ... e ... e bem assim que tenha sido julgado como não provado que o veículo com a matrícula ..-SM-.. não fosse conduzido pela Recorrente, pelo menos, num dos autos de contra-ordenação com os n.ºs ... e ...; porquanto, a arguida não pode conduzir ao mesmo tempo dois veículos diferentes, em excesso de velocidade, no mesmo dia, à mesma hora e no mesmo local. O - Com efeito, e apesar do facto provado 2 se referir aos averbamentos do Registo de Infracções do condutor relativo à Recorrente não pode ignorar-se que às concretas infracções constantes do RIC subjaz um facto naturalístico que é a prática de uma infracção consubstanciada na condução com excesso de velocidade, num determinado local, e num determinado veículo pela arguida/Recorrente, logo não podem dar-se como provados factos que pressupõem a condução da Recorrente de dois veículos ao mesmo tempo e no mesmo local porquanto é humanamente impossível. P - A isto acresce igualmente a impossibilidade fáctica de se dar como provado que a Recorrente conduzia ainda no referido dia 26-09-2019, às 09h53, na Avenida ..., em ..., Felgueiras, n.º ..., a viatura ..-BD-.., ao mesmo tempo que utilizava um aparelho radiotelefónico – facto provado 2 C, alínea g) “…g) a referida infracção foi praticada no dia 26.09.2019, às 09h53, no local Avenida ..., em ..., Felgueiras, nº ..., e com a viatura de matrícula ..-BD-..; sendo que no respectivo auto constante de fls. 24 do Apenso, aí se refere e como descrição sumária, o seguinte: utilização de forma continuada, pelo condutor, durante a marcha do veículo, de aparelho radiotelefónico, não sendo o aparelho dotado de um único auricular ou de microfone com sistema de alta voz.” – Auto de contra-ordenação rodoviário n.º ... – conjuntamente com os factos provados nos pontos 2 A g) e 2 B g). Q - Com efeito, ao darem-se como provados, em conjunto, os 3 autos de CO, temos que a arguida, num espaço de 10 minutos conduzia 3 veículos diferentes (..-BD-..; ..-MR-.. e ..-SM-..), com uma distância de 70 km entre os veículos, entre Felgueiras e Matosinhos (que não é passível de ser cumprida em 10 minutos) e que conduzia 2 veículos (ao mesmo tempo, no mesmo local (Matosinhos, às 10h03)! E só nestes 3 autos de CO, a Recorrente viu serem-lhe subtraídos 6 pontos (quando, no máximo, apenas poderiam retirar-lhe 2 pontos). R – Deve assim ser rectificada, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 410.º do CPP, a matéria de facto, in casu, acrescentando aos factos provados que a Recorrente apenas poderia conduzir um dos 3 veículos ..-MR-..; ..-SM-.. e ..-BD-.. nos dia 26-09-2019, horas e locais constantes dos autos de CO n.ºs ..., ... e ... como se impõe e requer nos presentes autos. S - Acresce que, o douto Tribunal a quo deu como não provado que “o veículo com a matrícula ..-MR-.. não fosse conduzido pela Recorrente…”, tendo fundamentado a sua decisão com a dissonância entre as declarações da testemunha BB e a declaração junta aos autos por si assinada, discrepância que resultou de um erro do mandatário da Recorrente, mas que é completamente infirmada pelos fotogramas constantes dos autos de CO emitidos pela ANSR com os n.ºs ... e ..., donde se vê claramente que o veículo ..-MR-.. é conduzido pela testemunha BB, ou pelo menos, pessoa do sexo masculino. T - Por outro lado, existe uma contradição entre a fundamentação e a decisão sobre a matéria de facto. Na verdade, o Tribunal a quo na sua motivação refere que a convicção do Tribunal baseou-se nos “…autos de CO…”, porém, dá como não provado “…que o veículo com a matrícula ..-MR-.. não fosse conduzido pela Recorrente…”, quando dos autos de CO n.ºs ... e ... consta dos fotogramas que captaram a infracção que o veículo ..-MR-.. é conduzido por pessoa (do sexo masculino) que não a Recorrente. Identificação que foi confirmada em julgamento pela testemunha e por todos os intervenientes (MM. Juiz, Digníssima Procuradora da República) como sendo o Sr. BB. U - deveria pelo menos, constar dos factos provados um facto que o veículo ..-MR-.., no dia, hora e local constante dos autos de CO n.ºs ... e ... era conduzido por pessoa diferente da Recorrente ou por BB, e nestes 2 autos de CO em que notoriamente se vê que é um homem o condutor do veículo ..-MR-.. e não a Recorrente, esta perdeu mais 6 pontos na sua carta de condução! V – Por outro lado, a ANSR não cumpriu com a sua obrigação decorrente do art. 9.º n.º 2 Dec. Reg. N.º 1-A/2016 e art. 148.º, n.º 4, al. a) do CE, no prazo legalmente imposto o que determina a consequente nulidade da decisão de cassação. X - Nos termos do disposto no art. 148.º, n.º 4 als. a) e b) do Código da Estrada, quando o arguido tiver 5 ou 3 ou menos pontos, deverá ser notificado para proceder à realização de frequência de uma formação de segurança rodoviária e prova teórica de exame de condução respectivamente Z - Formação e exame que se encontram regulamentados no Decreto Regulamentar n. 1-A/2016 de 30 de Maio. AA - Nos termos do art. 9.º do decreto regulamentar n.º 1-A/2016 de 30 de Maio de 2016, a ANSR tem obrigação de notificar o condutor para os efeitos constantes dos n.ºs 4 e 8 do art. 148.º do C.E. devendo tal notificação ser efectuada até 5 dias úteis após a definitividade da decisão administrativa condenatória. AB - Logo, a arguida deveria ter sido advertida para a realização de tal formação, e não o foi, consubstanciando tal omissão, a preterição de uma formalidade obrigatória e essencial da ANSR, causa de nulidade do processo de cassação. AC - Por não ter sido notificada quando já só dispunha de 5 pontos ou menos, a arguida ficou impossibilitada de realizar a formação ou exame teórico, circunstâncias que lhe determinariam um incremento nos pontos da carta de condução e sobretudo a adequação dos seu comportamento às regras de trânsito (aliás, não pode deixar de ser esta a principal função da obrigatoriedade de formação) AD - A ANSR, ao invés de notificar os condutores para formação quando estes tenham 5 ou menos pontos, só analisa os pressupostos da cassação quando todos os pontos foram retirados, privando a Recorrente e demais condutores da oportunidade de salvar o seu título de condução. AE - Note-se que tal art. 9.º do decreto regulamentar não é destituído de fundamento. Na verdade, o legislador ciente da constitucionalidade duvidosa do regime de pontos criado, bem como das consequências e reflexos altamente nefastos para a vida dos infractores, entendeu conferir várias possibilidades aos condutores de procederem à sua reabilitação e assim evitar a cassação da carta de condução. AF - É falso o referido na douta sentença recorrida e pela ANSR que “…aquando da verificação dos pressupostos da referida norma jurídica, apurou-se que já havia sido subtraído a totalidade de pontos do seu título de condução”, já não sendo aplicável as normas previstas nas alíneas do art. 148.º do C.E. AG - Sucede que a ANSR tem que criar mecanismos que lhe permitam cumprir com as obrigações legais, tal como é imposto aos demais cidadãos, não sendo essa falha desculpável ou irrelevante para a lisura e andamento do processo de cassação da carta de condução. AH - Entre a data em que a ANSR deveria ter cumprido a sua obrigação e o transito em julgado da decisão seguinte decorreram mais de 3 meses e 10 dias, e entre esta última decisão e as que lhe determinaram a perda total de pontos mais de 1 mês e meio, num total de quase 5 meses, período que não permitiu à ANSR cumprir com a sua obrigação cujo prazo legal é de 5 dias úteis! AI - O processo de cassação é nulo porquanto a ANSR violou a sua obrigação de notificação da Recorrente prevista no art. 9.º do Dec. Regulamentar n.º 1-A/2016, sendo absolutamente irrelevante ou indesculpável que não tenha dado conta de que a Recorrente já tinha menos de 5 pontos ou menos, para além de ser absolutamente falso que a ANSR não tivesse tido tempo no intervalo das infracções… AJ - O direito de audição da Recorrente na fase administrativa foi apenas uma mera formalidade destituída de qualquer utilidade, porquanto, a entidade administrativa privou a Recorrente da sua defesa, o que determina a nulidade da decisão por preterição de formalidades essenciais. AL - A Recorrente pronunciou-se em sede de audiência prévia sobre a proposta de decisão de cassação do seu título de condução, alegando que não era a condutora dos veículos ..-MR-.. e ..-SM-.., nos dias, horas e locais constantes dos processos de contra-ordenação n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., uma vez que possui 5 veículos registados em seu nome os mesmos conduzidos diariamente por pessoas que lhe são próximas (companheiro e mãe). AM - Requereu a produção de prova de tais factos indicando para o efeito duas testemunhas e juntou 7 documentos (dois dos quais eram declarações em que os condutores dos veículos ..-MR-.. e ..-SM-.. assumiam a sua responsabilidade). AN - Sobre a requerida inquirição das testemunhas, a ANSR não procedeu à sua inquirição, tendo indeferido a mesma, com fundamento na inocuidade, impertinência e inutilidade, conceitos genéricos e abstractos que não concretizou nem explicitou. AO - Deste modo, face à ausência de fundamentação bastante e suficiente, deve a douta decisão ser declarada NULA, o que não foi (e mal) declarado pelo Tribunal a quo, pelo que se impõe a sua apreciação e revogação agora em sede de recurso. AP - Sobre este assunto, a douta sentença recorrida, começa por referir que a Recorrente não fez prova que não era a mesma que não conduzia as viaturas, o que como supra já se esclareceu, não compreende nem aceita pelo menos relativamente aos autos de CO (a que o Tribunal a quo conferiu inteira credibilidade) ... e ... onde claramente se vê que o condutor é uma pessoa do sexo masculino que não a Recorrente. AQ - Note-se que bastaria que a perda de pontos associada a esses dois processos de CO fosse rectificada para que a totalidade de pontos atribuída à carta de condução da Recorrente não se tivesse esgotado! AR - Será que a entidade administrativa, quando toma a sua decisão também não deveria verificar, quando possível, se, pelo menos, a titular do documento de identificação do veículo corresponde ao mesmo género da pessoa que aparece no fotograma comprovativo da infracção? AS - Ou seja, in casu, existe notoriamente 2 autos de CO que a ANSR pela observação dos dados de que dispunha (fotogramas) anexos aos autos deveria ter decidido doutra forma (porquanto, não era a Recorrente o condutor infractor), e prevalece-se desse erro para dele extrair a cassação da carta da Recorrente, só porque tais decisões transitaram em julgado e como se não existisse um processo de revisão passível de ser utilizado. AT - Por outro lado, refere o douto Tribunal a quo que a autoridade administrativa andou bem ao não admitir em sede de defesa da Recorrente a produção de prova relativamente a decisões já transitadas em julgado! Mas se assim foi, porque razão, aceitou o Tribunal a quo a produção precisamente da mesma prova e com o mesmo objectivo e intuito?! Porque andou a praticar então actos inúteis?! AU - E porque razão utiliza a ausência, em sede de impugnação judicial, de prova de que os condutores dos veículos eram outros que não a Recorrente para justificar que era escusado a produção de prova, em sede administrativa, sobre a identidade dos condutores? AV - É ilegal e inconstitucional a responsabilidade contra-ordenacional objectiva da titular do documento de identificação do veículo, relativamente a infracções que respeitem ao exercício da condução (e portanto, da responsabilidade do condutor nos termos legalmente previstos no CE e não do proprietário – apenas responde pelas infracções que respeitem à admissão do veículo à via pública, v.g. seguro, inspecção, pneus, etc…). AX - Também não se compreende que, como no caso dos autos, em que é cristalino que a Recorrente não pode ser responsável objectivamente por 10 pontos retirados (como supra exposto) que a admissão da prova de que não era a condutora torne o processo de cassação caótico! AZ - A decisão sobre a matéria de facto foi totalmente parcial e injusta, porquanto, negligenciou por completo fotografias tiradas no momento da autuação, constantes dos autos de contra-ordenação, que claramente comprovam que o condutor é um homem (e não a Recorrente), aliás, o homem que testemunhou precisamente perante o Tribunal a quo e reconheceu ser ele o condutor. Ao invés, preferiu fechar-se retoricamente nas declarações juntas (a que não atribuiu valor, porquanto, entendeu que esses veículos não eram conduzidos pela Recorrente) que, por lapso, do mandatário da Recorrente tinham as moradas trocadas relativamente aos veículos que cada um dos declarantes/testemunhas conduz. BA - E negligenciou ainda uma impossibilidade fática de a Recorrente estar a conduzir dois veículos de matrícula diferente em dois locais distantes entre si por mais de 70 km, com um intervalo de 10 minutos, e outros dois veículos diferentes ao mesmo, tempo, no mesmo dia, na mesma hora e no mesmo local. BB - Acresce ainda que nas próprias decisões administrativas de condenação da arguida refere-se que os autos de CO fazem especial prova em processo porquanto, as infracções foram verificadas pelo infractor, o que não corresponde à verdade. Com efeito, com excepção do auto n.º ..., nenhuma infracção foi presenciada pelo agente autuante, mas sim por cinemómetros fixos! BC - Por outro lado, refira-se que a audição prévia da arguida, não é nem pode ser um mero requisito formal, estando a ANSR a transformar uma garantia de defesa precisamente numa inutilidade, porquanto, os pressupostos que utiliza para sustentar a sua decisão são precisamente os mesmos que constam da proposta de decisão, negligenciando todo e qualquer tipo de prova que os arguidos pretendam produzir. BD - Ora, os meios de defesa do arguido têm que ser tidos em conta sob pena de violação do direito de audição prévia e preterição de formalidades essenciais e obrigatórias. BE - O exercício do direito de audição prévia não se esgota como formalidade em si mesma, não podendo ser encarado como um mero ritual, desprovido de qualquer sentido útil. Isto, sob pena de o direito de audiência se transformar num ritual inócuo, no qual recai sobre os argumentos e documentos apresentados pelo arguido sobranceira indiferença. BF - Destinando-se a audiência dos interessados a permitir a sua participação nas decisões que lhes digam respeito [cfr. artigo 267.º, n.º 5, da CRP], contribuindo para um cabal esclarecimento dos factos e uma mais adequada e justa decisão, a omissão dessa audição ou de diligências de prova solicitadas no âmbito da mesma, sem emissão de pronúncia sobre os factos sobre que deveriam recair e das razões da sua dispensa, constitui preterição de formalidade conducente à anulabilidade da decisão de cassação, a qual se invoca para todos os legais efeitos. BG - Resulta assim, atenta a sistemática recusa na inquirição de prova, uma absoluta indiferença da ANSR pelos factos, pela verdade e pela justiça da decisão, refugiando-se num estrito e rigoroso formalismo das decisões administrativas transitadas em julgado. BH - São inconstitucionais as normas dos arts. 171.º, n.º 2 e 3; 176, n.º 5, 6, 7 al. a) do Código da Estrada (relativas à notificação, ao exercício da sua defesa, ao transito em julgado) quando interpretadas no sentido do arguido ser impedido de a elisão de uma presunção de responsabilidade, e consequentemente, poder proceder à sua defesa e/ou identificação do verdadeiro infractor, por violação do disposto nos arts. 20.º, n.ºs 1 e 4 CRP (acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) conjugado com o art. 18.º, n.º 2 da CRP (princípio da proporcionalidade) e ao princípio da proibição da indefesa, um processo que determina a perda de direitos civis, violação do princípio da culpa, inconstitucionalidade que expressamente se invoca e requer a V. Exa. seja declarada. BI - Pelo exposto, é igualmente inconstitucional o art. 148.º, n.º 10 do CE quando interpretado no sentido de que o processo de cassação é um processo onde só se tratam questões de direito e não de factos, uma vez que tal interpretação conduziria forçosamente à consequência de transformar o processo de cassação numa mera formalidade de verificação do número de processos onde automaticamente foram retirados os pontos da carta de condução, não havendo qualquer defesa possível do arguido. BJ – Os processos de CO deveriam ter sido todos apensados e a Recorrente sido alvo de punição em sede de contra-ordenação continuada, o que lhe permitiria a aplicação de uma pena única conjunta e a manutenção de alguns pontos na sua carta de condução. BL - Tem a apensação de todos os autos de C.O. fundamento legal nos arts. 134.º n.º 3 do Código da Estrada; arts. 24.º e 25.º do C.P.P., ex vi n.º 1 do art. 41.º do DL 433/82 (RGCO). BM - Diga-se ainda que a interpretação que a ANSR faz do cúmulo material apenas ser possível na sanção acessória (art. 134.º n.º 3 do C.E.) não é correcta. BN - Com efeito, o CE não refere expressamente que o cúmulo apenas é possível na sanção acessória, tendo-se limitado a prever expressamente essa situação. Ora, por prever expressamente uma situação, não pode a contrario retirar-se a interpretação de que o legislador excluiu qualquer possibilidade de aplicação subsidiária dos vários institutos para os quais também de modo explicito remete. BO - O art. 134.º do C.E. não prevê apenas esse tipo de concurso (entre crime e contra-ordenação) mas sim, como a sua epígrafe refere, o concurso de infracções, sejam elas de que tipo for, ou dito de outro modo, o art. 134.º CE rege não só o concurso entre crime e contra-ordenação (n.ºs 1 e 2), mas também o concurso de contra-ordenações (“as sanções aplicadas às contraordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente.”) e note-se que o referido art. 134.º n.º 3 refere-se a sanções, sanções essas que no caso da CO rodoviárias são de três tipos: coimas e sanções acessórias, e ainda o sistema de pontos. BP - Quanto ao fundamento da defesa utilizado em sede de recurso de impugnação – fiabilidade da prova - o Tribunal a quo, num verdadeiro salto de fé, sem a mínima correspondência com qualquer tipo de prova constante dos autos, refere: “Como é evidente, apesar de ser um radar fixo, está alguém a manobra-lo e, como tal, assistiu à infracção, e com certeza é um técnico que reúne aptidões para o efeito, pois se não o fosse, não faria o trabalho constante dos autos e de uma forma eficaz.” BQ - Assim, nos termos legais e regulamentares, as medições efectuadas após 1 ano da verificação periódica efectuada pelo IPQ, já não são fiáveis, resultando assim dúvida legitima, séria e grave de que o instrumento forneceu uma leitura fiável e real, pelo que tal dúvida só pode beneficiar a arguida. BR - Por outro lado, o cinemómetro-radar, respectivos dados e imagens só podem ser manobrados por quem se encontre habilitado e credenciado para tal apesar de ter sido requerido, dos autos não consta certidão do certificado do agente autuante habilitado. BS - Consta ainda dos autos de CO levantados e das respectivas decisões administrativas (com as consequências em termos de fé atribuída aos autos de CO quando as CO tenham sido presenciadas pelos agentes autuantes) que as referidas infrações foram presenciadas pelo agente autuante, o que não corresponde à verdade. Com efeito, as infrações ocorridas na A4, Matosinhos são registadas por radar fixo, sem que no mesmo esteja permanentemente qualquer agente autuante. E a testemunha da ANSR inquirida em sede de impugnação judicial reconheceu ser presentemente um sistema informático que analisa as matriculas, procede à identificação do titular do documento de identificação (e sendo pessoa singular) emite o auto de CO. BT - O processo de cassação do título de condução derivado da subtracção de pontos provocada pela condenação definitiva do seu titular pela prática de contra-ordenações graves ou muito graves consubstancia uma dupla punição pelos mesmos factos e por essa razão traduz-se numa violação do princípio de ne bis in idem, BU - A sanção acessória de inibição de conduzir e a cassação do título de condução são alternativas entre si e não cumulativas. BV - Acresce que a arguida carece imperiosamente da sua carta de condução para o normal desempenho das suas funções laborais, e para deslocação diária de e para o trabalho. BX - Por outro lado, a perda automática de pontos do título de condução representa um efeito automático de uma decisão, efeito proibido pelo disposto no art. 65.º do Código Penal - aplicável ex vi art. 132.º do C.E.. e art. 32.º do RGCO. BZ - A aplicação da cassação redundará no impedimento da recorrente trabalhar, ao passo que, em vez de reintegrá-la, será causa da sua marginalização na sociedade, negando-lhe o direito a trabalhar e, deste modo, seria violado pela decisão de cassação o disposto no art. 40.º n.º 1 do Código Penal – aplicável ex vi art. 132.º do C.E.. e art. 32.º do RGCO. CA - As normas do art. 148.º do C.E. relativas à cassação do título de condução enfermam de inconstitucionalidade material, por serem contrárias ao princípio consignado no art. 30.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa: “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais e políticos”. CB - A teleologia intrínseca do referido art. 30.º n.º 4 da CRP consiste em retirar às penas efeitos estigmatizantes, impossibilitadores da readaptação social do delinquente, e impedir que de forma mecânica, sem se atender aos princípios da culpa, da necessidade e da jurisdicionalidade, se decrete a morte civil, profissional ou política do cidadão (Ac. TC n.ºs 16/84; 91/84; 310/85; 75/86; 94/86). CC - Acresce que a ora arguida não praticou as infracções que lhe são imputadas, sendo certo que os veículos infractores estão registados em seu nome, embora não seja o seu condutor habitual (mas sim a sua mãe e companheiro) e que não apresentou defesa, nem identificou em igual prazo o condutor, neste caso, condutores, sendo que em pelo menos 3 dos processos, nem a Recorrente, nem ninguém recebeu o auto de contra-ordenação, nem a decisão administrativa (que mesmo assim transitou em julgado). CD - O princípio da descoberta da verdade material prevalece sobre presunções processuais, que em processo penal e contra-ordenacional são aliás, proibidas. CE - Por outro lado, a decisão de cassação, a qual pressupõe a prática pelo arguido de infrações que lhe determinassem a perda de pontos ainda não transitou em julgado. CF - É assim possível e admissível a produção de prova pelo arguido, prova que foi impedida na fase administrativa. CG - É inconstitucional por violação do disposto no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa a não produção de prova requerida pelo ora arguido, seja em que fase processual for, quando haja de ser tomada uma decisão que o afecte. CH - É pacífico que a cassação do título de condução se encontra umbilicalmente ligado a condenações anteriores, no âmbito das quais são, obrigatoriamente, aplicadas sanções acessórias de inibição de conduzir, sendo o decretamento da cassação da carta de condução, a “sanção final” resultado do somatório de todas as sanções acessórios, ou rigorosamente, da perda de pontos que cada uma determina. Se não há sanção acessória de inibição de conduzir, não há perda de pontos. CI - Assim, se a lei 38-A/2023, art. 5.º, perdoou as sanções acessórias relativas a CO cujo limite máximo não exceda 1000 euros, eliminou o pressuposto de que dependia a perda de pontos. CJ - Afastada a sanção acessória de inibição de conduzir, afasta-se a perda de pontos determinada pela prática da CO grave ou muito grave. CL - Nos termos do art. 128.º, n.º 2 do CP, a amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução da pena e dos seus efeitos. Ora, a amnistia eliminou os efeitos da sanção acessória de inibição de conduzir e consequentemente, da perda de pontos. CM – Por último, refere erroneamente a douta sentença recorrida que existem notificações dos autos de CO efectuadas à Recorrente e esta, em venire contra factum proprium, nega a sua recepção. CN - Com efeito, e basta consultar o processo administrativo anexo ao recurso de impugnação para se constatar que nem a arguida/Recorrente nem ninguém recebeu nenhuma notificação (seja do auto para apresentação de defesa ou identificação do condutor, seja da decisão administrativa que sobre o mesmo recaiu) nos processos de CO n.ºs ...; ...; ..., existindo uma revelia absoluta! CO - E que nos processos n.ºs ... e ..., os autos não foram recebidos por ninguém e as decisões administrativas foram recebidas por CC; CP - A Recorrente apenas recebeu os autos ... e ... e decisões administrativas apenas recebeu uma no processo .... CQ – Temos assim um processo de cassação assente em autos de CO levantados ao titular do documento de identificação do veículo, mesmo dizendo as infracções respeito ao exercício da condução (e que por essa razão deveriam ser levantados ao condutor), em verdadeira responsabilidade objectiva sancionatória, assente numa presunção ilidível, em autos de CO que não foram recebidos por ninguém (e consequentemente, sem possibilidade de identificar o condutor); em autos de CO onde visivelmente quem é condutor é uma pessoa do sexo masculino; em 2 autos de CO levantados à Recorrente como sendo condutora de 2 veículos diferentes, no mesmo dia, hora e local; e noutro veículo, no mesmo dia, a 70 Km de distância com uma diferença de 10 minutos; em decisões administrativas que transitaram em julgado sem que ninguém as recebesse; e sem possibilidade de provar e demonstrar que a Recorrente não era a condutora, num rígido e estrito formalismo, olvidando que a cassação da carta impedirá a Recorrente de voltar a obter a carta de condução nos próximos 2 anos.»
Pede que no provimento do presente recurso seja revogada a decisão que decretou a cassação da carta de condução.
O presente recurso foi admitido por despacho proferido nos autos em 24/09/2024.
Em primeira instância o MP veio responder ao recurso alegando, em síntese, que os argumentos invocados pela recorrente não permitem uma decisão diversa da adotada pelo Tribunal recorrido e desde logo considera que o presente recurso é inadmissível e por isso deverá ser rejeitado.
Considera não ter ocorrido prescrição do procedimento, porquanto, a perda de pontos não é uma coima nem uma sanção acessória.
Não se verificam ilegalidades nem inconstitucionalidades.
Não pode a recorrente vir a este processo por em causa, quem eram os condutores dos veículos, a verificação dos aparelhos de medição de velocidade, e as notificações, que no momento oportuno não impugnou.
O recurso de revisão, visa apreciar causas excecionais ou supervenientes que infirmem uma determinada decisão, e não a inércia de quem no momento oportuno nada fez, por simples displicência ou porque não era oportuno indicar o verdadeiro responsável, nomeadamente para proteção deste.
A sentença encontra-se devidamente fundamentada, nomeadamente no que se refere às das alegadas nulidades e inconstitucionalidades.
Não é aplicável a Lei da Amnistia à cassação da carta, precisamente porque não é uma contraordenação ou sanção acessória.
Pugna pela improcedência do presente recurso.
Nesta Relação o Sr. Procurador-geral-adjunto emite parecer onde defende não ser admissível o recurso de sentença que determinou a cassação da carta de condução, porquanto, em tal decisão não se aprecia diretamente a prática de uma qualquer contraordenação, nem o procedimento está prescrito, porque, ao processo (administrativo) de cassação da carta de condução não é aplicável o art. 188 nº1, do Código da Estrada.
A questão de saber se era a recorrente ou não a condutora dos veículos que com que foram cometidas as contraordenações não releva nesta fase processual porquanto tal defesa deveria ter sido deduzida nos processos instaurados com base nos autos de contraordenação.
Não pode a recorrente nestes autos defender-se de factos que lhe foram imputados noutros processos.
Quanto à violação do princípio ne bis in idem também é uma situação que não se verifica porque uma coisa são as contraordenações praticadas assim como a sua punição e outra bem diversa e com um objeto diferente é o processo de cassação da carta de condução.
Por último, a Lei da Amnistia não abrange as subtrações de pontos nas cartas de condução nem os processos de cassação destes títulos pelo que mais uma vez não se alcança este argumento da recorrente.
Termina subscrevendo a resposta do MP em primeira instância e emite parecer no sentido de que o presente recurso deverá ser alvo de rejeição por ser inadmissível ou, caso assim se não entenda, não deverá ter provimento.
Cumprido o disposto no art.417 nº 2 do CPP veio a recorrente responder ao parecer insurgindo-se contra a inadmissibilidade de recurso neste tipo de processo e contra a alegação de que a tal procedimento não se aplica o art. 188 do Código da Estrada.
As coimas e sanções acessórias aplicadas à recorrente já prescreveram.
A prescrição apaga o cometimento das infrações, sendo como se as mesmas não tivessem sido cometidas e a prescrição da pena principal envolve a prescrição da pena acessória que não tiver sido executada, bem como dos efeitos da pena que ainda se não tiverem verificado.
Assim, também a perda de pontos, prescreveu, e consequentemente, é como se nunca tivesse acontecido.
Note-se que a prescrição é de conhecimento oficioso.
O processo de cassação tem que ter um prazo de prescrição, sob pena de inconstitucionalidade, sendo o previsto no art.188 do C.E. aquele que lhe é mais análogo e que por isso lhe deve ser aplicável.
Se o procedimento contraordenacional prescrever não pode haver perda de pontos, se não houver perda de pontos, não pode haver processo de cassação, pelo que a prescrição do procedimento contraordenacional, tem de ser aplicável à prescrição do procedimento de cassação da carta de condução.
Independentemente da consideração jurídica que se efetue quanto à (in)admissibilidade de prova de que não era a condutora do veículo, trata-se de uma questão de rigor e verdade!
O que poderia dizer-se é que a sentença recorrida contém uma contradição que merece ser corrigida, independentemente de na fundamentação jurídica se manter o entendimento de que a prova da identidade da condutora já não poderia ser efetuada no processo de cassação!
De todo o modo, essa contradição e impossibilidade fáctica não deixa de demonstrar o carácter injusto da decisão tanto mais que a recorrente não recebeu as cartas, nem com as autuações, nem com as decisões administrativas, sendo que, também em rigor, não pode afirmar-se que a recorrente já não poderia colocar em crise que não era ela a condutora dos veículos (facto que é também notório nos fotogramas de alguns autos de CO – em que se vê uma pessoa do sexo masculino a conduzir).
A recorrente não está excluída nem impedida a possibilidade do recurso de revisão da decisão administrativa.
Termina com o pedido de que o recurso interposto seja apreciado e julgada a prescrição da cassação da carta de condução, quer pelos fundamentos expostos no recurso, que pela argumentação ora expendida na presente resposta ao parecer.
2. Fundamentação
A – Circunstâncias com interesse para a decisão
Pelo seu interesse para a decisão a proferir passamos de seguida a transcrever a sentença recorrida: «1. Relatório Por decisão proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, datada de 25.05.2022, constante de fls. 79 e ss., foi determinada a cassação do título de condução nº ... de que era titular a ora recorrente, AA, portadora do título de condução nº ..., solteira, empresária, natural da Freguesia ..., Concelho de Felgueiras, e residente na Rua ..., ..., ..., em ..., Felgueiras. Tal cassação foi determinada ao abrigo do disposto no art. 148º, nºs 4, al. c) e 10 do Código da Estrada (subtração total dos pontos da carta de condução). Inconformada, com tal decisão, veio a Recorrente, a fls. 106 e ss., apresentar o presente recurso de impugnação judicial, e impugnar judicialmente tal decisão, invocando e aduzindo inúmeros argumentos e conclusões: - A arguida pronunciou-se em sede de audiência prévia sobre a proposta de decisão de cassação do seu título de condução, alegando que não era a condutora dos veículos ..-MR-.. e ..-SM-.. nos dias, horas e locais constantes dos processos de contra-ordenação com os nºs. ..., ..., ..., ... e ... e referidas infracções que produziram a sua condenação, uma vez que tem 5 veículos registados em seu nome, e que aqueles eram conduzidos pelo seu marido e pela sua mãe; - mais referiu que juntou aos autos declarações dos condutores dos veículos ..-MR-.. e ..-SM-.., nos dias, horas e locais constantes dos referidos processos de contra-ordenação, e como a ANSR não se pronunciou quanto às mesmas, e indeferiu a inquirição desses mesmos condutores, entende que a decisão daquela autoridade é nula, por omissão das requeridas diligências de prova solicitadas - reafirmou não ter sido a condutora das viaturas que originaram os referidos processo de contra-ordenação, acrescentando que se o processo de CO admite a revisão de decisões condenatórias transitadas em julgado, pelo que também o processo de cassação, sob pena de ser considerado inconstitucional, terá que permitir o exercício de todos os meios de defesa pela arguida, concluindo serem, assim, inconstitucionais as normas dos arts. 171.º, n.º 2 e 3; 176, n.º 5, 6, 7 al. a) do Código da Estrada (relativas à notificação, ao exercício da sua defesa, ao transito em julgado) quando interpretadas no sentido da arguida ser impedida de demonstrar que determinado processo CO correu integralmente à sua revelia e sem o seu conhecimento, e consequentemente, poder proceder à sua defesa e/ou identificação do verdadeiro infractor, por violação do disposto nos arts. 20.º, n.ºs 1 e 4 CRP (acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) conjugado com o art. 18.º, n.º 2 da CRP (princípio da proporcionalidade) e ao princípio da proibição da indefesa, um processo que determina a perda de direitos civis, inconstitucionalidade que expressamente se invoca e requer a V. Exa. seja declarada. - Mais invoca outra nulidade da decisão de cassação da carta de condução da ANSR, uma vez que entende que, nos termos do disposto no art. 148.º, n.º 4 als. a) e b) do Código da Estrada, quando o arguido tiver 5 ou 3 ou menos pontos, deverá ser notificado para proceder à realização de frequência de uma formação de segurança rodoviária e prova teórica de exame de condução respectivamente; formação e exame que se encontram regulamentados no Decreto Regulamentar n.º 1-A/2016 de 30 de Maio de 2016. Nos termos do art. 9.º da supra referido decreto regulamentar, a ANSR tem obrigação de notificar o condutor para os efeitos constantes dos n.ºs 4 e 8 do art. 148.º do C.E., e assim, entende que, a arguida deveria ter sido advertida para a realização de tal formação, e não o foi, consubstanciando tal omissão da ANSR, causa de nulidade do processo de cassação, por não ter sido notificada quando já só dispunha de 5 pontos ou menos, a arguida ficou impossibilitada de realizar a formação ou exame teórico, circunstâncias que lhe determinariam um incremento nos pontos da carta de condução e sobretudo a adequação dos seu comportamento às regras de trânsito (aliás, não pode deixar de ser esta a principal função da obrigatoriedade de formação), e esta situação é tão mais gravosa, quanto tal falta de notificação deriva do comportamento abusivo e persecutório da ANSR na tardia notificação da prática da primeira C.O., e no cumular de todas as C.O., levando à prolação de decisões umas próximas das outras, impossibilitando o cumprimento do disposto no art. 9.º do Decreto regulamentar. Na verdade, se os processos de CO corressem o seu curso normal, a arguida poderia e deveria ter tido a oportunidade para salvar o seu título de condução. - entende ainda a Recorrente existir uma contra-ordenação continuada, nos termos e pelos fundamentos ali melhor referidos, e se determinado a apensação de todos os autos de contra-ordenação, nos termos dos arts. 134º, nº 3 do Código da Estrada e arts.24º e 25º do C.P.P., ex vi, nº 1 do art. 41º do RGCCO; sendo que, então a aqui Recorrente seria condenada numa sanção acessória de inibição única; - coloca ainda em causa a fiabilidade dos radares, dado que os mesmos não foram objecto de verificação periódica ou a mesma não se mostra junto aos autos; - Mais refere que consta ainda dos autos de CO levantados e das respectivas decisões administrativas (com as consequências em termos de fé atribuída aos autos de CO quando as CO tenham sido presenciadas pelos agentes autuantes) que as referidas infrações foram presenciadas pelo agente autuante, o que não corresponde à verdade. Com efeito, todas as alegadas infrações terão sido cometidas no mesmo local, local esse onde se encontra um radar fixo, sem que no mesmo esteja permanentemente qualquer agente autuante. A utilização deste tipo de sistemas de controlo de velocidade, que captam e gravam imagens, bem como de um modo geral, as câmaras e outros mecanismos destinados a esse fim, por meio das forças de segurança, só podem ser utilizadas depois de autorizadas pelo membro do governo que tutela a força ou serviço de segurança requerente, precedendo parecer da CNPD. Dispõe também a mesma lei que a autorização não pode ser concedida se o parecer da CNPD for negativo. O mesmo é dizer que não existindo esse parecer, como é o caso, o uso de tal aparelho cinemómetro não está autorizado para uso na fiscalização de trânsito. Tal controlo prévio não se mostra efectuado sobre o equipamento que mediu a velocidade, pelo que o seu uso através do processamento de dados pessoais é ilegal e não deve fazer fé em juízo. - invocou ainda a inconstitucionalidade do art. 148.º, n.º 10 do CE quando interpretador no sentido de que o processo de cassação é um processo onde só se tratam questões de direito e não de factos, uma vez que tal interpretação conduziria forçosamente à consequência de transformar o processo de cassação numa mera formalidade de verificação do número de processos onde automaticamente foram retirados os pontos da carta de condução, não havendo qualquer defesa possível do arguido. - invoca ainda a nulidade da prova, uma vez que entende que todos os autos de notícia levantados à arguida foram-no com base em supostas leituras de velocidade instantânea efectuadas pelo cinemómetro-radar,, mas entende a Recorrente que o seu uso para controlo e fiscalização do trânsito não havia sido aprovado pela ANSR, e assim, sem a devida aprovação pela ANSR, o cinemómetro-radar não está legalmente habilitado a efectuar medições e a servir de prova nos processos de contra-ordenação, prova essa nula, e cuja nulidade expressamente se invoca, e tendo sido com base única e exclusiva nas supostas leituras de velocidade que o arguido foi condenado, e agora com base nessas condenações que se pretende proceder à cassação do título de condução, não pode tal decisão ser proferida por assentar em prova nula e proibida. - Refere ainda que o processo de cassação do título de condução derivado da subtracção de pontos provocada pela condenação definitiva do seu titular pela prática de contra-ordenações graves ou muito graves consubstancia uma dupla punição pelos mesmos factos e por essa razão traduz-se numa violação do princípio de ne bis in idem, previsto no art. 29.º n.º 5 da CRP. - Entende ainda que a sanção acessória de inibição de conduzir e a cassação do título de condução são alternativas entre si e não cumulativas, tendo o ora Requerente sido condenado em várias sanções acessórias de inibição de conduzir que cumpriu nos termos em que foi condenado, sendo certo que para ser determinada a cassação nunca poderia ter sido aplicada a sanção acessória de inibição de conduzir, caso contrário, tal representa uma dupla punição do agente/arguido pela prática do mesmo facto/C.O., e ao ter sido confirmada a cassação do titulo de condução, a douta decisão violará o disposto no art. 69.º, n.º 1, al. a) e n.º 7 do Código Penal - aplicável ex vi art. 132.º do C.E.. e art. 32.º do RGCO - Por último refere ainda que o art. 148.º do C.E. que determina a perda de pontos do título de condução e a consequente cassação do título de condução, quando esgotados os 12 pontos atribuídos a cada condutor, é inconstitucional por consubstanciar um impedimento do condutor desempenhar as suas funções laborais, violando assim o art. 58.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, as normas do art. 148.º do C.E. relativas à cassação do título de condução enfermam de inconstitucionalidade material, por serem contrárias ao princípio consignado no art. 30.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa: “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais e políticos”. Requer, a final, a procedência do presente recurso de impugnação. A fls. 156 e ss remeteu a autoridade recorrida os autos ao M.P., nos termos e para os efeitos do art.62.º, n.º1 do RGCO-cfr. fls. 156 e ss para cujo teor se remete e que aqui se dá por integralmente reproduzido. Recebido o presente recurso em juízo, e atento o seu teor, foi o M.P., notificado para se pronunciar quantos ás questões e nulidades invocadas. O M.P. pronunciou-se sobre as questões e nulidades invocadas pelo Recorrente, conforme consta de fls. 167 a 169. A Recorrente veio ainda pronunciar-se sobre o teor da resposta do M.P., no exercício do principio do contraditório. Assim, foi designado dia para a realização do julgamento. Procedeu-se á audiência de julgamento, com observância dos formalismos legais. II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS Mantendo-se a instância válida e regular, cumpre assim apreciar e decidir. III – FUNDAMENTAÇÃO Com pertinência para a boa decisão da causa, encontram-se provados/assentes os seguintes factos: 1) A Recorrente AA é titular do título de condução com o nº ..., emitido em 25.08.2023; tendo a mesma sido obtida em 02.05.2017. 2) São os seguintes os averbamentos constantes do Registo de Infrações do Condutor, para efeitos do presente processo, e relativos à Recorrente: A - Processo administrativo de contra-ordenacão rodoviária nº ...: a) Decisão administrativa proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária; b) Contraordenação rodoviária classificada como grave (circulação de veiculo em excesso de velocidade), nos termos da alínea b), do nº 1, do art. 145, do Código da Estrada, por infração à alínea b), do nº 1, do artigo 28º, e nº5 do art. 28º e 27º, nº2 a) 2º do C.E., praticada em 26.09.2019; c) Decisão administrativa proferida em 26/03/2020, e notificada à arguida em 16/06/2020; d) Tornando-se definitiva em 08/07/2020, nos termos da alínea a), nº 2 do artigo 181º do Código da Estrada; e) Perda de dois pontos, nos termos do artigo 148º nº 1, alínea a), in fine, do Código da Estrada; f) Sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 (trinta) dias suspensos na sua execução por 60 (sessenta) dias. g) a referida infracção foi praticada no dia 26.09.2019, às 10h03, no local ..., 0,1 em Matosinhos, e com a viatura de matrícula ..-MR-..; sendo que no respectivo auto constante de fls. 11 do Apenso, aí se refere e como descrição sumária, o seguinte: o referido veículo circulava, fora da localidade, pelo menos á velocidade de 101 km/h, correspondente á velocidade registada de 107 km/h, deduzida a margem de erro legalmente prevista, sendo o limite de velocidade permitido pela sinalização de 60 km/hora. A velocidade foi verificada através do equipamento “Jenoptik MultaRadarC”, conforme resulta de fls. 7 e foto de fls. 8. B - Processo administrativo de contra-ordenacão rodoviária nº ...: a) Decisão administrativa proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária; b) Contraordenação rodoviária classificada como grave (circulação de veiculo em excesso de velocidade), nos termos da alínea b), do nº 1, do art. 145, do Código da Estrada, por infração à alínea b), do nº 1, do artigo 28º, e nº5 do art. 28º e 27º, nº2 a) 2º do C.E., praticada em 26.09.2019; c) Decisão administrativa proferida em 25/03/2020, e notificada à arguida em 16/06/2020; d) Tornando-se definitiva em 08/07/2020, nos termos da alinea a), nº 2 do artigo 181º do Código da Estrada; e) Perda de dois pontos, nos termos do artigo 148º nº 1, alinea a), in fine, do Código da Estrada; f) Sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 (trinta) dias suspensos na sua execução por 60 (sessenta) dias. g) a referida infracção foi praticada no dia 26.09.2019, às 10h03, no local ..., 0,1 em Matosinhos, e com a viatura de matrícula ..-SM-..; sendo que no respectivo auto constante de fls. 15 do Apenso, aí se refere e como descrição sumária, o seguinte: o referido veículo circulava, fora da localidade, pelo menos á velocidade de 97 km/h, correspondente á velocidade registada de 103 km/h, deduzida a margem de erro legalmente prevista, sendo o limite de velocidade permitido pela sinalização de 60 km/hora. A velocidade foi verificada através do equipamento “Jenoptik MultaRadarC”, conforme resulta de fls. 15 e foto de fls. 16. C - Processo administrativo de contra-ordenacão rodoviária nº ...: a) Decisão administrativa proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária; b) Contraordenação rodoviária classificada como grave (condução de veículo usando aparelho radiotelefónico), nos termos da alinea n), do nº 1, do art. 145, do Código da Estrada, por infração do artigo 24, nº1 e 4º, do C.E., praticada em 26/09/2019; c) Decisão administrativa proferida em 06/04/2020, e notificada à arguida em 16/06/2020; d) Tornando-se definitiva em 08/07/2020, nos termos da alinea a), nº 2 do artigo 181º do Código da Estrada; e) Perda de dois pontos, nos termos do artigo 148º, nº 1, alinea a), do Código da Estrada; f) Sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 (sessenta) dias; g) a referida infracção foi praticada no dia 26.09.2019, às 09h53, no local Avenida ..., em ..., Felgueiras, nº ..., e com a viatura de matrícula ..-BD-..; sendo que no respectivo auto constante de fls. 24 do Apenso, aí se refere e como descrição sumária, o seguinte: utilização de forma continuada, pelo condutor, durante a marcha do veículo, de aparelho radiotelefónico, não sendo o aparelho dotado de um único auricular ou de microfone com sistema de alta voz. D - Processo administrativo de contra-ordenação rodoviária nº ...: a) Decisão administrativa proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária; b) Contraordenação rodoviária classificada como grave (circulação de veiculo em excesso de velocidade), nos termos da alinea c), do nº 1, do art. 145, do Código da Estrada, por infração ao artigo 27º, nº1 e 2 al a) 2º, do C.E., praticada em 05/05/2019; c) Decisão administrativa proferida em 02/02/2020, e notificada à arguida em 18/11/2020; d) Tornando-se definitiva em 12/12/2020, nos termos da alinea a), nº 2 do artigo 181º do Código da Estrada; e) Perda de dois pontos, nos termos do artigo 148º nº 1, alinea b), in fine, do Código da Estrada; f) Sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 (trinta) dias suspensos na sua execução por 60 (sessenta) dias. g) a referida infracção foi praticada no dia 05.05.2019, às 16h51, no local EN ... (dentro de Localidade), KM 28,750, em ..., Lousada, e com a viatura de matrícula ..-MR-..; sendo que no respectivo auto constante de fls. 32 do Apenso, aí se refere e como descrição sumária, o seguinte: o veículo circulava pelo menos á velocidade de 74 km/h, correspondente á velocidade registada de 79 km/h, deduzida a margem de erro legalmente prevista, sendo a velocidade máxima permitida no local de 50 km/hora. A velocidade foi verificada através do radar “Multanova MUVR-67D, nº 03-91-723, conforme resulta de fls. 32 e foto de fls. 33. E - Processo administrativo de contra-ordenacão rodoviária nº ...: a) Decisão administrativa proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária; b) Contraordenação rodoviária classificada como muito grave (circulação de veiculo em excesso de velocidade), nos termos da alinea i), do nº 1, do art. 146º, do Código da Estrada, por infração ao artigo 27º, nº1 e 2 al a) 3º, do C.E., praticada em 05/05/2019; c) Decisão administrativa proferida em 02/02/2020, e notificada à arguida em 18/11/2020; d) Tornando-se definitiva em 12/12/2020, nos termos da alínea a), nº 2 do artigo 181º do Código da Estrada; e) Perda de quatro pontos, nos termos do artigo 148º nº 1, alínea b, in fine), do Código da Estrada; f) Sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 120 (cento e vinte) dias. g) a referida infracção foi praticada no dia 05.05.2019, às 17 horas, no local EN ... (dentro de Localidade), KM 28,750, em ..., Lousada, e com a viatura de matrícula ..-MR-..; sendo que no respectivo auto constante de fls. 46 do Apenso, aí se refere e como descrição sumária, o seguinte: o veículo circulava pelo menos á velocidade de 91 km/h, correspondente á velocidade registada de 96 km/h, deduzida a margem de erro legalmente prevista, sendo a velocidade máxima permitida no local de 50 km/hora. A velocidade foi verificada através do radar “Multanova MUVR-67D, nº 03-91-723, conforme resulta de fls. 46 e foto de fls. 47. F - Processo administrativo de contra-ordenação rodoviária nº ...: a) Decisão administrativa proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária; b) Contraordenação rodoviária classificada como grave (circulação de veiculo em excesso de velocidade), nos termos da alinea c), do nº 1, do art. 145º, do Código da Estrada, por infração ao artigo 27º, nº1 e 2 al a) 2º, do C.E., praticada em 25/04/2019; c) Decisão administrativa proferida em 30/01/2020, e notificada à arguida em 26/09/2020; d) Tornando-se definitiva em 20/10/2020, nos termos da alinea a), nº 2 do artigo 181º do Código da Estrada; e) Perda de dois pontos, nos termos do artigo 148º nº 1, alínea a), in fine), do Código da Estrada; f) Sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 (sessenta) dias g) a referida infracção foi praticada no dia 25.04.2019, às 16h40ms, no local EN ... (dentro de Localidade), KM 28,750, em ..., Lousada, e com a viatura de matrícula ..-MR-..; sendo que no respectivo auto constante de fls. 62 do Apenso, aí se refere e como descrição sumária, o seguinte: o veículo circulava pelo menos á velocidade de 72 km/h, correspondente á velocidade registada de 77 km/h, deduzida a margem de erro legalmente prevista, sendo a velocidade máxima permitida no local de 50 km/hora. A velocidade foi verificada através do radar “Multanova MUVR-67D, nº 03-91-723, conforme resulta de fls. 62 e foto de fls. 63. G - Processo administrativo de contraordenação rodoviária nº ...: a) Decisão administrativa proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária; b) Contraordenação rodoviária classificada como grave (circulação de veiculo em excesso de velocidade), nos termos da alinea b), do nº 1, do art. 145º, do Código da Estrada, por infração à alinea b), do nº 1 e nº5 do artigo 28º, do C.E. e 27º, nº2, al. a) 2º do Código da Estrada, praticada em 22/11/2017; c) Decisão administrativa proferida em 21/02/2019, e notificada à arguida em 20/03/2019; d) Tornando-se definitiva em 11/04/2019, nos termos da alinea a), nº 2 do artigo 181º do Código da Estrada; e) Perda de dois pontos, nos termos do artigo 148º nº 1, alinea a), do Código da Estrada; f) Sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 (trinta) dias. g) a referida infracção foi praticada no dia 22.11.2017, às 13h39, no local ..., Km. 38,15, em Guimarães, e com a viatura de matrícula ..-SM-..; sendo que no respectivo auto constante de fls. 73 do Apenso, aí se refere e como descrição sumária, o seguinte: o referido veículo circulava, fora da localidade, pelo menos á velocidade de 118 km/h, correspondente á velocidade registada de 125 km/h, deduzida a margem de erro legalmente prevista, sendo o limite de velocidade permitido pela sinalização de 80 km/hora. A velocidade foi verificada através do equipamento “Jenoptik MultaRadarC”, conforme resulta de fls. 73 e foto de fls. 74. 3) A Recorrente era e é a proprietária registada dos veículos com as matrículas ..-..-TJ, ..-CJ-.., ..-MR-.., ..-BD-.. e ..-SM-... 4) A Recorrente, actualmente empresária e gerente da empresa “A...”, auferindo um vencimento declarado de cerca de € 1.200,00; é solteira e não tem filhos, e vive com os seus pais e tem o 12º ano de escolaridade. Não se lograram provar quaisquer outros factos susceptíveis de influir na boa decisão da causa, designadamente: - que o veículo com a matrícula ..-MR-.. não fosse conduzido pela Recorrente e fosse conduzido pela mãe da mesma, DD. - que o veículo com a matrícula ..-SM-.. não fosse conduzido pela Recorrente e fosse conduzido pelo companheiro da mesma, BB. Motivação: A convicção do tribunal baseou-se, fundamentalmente no teor das decisões proferidas pela ANSR, autos de CO, notificações, AR’s e constantes do apenso junto a estes autos, - e cujo teor é elucidativo e categórico -, Print da carta de condução da recorrente de fls. 190, e ainda no teor do RIC de fls. 1 a 5 e actualizado de fls. 185 a 189. O tribunal procedeu ainda à tomada de declarações da Recorrente, AA, a qual começou por afirmar ser proprietária de várias viaturas, cujas matrículas afirmou em concreto desconhecer; acrescentando, contudo, que algumas não são conduzidas por ela, como seria o caso da viatura Porsche, com a matrícula ..-MR-.., que seria conduzida pelo seu companheiro, BB e a Mercedes, com a matrícula ..-SM-... Mais afirmou que não teve conhecimento das notificações porque o seu pai não lhas entregou… De facto, o Tribunal também procedeu à inquirição das testemunhas BB, gerente da “A..., Lda.”, companheiro e namorado da Recorrente, o qual confirmou que era o condutor da viatura Porsche com a matrícula ..-MR-.., e que até teria sido ele o condutor da mesma nos dias 05.05.2019 e 24.05.2019, e afirmou igualmente que o Mercedes seria conduzido pela mãe e acrescentou ainda que a Recorrente conduz a viatura com a matrícula ..-BD-... Mais referiu que a Recorrente vive com os seus pais, e que quem costumava receber as notificações em nome dela era o pai da mesma, uma vez que se encontra reformado. O tribunal também procedeu ainda à inquirição da mãe da Recorrente, DD, a qual começou por admitir e confirmar que é a condutora da viatura com a matrícula ..-SM-.., um Mercedes. Mais referiu que a Recorrente vive com ela e com o pai, e que é este último quem costuma receber as notificações, e como é um pouco “desleixado”, nas palavras que usou, nem sempre o mesmo a avisava das notificações ou cartas que chegavam… De facto, estas testemunhas afirmaram o que afirmaram em julgamento. Contudo, e se verificarmos os autos, e em sede de direito de defesa, a Recorrente apresentou duas declarações assinadas por estas duas testemunhas, as quais resultam de fls. 70 e 71, mas em que afirmam algo diferente, ou seja, a testemunha DD, afirmou que era a condutora habitual do veículo ..-MR-.., e por outro lado, a testemunha, BB, ali afirmou que era o condutor habitual da viatura com a matrícula ..-SM-..…Note-se que tais “declarações estão assinadas por aqueles… - Cfr. Fls. 70 e 71. Assim sendo, afigura-se-nos que até os mesmos, afinal não sabem que viaturas conduzem; pelo que a sua credibilidade é claramente duvidosa, para não dizer outra coisa…. O tribunal também teve em consideração o depoimento da testemunha EE, jurista na ANSR, a qual, no fundo acabou apenas por referir e sublinhar que o processo de cassação da carta de condução da Recorrente teve por base o constante do RIC, e as infracções constantes dos autos de CO, as quais foram notificadas à Recorrente, que as não impugnou, por um lado, e, por outro lado, não usou da faculdade concedida pelo CE, de, e caso não fosse ela a condutora, identificar o verdadeiro condutor; o que também não fez. Assim, as referidas decisões da ANSR tornaram-se definitivas. Mais acrescentou que as acções de formação não levam a acrescentar pontos. Referiu ainda que, logo após a notificação da segunda infracção grave à Recorrente, a mesma deveria ter visto a sua carta de condução cancelada, uma vez que a mesma ainda se encontrava no período probatório de 3 anos. Mais referiu que a eventual aplicação da Lei da Amnistia não tem qualquer repercussão neste processo de cassação. Teve-se ainda em consideração as declarações do Recorrente prestada em sede de julgamento, e no que concerne á sua situação pessoal e económica e á necessidade da carta de condução para o exercício da sua actividade profissional. IV - ENQUADRAMENTO JURÍDICO: Por decisão da Autoridade Nacional Segurança Rodoviária, foi ordenada a cassação do título condução da Recorrente AA nº. ..., nos termos do artigo 148º, nºs 2 e 10 do Código da Estrada. Invoca a Recorrente vários vícios da decisão, além de outras questões e ainda a inconstitucionalidade da norma que determina a referida cassação. Nos termos do artigo 121º-A, nº 1 do Código da Estrada, na redacção introduzida pela Lei nº 116/2015, de 28/08, são atribuídos doze pontos a cada condutor. Sob a epígrafe “Sistema de pontos e cassação do título de condução”, o artigo 148º, nº 1, do citado diploma legal dispõe que “A prática de contraordenação grave ou muito grave, prevista e punida nos termos do Código da Estrada e legislação complementar, determina a subtracção de pontos ao condutor na data do carácter definitivo da decisão condenatória ou do trânsito em julgado da sentença, nos seguintes termos: a) A prática de contraordenação grave implica a subtracção de três pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência ou ultrapassagem efectuada imediatamente antes e nas zonas assinaladas para a travessia de peões ou velocípedes, e de dois pontos nas demais contraordenações graves; b) A prática de contraordenação muito grave implica a subtracção de cinco pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, condução sob influência de substâncias psicotrópicas ou excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência, e de quatro pontos ou mais nas contraordenações muito graves”. Resulta das normas citadas que é a prática de contraordenações graves ou muito graves que determina a perda de pontos para efeitos de cassação do título de condução, sendo que só com o carácter definitivo da decisão condenatória ou o trânsito em julgado da sentença o efeito da perda de pontos ocorre. De harmonia com as normas supracitadas, o artigo 148º, nº 2 do mesmo diploma legal, dispõe que “A condenação em pena acessória de proibição de conduzir e o arquivamento do inquérito, nos termos do nº 3 do artigo 282º do Código de Processo Penal, quando tenha existido cumprimento da injunção a que alude o nº 3 do artigo 281º do Código de Processo Penal, determinam a subtracção de seis pontos ao condutor.” Agora, a perda de pontos é uma consequência prática da infracção, com reflexos na condução estradal, agora de natureza penal, sendo maior a perda de pontos do que quando se trata de contraordenações graves e muito graves. De acordo com o disposto no artigo 148º, nº 4, c) do mesmo diploma legal, a subtracção de todos os pontos ao condutor tem como efeito a cassação do título de condução do infractor, dando origem a um processo autónomo (cfr. nº 10). Nos termos do artigo 149º do mesmo diploma legal, a perda de pontos passa a constar do registo de infracções. Com a cassação do título de condução, o condutor em causa fica impossibilitado de obter novo título de condução pelo período de 2 anos, não podendo o seu titular exercer a condução de qualquer veículo a motor. A cassação da carta de condução traduz-se numa medida de segurança de carácter administrativo, que pressupõe um juízo prévio de inaptidão para o exercício da condução, assente fundamentalmente no número e gravidade das condutas ilícitas e do decurso do tempo que sobre elas se vier a verificar, nomeadamente, e também para efeitos de recuperação ou não de pontos (cfr. artigos 121º-A e 148º, nºs 5 e 7 do Código da Estrada). Na situação em apreço, constata-se e resultou provado que o Recorrente praticou 6 contra-ordenações, classificadas como graves e uma classificada como muito grave, como resulta dos factos dados como provados. Na sequência de tais condenações foram subtraídos à Recorrente todos os pontos (doze) que passaram a constar do referido registo de infracções. Deste modo, ao total de doze pontos detidos pela referida condutora e Recorrente, foram automaticamente subtraídos dois pontos por cada condenação, em cumprimento do estabelecido no n.º 2 do art.º 148º do Código da Estrada, tendo a condutora e aqui Recorrente ficado com zero pontos. A perda de pontos decorre de forma automática da respectiva decisão condenatória transitada em julgado, sendo a cassação do título de condução o efeito necessário da perda total de pontos por parte do condutor/infractor. Face ao supra exposto, uma vez que a Recorrente perdeu todos os pontos, verifica-se estarem preenchidos os pressupostos da cassação do título de condução nos termos do artigo 148º, nº 4, c) do Código da Estrada, razão pela qual decide-se julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão proferida pela entidade administrativa nos seus precisos termos. Vejamos, contudo, as questões suscitadas pelo Recorrente: Da Nulidade da Decisão: A Recorrente pronunciou-se em sede de audiência prévia sobre a proposta de decisão de cassação do seu título de condução, alegando que não era a condutora dos veículos nos dias, horas e locais constantes das infracções que produziram a sua condenação, e bem assim de que não foi notificada nem dos autos de CO, nem das decisões que sobre os mesmos recaíram, e requereu a produção de prova de tais factos indicando para o efeito duas testemunhas, a qual foi indeferida com fundamento na impossibilidade de se proceder agora à inquirição das testemunhas, por já haverem transitado em julgado as decisões; referindo, porém, a Recorrente que não teve conhecimento dos autos, e consequentemente do prazo para apresentação de defesa e do prazo para identificação do condutor que praticou as infracções, nem das decisões administrativas que aplicaram as coimas, as sanções acessórias de inibição de conduzir e lhe determinaram a perda de pontos na carta de condução, e se o processo de CO admite a revisão de decisões condenatórias transitadas em julgado, pelo que também o processo de cassação, sob pena de ser considerado inconstitucional, terá que permitir o exercício de todos os meios de defesa pelo arguido, concluindo serem, assim, inconstitucionais as normas dos arts. 171.º, n.º 2 e 3; 176, n.º 5, 6, 7 al. a) do Código da Estrada (relativas à notificação, ao exercício da sua defesa, ao transito em julgado) quando interpretadas no sentido da arguida ser impedida de demonstrar que determinado processo CO correu integralmente à sua revelia e sem o seu conhecimento, e consequentemente, poder proceder à sua defesa e/ou identificação do verdadeiro infractor, por violação do disposto nos arts. 20.º, n.ºs 1 e 4 CRP (acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) conjugado com o art. 18.º, n.º 2 da CRP (princípio da proporcionalidade) e ao princípio da proibição da indefesa, um processo que determina a perda de direitos civis, inconstitucionalidade que expressamente se invoca e requer a V. Exa. seja declarada. Vejamos: Antes de mais, cumpre referir que nem nesta sede a Recorrente nem sequer fez prova que não era a mesma que não conduzia as referidas viaturas ou sequer que as mesmas seriam conduzidas, pelo seu companheiro e namorado BB, ou pela sua mãe, DD; conforme supra já se foi avançando. Mais: estranha-se o por si afirmado que não teve conhecimento das decisões administrativas, quando resulta evidente dos autos, que, em relação a muitas delas foi a própria que assinou o AR de notificação da decisão administrativa – não será, afinal um venire contra factum próprio? Por outro lado, a autoridade administrativa ao não admitir em sede de defesa da Recorrente a sua referida produção de prova e relativamente a decisões já transitadas em julgado, andou bem a Autoridade administrativa. Como muito bem refere no parecer com que instruiu o presente recuso aí é referido pela Autoridade Administrativa, o seguinte, e que se passa a transcrever, por se concordar com o ali vertido e escrito: (…) “(…) a condutora foi regularmente notificada de todas os processos de contraordenação que consubstanciam o presente processo de cassação, não tendo apresentado defesa em nenhum dos processos, pelo que a identificação da autoria dos factos após o decurso do prazo concedido para o efeito – art. 171º, nº3 e 175º, nº 1 al. g) ambos do Código da Estrada – não pode ser discutida nesta fase do processo, até porque os referidos processos de contraordenação tornaram-se definitivos. Com efeito, tal como se exarou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.10.2010, prolatad np Processo nº 1106/09.6TAPDL.L1-5, dispinível em www.dgsi.pt, “não tendo os agentes de autoridade identificado o autor da infracção de circulação de veículo automóvel em excesso de velocidade e não tendo a pessoa em nome de quem o dito veículo está registado procedido, no prazo legal, á identificação do condutor estabelece a lei uma presunção de responsabilidade do titular do documento de identificação do veículo pela prática daquela infração”. Nesta parte, e ainda relativamente a outras questões suscitadas pela Recorrente, concorda-se ainda com o afirmado pelo M.P., na sua Promoção constante dos autos e datada de 06.03.2023, que se transcrevem, por o Tribunal se rever no ali referido: “Também aqui, salvo melhor opinião, não assiste razão à recorrente, que foi devidamente notificada dos processos de contra-ordenação, em conformidade com o estabelecido nos artigos 175º e 176º do CE., pelo que não se verifica quaisquer ilegalidades e inconstitucionalidades. No que se refere à revisão das decisões, a haver lugar seria, no seu próprio processo, e não neste (cassação), mais se acrescenta, que sem nenhum fundamento, porque a recorrente não reagiu, nada fez, quando sobre ela como proprietária do veículo lhe incumbia a sua identificação, pois sabia que nada fazendo a responsabilidade recaia sobre sí como proprietária do veículo. Já o recurso de revisão, visa apreciar causas excepcionais ou supervenientes que infirmem uma determinada decisão, e não a inércia de quem no momento oportuno nada fez, por simples displicência ou porque não era oportuno indicar o verdadeiro responsável, nomeadamente para protecção deste, é do conhecimento geral, que infracções em que não são identificados de imediato o infractor, que este venha a identificar um familiar ou um amigo, ou porque conduzam pouco, ou não tenham infracções averbadas. 3- A não identificação do condutor pelo proprietário do veículo apenas faz presumir a responsabilidade do titular do documento de identificação do veículo pela prática da infracção. É uma presunção diremos nós, ilidível, mas no processo de contra-ordenação próprio, não no de cassação. A não ser assim, não haveria qualquer certeza jurídica e postergava-se toda a defesa para a fase da cassação, tornado o sistema caótico.” (Fim de citação). Acrescenta-se ainda e alicerçando-se o Tribunal na Mui Douta Promoção exarada nestes autos, e quanto às demais questões suscitadas pela Recorrente, que se concorda com a mesma e sempre se dirá, que e quanto ao alegado pela Recorrente, que nos termos do disposto no art. 148.º, n.º 4 als. a) e b) do Código da Estrada, quando o arguido tiver 5 ou 3 ou menos pontos, deverá ser notificado para proceder à realização de frequência de uma formação de segurança rodoviária e prova teórica de exame de condução respectivamente, Formação e exame que se encontram regulamentados no Decreto Regulamentar n. 0 1-A/2016 de 30 de Maio de 2016, de facto, e passando a citar e a transcrever o vertido na Promoção em referência que “o intervalo das infracções não permitiu que a ANSR desse cumprimento ao ai previsto, por outro lado, há que referir que a recorrente habilitou-se a conduzir em 02.05.2017, encontrava-se no regime probatório e todas as contra-ordenações foram praticadas no regime probatório, pelo que lhe é aplicável o disposto nos artigos 122º e 130º, n.º1 al. c) e n.º 5, ambos do CE, que determinam a caducidade da carta de condução a quem for condenado por duas contra-ordenações graves”. No que concerne à suscitada questão pela Recorrente de apensação de todos os autos de C.O. fundamento legal nos arts. 134.º n.º 3 do Código da Estrada; arts. 24.º e 25.º do C.P.P., ex vi n. º1 do art. 41.º do DL 433/82 RGCO, sempre se dirá o seguinte e seguindo, mais uma vez a Promoção em referência: (….) “Ora, estabelece o artigo 134.º do C.E. Concurso de infrações 1 - Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contraordenação, o agente é punido sempre a título de crime, sem prejuízo da aplicação da sanção acessória prevista para a contraordenação. 2 - A aplicação da sanção acessória, nos termos do número anterior, cabe ao tribunal competente para o julgamento do crime. 3 - As sanções aplicadas às contraordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente. Este artigo especial em relação ao RGCO e C.P.P. estabelece expressamente no n.º 3 que as sanções são cumuladas materialmente, pelo que mais uma vez não se entende a pretensão da recorrente. Refere ainda a recorrente que todos os autos de notícia levantados ao arguido foram-no com base em supostas leituras da velocidade instantânea efectuadas pelo o cinemómetro-radar, pretendendo por em causa que o aparelho radar que a mediu estava devidamente calibrado e certificado, sem estar avariado. Mais uma vez, entenda-se não estão aqui em apreciação essas contra-ordenações.” Refere e alega ainda a Recorrente que o processo de cassação do título de condução derivado da subtracção de pontos provocada pela condenação definitiva do seu titular pela prática de contra-ordenações graves ou muito graves consubstancia uma dupla punição pelos mesmos factos e por essa razão traduz-se numa violação do princípio de ne bis in idem, previsto no art. 29.º n.º 5 da CRP, Mais uma vez se afigura ser certa e acertada a Promoção do M.P., e como muito bem refere a mesma, sempre se dirá, que a sanção de inibição de conduzir é aplicada num processo de contra-ordenação grave ou muito grava, a cassação é aplicada quando se verifica a perda de pontos (derivada da prática de várias contra-ordenações). Sob a epígrafe “Sistema de pontos e cassação do título de condução”, diz o art.º 148º, nº 1, do Código da Estrada que “A prática de contra-ordenação grave ou muito grave, prevista e punida nos termos do Código da Estrada e legislação complementar, determina a subtracção de pontos ao condutor na data do carácter definitivo da decisão condenatória ou do trânsito em julgado da sentença, nos seguintes termos: a) A prática de contra-ordenação grave implica a subtracção de três pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência ou ultrapassagem efectuada imediatamente antes e nas passagens assinaladas para a travessia de peões ou velocípedes, e de dois pontos nas demais contra-ordenações graves; b) A prática de contra-ordenação muito grave implica a subtracção de cinco pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, condução sob influência de substâncias psicotrópicas ou excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência, e de quatro pontos nas demais contra-ordenações muito graves.” 2.º “A condenação em pena acessória de proibição de conduzir e o arquivamento do inquérito, nos termos do n.º 3 do artigo 282.º do Código de Processo Penal, quando tenha existido cumprimento da injunção a que alude o n.º 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, determinam a subtracção de seis pontos ao condutor. “ (…) 4 - A subtracção de pontos ao condutor tem os seguintes efeitos: a) Obrigação de o infractor frequentar uma acção de formação de segurança rodoviária, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha cinco ou menos pontos, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes; b) Obrigação de o infractor realizar a prova teórica do exame de condução, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha três ou menos pontos; c) A cassação do título de condução do infractor, sempre que se encontrem subtraídos todos os pontos ao condutor.” A redacção do actual do art. 148º do CE, foi introduzida pela Lei n.º 116/2015 de 28 de Agosto, aprovada pela Assembleia da República nos termos da al. c) do art. 161º da Constituição da República Portuguesa, que procedeu à 14º alteração ao Código da Estrada, aprovado pelo Dec-Lei n.º 114/94. De 3 de Maio. Daqui resulta, que esta alteração foi efectuada pela Assembleia da República, não se colocando a situação de uma eventual inconstitucionalidade orgânica ou material. Estas questões suscitadas pelo ora recorrente, foram já suscitadas e apreciadas pelo TRP em acórdãos de 30.04.2019, relatado por Pedro Vaz Pato, acórdão da mesma relação de 09.05.2018, relatado por Francisco Mota Ferreira, consultável em www.dgsi.pt. Que em parte passamos a citar: “Sucessiva prática de contra-ordenações ou ilícitos criminais, estes puníveis com pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, condiciona negativamente a validade do título de condução e conduz inevitavelmente à aplicação da cassação do título de condução verificados os pressupostos do n.º1 do art.º 148.º do Código da Estrada. Note-se que a perda de pontos por si só não acarreta a perda de quaisquer direitos a que alude o n.º4 do art.º 30.º da CRP. O que determinou a cassação da carta e as inerentes consequências que daí decorrem para a vida do recorrente, certamente gravosas a nível profissional, foram as sucessivas condenações do recorrente que implicaram a sucessiva perda de pontos verificando-se ainda que nem o decurso do tempo nem a consequente conduta posterior permitiram ao recorrente a angariação de outros pontos. O direito a conduzir decorre da titularidade da respectiva licença, mas não existe um direito absoluto. Ademais, não estamos perante a perda definitiva da faculdade de conduzir veículos automóveis. A cassação apenas determina que o recorrente perde a habilitação que detinha, para conduzir e que durante dois anos fica impedido de obter novo título.” Assim, não vislumbramos onde possa estar a inconstitucionalidade das normas dos artºs 148º do Código da Estrada. Alega ainda a Recorrente que a decisão que o condutor não reúne os requisitos para aplicação dos requisitos para aplicação dos procedimentos destinados a evitar a perda total de pontos, e apesar de no entender do Exmo. Senhor Presidente da ANSR, o processo de cassação versar sobre questões de direito, o mesmo não se pronunciou sobre a questão da CO continuada e das suas implicações, existindo desse modo uma omissão de pronúncia. Afigura-se-nos que, também andou bem a Autoridade Administrativa, já que, de facto, e para a decisão de cassação, é irrelevante ou torna-se irrelevante a questão da continuidade. Mais afirma o Recorrente uma atitude persecutória da ANSR, afirmando que entende ser legítimo afirmar-se que, não fora o facto do arguido ter sido notificado, 6 meses, após o cometimento da primeira infracção, por delonga única e exclusivamente imputável à ANSR, não estariam reunidos os pressupostos que determinaram a perda de 12 pontos na carta de condução do arguido. Conclui que, se a ANSR tivesse sido célere a notificar a Recorrente da prática das infracções, esta poderia e teria adoptado comportamento diferente e não estaria hoje perante a eminência de ver o seu título de condução cassado. Não deixa de ser curioso este argumento. Vejamos. Os condutores, na óptica da Recorrente, é que teriam de ser alertados que não estavam a cumprir o Código da Estrada e teria de ser a Autoridade Administrativa a os alertar de tal facto, para não cometerem mais infracções… Ou seja, parece que o cumprimento do Código da Estrada e das normas estradais sempre dependeria – na ótica do Recorrente – de termos “um polícia” a fiscalizar os condutores…Aliás, as Autoridades, por um lado, até avisam os condutores no seu site onde vão colocar ou estar os radares todos os meses, e por outro lado, os locais onde existem radares fixos, têm a devida sinalização para os condutores a alertá-los da sua existência. Improcede, assim esta argumentação do Recorrente. Mutatis mutandi, se diga para o argumento seguinte, ou seja, de que nos termos do disposto no art. 148.º, n.º 4 als. a) e b) do Código da Estrada, quando a arguida tiver 5 ou 3 ou menos pontos, deverá ser notificado para proceder à realização de frequência de uma formação de segurança rodoviária e prova teórica de exame de condução respectivamente; formação e exame que se encontram regulamentados no Decreto Regulamentar n.º 1-A/2016 de 30 de Maio de 2016. Nos termos do art. 9.º da supra referido decreto regulamentar, a ANSR tem obrigação de notificar o condutor para os efeitos constantes dos n.ºs 4 e 8 do art. 148.º do C.E., e assim, entende que, o arguido deveria ter sido advertido para a realização de tal formação, e não o foi, consubstanciando tal omissão da ANSR, causa de nulidade do processo de cassação, por não ter sido notificado quando já só dispunha de 5 pontos ou menos, o arguido ficou impossibilitado de realizar a formação ou exame teórico, circunstâncias que lhe determinariam um incremento nos pontos da carta de condução e sobretudo a adequação dos seu comportamento às regras de trânsito (aliás, não pode deixar de ser esta a principal função da obrigatoriedade de formação), e esta situação é tão mais gravosa, quanto tal falta de notificação deriva do comportamento abusivo e persecutório da ANSR na tardia notificação da prática da primeira C.O., e no cumular de todas as C.O., levando à prolação de 9 decisões em 2 dias seguidos (27 e 28/08/2020), impossibilitando o cumprimento do disposto no art. 9.º do Decreto regulamentar. Na verdade, se os processos de CO corressem o seu curso normal, o arguido poderia e deveria ter tido a oportunidade para salvar o seu título de condução. Vejamos mais um argumento da Recorrente. Acrescenta agora a mesma que alguns dos autos de notícia levantados à Recorrenteido foram-no com base em supostas leituras da velocidade instantânea efectuadas pelo o cinemómetro-radar Jenoptik MultaRadar; porém, entende a Recorrente que o seu uso para controlo e fiscalização do trânsito não havia sido aprovado pela ANSR, e assim, sem a devida aprovação pela ANSR, o cinemómetro-radar não está legalmente habilitado a efectuar medições e a servir de prova nos processos de contra-ordenação, prova essa nula, e cuja nulidade expressamente se invoca, e tendo sido com base única e exclusiva nas supostas leituras de velocidade que a arguida foi condenada, e agora com base nessas condenações que se pretende proceder à cassação do título de condução, não pode tal decisão ser proferida por assentar em prova nula e proibida. Mais refere que, o cinemómetro-radar Jenoptik MultaRadar, conforme consta de cada auto de notícia comporta uma margem de erro significativa, a qual, admitiu parece ter sido tomada em conta, mas sem que se diga se o aparelho radar que a mediu estava devidamente calibrado e certificado, sem estar avariado, pelo que há que admitir a existência de dúvida razoável quanto à velocidade real e efectiva a que circulava o veículo constante dos fotogramas dos autos de noticia, devendo funcionar o principio do in dubio pro reo. Dos autos levantados não consta a data da última verificação periódica metrológica do equipamento utilizado no controlo de velocidade que deu origem à presente contra-ordenação. Improcede este argumento. De facto, os referidos radares encontram-se devida e legalmente homologados, e as margens de erro foram tidos em conta na fixação da velocidade; pelo que nada a apontar. Refere ainda a Recorrente que o cinemómetro-radar, respectivos dados e imagens só podia ser manobrado por quem se encontre habilitado e credenciado para tal, o que não se encontra minimamente demonstrado nos autos. Mais refere que consta ainda dos autos de CO levantados e das respectivas decisões administrativas (com as consequências em termos de fé atribuída aos autos de CO quando as CO tenham sido presenciadas pelos agentes autuantes) que as referidas infrações foram presenciadas pelo agente autuante, o que não corresponde à verdade. Com efeito, todas as alegadas infrações terão sido cometidas no mesmo local, local esse onde se encontra um radar fixo, sem que no mesmo esteja permanentemente qualquer agente autuante. A utilização deste tipo de sistemas de controlo de velocidade, que captam e gravam imagens, bem como de um modo geral, as câmaras e outros mecanismos destinados a esse fim, por meio das forças de segurança, só podem ser utilizadas depois de autorizadas pelo membro do governo que tutela a força ou serviço de segurança requerente, precedendo parecer da CNPD. Dispõe também a mesma lei que a autorização não pode ser concedida se o parecer da CNPD for negativo. O mesmo é dizer que não existindo esse parecer, como é o caso, o uso de tal aparelho cinemómetro não está autorizado para uso na fiscalização de trânsito. Tal controlo prévio não se mostra efectuado sobre o equipamento que mediu a velocidade, pelo que o seu uso através do processamento de dados pessoais é ilegal e não deve fazer fé em juízo. Vejamos. Como é evidente, apesar de ser um radar fixo, está alguém a manobra-lo e, como tal, assistiu à infracção, e com certeza é um técnico que reúne aptidões para o efeito, pois se não o fosse, não faria o trabalho constante dos autos e de uma forma eficaz. No mais, e quanto á protecção de dados, é uma falsa questão, dado que os referidos radares se limitam a registar a viatura e a que velocidade a mesma seguia, e nada mais do que isso, pelo que não tem aplicação aqui, em nosso entendimento, a referida lei de protecção de dados. Refere ainda que o processo de cassação do título de condução derivado da subtracção de pontos provocada pela condenação definitiva do seu titular pela prática de contra-ordenações graves ou muito graves consubstancia uma dupla punição pelos mesmos factos e por essa razão traduz-se numa violação do princípio de ne bis in idem, previsto no art. 29.º n.º 5 da CRP. Acrescenta que a sanção acessória de inibição de conduzir e a cassação do título de condução são alternativas entre si e não cumulativas, tendo o ora Requerente sido condenado em várias sanções acessórias de inibição de conduzir que cumpriu nos termos em que foi condenado, sendo certo que para ser determinada a cassação nunca poderia ter sido aplicada a sanção acessória de inibição de conduzir, caso contrário, tal representa uma dupla punição do agente/arguido pela prática do mesmo facto/C.O., e ao ter sido confirmada a cassação do titulo de condução, a douta decisão violará o disposto no art. 69.º, n.º 1, al. a) e n.º 7 do Código Penal - aplicável ex vi art. 132.º do C.E.. e art. 32.º do RGCO Sufragamos o entendimento da Autoridade Administrativa, quando refere e passa-se a citar: “Acresce que o recurso sub judice também não confirgura, por natureza e finalidades, um recurso de revisão relativamente a cada uma das decisões aludidas na decisão final de cassação, porquanto o mesmo, deve ser requerido, instruido e julgado nos termos do disposto no art. 80 e 81, do DL 433/82, de 27 de outubro, na redação vigente que ultrapassa o vinculo temático da inpugnação judicial de decisão de cassação aqui em apreço. Verdadeiramente, o que tratamos in casu é do recurso de impugnação judicial da decisão da ANSR que determinou a cassação do titulo de condução Efetivamente, nos processos de contraordenação onde foram apreciadas as infrações que o mesmo cometeu, concluiu-se que estavam verificados todos os pressupostos de que dependia a sua condenação, tendo-se tornado definitivas as decisões administrativas aí proferidas (nos termos aceites pelo arguido, porquanto não recorreu das mesmas), pelo que os respetivos conteúdos decisórios consolidaram-se na ordem jurídica, estando, como tal, definitivamente assente que o recorrente cometeu aquelas infrações.” Inconstitucionalidades: Invocou ainda a inconstitucionalidade do art. 148.º, n.º 10 do CE quando interpretador no sentido de que o processo de cassação é um processo onde só se tratam questões de direito e não de factos, uma vez que tal interpretação conduziria forçosamente à consequência de transformar o processo de cassação numa mera formalidade de verificação do número de processos onde automaticamente foram retirados os pontos da carta de condução, não havendo qualquer defesa possível do arguido. Invocou ainda a inconstitucionalidade do art. 171.º, n.ºs 2, 3 e 4 do DL. 114/94 de 3 de Maio (código da estrada), por violação do disposto nos arts. 20.º e 29.º n.º 6 da Constituição da República Portuguesa (CRP) quando interpretado de forma a, decorrido o prazo de defesa (designadamente, de 15 dias úteis após a notificação do auto de contra-ordenação) já não ser possível ao proprietário do veículo, que não cometeu efectivamente a CO que lhe é imputada, a indicação do condutor do mesmo, o qual é o único e verdadeiro responsável pelas CO relativas ao exercício da condução. Por último refere ainda que o art. 148.º do C.E. que determina a perda de pontos do título de condução e a consequente cassação do título de condução, quando esgotados os 12 pontos atribuídos a cada condutor, é inconstitucional por consubstanciar um impedimento do condutor desempenhar as suas funções laborais, violando assim o art. 58.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, as normas do art. 148.º do C.E. relativas à cassação do título de condução enfermam de inconstitucionalidade material, por serem contrárias ao princípio consignado no art. 30.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa: “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais e políticos”. No que se reporta às apontadas inconstitucionalidades, sufraga-se o entendimento vertido e plasmado no Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto datado de 09.05.2018, e cujo Relator é o Exmo. Sr. Juiz Desembargador Dr. Francisco Mota Ribeiro, que aqui nos atrevemos a transcrever em parte: “Ora, o sistema de pontos traduz apenas uma técnica utilizada pelo legislador para sinalizar em termos de perigosidade os efeitos que determinadas condutas ilícitas penais ou contraordenacionais podem vir ou não a ter no futuro, no que toca a uma eventual reavaliação da autorização administrativa habilitante ou licença de condução de veículos automóveis, atribuída a um determinado particular, reavaliação essa que poderá culminar com a aplicação de uma medida de segurança, mais precisamente com a decisão de cassação da respetiva carta de condução. Decisão esta que tem caráter administrativo e pressupõe um juízo prévio de inaptidão para o exercício da condução, assente fundamentalmente no número e gravidade daquelas condutas ilícitas e do decurso do tempo que sobre elas se vier a verificar, nomeadamente e também para efeitos de recuperação ou não de pontos, nos temos do disposto no art.º 121º-A e 148º, nºs 5 e 7, do CE. Visando assim tal sistema apenas registar e evidenciar, através de um registo central, com um sentido claramente pedagógico, de satisfação de necessidades de prevenção, fundamentalmente de ressocialização, os efeitos penais ou contraordenacionais das infrações cometidas, segundo a respetiva gravidade, tendo fundamentalmente em conta, não as sanções aplicadas, mas as próprias infrações, como vimos supra. Sendo que o efeito que possam ter para a determinação da cassação da carta, em virtude de uma eventual perda total de pontos, nos termos do art.º 148º, nº 4, al. c), do CE, é apenas o de facilitação do cálculo do número de infrações cometidas e da sua gravidade, sendo certo que um tal resultado nunca será à partida certo, porquanto o próprio decurso do tempo e a posterior conduta do condutor tornarão contingentes os efeitos que daquelas infrações possam materialmente resultar, designadamente para a tal eventual cassação da carta, já que é a própria lei a prever que aos 12 pontos de que dispõe cada condutor, poderão ainda acrescer mais três, até ao limite máximo de 15 pontos, sempre que no final de cada período de três anos não exista registo de contraordenações graves ou muito graves ou crimes de natureza rodoviária no registo de infrações, ou ainda um ponto mais em cada período correspondente à revalidação da carta de condução, sem que exista registo de crimes de natureza rodoviária, não podendo ser ultrapassado o limite máximo de dezasseis pontos, sempre que o condutor de forma voluntária proceda à frequência de ação de formação, de acordo com as regras fixadas em regulamento. Quer dizer, o sistema de pontos tem um sentido essencialmente pedagógico, seja pela subtração de pontos efetuada proporcionalmente em função da gravidade de uma infração concretamente cometida, seja pela sua concessão, nos termos supra referidos, estimulando desse modo o condutor para comportamentos estradais de índole positiva, sendo que aquela subtração, e designadamente a que está diretamente em causa nos presentes autos, ocorre como efeito automático da infração cometida, sem que assuma, no entanto, em si, qualquer natureza sancionatória, sendo apenas reflexo ou um índice da gravidade da infração cometida e do relevo que esta possa ter no somatório de outras, tendo em vista aferir a dada altura a perigosidade do titular da licença de condução, em termos de saber se esta última se deve ou não manter, nos termos em que foi concedida pela administração. O sistema de pontos será assim também um sistema que permitirá à administração aferir se o titular da licença de condução reúne ou não as condições legais para poder continuar a beneficiar dela. Inserir-se-á, portanto, tal desidrato, no âmbito dos poderes de administração do Estado. Aliás, tanto a atribuição da licença de condução, em função da qual a lei faz conceder ao respetivo titular os referidos 12 pontos, como a sua cassação, pela perda de todos os pontos, mas perda esta que tem materialmente subjacente a condenação ou a verificação prévia de infrações contraordenacionais ou penais, nos termos supra referidos, traduzem decisões de caráter administrativo: a primeira um ato administrativo permissivo de conteúdo positivo, ou mais precisamente autorização permissiva expressa na licença ou carta de condução, ou habilitação, relativa a direito cujo exercício “pode importar em sacrifícios especiais para um quadro de interesses públicos que convém acautelar”, entendendo o legislador introduzir limitações no exercício da liberdade individual de modo a garantir em certas atividades um determinado padrão de competência técnica, fazendo-o através de atos que são pressuposto da atribuição daquela licença de condução; enquanto que a segunda se traduz numa medida de segurança, também de caráter administrativo, que pressupõe um juízo prévio de inaptidão para o exercício da condução, relativamente a alguém que já havia obtido a concessão de autorização-habilitação para conduzir, mas cujas condutas, material e processualmente determinadas, com respeito pela estrutura acusatória do processo, assim como pelas garantias de defesa e controlo jurisdicional efetivos, vieram revelar a existência daquela inaptidão, e em respeito, portanto, das normas constitucionais, designadamente das invocadas pelo recorrente - art.ºs 2º, 18º, nº 2, 20º, nº 1, 29º, nº 1, 30º, nº 4, 32º, nºs 1, 4, 5 e 10, 202º, nº 2, e 219º, nº 1, da CRP. E sendo tais condutas o fundamento material da cassação que eventualmente venha a ser determinada e não propriamente a atribuição de pontos, sendo estes somente o índice ou uma tradução numérica daquela gravidade, ainda por cima de um modo que resulta ser proporcionado àquela gravidade, não vislumbramos onde possa estar a inconstitucionalidade das normas dos artºs 148º, nºs 1 e 2, 149º, nºs 1, al. c), e 2, do CE, 281º, nº 3, do Código de Processo Penal, bem como dos art.ºs 4º, nº 1, al. e), f), nº 3, al. e) e aa), 6º, nºs 2, 5 e 6 do DL nº 317/94.” Aliás entendimento idêntico já tinha sido acolhido pelo Tribunal constitucional, ainda que numa versão anterior da referida norma e no Acórdão nº 472/2007, in DR nº 211, Série II, de 02.11.2017, o qual não julgou inconstitucional a norma que resulta dos artigos 130º, nº1 al. a) e 122º, nº4 do Código da Estrada, na redacção do Dec.-Lei nº 44/2005, de 23.02, segundo a qual a condenação pela prática de contra-ordenação muito grave determina a caducidade do título de condução provisório. Pelo exposto, e nos termos acima exposto, nada a apontar á decisão da Autoridade Administrativa que se limitou a cumprir e a observar o disposto na lei, designadamente no Código da Estrada. Cumpre aqui chamar á colação o velho e sempre actual brocado latino: Dura Lex, Sed Lex.V – DECISÃO: Pelo exposto, decide-se julgar o presente recurso improcedente, mantendo-se a cassação do título de condução nº ... da Recorrente AA, e decide-se ainda que não existem quaisquer inconstitucionalidades das normas aplicadas na referida decisão administrativa.»
B- Fundamentação de direito
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e pelas de conhecimento oficioso que o tribunal deva apreciar.
Aqui chegados cumpre esclarecer que temos entendido ser recorrível para este Tribunal da Relação, o recurso de decisão de impugnação judicial de decisão administrativa, como já admitimos no Acórdão desta Relação de 12/05/2021, publicado em www.dgsi.pt da autoria da atual Relatora, e nos parece decorrer inequivocamente do disposto no nº13 do art.148 do Código da Estrada.
Porém, e atento o disposto no art.75 nº1 do DL433/82 de 27 de outubro este Tribunal de recurso, só tem poderes de cognição em matéria de direito, pelo que, em todas as questões suscitadas terá de ser tida em conta a limitação legalmente imposta aos poderes de conhecimento deste Tribunal.
As questões suscitadas pela recorrente são as seguintes:
1ª) Nulidade da sentença recorrida por não se ter pronunciado sobre a prescrição do procedimento administrativo que decreta a cassação da carta de condução.
2ª) Vícios previstos no art. 410 nº2 do CPP.
3ª) O incumprimento pela ANSR para os efeitos do nº4 e 8 do art. 148 do Código da Estrada.
4ª) Direito de audição da recorrente na fase administrativa
5ª) Violação do princípio do ne bis in idem no procedimento administrativo autónomo para cassação do título de condução
6ª) Violação do disposto no art.30 nº4 da CRP.
7ª) Efeitos da lei 38-A/23 sobre as contraordenações que estiveram na base do procedimento administrativo.
Cumpre apreciar e decidir!
1ª Questão
Da nulidade da decisão recorrida por não se ter pronunciado sobre a prescrição do procedimento administrativo que decreta a cassação da carta de condução.
Alega a recorrente que a prescrição é de conhecimento oficioso e a decisão recorrida não conheceu da questão quando o procedimento estaria prescrito à data em que foi proferida a sentença posta em crise neste recurso.
Vejamos!
Considera a recorrente que a prescrição começa a correr a partir do momento em que transita em julgado a última decisão administrativa que determinou a perda da totalidade dos pontos do título de condução da recorrente e que tal prazo é de dois anos por aplicação do disposto no art.188 nº1 do Código da Estrada.
Este preceito dispõe: «O procedimento por contraordenação rodoviária extingue-se por efeito da prescrição logo que, sobre a prática da contraordenação, tenham decorrido dois anos.»
Sucede que não estamos no âmbito de procedimento contraordenacional respeitante a contraordenação rodoviária, mas antes, perante um procedimento autónomo regulado no art. 148 do Código da Estrada, (veja-se o nº10 do preceito), onde se prevê que a subtração de todos os pontos acarreta a cassação do título de condução. – al c) do nº4 do preceito legal citado.
É a sucessão de condenações que justifica o processo administrativo, autónomo, de cassação da carta de condução previsto no citado art. 148 do Código da Estrada.
Trata-se, assim, de um processo que não se confunde com um procedimento por contraordenação rodoviária punível com coima e/ou sanção acessória de proibição de conduzir, pelo que, não se aplicam ao procedimento administrativo de cassação os artigos 188 e 189 do C. da Estrada.
A cassação do título de condução decreta uma restrição à faculdade de conduzir na via pública que tem a natureza de medida de segurança e está correlacionada com a perigosidade ou falta de idoneidade do concreto condutor, a qual se afere pelo tipo de contraordenações praticadas e sua gravidade.
Nem no art. 148 do Código da Estrada, nem noutros preceitos deste diploma se prevê qualquer prazo de prescrição para este procedimento.
No entanto, o art.186 do Código da Estrada remete para o RGCO, - DL n.º 433/82, de 27 de Outubro.
O RGCO, por sua vez nos artigos 32 e 41 nº1, remete, em tudo o que não seja contrário aquele diploma legal, para os preceitos reguladores do Código Penal e processo penal e o art. 8 do CP indica a subsidiariedade do direito penal para a legislação penal de carácter especial.
Em todos estes diplomas a única norma que prevê prazo de prescrição para a medida de segurança de cassação do título de condução é o art.124 nº2 do CP, que estabelece que o prazo de prescrição desta medida de segurança é de cinco anos, pelo que, atendendo a que só se pode decretar a referida medida de segurança quando estão demonstrados factos graves que levaram à perda da totalidade dos pontos atribuídos ao condutor, consideramos que o prazo para a prescrição do procedimento que decreta a medida de segurança deve ser idêntico ao da própria medida de segurança, ou seja, de cinco anos, tal como o procedimento contraordenacional e as coimas e sanções acessórias aplicáveis também têm prazo idêntico, nos termos dos artigos 188 e 189 do Código da Estrada.
Também com o entendimento de que o prazo de prescrição deste procedimento administrativo é de cinco anos, se bem que não exatamente com a fundamentação por nós adotada, pois faz um paralelo com o prazo de prescrição criminal enquanto nós fazemos apelo ao paralelismo como o prazo de prescrição da própria medida de segurança veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 9/04/2008, relatado por Rui Gonçalves, cujo sumário se encontra publicado no site da secção de jurisprudência do site da Procuradoria Geral Regional de Lisboa, onde se refere: «V - O Código da Estrada “…no artº 186º determina como lei subsidiária o R.G.C.O.C., sendo que esse diploma, no seu artº 41º, nº 1 estabelece, por seu turno, que quanto ao regime processual das contra-ordenações, as lacunas serão supridas aplicando-se as disposições do Código de Processo Penal. Assim a aplicação do Código de Processo Penal, a título subsidiário, só acontecerá quando no R.G.C.O.C. houver uma omissão. Para existir uma omissão necessário se trona que determinado instituto não esteja previsto. Por sua vez o artº 32º do R.G.C.O.C. determina o Código Penal como direito substantivo subsidiário'. VI - “Parece-nos que perante a lacuna do Código da Estrada, e, atendendo à gravidade dos factos, para determinar a cassação da carta, será de aplicar o regime previsto no artº 118º, nº 1, al. c), 121º, ambos do Código Penal. Ou seja, o prazo de prescrição do procedimento seria o mesmo do procedimento criminal e neste caso de 5 anos, fazendo o paralelismo com o artº 124º, nº 2, do Código Penal.»
Em face do exposto, e dado que o prazo de prescrição do procedimento que decreta a medida de cassação do título de condução é de cinco anos contados do trânsito em julgado da última decisão administrativa que decretou a perda de pontos da recorrente e que ocorreu em 12/12/2020, nos termos do disposto no art. 122 nº2 do CP, verifica-se que não decorreu ainda o referido prazo de prescrição e que também não se verifica a invocada nulidade decorrente de omissão de pronúncia, já que não havia motivo para conhecer oficiosamente de uma prescrição que não ocorrera.
Improcede pelo exposto este argumento do recurso.
2ª Questão
A recorrente invoca vício de erro notório na apreciação da prova e de contradição, porquanto, relativamente às infrações constantes do Registo de Infrações do Condutor todas elas há muito transitadas em julgado, datando a mais recente data do trânsito dessas decisões de 12/12/2020.
Ora, sendo o procedimento administrativo que dá lugar à cassação da licença de condução um procedimento autónomo que tem lugar posteriormente às decisões que condenaram nas contraordenações que deram origem à perda de pontos, como resulta do disposto no nº4 al.c) do art.148 do Código da Estrada, não pode a recorrente vir neste processo invocar vícios de decisões há muito transitadas. Na verdade, nenhum vício, nem a nulidade insanável pode ser declarado depois de se ter formado caso julgado sobre uma decisão, e sempre teria de ser invocado no respetivo processo, o que a recorrente não fez.
Nos processos de contraordenação a recorrente não impugnou nem sequer pôs em causa que fosse ela a condutora do veículo interveniente, pois não usou da faculdade de indicar o verdadeiro condutor prevista no art. 171 nº3 do Código da Estrada. Essa inércia é-lhe imputável e tais vícios não podem ser agora conhecidos neste processo com objeto diverso, e que tem por base decisões transitadas em julgado.
Alega também a recorrente que nos processos de contraordenação não foi notificada para exercer a sua defesa.
Porém, dos factos dados como provados consta que a mesma foi notificada e a data dessa notificação, o que não pode ser objeto de apreciação por este Tribunal da Relação que apenas conhece de direito, salientando-se que no julgamento em primeira instância a recorrente terá afirmado que: «vive com os seus pais, e que quem costumava receber as notificações em nome dela era o pai da mesma, uma vez que se encontra reformado.», o que foi corroborado pela mãe da recorrente, a qual referiu: «que a Recorrente vive com ela e com o pai, e que é este último quem costuma receber as notificações, e como é um pouco “desleixado”, nas palavras que usou, nem sempre o mesmo a avisava das notificações ou cartas que chegavam…»
Notificada das decisões administrativas que condenaram por contraordenações por carta registada com AR expedida para o seu domicílio a recorrente não exerceu em devido tempo a sua defesa naqueles processos, e como tal, essa inércia só a ela mesma pode ser imputada, não se vislumbrando como pretende a recorrente qualquer violação do art. 20 da CRP.
3ª Questão
A recorrente alega que ANSR não cumpriu com a sua obrigação decorrente do art. 9 n.º 2 do Decreto Regulamentar nº 1-A/2016 de 30 de maio e considera que essa omissão se traduz numa nulidade que inquina o procedimento administrativo.
Em primeiro lugar tal notificação deveria ter sido levada a efeito não no procedimento em causa, mas previamente ao mesmo antes de o condutor ter perdido todos os pontos de forma que se inicie o referido procedimento.
Por outro lado, nos termos do disposto no art. 118 nº1 do CPP as nulidades estão sujeitas ao princípio da legalidade, estabelecendo o nº1 do referido preceito que: «A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.»
Ora, nem o citado decreto regulamentar nem o Código da Estrada cominam a falta desta notificação com o vício de nulidade.
Pelo que, mesmo que tal formalidade não tenha sido observada, ela não afeta o procedimento autónomo que veio a decretar a cassação do título de condução quando se esgotaram todos os pontos do condutor.
No sentido por nós defendido veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 22/02/2023, relatado por Francisco Henriques, publicado em www.dgsi.pt.
4ª Questão
Alega a recorrente que na fase administrativa a sua audição foi uma mera formalidade, porquanto, se pronunciou em sede de audiência prévia sobre a proposta de decisão de cassação do seu título de condução, alegando que não era a condutora dos veículos ..-MR-.. e ..-SM-.., nos dias, horas e locais constantes dos processos de contraordenação n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., uma vez que possui 5 veículos registados em seu nome os mesmos conduzidos diariamente por pessoas que lhe são próximas (companheiro e mãe).
Requereu a produção de prova de tais factos indicando para o efeito duas testemunhas e juntou 7 documentos (dois dos quais eram declarações em que os condutores dos veículos ..-MR-.. e ..-SM-.. assumiam a sua responsabilidade).
Esta defesa não foi aceite pela autoridade administrativa.
Como já referimos a propósito da 2ª questão suscitada não pode a recorrente num procedimento autónomo que parte de decisões transitadas em julgado vir fazer prova sobre os factos que estiveram na base de tais de decisões quando nos respetivos processos atempadamente nada fez ou requereu.
Como tal não tinha a autoridade administrativa de aceitar tal meio de defesa da recorrente e essa circunstância não inquina a decisão tomada pela mesma quanto à cassação da licença de condução.
E nem se diga que estamos perante responsabilidade objetiva do proprietário da viatura porquanto a inércia e displicência na respetiva defesa apenas é imputável à própria recorrente.
Não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade do disposto nos artigos 171, 176 e 148 nº10 do Código da Estrada quando se afirme que não se podem impugnar decisões de facto que estiveram na base de decisões condenatórias transitadas em julgado, já que o instituto do trânsito em julgado de decisões quer condenatórias quer absolutórias aplica-se às decisões em geral e não só no direito contraordenacional e destina-se a garantir a segurança e estabilidade na ordem jurídica.
5ª Questão
Invoca a recorrente que o processo de cassação do título de condução derivado da subtração de pontos provocada pela condenação definitiva do seu titular pela prática de contraordenações graves ou muito graves consubstancia uma dupla punição pelos mesmos factos e por essa razão traduz-se numa violação do princípio de ne bis in idem.
Vejamos!
O que determina a cassação é a consequência da perda de pontos que emerge automaticamente das condenações sofridas pelo condutor infrator e essa declaração não é, em si mesma, uma outra condenação.
Não se trata de uma nova condenação pelos mesmos factos, mas do efeito do preenchimento de condições negativas, que assinalam o condutor em causa como perigoso para o exercício da condução.
E como se refere no ponto nº9 do Acórdão do Tribunal Constitucional nº154/22 relatado pelo Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro que analisou a questão: «porque os critérios relevantes para essa cassação não se extraem dos factos que tipificam ilícitos criminais, mas sim da reiteração das condenações criminais ou contraordenacionais e da forma como elas revelam a incapacidade do condutor para observar as normas legais que garantem a segurança rodoviária. Em suma, a norma sindicada não implica, nem que o condutor seja julgado novamente pelos mesmo factos, nem que por eles seja duplamente punido, pelo que não ocorre violação alguma do artigo 29.º, n.º 5, da Constituição.»
Não ocorre, pelo exposto, a violação do art.29 nº5 da CRP, onde se consagra que: «Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.»; nem se vislumbra que o sistema instituído no art.148 do CE viole qualquer preceito ou princípio com consagração constitucional.
Improcede, pelo exposto, também este argumento recursório.
6ª Questão
Considera a recorrente que as normas do art.148 do C.E. relativas à cassação do título de condução enfermam de inconstitucionalidade material, por serem contrárias ao princípio consignado no art.30 n.º 4 da Constituição da República Portuguesa: «Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais e políticos».
O citado artigo do Código da Estrada rege sobre o sistema de pontos e cassação do título de condução.
Aqui chegados temos de salientar que o direito de conduzir viaturas automóveis em vias públicas não é um direito inato e absoluto, e por isso, carece de regulamentação e só pode ser exercido por quem se encontra habilitado para o efeito.
Trata-se de uma atividade que pode tornar-se perigosa para a segurança dos restantes utentes das estradas e por esse motivo, tem de ser sujeita a um, permanente e justificado, controlo das condições da sua manutenção.
A conservação do título de condução fica, pois, sujeita à adoção de um correto comportamento rodoviário.
A ANSR é a entidade competente para a emissão das licenças que habilitam ao exercício da condução e também para a fiscalização de que as condições para esse exercício se mantêm inalteradas.
Verificando-se a perda de pontos o Presidente da ANSR atua sem qualquer discricionariedade na emissão da declaração de cassação, uma vez que tal perda operada em consequência das condenações sofridas, sinaliza o condutor em causa como detentor de um grau de perigosidade tal que o impede de continuar a exercer o direito a conduzir.
Não se trata de perder um direito adquirido, porque tal direito nunca foi absoluto e incondicional, estando sujeito a condições e a controlo perpétuo.
Assim, não se verifica a violação do citado art.30 nº4 da CRP.
E sobre esta questão citamos novamente o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 154/22, mencionado a propósito da 5ª questão, agora ponto 10º: «é de reconhecer que a cassação do título de condução se traduz numa inadmissibilidade de conduzir na via pública os veículos para os quais tal título habilitava o seu titular e que essa proibição é passível de dificultar o exercício de uma variedade de atividades, designadamente laborais. Porém, da circunstância de ter esses efeitos, que são inerentes à própria natureza da medida de cassação e sem os quais as finalidades que presidem à sua aplicação se esvaziariam, não se segue que a cassação seja um efeito automático de uma pena; ou que a cassação, por sua vez, implique a perda de quaisquer outros direitos que não o de conduzir na via pública os veículos mencionados no título cassado. Para além disso, reitere-se que a aplicação da medida de cassação se inscreve num sistema gradativo de consequências, que comporta vários elementos de ponderação em favor e desfavor do condutor, pelo que está longe de poder ser vista, mesmo no ambiente normativo em que se insere, como de aplicação puramente automática.»
7ª Questão
Alega a recorrente que se a Lei 38-A/2023, no seu art.5 perdoou as sanções acessórias relativas a CO cujo limite máximo não exceda 1000 euros, eliminou o pressuposto de que dependia a perda de pontos.
Em primeiro lugar resulta do processo administrativo que a recorrente nasceu em 8/01/1990, o que significa que à data da entrada em vigor da Lei 38-A/2023 já tinha mais de 30 anos, pelo que, tal diploma não lhe era aplicável face ao teor do art. 2º da citada lei que apenas considera beneficiários das medidas de clemência os autores de atos ilícitos que tenham entre 16 e 30 anos de idade.
Por outro lado, a cassação da licença de condução é uma medida de segurança aplicada administrativamente nos termos previstos no art.148 do Código da Estrada e a citada Lei 38-A/2023 de 2 de agosto não contém qualquer normativo que contemple medidas de segurança.
Relativamente às contraordenações que estiveram na base do procedimento e respetivas sanções acessórias e principais, não cumpre conhecer nestes autos como já repetidamente afirmámos
3. Decisão
Tudo visto e ponderado, acordam os Juízes na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso interposto por AA e, em consequência confirmam integralmente a decisão recorrida.
Custas, pelo decaimento do recurso, a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 Ucs.
Porto, 28/5/2025
Paula Guerreiro
Castela Rio
Luís Coimbra