CONTRAPROVA
RECUSA
Sumário

I - Tendo o arguido decidido, de forma livre e esclarecida, não realizar a contraprova, a sua decisão vinculou-o juridicamente.
II - Se após essa recusa o arguido decidir realizar a contraprova, esta nova decisão não pode ser atendida.

Texto Integral

Processo 887/24.1GAPRD.P1
Comarca do Porto Este
Juízo Local Criminal de Paredes – Juiz 2

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO
I.1 Por sentença proferida em 08.01.2025 foi decidido:
“1) Condenar o arguido AA como autor material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 55 (cinquenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros), o que perfaz o montante global de € 825,00 (oitocentos e vinte e cinco euros);
2) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 3 (três) meses, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal;
3) Condenar o arguido AA no pagamento das custas processuais, que englobam a taxa de justiça e demais encargos, fixando-se aquela em 2 (duas) U.C.´s, atenta a atividade processual desencadeada (cfr. artigos 513.º, 514.º, ambos do Código de Processo Penal, 8.º, n.º 9 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais).”

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I.2. Recurso da decisão
O arguido AA interpôs recurso da decisão, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição integral):
“1- o Arguido impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do n°2 do Art 410° do CPP,
2- A decisão do Tribunal de condenar o Arguido para além de não ter tido em consideração todas as circunstâncias que rodearam os factos, revela também contradições entre a matéria dada como provada e não provada, acabando sempre por decidir em desfavor do arguido aqui recorrente.
3- " Na Douta sentença ora recorrida, onde se discriminam os factos não provados, foi dado como provado que “após, o arguido recusou-se a assinar e receber todo o expediente referente à sua detenção, incluindo a notificação a que alude o artigo 153.°, n.°2, do Código da Estrada, tendo, de seguida, abandonado o Posto da G.N.R".
4- Uma leitura atenta, pormenorizada e imparcial e critica das declarações dos Srs. Militares da G.N.R. que prestaram depoimento no âmbito do presente processo, impunha que a Mma. Juiz a quo, decidisse de forma diferente, desde logo, pela nulidade do auto de noticia, nulidade essa, atempadamente invocada pela defesa do arguido no início da audiência de julgamento e que, erradamente, em violação da norma do artigo 32.° n° 2 do C.P.P. não foi atendida pela Mma. Juiz a quo.
5- Dos documentos que constituem o expediente elaborado pelos Senhores Militares no Posto da G.N.R, nomeadamente, auto de notícia e auto de libertação, ressaltam à evidencia, contradições que não podem deixar de ser consideradas e que descredibilizam de forma categórica as declarações prestadas pelas testemunhas da acusação,
6- Tendo-se em atenção a hora que consta do auto de libertação e a hora que consta do próprio documento, como hora de criação e impressão do mesmo, verifica-se que existe uma incongruência de todo impossível de explicar, pois o arguido foi libertado, segundo o mesmo documento, às 05h55 e o documento foi elaborado e impresso para ser dado a ler ao arguido às 06h:08.
7- De facto, consta do auto que a hora de saída do arguido do posto da G.N.R. de Paredes ocorreu pelas 05h55, no entanto, nos documentos, consta como hora de criação e/ou conclusão do expediente, as 06h08m, referindo o auto que o arguido se recusou a assinar o expediente, pelas 05h55, exatamente na mesma hora em que foi libertado.
8 - Não podia o Douto Tribunal olvidar estes factos e contradições do auto de noticia, os quais descredibilizam a sua veracidade, tornando-o nulo, por desconformidades, contradições e incoerências com a realidade dos factos, pelo que, não poderá o auto de noticia fazer fé pública plena.
9- Uma análise critica e objetiva ao auto e expediente e às incongruências e contradições que deles constam, importava que a Mma. Juiz a quo, desse como inválido o auto e que descredibilizasse os depoimentos dos Sr. Guardas da G.N.R. indicados na acusação e que, pelo contrário desse total credibilidade às declarações do arguido e depoimentos das testemunhas de defesa,
10 - sendo que, o primeiro, explicou de forma totalmente coerente aquilo que se passou, mormente o seu pedido para deslocação ao Hospital para fazer a contraprova (análise sanguínea) e as razões porque se recusou a assinar o expediente que lhe foi dado a ler, seguramente após as 06h08, e não pelas 05h55 como refere o auto.
11 - Na esteira do Ac., do S.T.J., 02/02/2011 ". O erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.°, n.° 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum".
A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente».
12- Como nos diz Germano Marques da Silva [Curso de Processo Penal, Vol. II, pág. 111], «a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjetiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjeturas de difícil ou impossível objetivação, mas como uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão».
13- No caso em apreciação, o Tribunal a quo valorou um documento (auto de noticia) que apresenta incoerências com os demais documentos que constituem o expediente elaborado pelos Srs. Guardas no dia 09.11.2024 e que, quando combinado com os demais documentos juntos aos autos, nomeadamente, com a lista de chamadas do telemóvel do arguido, constantes da fatura junta aos autos e das declarações prestadas pela testemunha - Dra. BB, não sustenta os depoimentos prestados pelos Militares em audiência de julgamento,
14- suscitando-se no mínimo uma conduta discutível dos Agentes de Autoridade perante o arguido, o que, conduz forçosamente a que seja dada uma maior credibilidade às declarações prestadas pelo arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, coisa, que erroneamente não foi feita pelo Tribunal a quo, existindo erro notório do tribunal na apreciação da prova.
15- Existe uma contradição, ainda que indirecta, entre a matéria dada como provada e a matéria dos factos dados por provados,
16- Devendo em face da nulidade patente do auto, e da má valoração da prova produzida, serem dados como não provados os factos que foram dados como provados na douta sentença, sub recurso, sob os n°s 1, a 12.
17- Impondo-se, consequentemente a absolvição do arguido, pois, não querendo a defesa ser desprimorosa da habitual boa conduta dos Srs. Agentes da G.N.R, o certo é que, nos caso dos autos, os mesmos, erraram, quer na elaboração do auto, quer, quando por razões inexplicáveis, não atenderam ao pedido de realização de contraprova do arguido.
18- Em face das contradições constantes do auto e do expediente elaborado pelos Militares da GNR, e das dúvidas que notoriamente os mesmos levantam nomeadamente, quanto ao pedido do arguido de realização de contraprova no hospital e o Timing em que foi efetuado; validade da alegada detenção; hora de entrada no posto da GNR e hora de saída, O Tribunal a quo, haveria de ter tido em atenção o principio basilar do nosso ordenamento jurídico Penal " "in dubio pro reo", o que não aconteceu, em clara violação dos artigos 32.° da Constituição da Republica Portuguesa, 127.°,. 412.° e 428.° do C.P.P.
ACRESCE QUE;
19- Decorre da sentença em crise, que o Douto Tribunal teve em consideração na sua tomada de decisão toda a prova produzida em sede audiência de discussão e julgamento, fundando-a designadamente nas declarações dos Senhores Militares e conjugando-a com o teor do documentos juntos aos autos,
20- entende a defesa do arguido, que o douto Tribunal não fez uma boa analise critica a toda a prova produzida, pois não atendeu nem valorou, como devia, as declarações prestadas pelas testemunhas CC e BB,
21- se o tivesse feito, o Tribunal a quo teria visto que as declarações prestadas por esta ultima testemunha quanto à hora do recebimento de uma chamada do telemóvel do arguido, pelas 6h04s batem certo com as declarações prestadas pelo arguido e bem assim com o que consta do documento que por este foi junto aos autos no decurso do julgamento, referente a fatura de telemóveis,
22- Que de forma clara e inequívoca provam que o auto estava errado, nomeadamente quanto à hora de saída do arguido do posto da G.N.R. de PAREDES, nunca podendo o arguido ter saído em liberdade, pelas 05h55 conforme consta do auto,
23 - Perante este facto, que é evidente;
- Como pôde o tribunal validar e considerar o auto na sua tomada de decisão?
- Como pôde o Sra. Mma. Juiz a quo, considerar as declarações constantes do referido auto?
- Como pôde o douto Tribunal dar como provados os factos constantes de 6 e 7 da douta sentença?
24- Existe manifesto erro na apreciação da matéria de facto e da prova, havendo a decisão em crise de ser substituída por outra que julgue da nulidade do auto, do erro manifesto na apreciação da prova e consequentemente da absolvição do arguido!
25- O Mmo. Juiz a quo haveria que ter atendido e valorizado as declarações do arguido, nomeadamente quando no seu depoimento ao minuto 12:19min diz:
"... portanto, a certa altura eu peço claramente para fazer a contraprova no hospital";
26- Assim como as declarações da testemunha BB que disse ao minuto 1:31ss a 2.01s "...quando estava em casa e me apercebi que ainda não tinha chegado liguei ás 5:19h e ele não atendeu e depois ligou-me por voltadas 06.00 e pouco, 06:04 para aí eu vi agora no telemóvel que tenho o registo das chamadas e disse-me que estava na esquadra que o aparelho tinha detetado que tinha álcool e que estava aguardando que o levassem ao hospital para fazer a contraprova..."
27- O Próprio auto de noticia, não nega a realização de chamadas pelo arguido quando se encontrava no interior do Posto da GNR, dizendo que o arguido recebeu e/ou efetuou várias chamadas no seu telefone quando lá se encontrava, no entanto não acertando nas horas em que o telefonema foi realizado,
28- O que evidencia a falta de rigor e incoerência do que é referido no auto de noticia, sendo certo que o arguido, apenas realizou uma chamada e não recebeu naquele momento qualquer chamada.
29- Haveria o douto tribunal a quo de ter considerado que a contraprova foi solicitada pelo arguido atempadamente, nos termos legais,
30- Existiu desrespeito por um direito que legalmente assistia ao arguido que se viu coartado de o exercer por vontade única e exclusiva dos Srs. Guardas da G.N.R., sendo a prova produzida nos autos suporte disso mesmo.
31- Existiu um acto de ilegalidade dos Srs. Agentes, que conduz necessariamente à invalidade de todo o processado nos autos.
32- Da prova produzida nos autos resulta que o arguido solicitou a contraprova, fê-lo de imediato após ter acusado álcool e depois, inequivocamente, no posto GNR quando pensava que se encontrava a esperar que conduzissem ao hospital para efeito,
33- Tal pedido, como resulta dos autos, não foi acatado pelos Srs. guardas da GNR, pelo que, ocorreu uma violação gritante do direito de defesa do arguido, que determina a nulidade de toda a prova produzida -trata-se de Nulidade por preterição de um meio de prova - contraprova.
34- O arguido, nos termos da lei, tinha direito a requerer contraprova após um exame de álcool no sangue, nomeadamente através de exame sanguíneo, conforme disposto na legislação aplicável.
35- o arguido solicitou a contraprova, fê-lo conforme já referido, ou seja, logo pós o teste realizado que acusou álcool e depois, inequivocamente, porque consta do auto e dos depoimentos prestados pelas testemunhas de acusação, já no interior do posto da G.N.R., dentro do período legalmente admissível, após o exame inicial,
36- Resulta do próprio auto e dos depoimento das testemunhas de acusação que o arguido, no mínimo, reconsiderou a sua vontade de ser conduzido ao hospital para que lhe fosse efetuada a contraprova por análise sanguínea,
37- o que lhe foi negado, apesar dessa solicitação ter sido efetuada dentro de um tempo razoável e dentro do tempo legalmente admissível (de acordo com o auto 32 ms após a realização do 1° exame)
38- O principio do contraditório e ao direito de defesa permite que o arguido possa mudar de posição, desde que, o faça dentro de prazo razoável e legalmente admissível.
39- A preterição deste direito configura uma violação grave do princípio do contraditório e do direito de defesa, previsto no artigo 32.° n° 5 da Constituição da Republica Portuguesa,
40- Destarte, impedir a realização da contra prova com base numa decisão inicial será equivalente a retirar eficácia a um direito expressamente previsto na lei.
41- Resulta pois que, no caso subjudice, mesmo que se considere que o arguido tenha inicialmente prescindido da contraprova, tal decisão não poderia ser interpretada como uma renúncia definitiva e irreversível.
42- A renúncia a um direito processual deve ser expressa, inequívoca e devidamente informada, o que não se verificou no caso concreto.
43- O arguido pode, num primeiro momento, não ter estado plenamente informado das consequências da sua decisão ou pode ter refletido melhor sobre a importância da contraprova para a sua defesa, como parece ter ficado demonstrado nos autos.
44- É jurisprudência aceite que o direito à contraprova é um mecanismo essencial de salvaguarda da justiça, e a sua negação traduz-se numa violação dos direitos de defesa e das garantias do arguido.
45- Nos autos, consta expressamente que o arguido requereu a realização da contraprova. O próprio arguido o confirmou nas suas declarações que fez tal pedido aos elementos da GNR que o acompanharam e que tal pedido lhe foi recusado.
46- A não realização da contraprova quando solicitada pelo arguido coloca o processo numa situação de incerteza (non liquet) quanto a um elemento essencial para a condenação do arguido: a taxa de álcool no sangue (TAS) efetivamente presente no momento da condução.
47- Como defende Figueiredo Dias, "se o tribunal não reúne as provas necessárias à decisão, a falta delas não pode desfavorecer o arguido" (Direito Processual Penal, vol. I, pág. 213).
48- Dado que a prova da embriaguez depende diretamente da TAS, e considerando que a contraprova não foi realizada, a validade do exame inicial fica irremediavelmente comprometida.
49- Assim, não se provou nos autos a taxa de álcool com que o arguido conduzia, violando-se o princípio do in dubio pro reo.
50- Princípio esse que impõe que, perante a incerteza sobre um facto essencial à condenação, a decisão deve favorecer o arguido.
51- Pelo que deverá ser a sentença em crise substituída por outra que absolva o arguido.
52- A sentença sub recurso, violou entre outros o artigo 32.° n° 2 e 5 da Constituição da Republica Portuguesa, art.32. n° 2 do C.P.P.; art. 410.°, n.° 2, al. c), do CPP e os princípios do contraditório e direito à defesa do arguido, bem como o princípio In dúbio pro reo.”
Pugna pela substituição da sentença recorrida por outra que absolva o arguido.
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I.3. Resposta do Ministério Público
O Ministério Público, na resposta ao recurso, sem formular conclusões, pronunciou-se pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
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I.4. Parecer do Ministério Público
No sentido da improcedência do recurso.
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I.5. Resposta ao parecer
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público.
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I.7. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Objecto do recurso
Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt).
Assim, da análise das conclusões do recurso extraímos as seguintes questões que importam apreciar e decidir:
1ª Se a sentença recorrida se fundamentou em meio de prova nulo:
i) No auto de notícia;
ii) No exame quantitativo de pesquisa de álcool no sangue;
2ª Se a sentença recorrida padece do vício decisório previsto no artigo 410º, n.º 2, al. c) do CPP;
3ª Se na sentença recorrida foi violado o princípio in dubio pro reo;
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Conheceremos os fundamentos do recurso pela sua ordem lógica das consequências da sua eventual procedência e influência preclusiva.
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II.2. Sentença recorrida (transcrição dos segmentos com interesse para a apreciação do recurso, com exclusão das notas de rodapé)
III -Fundamentação de facto:
A - Factos provados:
Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão a proferir, os seguintes factos:
1. No dia 09 de novembro de 2024, pelas 05 horas e 23 minutos, o arguido conduziu o veículo automóvel com matrícula ..-SN-.., na avenida ..., Paredes, com uma taxa de 1,49 gramas de álcool por litro de sangue, à qual, deduzido o erro máximo admissível, corresponde uma taxa de 1,416 gramas de álcool por litro de sangue;
2. Tal exame quantitativo foi realizado através do aparelho Drager Alcotest 7510 PT, com o n.° ARRM-0077;
3. Perante a taxa de álcool no sangue apresentada, foi o arguido informado pelos Sr.°s Militares da G.N.R. de que tinha o direito de realizar a contraprova através de novo exame de ar expirado ou através de análise sanguínea, sendo advertido de que essa decisão era da sua exclusiva responsabilidade, pois todas as despesas resultantes, caso o resultado fosse superior a 0,50 gramas/litro, seriam por ele suportadas, do que aquele ficou ciente;
4. Nessa sequência, o arguido, de forma livre, declarou perante os Sr.°s Militares da G.N.R. não pretender realizar a contraprova;
5. Foi então informado de que, perante a taxa de álcool apresentada, incorria na prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, encontrando-se detido a partir desse momento, tendo de os acompanhar ao Posto Territorial da G.N.R. de Paredes para a elaboração do correspondente expediente inerente à detenção, ao que o arguido não ofereceu qualquer oposição;
6. Já no interior do Posto Territorial da G.N.R. de Paredes e durante a realização do referido expediente e impressão dos correspondentes documentos para assinatura, o arguido, pelas 05 horas e 55 minutos, declarou que queria ir fazer contraprova através de análise sanguínea;
7. Nessa altura foi advertido pelo Sr.° Militar da G.N.R. que já não podia realizar essa contraprova, em virtude de, no local da fiscalização e após ter sido questionado se pretendia efetuá-la, ter informado que não, além do hiato temporal entretanto já decorrido;
8. Após, o arguido recusou-se a assinar e a receber todo o expediente referente à sua detenção, incluindo a notificação a que alude o artigo 153.°, n.° 2, do Código da Estrada, tendo, de seguida, abandonado o Posto da G.N.R.;
9. O arguido sabia que antes de conduzir o veículo com matrícula ..-SN-.., havia ingerido bebidas alcoólicas e, não obstante, quis conduzir o aludido veículo automóvel na via pública, ciente do estado etilizado em que se encontrava, apesar de saber que, naquelas condições, lhe estava vedado o exercício da condução;
10. O arguido conhecia o seu estado e sabia que o mesmo não lhe permitia efetuar uma condução cuidada e prudente e lhe diminuía a capacidade de atenção, reação e destreza, mas, ainda assim, quis conduzir o veículo descrito, o que efetivamente fez;
11. O arguido sabia que a quantidade de bebidas alcoólicas por si ingerida era idónea a determinar uma taxa de álcool no sangue acima da permitida por lei aos condutores;
12. O arguido agiu, em todos os momentos, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era e é proibido e punido pela lei penal.
Mais se provou que:
13. Nas descritas circunstâncias espácio-temporais o arguido não foi interveniente em nenhum acidente de viação.
Também ficou demonstrado que:
14. O arguido é casado e tem um filho, com 17 anos de idade;
15. O arguido vive em casa própria, para cuja aquisição contraiu um empréstimo bancário, com uma mensalidade de € 800,00 (oitocentos euros);
16. O arguido é advogado, assim como a sua cônjuge;
17. O arguido aufere mensalmente o rendimento líquido de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), já a sua cônjuge aufere o rendimento mensal de € 2.000,00 (dois mil euros);
18. O arguido é proprietário de uma viatura automóvel, da marca Volvo, modelo ..., de 2017, para cuja aquisição contraiu um empréstimo bancário, com uma mensalidade de € 240,00 (duzentos e quarenta euros);
19. O arguido não tem despesas de saúde;
20. O arguido não tem antecedentes criminais.
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B -Factos não provados:
Com relevo para a boa decisão da causa inexistem factos dados como não provados.
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C -Convicção do tribunal:
Para responder à matéria de facto com relevância jurídico-penal, o tribunal atendeu ao apurado em sede de audiência de julgamento, analisando global e criticamente, segundo as regras da experiência e da livre convicção do tribunal, nos termos do disposto no artigo 127.°, do Código de Processo Penal.
Com efeito, a livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova, pois que tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
Sendo que a convicção do tribunal é formada, através dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e, ainda, das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, ansiedade, embaraço, desamparo, serenidade, olhares para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, de tais declarações e depoimentos.
Na verdade, é ponto assente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras, mas também pelo tom de voz e postura corporal dos interlocutores e que estas devem ser apreciadas no contexto da mensagem em que se integram, daí dar-se a devida relevância à perceção direta que a imediação e a oralidade conferem ao julgador.
Trata-se de um acervo de informação não-verbal e dificilmente documentável face aos meios disponíveis, mas imprescindível e incindível para a valoração da prova produzida e apreciada, segundo as regras de experiência comum.
Foi assim, à luz de tais princípios, que se formou a convicção deste tribunal e consequentemente se procedeu à seleção da matéria de facto positiva e negativa relevante para a boa decisão da causa.
De facto, na situação dos autos, importa, desde logo, dizer que o arguido admitiu ser o condutor da viatura identificada na acusação, nas circunstâncias de tempo e lugar ali também descritas, bem como o facto de, antes de iniciar o exercício dessa condução, ter ingerido bebidas alcoólicas. Aliás, de forma bastante pormenorizada, relatou o que tinha feito ao longo desse dia, com quem tinha estado, o que tinha bebido e comido e a que horas, para concluir que "bebeu" (sic) mas "não sabe a quantidade" (sic) tendo por isso a "dúvida do grau de alcoolemia" (sic) daí ter "pedido a contraprova" (sic). A esse propósito, referiu que os Sr.°s Militares da G.N.R., quando o fiscalizaram, perguntaram-lhe se tinha bebido, o que logo admitiu, dizendo-lhe então que tinha de efetuar o exame de pesquisa de álcool no sangue, o que fez sentado no interior da sua viatura, através da janela, no lugar do condutor, ao passo que no lugar do passageiro seguia o seu colega estagiário, CC, e que depois de soprar "ouviu 1,40 g/l" (sic) e percebeu logo que tinha álcool e que estava a cometer um crime. Mais disse que os Sr.°s Militares foram ao carro de patrulha buscar um outro aparelho, que mais uma vez lhe deram para que soprasse, o que fez, continuando sentado no lugar do condutor, tendo acusado a taxa de 1,49 g/l, tendo aqueles Sr.°s Militares referido na altura que a taxa estava a subir, perante o que declarou que pretendia fazer a contraprova no hospital. "Estiveram ali um tempo" (sic) entretanto saiu do seu carro e dirigiu-se para o carro da patrulha, que estava parado atrás do seu, onde entrou e foi conduzido pelos Sr.°s Militares até ao Posto, sendo que no percurso disse-lhes que era advogado. Já no Posto, os Sr.°s Militares dirigiram-se para a secretaria, ao passo que, após ter sido autorizado, foi à casa de banho, onde esteve cerca de 2 minutos, tendo ligado para a sua esposa, com quem falou e contou o sucedido, dando-lhe conta de que ainda ia fazer a contraprova. Após, foi perguntar quando é que ia ser levado ao hospital, altura em que os Sr.°s Militares disseram-lhe que ele tinha declarado não pretender a realização da contraprova, o que negou de imediato, tendo-se recusado a assinar todo o expediente que depois disso lhe foi exibido porque nunca abdicou da contraprova, tendo exigido que o levassem ao hospital, o que aqueles recusaram. Antes de sair do Posto (o que sucedeu necessariamente depois das 06 horas e 04 minutos) e não às 05 horas e 55 minutos, tirou fotografias ao expediente que lhe foi apresentado e que se recusou a assinar, deslocando-se até ao local onde o seu carro tinha ficado imobilizado e aí chegado, depois de o fechar, foi novamente até ao seu escritório juntamente com o tal colega, que ficou ali a aguardar o seu regresso, tendo ligado novamente à sua esposa. Instado para esclarecer o que tinha sido dito pelos Sr.°s Militares depois de fazer o segundo teste, se num primeiro momento, respondeu que aqueles referiram que a taxa estava a subir e que estava detido, apercebendo-se de imediato aquilo que tinhaadmitido, já que enquanto advogado que era, certamente bem sabia o que tal poderia significar, apressadamente "corrigiu" e, mais uma vez, se primeiramente disse que afinal antes disso manifestou a sua intenção de realizar contraprova, depois negou que lhe tivesse sido dada ordem de detenção, mas que apenas lhe foi pedido para acompanhar os Sr.°s Militares até ao Posto. Certo é que confrontado com a incoerência daquela primeira versão, pois não podia ser detido caso tivesse manifestado a intenção de realizar essa contraprova, nitidamente encabulado, disse então que não sabia ao certo o que tinha sido dito pelos Sr.°s Militares, tendo, porém, a ideia de que estes lhe explicaram que seria pior fazer a contraprova. Aliás, perante essa resposta, foi questionado quanto à possibilidade de, face a esse "conselho" ter dito que prescindia da contraprova, voltando a reafirmar que nunca disse isso e que sempre afirmou que queria a contraprova. De modo igualmente embaraçado, precisamente por ser advogado e como tal ser conhecedor das leis aplicáveis neste tipo de situações, respondeu que "achou estranho" (sic) não ter sido levado para o hospital mas sim para o Posto, mas ainda assim nem sequer perguntou aos Sr.°s Militares o porquê de estar a ser levado para o Posto, pois "não sabia como se passava nestas situações" (sic), já que "nunca lhe tinha acontecido" (sic) e por isso até pensou que fosse necessário fazer o expediente para depois seguirem para o hospital. Diga-se, ainda, que instado para esclarecer se os Sr.°s Militares já o conheciam, respondeu em sentido negativo. Mais importa dizer que, já depois de terem sido ouvidas todas as testemunhas, o que sucedeu na sua presença, o arguido pretendeu novamente prestar declarações, referindo que nunca saiu do carro para soprar ao balão, nunca disse aos Sr.°s Militares que não queria a contraprova, também não lhe mostraram o talão do exame, ademais, ninguém lhe deu o auto para assinar, nunca se deslocou com nenhum deles para as traseiras do carro de patrulha, o seu colega CC esteve sempre ao seu lado, enquanto fez os testes (aliás, soprou ao balão num primeiro momento, cujo resultado foi positivo, depois disso foram buscar outro balão, onde soprou novamente sempre sentado no lugar do condutor da sua viatura), um dos militares disse que estava a subir, aliás, pediu a contraprova antes até de dizerem que estava a subir, na sequência do que lhe disseram para o acompanharem, tendo entrado no carro da patrulha, pedindo desculpa aos militares por estar a dar-lhes trabalho por o levarem ao hospital, mais dizendo que só se apercebeu que não ia fazer a contraprova quando lhe deram o expediente para assinar, já no Posto, mais concretamente quando viu a cruz colocada na notificação na parte referente a não pretender realizar contraprova, ficando indignado, recusando-se a assinar porque lhe negaram o exercício de um direito que tinha à contraprova. Instado, então, para explicar o porquê de, na sua versão, os militares, que nem sequer o conheciam, que por isso não tinham qualquer motivo para quererem prejudica-lo, que até tinha sido uma fiscalização rodoviária normal e sem incidentes, supostamente atuaram dessa forma, respondeu que achava que tinha que ver com a mudança de turno, pois como já eram 06 horas, se o tivessem de levar ao hospital, teriam perdido mais tempo e já não poderiam sair dentro do seu horário normal. Não deixou também de dizer que bem sabia que este tribunal ia condená-lo, porque não acreditava na sua versão e que já tinha sido feito um pré-juízo condenatório, na sequência do que foi logo advertido de que deveria manter uma outra postura relativamente ao papel desempenhado por este tribunal, durante o julgamento, em busca da verdade material.
A testemunha DD, por seu turno, no exercício das suas funções de Militar da G.N.R., justificando assim a sua intervenção na situação dos autos, asseverando, ainda, que não conhecia o arguido, nem sequer sabia que o mesmo era advogado e que, por isso, lidou com esta situação como todas as restantes que lhe foram aparecendo desde que assumiu essas funções. Confirmou que interveio na fiscalização rodoviária retratada no auto de notícia que deu origem aos presentes autos, tendo dado ordem de paragem ao veículo ali identificado, o qual, na ocasião, era conduzido pelo aqui arguido, que de resto se identificou como tal. Explicou-lhe que tinha de ser submetido ao teste de despistagem de álcool, numa altura em que o arguido estava sentado no lugar do condutor, assim permanecendo enquanto soprou, duas vezes, nessa máquina, dando a indicação de "sopro curto" (sic), tendo-lhe então pedido para sair da viatura, por forma a fazer o teste no exterior para estar em posição vertical, dado que, por estar sentado, poderia não conseguir fazer a força suficiente para soprar devidamente. Atestou, pois, que o arguido saiu da viatura, fazendo esse teste no exterior da mesma, acusando uma taxa de 1,41 g/l. Informou-o de que, perante essa taxa, tinha de fazer um novo teste, agora com um outro aparelho que estava no carro de patrulha, o qual estava estacionado atrás da viatura do arguido. Confirmou que no interior desta última encontrava-se um indivíduo, sentado no lugar do passageiro, o qual nunca saiu para o seu exterior. Mais referiu que, nessa ocasião, o arguido disse-lhe que era advogado e que respeitava muito a profissão da testemunha. Não teve qualquer hesitação em esclarecer que o segundo teste foi efetuado junto da traseira da viatura policial, pois esse aparelho estava guardado na mala daquela, tendo que permanecer junto desta, por funcionar por infravermelhos com a impressora de onde saía o talão do correspondente exame, afastando assim por completo a possibilidade de o arguido ter efetuado esse segundo teste no interior da viatura dele e, mais, que aquele indivíduo tivesse assistido à sua realização ou sequer tivesse conseguido ouvir o que ali se passou, pois nunca saiu de dentro do carro do arguido. Mais esclareceu, de forma completamente convicta, que comunicou ao arguido a taxa acusada, informando-o ainda de que tinha direito a pedir a contraprova num outro aparelho ou através de recolha de sangue, ao que o arguido, sempre junto da traseira do carro patrulha, disse que a taxa estava a subir e que por isso não queria a contraprova, pedindo apenas que o "deixassem" (sic) e que deixava ali o carro, ademais fazendo alusão ao facto de precisar da carta todos os dia, já que morava em ... e o seu escritório era em Paredes. Perante isso, esclareceu-o de que isso "não interessava" (sic) e que só queria saber se pretendia fazer a contraprova ou não. O arguido "pediu-lhe a sua opinião" (sic), mas prontamente esclareceu-o de que a decisão era exclusivamente do arguido, apenas informando-o de que, caso a taxa fosse superior a 0,50 g/l seria responsabilizado pelo pagamento dos correspondentes custos desses exames. Mais uma vez o arguido respondeu-lhe que, como a taxa estava a subir, não queria a contraprova. Asseverou que só procedeu à detenção do arguido, perante essa manifestação de vontade na não realização da contraprova, tanto que só depois disso foi o mesmo transportado para o Posto, pois, caso contrário, teria logo sido levado para o hospital. Até acrescentou que no trajeto até ao Posto, o arguido pediu desculpa. Asseverou que, já no Posto, o arguido manteve sempre uma postura correta, tendo-se inclusivamente apercebido, quando estava a efetuar o expediente (referente à detenção do arguido, já que o teor do auto de notícia correspondente não era elaborado naquele momento, mas posteriormente, explicando assim o porquê de constar outra data no auto de notícia junto ao processo, distinta da data que constava do expediente referente à detenção), que o arguido esteve ao telemóvel (não sabendo se falou com alguém e, nessa hipótese, com quem), sendo certo que, no final, este veio perguntar-lhe "se não tinha direito à contraprova" (sic), o que ocorreu por volta das 05 horas e 55 minutos. Ficou admirado com tal postura, ao ponto de ter questionado o arguido se "estava a brincar" (sic) na medida em que anteriormente tinha dito que prescindia dessa contraprova e, como tal, que naquele momento já não podia realizá-la, até porque já tinha passado muito tempo. Acrescentou então que o arguido lhe transmitiu que não assinava nada e que tinha uma testemunha. Mais atestou que, às 05 horas e 55 minutos, o arguido já estava "libertado" (sic), sendo certo que a detenção tinha sido dada no momento em que efetuou o segundo teste e declarou expressamente que não queria a contraprova, na sequência do que foi levado para o Posto para ser elaborado o expediente correspondente. Perante aquela postura do arguido, relembrou-o de que o mesmo tinha sido informado da possibilidade da realização da contraprova e que lhe sido explicado como é que tal se procedia e que, devidamente esclarecido, tinha a tal renunciado. Por fim, esclareceu, a instâncias do Ilustre Defensor do arguido, que o seu turno apenas terminava às 07 horas.
EE, também Militar da G.N.R. e com base na mesma razão de ciência que a da testemunha anterior, já que, juntamente com esta, procedeu à realização da fiscalização rodoviária do aqui arguido, enquanto condutor da viatura melhor identificada na acusação. Esta testemunha confirmou ipsis verbis o que foi dito pelo anterior depoente. Aliás, referiu que foi uma fiscalização rodoviária "normal" (sic), sem qualquer incidente, no decurso da qual o arguido realizou um primeiro teste, numa altura em que ainda estava sentado no interior da sua viatura, mas como não conseguia soprar de forma suficiente, saiu para o exterior, fazendo esse sopro referente ao teste qualitativo no exterior, acusando uma taxa positiva, daí ter sido submetido ao teste quantitativo, cujo aparelho estava guardado no carro de patrulha, para onde aquele se deslocou juntamente com a testemunha e o seu colega, ficando os três junto à bagageira do carro da G.N.R. Asseverou que, perante o resultado obtido nesse segundo teste e "como é obrigatório" (sic) informaram o arguido do direito de pedir a contraprova, o que aquele recusou, daí ter sido levado para o Posto, no carro de patrulha (no interior do qual e durante o percurso, pediu, várias vezes, desculpa) para ser efetuado o expediente. Quando já estavam a imprimir esses papéis, o arguido (que nesse hiato "mexeu" (sic) no telemóvel, não podendo afirmar se falou com alguém ou não, inclusivamente deslocou-se até à casa de banho) veio dizer-lhes que queria ir fazer a contraprova ao hospital, altura em que lhe explicaram que já não podia ir porque já tinha passado os 30 minutos, tendo o mesmo dito que não assinava nenhum documento, como efetivamente sucedeu. Afastou, de forma categórica, a hipótese de o arguido ter dito, aquando da realização do segundo teste e ainda no local da fiscalização, antes de ser detido, que pretendia fazer a contraprova, pois se fosse esse o caso não o poderiam ter detido, como efetivamente fizeram e levado para o Posto, mas sim tê-lo-iam transportado para o hospital. Confirmou, pois, que o arguido realizou o teste quantitativo às 05 horas e 23 minutos, como consta do respetivo auto de notícia e talão de exame e foi libertado às 05 horas e 55 minutos, coincidente com o momento no qual o arguido, alterando o que tinha dito anteriormente, afirmou que queria a contraprova, mais explicando que esses dados temporais foram registados pela testemunha e colega, mas a impressão do correspondente expediente de detenção e libertação ocorreu posteriormente, daí constar deste os dizeres "06:08, 06:09, 06:10".
Por seu turno, a testemunha indicada pela defesa, CC, advogado estagiário e colega do arguido, relatou, aliás, à semelhança deste, de forma detalhada (sem lhe escapar, aparentemente, nenhum pormenor) o que ambos fizeram desde que, por volta das 17 horas e 20 minutos, daquele dia, saíram do escritório. Contou, portanto, onde foram, o que comeram e, em particular, o que cada um bebeu, inclusivamente durante o jantar, onde estiveram outros colegas e, por fim, que depois foram até ao posto de abastecimento de combustível, por volta das 04 horas, onde estiveram a beber uma cerveja e a comer, tendo ainda bebido, "a meias", uma "red bull", após o que entraram no carro do arguido, conduzido por este último e tomaram a direção do escritório. Confirmou, então, que nesse regresso foram mandados parar pela G.N.R. A forma como relatou o que sucedeu de seguida foi, de certa forma, confrangedora e isto porque ficou bem evidente, não só pela sua postura corporal contraída, pelo tom de voz, pelas respostas vagas, hesitantes, pelo recurso a "não se recorda" quando inicialmente, na parte em que relatou o que tinham feito, bebido, a que horas, etc., lembrava-se de tudo ao pormenor, que o seu propósito era tão somente o de "corroborar" a versão do aqui arguido de modo o eximi-lo da responsabilidade criminal que lhe era aqui imputada. Disse, então, que o arguido, ao ser abordado pelos Sr.°s Militares efetuou o teste de despistagem, o que fez sentado no lugar do condutor, ao passo que a testemunha estava sentada no "lugar de pendura" (sic), tendo realizado logo de seguida o segundo teste, também na mesma posição, tendo um dos militares dito que "estava a subir" (sic), após o que o arguido foi perentório em dizer que queria fazer a contraprova no hospital. Afirmou que, perante isso, os Militares disseram apenas "acompanhe-me" (sic), após o que o arguido saiu da viatura e disse à testemunha que ia para o hospital e pediu-lhe para esperar ali até ao seu regresso, o que fez, tendo aquele regressado, apeado, por volta das 06 horas e 20 minuto, queixando-se que não o tinham levado para o hospital, mas sim para a esquadra. Ora, instado então para esclarecer, dado que na sua versão, tinha assistido à realização dos dois exames efetuados ao arguido, estando precisamente sentado ao lado deste e necessariamente a uma curtíssima distância, se tinha saído algum talão, se tinha sido dada alguma justificação para ser efetuado o segundo exame, se tinha sido usado o mesmo aparelho, se o arguido tinha tido alguma dificuldade em soprar no balão, de um modo claramente titubeante, nervoso e comprometido, respondeu que "saiu um talão" da máquina com uma taxa de 1,40 g/l, mas esse talão não lhe foi exibido, ou seja, não o leu, apenas ouviu dizer que tinha sido esse o resultado, não se recordando, porém, o que foi dito pelos Sr.°s Militares para justificar a realização de um outro teste, lembrando-se, contudo, que o arguido teve alguma dificuldade em soprar no primeiro teste, mas ainda assim não saiu do carro para realizar os dois testes, ora dizendo que efetuou esses dois testes em máquinas distintas, ora dizendo não saber se tinha sido usada a mesma máquina ou não e, ademais, como "saiu o talão" (sic). De resto, acrescentou que um dos militares saiu momentaneamente daquele local, ao passo que o outro ficou a fazer o segundo teste. Confrontado com a evidente falta de razoabilidade das suas respostas, pois que se supostamente estava ao lado do arguido, se supostamente o viu a fazer os testes, se supostamente ouviu a dizer a taxa, como era possível não saber como e de onde saiu o talão, referiu, de forma manifestamente encabulada, que "não estava a olhar para as máquinas" (sic) e por isso não viu o talão. Aliás, instado para dizer se o arguido tinha ido para o carro da patrulha da G.N.R., mais concretamente para a zona da bagageira, respondeu afirmativamente, mas logo acrescentando que tal só sucedeu quando os militares lhe disseram para o acompanhar, já depois de realizar os dois testes e dizer que queria a contraprova, não sabendo, contudo, o que ali sucedeu, pois "só estava a olhar para a frente" (sic) já que permaneceu sempre no interior da viatura do arguido, no lugar do pendura e, em particular, se o arguido ali teria dito que não queria afinal a contraprova, tendo, no entanto, a ideia de que mediaram cerca de 10 segundos entre a saída do arguido do interior da sua viatura e o arranque da viatura da G.N.R., já com o arguido no seu interior, claramente com o preocupação de afastar aquela hipótese. De resto, referiu quer o arguido não lhe disse nada, a não ser para que ali aguardasse pelo seu regresso, como fez. Também não lhe disse, quando regressou, que se tinha recusado a assinar o expediente, mas apenas que estava chateado por não ter sido levado ao hospital.
Já a cônjuge do arguido, a testemunha BB, também advogada, contou que, naquele dia, por volta das 05 horas, apercebeu-se que o marido ainda não tinha chegado a casa e por isso ligou-lhe nessa altura, mas o arguido não atendeu. Já por volta das 06 horas e 04 minutos, o arguido ligou-lhe a dizer que estava na esquadra e que estava a aguardar que o levassem ao hospital para fazer a contraprova. Só lhe voltou a ligar pelas 07 horas, dando conta de que estava a caminho de casa, contando-lhe depois o que tinha sucedido e que estava muito aborrecido porque tinha pedido para ir ao hospital fazer a contraprova e que não o levaram, mostrando-se, porém, renitente em falar sobre o assunto, por estar muito incomodado com o sucedido.
É evidente que a valoração da prova por declarações depende, para além do conteúdo das concretas declarações prestadas, do modo como as mesmas são assumidas pelo declarante e da forma como são transmitidas ao tribunal, circunstâncias que relevam para efeitos de determinação da credibilidade deste meio de prova. A credibilidade dos depoimentos há-de ser averiguada - afirmada ou negada - no confronto do conteúdo concreto da sua descrição dos factos, num quadro de averiguação cuidadosa, da motivação e do interesse de cada um, nesses factos, por forma a afastar a credibilidade dos depoimentos se se ficar com a perceção que os mesmos estavam concertados, no sentido de alteração da verdade ou de criação de uma realidade virtual.
Dito isto, tendo sido o próprio arguido a admitir que era o condutor da viatura, nas circunstâncias descritas na acusação, que tinha ingerido bebidas alcoólicas, que tinha sido fiscalizado pelos Sr.°s Militares da G.N.R., tendo sido submetido a dois testes, os quais acusaram uma taxa positiva, passível, portanto, do cometimento de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, versão esta que, nesta parte, mostrou-se, na sua essência, coincidente com o que foi dito pelas testemunha DD e EE, precisamente os Sr.° Militares que procederam a essa fiscalização, resultando, além disso, a mesma documentada no correspondente auto de notícia que foi elaborado, constante de folhas 7 e 8 e no talão de exame de pesquisa de álcool, de folhas 9, realizado às 05h:23:38 do dia 09 de novembro de 2024, então, o tribunal não teve qualquer dúvida em concluir que essa factualidade ocorreu e da forma relatada, até porque, quanto a esta, verificou-se uma quase total coincidência na sua descrição, à exceção, note-se, do local onde foi efetuado este segundo exame, ou seja, se no interior da viatura do arguido, se junto à bagageira do carro de patrulha e se o arguido viu ou não viu o correspondente talão.
Quanto a isso e, também, relativamente ao que ocorreu após a realização do segundo exame, em particular, à posição assumida pelo arguido em face do seu resultado positivo, no que toca ao facto de pretender ou não a realização da contraprova, foi manifesta a divergência entre a versão narrada pelo arguido e aquilo que foi dito pelas testemunhas DD e EE, sendo certo que a testemunha BB, em concreto, porque nem sequer esteve presente, limitou-se a dizer que o seu marido lhe tinha ligado às 06 horas e 04 minutos, a dizer que estava à espera de ir ao hospital, não podendo assim asseverar o que efetivamente se passou, reportando-se apenas àquilo que o próprio arguido lhe quis transmitir, ao passo que a testemunha CC, pese embora dizer que, estando no interior da viatura do arguido, assistiu a tudo o que se passou, incluindo a realização dos testes e ao facto de o arguido ter dito que queria a contraprova, pelos motivos já explicados, manteve um discurso nervoso, titubeante, hesitante (recordando-se muito bem de determinados pormenores - aqueles que beneficiavam o arguido, mas olvidando aqueles que o podiam prejudicar), mas sobretudo incoerente, se tivermos em conta algumas das respostas quase fantasiosas que deu e que, de resto, foram frontalmente contrariadas pelos depoimentos sérios, isentos, imparciais, objetivos, coerentes e seguros das testemunhas DD e EE, as quais, conforme atestaram (o que foi igualmente confirmado pelo próprio arguido) nem sequer conheciam este último, nem sequer sabiam que o mesmo era advogado da comarca e que, por isso, trataram esta situação como uma normal fiscalização rodoviária, que apenas se "complicou" quando o arguido, já no Posto e depois de ter dito que não queria a contraprova, ainda no local da fiscalização, daí ter sido aí detido e conduzido para o Posto, dar o dito pelo não dito e, aquando da assinatura do correspondente expediente, perguntar-lhes se afinal não tinha direito a contraprova.
Perante o relato seguro, assertivo, espontâneo, objetivo, isento e imparcial destas duas testemunhas, as quais intervieram no caso apenas e só por força do exercício das suas funções, não tendo qualquer interesse em prejudicar o arguido ou, ao invés, beneficiá-lo e muito menos de terem agido com o propósito - ao contrário da suspeita suscitada pelo arguido - de não o levarem ao hospital para poderem sair à hora que terminava o respetivo turno (que acabava às 07 horas) - pois, como seguramente é do conhecimento de quem lida profissionalmente com estas questões, como necessariamente era o caso do arguido, advogado com vasta experiência profissional, sendo levado ao hospital, nunca teria de previamente de ser conduzido para o Posto para que fosse elaborado o correspondente expediente e também depois de ir para o hospital (onde seguramente seria atendido num prazo muito curto de tempo) não tem de ser elaborado o correspondente auto de notícia até se saber do resultado do respetivo exame de recolha de sangue, pois só esse irá determinar se estava ou não sob a influência do álcool e, nesse caso, se a taxa ultrapassava o mínimo legal para efeitos criminais, sendo aí elaborado esse auto - o tribunal ficou plenamente convencido de que aquilo que ambos os depoentes, em uníssono, relataram a este propósito foi precisamente aquilo que aconteceu na realidade, em claro detrimento daquilo que, por seu turno, foi afirmado pelo arguido e que, certa forma, a testemunha CC tentou corroborar e dizemos "tentou" face ao modo confrangedor como prestou, a dada altura, o seu depoimento (a partir do momento em que foi confrontado com o que se passou na realização dos exames), tal era a hesitação e nervosismo patente no seu discurso (evidenciado na sua postura corporal, nos olhares efetuados, na posição das mãos, no recurso à desculpa de "não se recordar" ou de não ter visto porque esteve sempre a "olhar para a frente).
De resto a versão que pretenderam fazer aqui vingar, além de, como vimos, ter sido frontalmente contrariada por aquilo que foi narrado pelas testemunhas DD e EE, de forma espontânea, assertiva, segura e coerente entre si, também não encontrou qualquer respaldo nas mais elementares regras da experiência comum, da normalidade e da lógica, se tivermos em conta sobretudo que o arguido, sendo advogado, certamente era conhecedor não só das leis aqui aplicáveis, mas também de como se processava este tipo de fiscalização rodoviária (e ainda que estivesse nervoso ou hesitante nas decisões que tinha de tomar, perante o contexto de ter sido conduzido para o Posto, não podia continuar "enganado" no sentido de julgar que ainda ia ser levado ao hospital, pois que, se a título pessoal nunca teve nelas intervenção - pelo menos o seu certificado de registo criminal assim o indica - como advogado de alguns arguidos, certamente que interveio nos correspondentes processos por crime de condução de veículo em estado de embriaguez), pelo que não faz qualquer sentido que o arguido, caso efetivamente tivesse transmitido aos militares da G.N.R. que pretendia a contraprova, ao fazer o segundo teste, tivesse sido conduzido no carro de patrulha da G.N.R. para o Posto (inclusivamente pedindo desculpa pelo sucedido), ali permanecendo por cerca de 30 minutos, mas sempre a achar que ainda ia ao hospital, precisamente por não poder ignorar, como seguramente não ignorava, que, caso tivesse pedido a contraprova, teria sido logo levado para o hospital, aliás, nem sequer tinha sido detido. Mas mais, a inveracidade desta versão ficou igualmente bem patente com as respostas que foram dadas pela testemunha CC e pelos desabafos que, após o depoimento daquela, foram prestados pelo arguido, o qual inclusivamente acusou este tribunal de já o ter condenado antes da produção de prova terminar.
Então, faz algum sentido que a testemunha CC, supostamente sempre ao lado do arguido, durante a realização dos testes, estivesse sempre a olhar para a frente, não trocasse uma palavra com o arguido, não se apercebesse do que foi dito pelos Sr.°s Militares para justificar o segundo teste, mas depois já soubesse dizer que o arguido declarou expressamente que queria a contraprova e que os Sr.°s Militares lhe tivessem dito apenas e só "acompanhe-me" (sic)? Não faz nenhum sentido, a não ser o de pretender dar credibilidade à versão do arguido, para que assim, não sendo só a sua palavra contra a dos militares, o tribunal eventualmente ficasse na dúvida, absolvendo aquele, tanto assim que o próprio arguido, já no Posto, disse aos Sr.°s Militares que ele tinha uma testemunha, como de resto foi referido pelo aludido DD. Destarte, volta-se a dizer, a sua postura, a forma como respondeu, contribuiu precisamente para o efeito contrário, na medida em que veio sedimentar aquilo que já resultava dos depoimentos coerentes, sérios, objetivos e isentos das duas testemunhas DD e EE, as quais, note-se, fizeram exarar no auto de notícia tudo o que efetivamente se passou, inclusivamente a mudança de vontade do arguido, fazendo-o até de uma forma que o poderia beneficiar. É que muitas das perguntas colocadas pela defesa do arguido, ativeram-se na questão do arguido ter sido libertado às 05 horas e 55 minutos (como resulta, aliás, do teor do auto de libertação de folhas 18), ter ligado a sua esposa às 06 horas e 04 minutos (como parece resultar do teor do print de folhas 40 e 41 e foi referido pela própria testemunha BB), quando ainda estava no Posto e o correspondente expediente relativo à sua detenção e libertação ter sido impresso às 06:08, 06:09 e 06:10. De facto, como veremos de seguida, caso a intenção dos Sr.°s Militares fosse a de prejudicar o arguido, inventando tudo aquilo conforme lhes imputou (ou seja, de que lhes disse, desde o início, que queria a contraprova e que eles o enganaram, levando-o para o Posto, estando aquele sempre na expetativa de ser levado depois para o hospital, daí a sua indignação), então, para que nem sequer se pudesse suscitar qualquer questão relacionada com a validade dessa contraprova motivada pelo hiato de tempo decorrido entre o teste de pesquisa de álcool no sangue e o da recolha de sangue, o lógico seria que colocassem essa mudança de posição do arguido como tendo ocorrido às 06:08, 06:09, 06:10 ou ainda mais tarde, mas não foi isso que sucedeu. Aliás, explicaram de forma categórica que registaram a hora a que o arguido foi detido, o que apenas sucedeu porque a taxa acusada, no segundo teste (quantitativo) foi a de 1,49 g/ e porque o arguido, ainda no local e junto à bagageira do carro de patrulha, onde efetuou esse exame (necessariamente fê-lo ali, porque a maquina funcionava por infravermelhos com a impressão para que fosse impresso o correspondente talão de folhas 9, afastando-se assim por completo a versão que o arguido contou a este propósito e aquilo que, titubeantemente, foi referido pela testemunha CC) declarou expressamente que não queria a contraprova, tendo então entrado no carro de patrulha e conduzido ao Posto, onde começaram a fazer o expediente e no interior do qual, como também registaram, às 05 horas e 55 minutos, veio comunicar-lhes que tinha direito à contraprova. Diga-se, aliás, que o arguido nem sequer referiu que estava de tal forma embriagado ou num estado de inconsciência que não lhe fosse permitido compreender o que lhe foi transmitido pelos Sr.°s Militares que o fiscalizaram, pelo que, além disso, sendo o mesmo licenciado em direito e exercendo advocacia há muitos anos, estava em condições de tomar uma decisão esclarecida e informada quando foi informado do resultado do segundo exame, como efetivamente o foi.
Isto foi o que precisamente aconteceu e não aquilo que o arguido e a testemunha CC relataram, sendo certo que aquilo que a testemunha BB afirmou, porque não assistiu, já que nem sequer estava no local, limitando-se por isso a transmitir ao tribunal aquilo que o arguido lhe quis contar, pelo que, o seu depoimento em nada alterou essa convicção.
Destarte, a questão que ora se pode colocar é uma outra.
É que, ficando o tribunal totalmente convencido de que os factos decorreram como foi narrado, em uníssono, pelas testemunhas DD e EE (conforme ainda documentado no expediente - que o arguido recusou a assinar) de folhas 7 a 18) (não atribuindo, pelos motivos apontados, credibilidade ao que foi dito, a esse propósito, pelo arguido e pela testemunha CC), no sentido de que, aquando da obtenção da taxa de 1,49 g/l após a realização do teste quantitativo, junto às traseiras do carro de patrulha, o arguido declarou expressamente que não pretendia realizar a contraprova, o que motivou a sua imediata detenção em flagrante delito pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, detenção essa ocorrida às 05 horas e 23 minutos (correspondente precisamente à hora da realização desse segundo teste, com aquela taxa), tendo sido então conduzido para o Posto da G.N.R. de Paredes, a fim de ser elaborado o expediente referente a essa detenção e comunicação aos Serviços do Ministério Público, onde o arguido, às 05 horas e 55 minutos, manifestou ter alterado a sua inicial opção, querendo realizar contraprova, o que foi negado pelos Sr.°s Militares, o que importa agora saber é se estes podiam ter recusado essa realização, como efetivamente sucedeu ou, ao invés, se deveriam conduzido o arguido ao hospital em face dessa mudança de posição.
O que nos leva precisamente a apreciar a questão suscitada oralmente pela defesa do arguido no início da audiência de julgamento, já que em sede de contestação escrita, limitou-se a oferecer o merecimento dos autos, bem como a indicar testemunhas e juntar documentos.
E isto porque, nesta versão dos factos, caso se considere que arguido mantinha o direito de realizar contraprova, mesmo quando inicialmente a tinha renunciado, então, ao ter sido negada essa realização, como de resto os Sr.°s Militares admitiram, explicando para tanto o porquê de tal negação, tal poderá ter um impacto irremediável no valor probatório do resultado do teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue, precisamente porque o arguido o quis impugnar através da realização da contraprova, que lhe foi negada, nisso se podendo traduzir uma violação do princípio do contraditório.
Ou seja, a eventual negação da realização da contraprova consubstanciaria uma violação do direito de defesa, o qual tem consagração constitucional no artigo 32.°, da Constituição da República Portuguesa e que além de abranger o direito de o arguido se pronunciar sobre o objeto total da acusação, sobre a prova produzida e sobre as normas jurídicas aplicáveis, engloba o direito de participar ativamente na produção de prova, de a contradizer, o que no caso em apreço correspondia ao direito de requerer e de ser sujeito a contraprova.
Na hipótese contrária, ou seja, se o arguido já não tinha direito a "dar o dito pelo não dito", então, tratando-se de um exame objetivo com valor probatório reforçado, deve o mesmo prevalecer, sendo, pois, inquestionável que, naquele dia e hora, o arguido conduziu a sua viatura com aquela taxa de álcool, sem prejuízo da dedução do erro máximo admissível.
Pois bem.
Com a epígrafe "Fiscalização da condução sob influência de álcool", estipula o artigo 153.°, n.°s 1 e 2, do Código da Estrada que: "1 - O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito. 2 - Se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito ou, se tal não for possível, verbalmente: a) Do resultado do exame; b) Das sanções legais decorrentes do resultado do exame; c) De que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e que o resultado desta prevalece sobre o do exame inicial; e d) De que deve suportar todas as despesas originadas pela contraprova, no caso de resultado positivo.".
Por seu turno, dispõem os n.°s 3, 4 e 5, da mesma norma legal que: "3 - A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando: a) Novo exame, a efetuar através de aparelho aprovado; b) Análise de sangue. 4 - No caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efetuado. 5 - Se o examinando preferir a realização de uma análise de sangue, deve ser conduzido, o mais rapidamente possível, a estabelecimento oficial de saúde, a fim de ser colhida a quantidade de sangue necessária para o efeito.", sendo certo que, decorre ainda do seu n.° 6, que o resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial.
Por fim, e ainda com interesse, estabelece a Lei n.° 18/2007, de 17 de maio que aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução Sob Influência de Álcool ou Substâncias Psicotrópicas, no seu artigo 1.°, sob a epigrafe "Detecção e quantificação da taxa de álcool" que: "1 - A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efetuado em analisador qualitativo. 2 - A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efetuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue. 3 - A análise de sangue é efetuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.".
Já o seu artigo 2.° expõe o "método de fiscalização" e no seu n.° 1, preceitua que: "[q]uando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos.", ao passo que o artigo 3.°, do mesmo diploma, reportando- se à contraprova, estipula que "os métodos e equipamentos previstos na presente lei e disposições complementares, para realização dos exames de avaliação do estado de influenciado pelo álcool são aplicáveis à contraprova prevista no n.° 3 do artigo 153.° do Código da Estrada.".
Conforme se consignou no recente Acórdão da Relação de Coimbra de 06 de novembro de 2024 "(...) Da conjugação destas normas legais resulta que: - sempre que possível, o intervalo entre o teste qualitativo e o quantitativo não deve ser superior a 30 minutos; - sempre que possível, o intervalo entre o teste quantitativo e a contraprova não deve ser superior a 30 minutos; - após a notificação prevista no artigo 153o, n° 2 do CE, pode o examinando requerer de imediato a contraprova. É certo que de imediato não significa necessariamente nos segundos ou no minuto seguinte, mormente quando o examinando pretende falar com o seu advogado. Caso a caso, a situação tem que ser ponderada com bom senso e razoabilidade. De qualquer forma, o tempo a conceder ao examinando tem que ser necessariamente inferior a 30 minutos, já que este é o lapso temporal que deve decorrer entre o teste quantitativo e a contraprova, se possível.".
Comungando de tal interpretação, dúvidas então não quedam que a lei aceita que um lapso de tempo de 30 minutos cabe na expressão "de imediato", mais admitindo, aliás, que este seja ultrapassado caso as circunstâncias do caso concreto assim o justifiquem.
Aliás, foi com base neste entendimento que supra dissemos, que, caso os Sr.°s Militares quisessem prejudicar o arguido, então, não teriam certamente feito consignar que o arguido, pelas 05 horas e 55 minutos, deu o dito pelo não dito e passou a exigir a contraprova, porque seguramente que não seria por 2 minutos após os 30 minutos (pois o teste quantitativo foi realizado às 05 horas e 23 minutos) que por aí lhe seria negada a realização de contraprova (pelo menos por este tribunal), mas sim, e para nem haver qualquer dúvida, teriam consignado, por exemplo, que isso sucedeu à hora aposta na impressão dos documentos (06:08, 06:09 ou mesmo 06:10 ou ainda mais tarde).
O problema neste caso é que, após ter realizado o teste quantitativo, ainda no local da fiscalização rodoviária, perante o qual foi detetada uma taxa de 1,49 g/l, o arguido, notificado verbalmente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 153.°, n.° 2 (e claro está que, pela natureza das coisas, se esse exame foi realizado no local, a documentação correspondente só poderia ser impressa mais tarde, no Posto, aquando da elaboração do expediente e após a detenção do arguido, caso aquele prescindisse da realização de contraprova) e, ainda que inicialmente até tivesse pedido a opinião aos Sr.°s Militares (como de resto o referido DD confirmou-o), devidamente esclarecido dos seus trâmites e custos, declarou expressamente que prescindia dessa contraprova e só aí é que foi detido e conduzido, na condição de detido, para o Posto da G.N.R. onde ficou, privado da sua liberdade, enquanto o expediente foi elaborado, no pressuposto de ter renunciado à contraprova, até que, às 05 horas e 55 minutos, declarou que afinal já queria a contraprova, o que lhe foi negado, recusando-se aquele a assinar o expediente, o que motivou a sua imediato libertação.
A situação dos autos é bem mais impressiva do que aquela que foi resolvida no referido Acórdão da Relação de Coimbra, porquanto aqui o arguido declarou, de forma expressa e no momento em que foi confrontado com o resultado do teste quantitativo, que não queria a contraprova e naquele aresto o ali arguido "(...) tendo-lhe sido explicado que mesmo baixando a taxa tinha de arcar com todos os custos e que para não ter custos teria de acusar uma taxa igual ou inferior a 0,49 g/l, ao que o arguido contrapunha que noutro processo também por álcool a informação havia sido a de que se a taxa baixasse não pagaria qualquer custo. Insistindo os militares da GNR que fiscalizaram o arguido de que o mesmo deveria responder se queria ou não contraprova, o arguido continuou sem dar qualquer resposta." ou seja, o ali arguido, ao contrário do aqui arguido, nunca disse que não queria ou que queria, porque não deu resposta.
E mesmo perante essa factualidade (distinta, portanto, da do caso em concreto, no que toca à posição expressamente assumida pelo aqui arguido) foi decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que: "(...) face à factualidade provada, entende-se que a entidade policial agiu ponderada e razoavelmente. Depois de ter sido informado que poderia requerer contraprova, o arguido disse que pretendia falar com a sua advogada, o que lhe foi permitido. Porém, fez, pelo menos, 3 tentativas de contacto, sem sucesso. Duvidou sempre o arguido da informação que lhe foi prestada quanto aos custos da contraprova, tendo-lhe sido explicado que mesmo baixando a taxa tinha de arcar com todos os custos e que para não ter custos teria de acusar uma taxa igual ou inferior a 0,49 g/l, ao que o arguido contrapunha que noutro processo também por álcool a informação havia sido a de que se a taxa baixasse não pagaria qualquer custo. Insistindo os militares ... que fiscalizaram o arguido de que o mesmo deveria responder se queria ou não contraprova, o arguido continuou sem dar qualquer resposta. Então, neste contexto, a entidade policial entendeu não ser de aguardar mais tempo, sob pena de estar a compactuar com a situação, e, perante a ausência de resposta por parte do arguido considerou que este não pretendia sujeitar-se a contraprova, dando-lhe voz de detenção e começando a elaborar o expediente. É de frisar que o teste quantitativo foi realizado pelas 19h53 e as tentativas de contacto com a advogada, sem sucesso, tiveram lugar pelas 20h02m, 20h06m e 20h07m. Como se disse, tais tentativas de contacto resultaram infrutíferas e os militares da GNR insistiam no sentido do arguido dizer se pretendia ou não contraprova, não dando ele qualquer resposta. Apenas pelas 20h09m26s, já depois de ter sido dado voz de detenção ao arguido e o expediente estar a ser elaborado, o arguido conseguiu contacto telefónico com a advogada, chamada que demorou mais de 8 minutos, durante a qual decidiu que queria contraprova. Ora, a actuação dos militares ... não merece qualquer censura. Na situação concreta agiram ponderadamente, permitindo ao arguido que contactasse a sua advogada e dando-lhe todas as explicações que solicitava. Perante a falta de resposta do arguido, decorridos, pelo menos, 16 minutos, os agentes da GNR decidiram pôr cobro à actuação do recorrente e consideraram que ele não pretendia a contraprova. Sem dúvida que foi concedido ao arguido um tempo razoável para que decidisse se queria ou não a contraprova. Assim, bem andou a GNR ao decidir que o arguido não manifestou vontade de requerer a contraprova atempadamente, e, perante isso, a dar-lhe voz de detenção e a proceder à elaboração do expediente, da forma como o fez. Por não assistir razão ao recorrente, improcede esta questão".
Concordamos, pois, com tal entendimento, salientando-se que, no caso dos presentes autos, a questão nem está propriamente relacionada com o tempo que mediou entre a realização do teste quantitativo e o momento em que poderia ser realizada a contraprova, rectius, em que o arguido disse que queria fazer a contraprova, sem prejuízo, porém, de não se poder ignorar a ratio legislativa ao impor determinados intervalos de tempo na realização dos testes de pesquisa do álcool, pois o que o legislador pretende é, essencialmente, que os testes traduzam ou se aproximem tanto quanto possível, do valor real de álcool no sangue de qualquer condutor e, segundo o saber científico, após a ingestão de álcool, o organismo inicia o processo de metabolismo e eliminação desse mesmo álcool no sangue, pelo que, e para além de outros fatores a ter em conta, um deles é aceite e pacífico: o tempo, no sentido de, com o decurso dos minutos e das horas, o organismo vai eliminando a quantidade de álcool que existe no sangue, sendo por isso provável, natural e praticamente um facto assente, que feito um teste a determinada hora e feito outro duas horas depois, este segundo teste dará um resultado inevitavelmente inferior, se não houver qualquer fator anómalo a viciar esta regra. Nessa medida, o que o legislador pretende é uniformizar critérios na medição de álcool ao condutor, uniformizando assim a aplicação da lei aos diferentes intervenientes, não criando desigualdades com a realização dos testes, em diferentes horas, beneficiando os que realizem os testes muito tempo depois do acidente.
De facto, o que é determinante no caso em apreço é, pois, o facto do arguido, devidamente esclarecido do seu direito à contraprova e das consequências, em termos de custos, da sua realização, optou, de forma esclarecida (não se olvidando que se trata de um cidadão licenciado, ainda para mais, em direito, exercendo, aliás, a advocacia há muitos anos pelo que melhor do que ninguém estava em condições de tomar essa decisão), por prescindir dessa contraprova, na sequência do que foi detido pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, não sendo sequer razoável, traduzindo, de resto, um verdadeiro venire contra factum proprium, contradizer depois essa decisão, declarando então, quando estava a ser ultimado o correspondente expediente, que pretendia a realização dessa contraprova. Se tal "inversão" de posição fosse admissível numa situação como a dos autos (em que a correspondente fiscalização rodoviária decorreu sem incidentes, o arguido foi detido, foi levado para o Posto, onde ficou a aguardar a elaboração do expediente), então, estaria, no futuro, descoberta a "caixa de pandora" para eventualmente evitar a punição pela prática do crime em apreço.
Neste sentido, foi também decidido no Acórdão da Relação do Porto de 13 de janeiro de 2021, cujo sumário reza assim: "(...) A vontade de realização da contraprova deve ser de imediato manifestada à autoridade policial, ressalvado o tempo razoável para tomar a decisão, tendo nomeadamente em conta o tempo que deve mediar entre os dois actos. III -Não ocorrendo manifestação da vontade de realização da contraprova, fica precludida essa possibilidade decorrido esse tempo razoável. IV - Não ocorreu por isso nenhuma nulidade ou irregularidade que afecte a prova.".
Já no Acórdão da Relação do Porto de 08 de julho de 2015 foi exarado que: "(...) Sabido como resulta do art° 153o CE que só apos o exame em analisador quantitativo e se o resultado for positivo é que o arguido (condutor com álcool) é notificado desse resultado e da possibilidade de requerer contraprova (por ar expirado ou analise de sangue), nem o Código da Estrada nem aquela Lei determina o tempo concedido ao arguido para se pronunciar, para requerer ou não a contraprova e o método de prova que pretende. A notificação é apenas de que "pode, de imediato, requerer a realização de contraprova " e se o requerer passado algum tempo: Quid juris? Como então interpretar aquela expressão? dado que dela resulta também que será exercida se a requerer passado algum tempo, e nomeadamente se não caberá nesse tempo o período de 30 minutos; Pensamos que aqui entram em jogo dois factores importantes: o que se pode extrair da lei, e o que é razoável conceder ao arguido, como expressão do seu direito de defesa. Tendo em conta as normas legais mencionadas (CE e Lei 18/7), resulta evidenciado pela regulamentação que se pretende que entre o 1° teste (qualitativo) e o 2° (quantitativo) decorra o menor tempo possível, que a lei estimou em não ser superior a trinta minutos, e entre a realização deste 2o teste e a contraprova, resulta do art° 153o que deve ser realizado de imediato (ou com rápida deslocação onde esteja o aparelho) se for feito através de novo exame (e outro aparelho), ou o mais rapidamente possível, se através de analise sanguínea, a deslocação ao hospital para recolha do sangue, tudo em vista a assegurar o menor diferencial de tempo entre o exame inicial e a contraprova, o que inculca uma ideia de urgência. Por seu lado a Lei 18/07, entende que entre um 1o teste (despiste) e o 2° (qualitativo) dado que por norma deve o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos (art° 2°1 do Regulamento), o tempo de 30 minutos não falseia (pelo menos de modo substancial) a realidade do resultado (o que é conforme às regras cientificas sobre a capacidade do organismo humano de absorção do álcool). Podemos assim dizer que, apesar da urgência, para a lei um período entre a realização dos dois testes de 30 minutos não subverte a intenção legislativa e é aceitável que o segundo teste incluindo a contraprova possa ser realizado 30 minutos depois do 1ª teste.
Aliás é esse o sentido da remissão do art° 3o do Regulamento (Lei 18/07 de 17/5) no que respeita à contraprova para o modo de realização do exame do art° 2o 1 e 2 cujo normativo prevê que entre os dois testes não medie " sempre que possível" um "intervalo não superior a 30 minutos", Parece assim, que entre o teste despiste e o teste / exame de contraprova pode perfeitamente e de acordo com a lei mediar mais de uma hora; Na perspectiva do direito de defesa (art° 32° CRP), essencial no processo penal e inerente à dignidade da pessoa humana (onde todos os demais radicam, pois o homem é o centro do direito), é que todas as condições devem ser asseguradas. O arguido a quem é indicado que cometeu um crime e a respectiva sanção (art° 153o CE) vê-se perante a autoridade policial, sozinho, como que coagido e sem possibilidade (se não for do álcool) de pensar com discernimento sobre o que fazer. Deve ou não ser-lhe permitido pensar? É obvio que sim e isso implica tempo, saber o que vai fazer, quem contactar, aconselhar- se, etc. Exigir que sem pensar (porque de imediato), a quente, diga se quer ou não exercer o direito a contraprova e como (método) não é consentâneo com o direito de defesa. Na falta de disposição legal, então que tempo lhe conceder? Achamos que a própria lei dá uma resposta, face à urgência desta e ao propósito desta urgência: a manutenção da situação detectada/verificada (de modo a que as situação / TAS se mantenha sensivelmente igual), e essa resposta é mais ou menos, dependendo das circunstâncias concretas, de meia hora (30 minutos) que é o tempo em que a mesma lei entende que não sofre a situação alteração significativa entre o 1° teste e o 2° (o tempo do art° 2° 1 do Regulamento) ou entre este e a contraprova; Essa meia hora é compatível com o direito de defesa? Cremos que sim. Durante meia hora é possível contactar alguém (advogado inclusive) aconselhar-se, ponderar e analisar a situação e ver para si qual o melhor método de defesa da imputação que lhe é feita. É um tempo que se mostra proporcional à necessidade de escolha, razoável para uma decisão e ao mesmo tempo adequado às finalidades da lei e do direito. O único obstáculo, pela natureza das coisas, a requer a contraprova até aos 30 minutos que seria razoável opor ao requerido, seria o facto de o expediente relativo ao auto de noticia já estar completamente elaborado...; Assim o pedido de contraprova deve ser admitido até 30 minutos depois da detecção de álcool no sangue pelo aparelho quantitativo desde que a elaboração do auto de noticia pela infracção não esteja findo; Regressando ao caso concreto, afigura-se- nos que este é o caso dos autos.".
Mas não é a situação dos presentes autos.
É que no aludido Acórdão, o arguido "apenas se manifestou perante a notificação (e a notificação apenas é efectuada apos o 2° teste) passados 30 minutos, no sentido de requerer a contraprova, quando estava no posto policial (e é ali em regra que é feito o 2° teste qualitativo) a ser elaborado o auto de noticia e antes deste estar completo. Como resulta dos factos o arguido não tinha anteriormente manifestado qualquer vontade no sentido de realizar ou não a contraprova (n05 dos factos provados: "Nesse momento o arguido não manifestou desejo de requerer contraprova."), não tendo ainda exercido o seu direito à contraprova e nomeadamente renunciado a ele, pelo que a nosso ver tendo-o feito decorridos 30 minutos estava ainda em tempo de o fazer." e, recorde-se, no presente caso, o arguido, ainda no local da fiscalização rodoviária, após efetuar o teste quantitativo e esclarecido do direito de requerer contraprova e dos custos associados, tratando-se de um licenciado em direito, exercendo a advocacia há vários anos, seguramente com vasta experiência profissional neste tipo de situações, por ter representado vários arguidos em processos pela prática deste tipo de crime, declarou expressamente que não queria realizar a contraprova, o que motivou, em seguida, a sua detenção em flagrante delito, pelo cometimento do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
É com base nesta "particularidade" que este tribunal, embora conhecedor da descrita jurisprudência, não a aplica à situação em apreço, por ser, salvo o devido respeito, injustificável essa "mudança" radical de posição, numa altura em que já tinha sido inclusivamente detido pela prática do ilícito em apreço.
Aliás, a este propósito, seguimos de perto a jurisprudência firmada no Acórdão da Relação de Coimbra de 11 de setembro de 2013, no qual se sumariou que: "1. - Se o condutor tiver decidido de forma livre e esclarecida não realizar a contraprova, a sua decisão foi juridicamente relevante, pois que o vinculou; 2.- Consequentemente não pode mais tarde dar o dito por não dito, dizendo que, afinal, queria fazer a contraprova.".
Pela similitude do caso concreto nele retratado com o dos presentes autos, transcreve-se, na parte que aqui interessa, o seguinte texto: "(...) Regressando à decisão recorrida é possível defender, conforme faz o arguido, que ele não foi informado da possibilidade de realização da contraprova e que o que consta nesse sentido do auto é falso. No entanto não é este o nosso entendimento. Face à prova este tribunal de recurso entende, conforme também entendeu o tribunal a quo, que o arguido foi atempadamente informado da possibilidade de realizar a contraprova e que recusou a sua realização. Mas diremos mais: a prova indicada pelo arguido como demonstrativa do invocado erro de julgamento não só não impõe a alteração da decisão como corrobora, ao invés, a bondade da decisão recorrida, pois que as testemunhas foram perentórias na afirmação de que foi dada ao arguido a referida possibilidade e que este a recusou, de forma tal que convenceu os militares da G.N.R. da seriedade dessa recusa. (...) Valor da declaração posterior, de pedido de realização de contraprova: A convicção que depois de feito o novo teste de deteção de álcool o arguido foi informado da possibilidade de realização de contraprova assenta no pressuposto que o arguido foi informado dessa possibilidade, que percebeu aquilo que lhe foi dito e que a decisão de não realizar a contraprova foi tomada de forma livre e esclarecida. É que se assim não fosse naturalmente que não se poderia dar aquele facto como provado. Ora, tendo o arguido decidido de forma livre e esclarecida não realizar a contraprova, a sua decisão foi juridicamente relevante, pois que o vinculou. Daí que, mais tarde, quando o arguido disse que, afinal, queria fazer a contraprova, esta nova decisão não tenha sido atendida. Assim, independentemente da justificação apresentada pelas testemunhas - justificação relevante, pois foi entendidoque o momento temporal em que foi manifestada esta alteração de vontade foi desajustado e que aquilo que o arguido quereria era que o tempo passasse para que, assim, a TAS pudesse descer -, entendemos que a decisão de recusa de realização da contraprova foi correta, conforme acima expusemos: sendo uma decisão livre, tomada de forma esclarecida, vinculou o seu destinatário.".
Para concluir no sentido de que toda a argumentação aventada pela defesa do arguido, pondo em causa a fidedignidade do resultado do teste de pesquisa de álcool - com o devido respeito, apenas compreensível no âmbito do dever de patrocínio - assente na circunstância de lhe ter sido negada a realização da contraprova, a que tinha direito com vista a contrariar aquele primeiro resultado, não mereceu o acolhimento deste tribunal, não só, porque, como vimos, não se valorou a versão que apresentou quanto ao sucedido aquando da obtenção do resultado do teste quantitativo, como também, ficando assente que o mesmo recusou a realização da contraprova, tendo sido nessa sequência detido em flagrante delito, mas depois já a quis efetuar, o que foi recusado pelos Sr.°s Militares da G.N.R., tal recusa foi legal e legítima e, como tal, nenhum obstáculo existe no caso em apreço para este tribunal socorrer-se do teor do talão de folhas 9, considerando-o como prova válida, com valor probatório à luz do preceituado nos artigos 125.°, 151.° e 163.°, todos do Código de Processo Penal, dando assim como provada a taxa de álcool no sangue apresentada pelo arguido naquela ocasião, não se podendo olvidar, ademais, que foi o próprio arguido que admitiu ter ingerido bebidas alcoólicas nos diferentes convívios sociais em que esteve presente nas horas antecedentes, inclusivamente às 04 horas quando foi ao Posto de Abastecimento e onde voltou a consumir bebidas alcoólicas. Mais importa salientar que o teor do documento de folhas 42 (que, na verdade, nem sequer se mostra certificado ou, mesmo assinado (manual ou digitalmente), tratando-se de uma mera folha A4, com uns dizeres elaborados em formato word, ignorando-se assim a autenticidade da sua autoria e conteúdo) é per se manifestamente inócuo para colocar sequer em causa o resultado do aludido exame pericial, até se considerando, no mínimo, estranho que o arguido, na hipótese de apresentar esse estado de saúde, tivesse ingerido as bebidas alcoólicas nas quantidades e momentos que referiu tê-lo feito, pois certamente saberia que tal poderia agravar essa sua condição.
E sendo assim, como efetivamente o é, o tribunal ficou plenamente convencido da veracidade dos factos nos exatos moldes que os mesmos foram dados como provados nos pontos 1.° a 9.° supra, não se tendo suscitado nenhuma dúvida minimamente razoável quanto à fidedignidade do resultado do exame de sangue efetuado ao arguido, mediante o qual se verificou que o mesmo conduziu aquela viatura sob a influência do álcool, em quantidade superior à legalmente permitida, o que era do seu perfeito conhecimento, dando-se ainda como provado o facto referido em 13.° supra, porquanto quer o arguido, quer os Sr.°s Militares da G.N.R. confirmaram que se tratou de uma operação de fiscalização aleatória, sem intervenção em acidente de viação, como de resto também resulta do teor do aludido auto de notícia.
No que concerne aos factos descritos nos pontos 9.° a 12.° supra, respeitante, portanto, ao elemento subjetivo, importa frisar que os mesmos foram dados como provados, em consideração com os restantes factos provados, uma vez que o dolo, em termos processuais, assaca-se dos restantes elementos factuais, devidamente compaginados com as regras de presunção natural, da experiência comum e do normal acontecer.
Conforme, aliás, se escreveu no Acórdão da Relação do Porto de 13 de outubro de 2010 "[é] frequente a prova do dolo produzir-se de uma forma indirecta: o saber humano dispõe de certezas emergentes do id quod plerumque accidit [o que geralmente acontece] ou seja, de imposições da experiência comum que decorrem das especificidades do caso concreto e apoiam a objectividade da livre convicção do julgador".
De igual modo, no Acórdão da Relação de Coimbra de 30 de janeiro de 2013, a propósito também do elemento subjetivo do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, escreveu-se o seguinte: "(...) No que respeito ao elemento subjectivo é de notar que este, não é susceptível de apreensão directa por pertencer ao foro íntimo de cada um, pelo que só pode ser captado através de presunções legais, em conexão com o princípio da normalidade e as regras da experiência que permitam inferi-lo a partir de factos materiais comuns entre os quais avulta o preenchimento da materialidade da infracção. Portanto, a partir de determinados factos e à luz das regras da experiência podemos concluir pela intencionalidade pela forma como agiu o arguido. Portanto, a intenção com que o recorrente agiu retira-se, extrai-se, da matéria de facto. É através da realidade factual que lhe está subjacente que o Tribunal e recorrendo às regras da experiência tem de concluir pela intencionalidade ou não do agente.".
Também importa não esquecer a lição de CAVALEIRO FERREIRA quando ensinava que "(...) existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta como são todos os elementos de estrutura psicológica" o que é corroborado por MALATESTA quando refere que "(...) exceptuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indirectas: percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita, e dessas coisas se a concluir pela sua existência (... ) afirma-se muitas vezes sem mais nada o elemento intencional mediante a simples prova do elemento material (...) o homem, ser racional, não obra sem dirigir as suas acções a um fim. Ora quando um meio só corresponde a um dado fim criminoso, o agente não pode tê-lo empregado senão para alcançar aquele fim".
Nesse conspecto, podemos linearmente concluir que quem atua da forma como o arguido o fez, fá-lo deliberada, livre e conscientemente, sendo certo que ditam igualmente as regras e as máximas da experiência comum que quem age de acordo com as normas de uma sã convivência gregária sabe, e não pode ignorar, que tal conduta é prevista e punida por lei.
Já relativamente aos factos descritos nos pontos 14.° a 19.° supra, foram consideradas as declarações do arguido, que descreveu a sua atual situação pessoal e económica, não se descortinando motivos para, neste ponto, nãofazer fé nas respetivas declarações, na medida em que não foram infirmadas por nenhum outro elemento probatório, daí se ter considerado tais factos como provados.
Finalmente, no que tange ao ponto 20.° supra dos factos provados, o tribunal considerou o teor do certificado do registo criminal do arguido constante de folhas 5.”
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II.3. Apreciação do recurso
II.3.1. Da valoração de meio de prova nulo – auto de notícia
§1. O recorrente sustenta que o auto de notícia contém incongruências e contradições com a realidade que descredibilizam a sua veracidade, tornando-o nulo.
Não assiste razão ao recorrente.
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§2. Conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 242.º, n.º 1, al. a) e 243.º do CPP, a elaboração de “auto de notícia” constitui uma obrigação imposta por lei a qualquer autoridade judiciária, órgão da polícia criminal ou entidade policial que presenciar qualquer crime de denúncia obrigatória.
Portanto, o auto de notícia de crime é lavrado por alguma das referidas entidades, com as formalidades prescritas no aludido artigo 243º, que se lhe refere expressamente, estabelecendo que deve ser lavrado “sempre que uma autoridade judiciária, um órgão de polícia criminal ou outra entidade policial presenciarem qualquer crime de denúncia obrigatória” e definindo o seu conteúdo e destino.
Trata-se de documento escrito, quer à luz do disposto no artigo 164º, n.º 1, do CPP, quer do artigo 255º, al. a), do Código Penal, quer do artigo 360º do Código Civil.
O auto de notícia, exarado com as formalidades legais, por autoridade pública nos limites da competência que lhe é atribuída por lei constitui um documento autêntico (artigo 363º, n.º 2, do Código Civil).
O valor probatório do auto de notícia, como documento autêntico nos termos das disposições conjugadas dos artigos 169º do Código de Processo Penal e 371º, n.º 1, do Código Civil, circunscreve-se aos comportamentos presenciados e ao que foi percepcionado directamente pela autoridade policial, não se estendendo a outros contributos, mormente às declarações de terceiros aí eventualmente vertidas, nomeadamente as referentes ao relato dos eventos, por parte do queixoso, do suspeito ou de testemunhas.
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§3. Como é sabido, o nosso Código de Processo Penal estabelece em matéria de nulidades o princípio da legalidade e tipicidade que se traduz em só haver nulidade dos actos quando expressamente cominada na lei, sendo que quando a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular - cfr. n.ºs 1 e 2 do artigo 118º do citado diploma legal.
No caso em análise, as apontadas desconformidades do auto de notícia não estão sancionadas em qualquer disposição legal como nulidade (designadamente, no artigo 126º do CPP).
Como tal, a invocada anomalia devia ter sido arguida nos termos e no prazo legal previsto no artigo 123º do CPP, sob pena de se considerar sanada.
Ora, ao contrário do que alega o recorrente, da análise dos requerimentos por si apresentados nas sessões de audiência de julgamento realizadas em 25.11.2024 e 18.12.2024 (que ouvimos) verificamos que o recorrente nada invocou quanto ao auto de notícia e, por isso, a alegada desconformidade, a ter ocorrido, terá que se considerar sanada por força do disposto no artigo 123º, n.º 1 do CPP.
*
§4. Mas sempre se dirá:
Lido e relido o recurso constatamos que o recorrente começa por se insurgir contra o auto de libertação invocando uma incongruência entre a hora que consta do auto de libertação como hora da sua libertação (05h55) e a hora que consta do próprio documento como hora de criação e impressão do mesmo (06h08).
Nesta parte, importa desde logo esclarecer o equívoco que assenta a argumentação recursória.
A hora de libertação do arguido – 05h55 – ao contrário do que o recorrente pretende fazer crer, não corresponde evidentemente à hora de saída do arguido do posto da GNR. Na verdade, num primeiro momento o arguido foi libertado – libertação que ocorreu logo que deixou de ser necessária a sua detenção – e num segundo momento o respectivo auto de libertação foi impresso para que o arguido o pudesse assinar. Ou seja, a libertação do arguido não significa que realmente o arguido tenha saído do posto.
Prosseguindo na sua argumentação o recorrente alega que no auto de notícia consta que o arguido se recusou a assinar o expediente pelas 05h55, quando o mesmo só terá sido impresso pelas 06h08.
Perscrutado o auto de notícia constata-se que do mesmo apenas consta que “o arguido durante a realização do expediente aguardou cordialmente no local de atendimento pelo términus do mesmo, (…) até que cerca das 05h55 quando aguardava a impressão dos documentos da detenção para ser assinado referiu de forma inesperada que queria ir fazer contraprova ao hospital, que queria tirar sangue” e consta ainda que “Quando tentava explicar o conteúdo do expediente inerente à detenção, o arguido indicou que não necessitava de explicação, pois como era do nosso conhecimento é advogado e sabedor das leis” e “Perante a recusa de assinar e receber o respectivo expediente inerente à detenção, informei o arguido verbalmente da obrigatoriedade de comparecer nos serviços do Ministério Público da Comarca de Porto Este, DIAP de Paredes no dia 11 de Novembro de 2024 pelas 10h00, tendo ficado ciente e fotografado com o seu telemóvel apenas a notificação da comparência em Tribunal, para ter acesso ao número do processo.”
Ou seja, da simples leitura do auto de notícia resulta inequivocamente que o respectivo expediente – Notificação nos termos do artigo 153º, n.º 2 do Código da Estrada; Constituição de Arguido; Direitos do Detido; Termo de Identidade e Residência; Notificação para Comparência em Tribunal; Termo de Notificação de Apoio Judiciário; Concessão Provisória de Apoio Judiciário; Auto de Libertação – foi todo ele impresso (entre as 06h08 e as 06h10 conforme decorre dos respectivos documentos juntos aos autos) após a sua libertação e a recusa em assiná-lo ocorreu evidentemente após a sua impressão.
Neste conspecto, o auto de notícia não contém qualquer desconformidade.
Assim, improcede, nesta parte, o recurso.
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II. 3.2. Dos vícios decisórios – artigo 410º/2 do CPP
§1. O recorrente invoca expressamente o erro notório na apreciação da prova, indicando como norma violada o artigo 410º, n.º 2, al. c) do CPP.
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§2. Nos termos do artigo 410º, n.º 2 do CPP o recurso interposto sobre a matéria de facto de uma sentença proferida em processo crime pode ter um de três fundamentos: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) o erro notório na apreciação da prova.
Em qualquer um dos apontados fundamentos, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para o fundamentar, como por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., pág. 279; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed. Pág. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed., págs. 77 e ss.), tratando-se assim de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser autossuficiente.
Sendo do conhecimento oficioso (cfr. acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95), percorrido o acórdão recorrido teremos que concluir que o mesmo não evidencia, por si e no seu texto, os vícios previstos nas als. a) e b) do n.º 2 do artigo 410º do CPP.
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§3. Passemos a analisar o vício decisório invocado pelo recorrente previsto no artigo 410º, n.º 2, al. c) do CPP.
Conforme já referimos o erro notório na apreciação da prova, vício categorizado no artigo 410º, n.º 2, al. c), verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis.
Trata-se de um erro de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido. Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não conduz ao referido vício.
Nesta parte, o recorrente invoca o vício do erro notório na apreciação da prova por entender inexistir prova capaz de sustentar a factualidade dada como assente respeitante ao cometimento pelo arguido do crime pelo qual foi acusado, pretendendo a alteração da matéria de facto provada.
Dos fundamentos do recurso depreende-se categoricamente que a pretensão recursiva consiste numa impugnação da decisão sobre a matéria de facto, questão que se localiza no erro de julgamento (cfr. artigo 412º, n.º 3 do CPP), não se confundindo o seu enquadramento com o vício decisório previsto no artigo 410º, n.º 2, al. c) do CPP.
Sendo do conhecimento oficioso, sempre se dirá que percorrida a sentença não encontramos qualquer facto provado que tenha sido considerado de maneira contrária a todas as evidências, de forma clamorosamente errada, com base num erro de raciocínio do julgador, que consiste em ter retirado da prova uma ilação manifestamente errada, insusceptível de levar ao convencimento de qualquer pessoa.
Não se verifica, pois, qualquer descontinuidade ou incongruência, verificável no plano da realidade das coisas apreciada segundo as regras da experiência comum como prescreve o artigo 127º do CPP.
Assim, atendendo ao teor da sentença recorrida, teremos que concluir que a mesma não evidencia, por si e no seu texto, o vício previsto na al. c) do n.º 2 do artigo 410º do CPP.
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§4. Passemos então a apreciar a pretensão recursiva no seu adequado enquadramento - impugnação da decisão sobre a matéria de facto por erro de julgamento.
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§4.1. Nos termos do artigo 428º do CPP, as Relações conhecem de facto e de direito e de acordo com o artigo 431º do CPP “Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412º; ou c) Se tiver havido renovação da prova”.
Por sua vez, o artigo 412º, n.º 3 do CPP dispõe que “Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”
E, o seu n.º 4 estabelece que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
A impugnação da matéria de facto por o tribunal a quo ter efectuado uma incorrecta apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento, não pode confundir-se com discordância na apreciação da prova que invada o espaço da livre apreciação da prova plasmado no artigo 127º do CPP, que é de estrito domínio do julgador.
Assim, verifica-se que o legislador consagrou no Código de Processo Penal o princípio da livre apreciação da prova que consubstancia, por um lado, em inexistirem critérios ou cânones legais pré-determinados no valor a atribuir à prova e, por outro lado, em não haver uma apreciação discricionária ou arbitrária da prova produzida.
Tal liberdade está intimamente ligada quer ao dever de tal apreciação assentar em critérios objectivos de motivação, quer ao dever de perseguir a verdade material.
Por isso, quando se refere que a valoração da prova é segundo a livre convicção da entidade competente (in casu, o juiz), a convicção há-de ser pessoal, objectivável e motivável, logo, vinculada e, assim, capaz de conseguir a adesão razoável da comunidade pública. Donde resulta que tal existirá quando e só quando o Tribunal se tenha convencido, com base em regras técnicas e de experiência, da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável (cfr. Figueiredo Dias in Direito Processual Penal, Vol. I, Coimbra Editora, 1981, págs. 198-207).
Daí que, de acordo com a jurisprudência, a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso, quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou então quando afronte, de forma manifesta, as regras de experiência comum ou o princípio in dubio pro reo.
Como pode ler-se no acórdão do TRP de 17.09.2003, relatado por Fernando Monterroso (disponível in www.dgsi.pt) “O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no artigo 127º do CPP. A decisão do Tribunal há-de ser sempre uma “convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais” – Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Vol. I, ed. 1974, pág. 204).
Por outro lado, a livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância. Como ensinava o Prof. Alberto dos Reis “a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema da prova legal” (…) – Anotado, Vol. IV, págs. 566 e ss.”
A impugnação da matéria de facto prevista no citado artigo 412º, n.º 3 do CPP consiste, tal como sustentou o acórdão do TRL de 29.03.2011, relatado por Jorge Gonçalves (acessível in www.dgsi.pt) “na apreciação que não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art.º 412º do C.P.Penal. A ausência de imediação determina que o tribunal de 2ª instância, no recurso de matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se o permitirem [al. b) do n.º 3 do citado artigo 412º].”
Como se escreveu no acórdão do TRP de 12.05.2021 (processo 6098/19.0JAPRT.P1, não publicado, proferido no âmbito do processo 6098/19.0JAPRT que correu termos no JC Criminal de Vila Nova de Gaia-J2): “Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de factos impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente.
Não basta assim ao recorrente formular discordância quanto ao julgamento da matéria de facto para que o tribunal de recurso tenha que fazer “um segundo julgamento”, com base na gravação da prova. O poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação.”
De facto, como se exarou no acórdão do STJ de 15.12.2005, relatado por Simas Santos “o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstrem esses erros” (cfr., neste sentido, acórdão do STJ de 09.03.2006, relatado pelo mesmo relator, ambos acessíveis in www.dgsi.pt).
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§4.2. Ao recorrente impõe-se a necessidade de observância de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso.
Importa não só proceder à individualização das passagens que alicerçam a impugnação, mas também relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova susceptível de impor essa decisão diversa com o facto individualizado que se considera incorrectamente julgado, o que se mostra essencial, pois, julgando o tribunal de acordo com as regras da experiência e a livre convicção, só será admissível a alteração da matéria de facto quando as provas especificadas conduzam necessariamente a decisão diversa da recorrida.
No que concerne à especificação das concretas provas escreve Paulo Pinto de Albuquerque (em Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição, pág. 1144) “só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida.”
Mais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados pelas testemunhas, às declarações de arguidos, assistentes, partes civis, peritos ou consultores técnicos prestados na audiência, o recorrente tem de individualizar, no universo das declarações prestadas, quais as particulares passagens, nas quais ficaram gravadas as frases que se referem ao facto impugnado.
Essa modificação será, ainda, assim, tão só a que resultar do filtro da documentação da prova, segundo a especificação do recorrente, por referência ao conteúdo da acta, com indicação expressa e precisa dos trechos dos depoimentos ou declarações em que alicerça a sua divergência (art. 412º, nº 4 do CPP), ou, pelo menos, mediante a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, com a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento, com referência ao respectivo ficheiro áudio.
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§4.3. No caso em concreto, o recorrente AA sustenta que os factos provados sob os pontos 1 a 12 acima transcritos deviam ser considerados factos não provados.
Como concretas provas que impunham tal decisão o recorrente indica:
a) Declarações do arguido;
b) Depoimento da testemunha CC;
c) Depoimento da testemunha BB;
d) Documento junto aos autos no decurso da audiência de julgamento.
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§4.4. Transpondo as considerações jurídicas supra expendidas para o caso em concreto, é manifesto que a peça recursiva (quer nas conclusões, quer na sua motivação) não cumpre os requisitos acima enunciados, a que se referem o artigo 412º, n.º 3, al. b) e n.º 4 do CPP – pressuposto da apreciação da impugnação ampla.
Concretizemos.
O recorrente para cada um dos factos provados controvertidos tem que indicar concretamente os meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida e, sendo indicada prova testemunhal, o recorrente tem ainda que identificar para cada um dos meios de prova indicados o início e fim dos excertos gravados dos respectivos depoimentos/declarações que impõem decisão diversa da recorrida para cada um dos factos provados controvertidos, com referência ao respectivo ficheiro áudio (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, em ob. cit., pág. 1144).
O que não aconteceu no caso dos autos.
Em primeiro lugar, o recorrente não indicou, como lhe competia, para cada um dos factos provados impugnados, quais os concretos meios de prova que impunham decisão diversa da recorrida.
Em segundo lugar, quanto ao meio de prova indicado sob a al. b), o recorrente depois de ter indicado a testemunha CC como concreta prova que, segundo a sua perspectiva, confirmou as declarações do arguido, não faz qualquer menção ao concreto depoimento nas conclusões, nem no corpo da motivação, nem sequer faz referência à sua gravação nos termos legalmente impostos.
Em terceiro lugar, o meio de prova indicado sob a al. d) – documento – nem sequer pode ser atendido por este Tribunal de recurso, porquanto, a sua junção aos autos não foi admitida pelo tribunal de 1ª instância conforme decorre do despacho (que ouvimos) proferido na sessão de audiência de julgamento realizada no dia 18.12.2024.
Ora, esta não é a forma de impugnar a matéria de facto com base em erro de julgamento.
No caso vertente, não há que convidar o recorrente a completar, nesta parte, as suas conclusões por a deficiência ora apontada também ocorrer na sua motivação (neste sentido, veja-se, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 140/2004, de 10 de Março, publicado no DR, II série, de 17 de Abril de 2004, n.º 488/2004 e n.º 342/2006 e as decisões sumárias nºs 58/2005, 274/2006 e 88/2008, todos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/www.tribunalconstitucional.pt).
Nesta conformidade, não tendo o recorrente cumprido o ónus que a lei lhe impõe nos termos sobreditos, está este tribunal impedido, nesta parte, de apreciar a sua discordância, devendo a matéria de facto ter-se como assente.
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§4.5. Mas sempre se dirá que o Tribunal a quo ao valorar como valorou a prova produzida em audiência, mais concretamente as declarações do arguido, os depoimentos das testemunhas e a prova documental, não violou qualquer regra da experiência ou da lógica. Do mesmo modo valorou livremente as declarações e depoimentos, revelando que uns lhe mereceram maior credibilidade que outros, de acordo com a percepção própria permitida pelo imediatismo que acompanhou a produção daqueles meios de prova. E está tudo conforme com o princípio da livre convicção do julgador consagrado no artigo 127.º do CPP.
O recorrente discorda é da convicção do Tribunal a quo e pretende fazer vingar a sua visão (pessoal, subjectiva e interessada) sobre a prova produzida e os factos que não se devem dar como provados.
No caso em apreço, a decisão recorrida encontra-se exemplarmente fundamentada, oferecendo um raciocínio linear, lógico e perceptível, não se vislumbrando qualquer incorrecta apreciação da prova, nomeadamente quanto à medida e extensão da credibilidade que lhe mereceram as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento e à valoração da prova documental, em conjugação com as regras da experiência comum.
Em suma, a decisão do tribunal a quo é inatacável por ter sido proferida de acordo com a sua livre convicção nos termos do artigo 127º do CPP e em absoluto respeito dos dispositivos legais aplicáveis, pelo que, mantêm-se integralmente os factos dados como provados no acórdão recorrido.
Improcede, também nesta parte, o presente recurso.
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II.3.3. Da nulidade do resultado do teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue
§1. O recorrente entende que a prova obtida mediante o teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue é nula por preterição da contraprova.
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§2. O recorrente começa por alegar que solicitou a contraprova logo após o teste realizado que acusou álcool no sangue.
Tal argumentação recursória pressupunha ter havido alteração da decisão sobre a matéria de facto provada nos termos propugnados no presente recurso.
Ora, tal pretensão, como já vimos, não mereceu acolhimento, mantendo-se integralmente a decisão recorrida sobre a matéria de facto provada.
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§3. O recorrente argumenta ainda que tendo também solicitado contraprova no interior do posto, não lhe podia ser negada a sua realização com a alegação de ter abdicado anteriormente dessa contraprova.
Vejamos.
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§4. Tendo em consideração a perigosidade emergente da circulação de veículos, o legislador consagrou um sistema probatório a respeito da constatação da existência, por parte dos condutores e demais utentes da via, de especiais estados de perigosidade, mormente causados pelo consumo de álcool e substâncias psicotrópicas.
Para o efeito, estabelece o artigo 152º do Código da Estrada, integrado no capítulo “Procedimento para fiscalização da condução sob a influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas” que:
“1- Devem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas:
a) Os condutores;
b) Os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito;
c) As pessoas que se propuserem iniciar a condução.
E o artigo 153º, n.º 1 do Código da Estrada prevê que (na parte que aqui interessa):
“1 - O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
2 - Se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito ou, se tal não for possível, verbalmente:
a) Do resultado do exame;
b) (...);
c) De que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e que o resultado desta prevalece sobre o do exame inicial; e
d) (...).
3 - A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando:
a) Novo exame, a efetuar através de aparelho aprovado;
b) Análise de sangue.
4 - No caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efetuado.
5 - Se o examinando preferir a realização de uma análise de sangue, deve ser conduzido, o mais rapidamente possível, a estabelecimento oficial de saúde, a fim de ser colhida a quantidade de sangue necessária para o efeito.
6 - O resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial.”
Por sua vez, estipula o artigo 2º, nº 1, do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas (Lei nº 18/2007, de 17 de Maio) que:
“1 - Quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos.”
Nos termos do artigo 3º do mesmo Regulamento, “os métodos e equipamentos previstos na presente lei e disposições complementares, para a realização dos exames de avaliação do estado de influenciado pelo álcool, são aplicáveis à contraprova prevista no n.º 3 do artigo 153.º do Código da Estrada”.
Da conjugação destas normas legais resulta que:
- sempre que possível, o intervalo entre o teste qualitativo e o quantitativo não deve ser superior a 30 minutos;
- sempre que possível, o intervalo entre o teste quantitativo e a contraprova não deve ser superior a 30 minutos;
- após a notificação prevista no artigo 153º, nº 2 do CE, pode o examinando requerer de imediato a contraprova.
É certo que de imediato não significa necessariamente nos segundos ou no minuto seguinte, mormente quando o examinando pretende falar com o seu advogado. Caso a caso, a situação tem que ser ponderada com bom senso e razoabilidade. De qualquer forma, o tempo a conceder ao examinando tem que ser necessariamente inferior a 30 minutos, já que este é o lapso temporal que deve decorrer entre o teste quantitativo e a contraprova, se possível.
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§5. No caso dos autos, face à factualidade provada, constata-se que, no local de fiscalização e após a realização do teste quantitativo que detectou álcool no sangue, o arguido foi de imediato informado pela autoridade policial da possibilidade de realizar contraprova e que recusou a sua realização.
Mais tarde e já no interior do posto, o arguido solicitou a realização de contraprova, tendo sido advertido que já não a podia realizar por já ter recusado no local de fiscalização, além do hiato temporal já decorrido.
Não estando aqui em causa o tempo decorrido entre a realização do teste quantitativo e a solicitação da contraprova (cerca de 32 minutos) consideramos que não merece qualquer censura a recusa da contraprova por parte da entidade policial.
Na verdade, tendo o arguido decidido, de forma livre e esclarecida, não realizar a contraprova, a sua decisão vinculou-o juridicamente. E, daí que, mais tarde, quando o arguido disse que, afinal, queria fazer a contraprova, esta nova decisão não possa ser atendida (neste sentido, veja-se o acórdão do TRG de 24.01.2008, relatado por Tomé Branco e o acórdão do TRC de 11.09.2013, relatado por Olga Maurícia e veja-se, ainda, o acórdão do TRP de 12.12.2007, relatado por António Gama e o acórdão do TRC de 19.02.2025, relatado por João Abrunhosa, todos acessíveis em www.dgsi,pt).
Assim, tendo o arguido renunciado à realização da contraprova os exames de pesquisa de álcool no sangue realizados ao abrigo do artigo 170°, n° 4 do Código da Estrada constituem prova legal plena.
Nesta conformidade, não existe qualquer nulidade na prova obtida mediante o exame de pesquisa do álcool, como pretende o recorrente.
Pelo que improcede, neste segmento, o recurso.
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II.3.4. Da violação do princípio in dubio pro reo
§1. O princípio in dubio pro reo, emanação da injunção constitucional da presunção de inocência do arguido, na vertente de prova (artigo 32º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), constitui, pois, um limite do princípio da livre apreciação da prova na medida em que impõe nos casos de dúvida fundada sobre os factos que o Tribunal decida a favor do arguido.
Com efeito, o princípio in dubio pro reo configura-se, basicamente, como uma regra da decisão: produzida a prova e efectuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos -, ou seja, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida razoável e irresolúvel sobre a verificação, ou não, de determinado facto, o juiz deve decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
Enquanto expressão, ao nível da apreciação da prova, do princípio político-jurídico da presunção de inocência, traduz-se na imposição de que um non liquet, na questão da prova, tem que ser sempre valorado a favor do arguido. “No que se traduz que apenas pode haver condenação se se tiver alcandorado a verdade com um grau de certeza, para além de qualquer dúvida razoável, que, naturalmente, fica aquém da noção de qualquer sombra de dúvida” (neste sentido, o acórdão do TRP de 28.10.2015, relatado por Ernesto Nascimento, acessível in www.dgsi.pt). Como igualmente se refere no referido acórdão do TRP, a verificação deste vício “pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador. A simples existência de versões díspares e até contraditórias sobre os factos relevantes não implica que se aplique, sem mais, o princípio in dubio pro reo”.
Mais se realça, nesta exacta sequência, que o princípio in dubio pro reo não significa dar relevância às dúvidas que os sujeitos processuais encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos - é, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Como se escreveu no acórdão do TRC de 10.12.2014, relatado por Vasques Osório (acessível em www.dgsi.pt), “a dúvida relevante de que cuidamos, não é a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do Julgador, após a produção da prova, mas antes apenas a dúvida que o Julgador não logrou ultrapassar”.
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§2. O recorrente alega que as contradições do auto de notícia e do expediente elaborado pelos militares da GNR suscitam dúvidas quanto ao pedido de realização de contraprova, à validade da detenção, à hora de entrada e saída do posto da GNR e hora de saída, não tendo o Tribunal a quo atendido ao princípio in dubio pro reo.
Aduz ainda que a recusa da realização da contraprova coloca o processo numa situação de incerteza quanto a um elemento essencial para a condenação do arguido, ou seja, a taxa de álcool no sangue efectivamente presente no momento da condução, o que impõe que a decisão sobre este facto deva favorecer o arguido.
Ora, atentas as considerações já expendidas sobre as alegadas nulidades dos meios de prova não se verificam os pressupostos para chamar à colação o princípio in dubio pro reo.
Acresce que, analisada a sentença recorrida não decorre que o Tribunal a quo tenha ficado numa situação de dúvida a respeito do factualismo integrador do ilícito que deu por configurado e que, apesar disso, se decidisse por entendimento desfavorável ao arguido ao arrepio do sentimento de dúvida reconhecidamente inafastável.
Não estamos, pois, na presença de uma situação em que houve violação do princípio in dubio pro reo.
Improcede igualmente, nesta parte, o recurso.
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III- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas criminais pelo recorrente, fixando em 4 UCS a taxa de justiça (artigo 513º, nº 1 do CPP e artigo 8º, nº 9 do RCP, com referência à Tabela III).
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Porto, 28.05.2024
Maria do Rosário Martins
Luís Coimbra
Lígia Trovão