PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL
ATO INÚTIL
Sumário

I - Independentemente do seu mérito, o conhecimento do presente recurso representa um ato inútil, que a lei proíbe, violador do princípio da economia processual, tal como se encontra estabelecido no artigo 130.º do Código de Processo Civil ex-vi artigo 4.º do Código de Processo Penal.
II - No presente a caso não está em causa há falta de interesse em agir mas sim inutilidade da lide, quer porque o facto, remessa para outra forma de processo por oposição é posterior à constituição da instância recursiva quer porque este facto permitiu a obtenção do efeito jurídico visado com o recurso.

(Sumário da responsabilidade do Relator)

Texto Integral

1ª secção criminal
1854/23.8PBMTS-B.P1
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO:
No processo sumaríssimo em epígrafe identificado do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal de Matosinhos-J3 referente a AA foi proferido despacho que rejeitou a suspensão provisória do processo cfr. ora é express” Por tal motivo, consideramos que, no caso em apreço, não se encontram reunidos os pressupostos legalmente exigidos para que se possa submeter os presentes autos ao instituto de consenso da suspensão provisória do processo”
Posteriormente, o Ministério Público veio, nos termos do artigo 392º, n.º1 do Código de Processo Penal, requerer a aplicação, em processo sumaríssimo, de sanção não privativa da liberdade ao arguido concluindo “atendendo aos critérios do artigo 47º do Código Penal, nos termos dos arts. 392º e 394º do Código de Processo Penal, propõe o Ministério Público a aplicação ao arguido AA:
- na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros) o que perfaz o valor de € 540,00 (quinhentos e quarenta euros).
Autuado o processo como sumaríssimo foi proferido o seguinte despacho:
“(…)
O Tribunal é absolutamente competente e o Ministério Público tem legitimidade para exercer a ação penal.
Inexistem nulidades e questões prévias ou incidentais suscetíveis de obstar à apreciação do mérito da causa e de se possa ou deva conhecer.

*
Por ser legalmente admissível, não se mostrar manifestamente infundado e a sanção proposta não ser manifestamente insuscetível de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, nos termos do art.º 396.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, recebo o requerimento para aplicação da pena de multa em processo sumaríssimo, no qual se imputa ao arguido AA a prática dos factos aí descritos, que aqui se dão por reproduzidos, subsumíveis à prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, previsto e punido pelo art.º 3.º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.
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Consigna-se que o arguido é assistido pelo ilustre defensor: Exmo. Sr. Dr. BB (cfr. art. 396.º n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal).
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Notifique o arguido por contacto pessoal, nos termos do art.º 113.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal, do requerimento do Ministério Público para, querendo, deduzir oposição no prazo de 15 (quinze) dias, a qual pode ser deduzida por simples declaração, conforme o disposto no art.º 396.º, nºs 1, b), e 2 a 4, do Código de Processo Penal, advertindo-o que a sua não oposição equivale a adesão ao teor do referido requerimento (cfr. art.º 397.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a contrario).
O requerimento é igualmente notificado ao seu ilustre defensor (cfr. art.º 396.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).
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ESTATUTO COATIVO:
Deve o arguido aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a termo de identidade e residência (TIR), já prestado, assemelhando-se tal medida adequada e suficiente para assegurar as exigências cautelares dos autos, em face do disposto nos arts. 191.º a 193.º, e 196.º, bem assim como do art. 204.º, a contrario, todos do Código de Processo Penal.”
Notificado o defensor oficioso, veio o mesmo em 05.02.24 manifestar oposição dizendo:
“AA, Arguido nos autos à margem identificados, notificado do douto Despacho proferido em 18/01/2024, vem, sob a égide do preceituado pela alínea b) do número 1 e pelo número 4 do artigo 396.º do Código de Processo Penal, declarar, junto de V. Ex.ª, que se opõe à sanção proposta pelo Ministério Público, requerendo, em consequência, seja dado cumprimento ao disposto no artigo 398.º daquele Diploma.
Espera Respeitosamente Deferimento
O tribunal a quo, nesta sequência, proferiu o seguinte despacho em 08.02.24:
“Veio o Ilustre Defensor do arguido, em sua representação, deduzir oposição ao requerimento formulado pelo Ministério Público, de aplicação de pena não privativa da liberdade em processo especial, sumaríssimo, com fundamento na circunstância daquela não ter «disponibilidade financeira para fazer o pagamento da multa nem do valor em que foi condenada».
Entende este Tribunal, a par do que é também orientação jurisprudencial e doutrinária, que a manifestação de não oposição/oposição ou não concordância/concordância à sanção proposta pelo Ministério Público, em sede de processo sumaríssimo, é um ato pessoal a ser praticado exclusivamente pelo arguido e que não admite representação por defensor, salvo nos casos em que este se encontre munido de poderes representativos específicos para o ato.
Neste sentido veja-se, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proc. n.º 2842/10.0TAGDM.P1, de 14 de dezembro de 2011, Rel. Maria Dolores da Silva e Sousa, disponível em www.dgsi.pt, no qual se escreveu, com referência ao art. 398.º do Código de Processo Penal, que, «a oposição prevista neste artigo tem de ser ou pessoal ou emanada da sua vontade pessoal, é o que decorre da conjugação da exigência de notificação pessoal, com as particulares exigências dessa notificação. Sendo que, no entanto, se nos afigura compatível com esta oposição pessoal, porque emanada da sua vontade, a oposição efetuada por mandatário judicial constituído pelo arguido, ou a oposição efetuada por defensor inequivocamente emanada da vontade do arguido como acontece, Por exemplo quando tal oposição é manifestada em requerimento conjuntamente assinado pelo arguido e por este, como em regra, e na prática, ocorre nos tribunais de primeira instância.»
O que, in casu, não ocorreu.
*
Nestes termos, notifique o arguido para, no prazo de 5 (cinco), juntar aos autos declaração por si pessoalmente subscrita, na qual ratifica a oposição à sanção proposta pelo Ministério Público efetuada pelo seu Ilustre Defensor, com a advertência de que nada dizendo, será dado cumprimento ao disposto no art. 397.º do Código de Processo Penal, face ao seu silêncio e ao decurso do prazo legalmente previsto.
Notifique.
DN.”
Foi solicitada a notificação pessoal do arguido junto da GNR em 19-01-2024 nos seguintes termos: “Solicito a V. Exª, se digne providenciar pela notificação da pessoa abaixo indicada, na qualidade de Arguido, nos termos e para os efeitos a seguir mencionados:
De todo o conteúdo do requerimento do Ministério Público e do despacho que o recebeu, para, querendo, nos termos do disposto no art.º 396º, n.º 1, al. b), do C. P. Penal, se opor no prazo de QUINZE DIAS, podendo a oposição ser deduzida por simples declaração – n.º 4 do mesmo preceito legal.
Em caso de não oposição ao requerimento, o(a) Mmº(ª) Juiz de Direito, por despacho, procederá à aplicação da sanção e à condenação no pagamento de taxa de justiça, valendo tal despacho como sentença condenatória e não admite recurso ordinário (artº 397º do C.P. Penal).(…)”
O arguido AA, notificado do despacho proferido em 08/02/2024, apresentou o ora recurso sub judice.
Apresenta a seu favor as seguintes conclusões:

“CONCLUSÕES:
1.ª – A norma constante do número 1 do artigo 63.º do Código de Processo Penal atribui expressamente ao Defensor a legitimidade para exercer os direitos que a Lei reconhece ao Arguido, ressalvando apenas aqueles que a Lei «reservar pessoalmente a este».
2.ª – Constituem actos que apenas podem ser praticados pelo próprio Arguido aqueles pelos quais este prescinde de direitos processuais fundamentais.
3.ª – O direito de oposição à sanção proposta pelo Ministério Público em Processo Sumaríssimo não constitui, nem pela letra da Lei nem pelo seu espírito, acto pessoalmente reservado ao Arguido.
4.ª – Efectivamente, quando declara a sua oposição à aplicação de concreta sanção proposta pelo Ministério Público em Processo Sumaríssimo o Arguido não prescinde de qualquer direito processual fundamental. Não confessa, não desiste, não renuncia, não transige.
5.ª – Não se encontrando excluído do âmbito de aplicação da norma constante no número 1 do artigo 63.º do Código de Processo Penal, pode o direito de oposição à sanção proposta pelo Ministério Público ser exercido, em representação do Arguido, pelo seu Defensor. Salvo se clara e inequivocamente resultar dos autos em sentido contrário deve considerar-se a declaração do Arguido expressa pelo Defensor como correspondendo à efectiva vontade daquele – in casu, a de se opor à sanção proposta.
6.ª – Entendimento diverso – como aquele que parece perfilhar a douta decisão a quo – constituiria uma frontal diminuição das garantias de defesa do Arguido, impondo-lhe a aplicação de sanção penal – equivalente a sentença condenatória e insusceptível de recurso ordinário – malgrado ter, expressamente, por via do seu representante processual (o Defensor) manifestado, legal e tempestivamente, a sua oposição à sanção. Conforme bem afirmou o douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, «ler o silêncio da arguida como aceitação da sanção proposta pelo MP, apesar de haver uma expressa oposição de quem a representa nos autos, é a solução menos garantística – aqui o defensor não está renunciar ou desistir de nada, antes pelo contrário».
7.ª – Perante a proposta apresentada pelo Ministério Público – da qual o Arguido, através do seu Defensor, teve conhecimento 26 (vinte e seis) dias antes da data em que veio a juntar aos autos a sua declaração de oposição – tiveram Arguido e Defensor oportunidade de conferenciar, colher e dar aconselhamento, tudo o que culminou na decisão do Arguido da qual o Defensor foi – como pode ser – o único transmissor nos autos.”
Após diversas vicissitudes sobre a admissibilidade do recurso, nas quais, resumindo, o tribunal quo rejeitou o recurso, seguindo-se uma reclamação que depois, mais tarde, na sequência da tramitação ocorrida, entendeu não a aceitar por a considerar inútil, a Srª. Vice Presidente desta Relação, proferiu duas decisões, uma a determinar a subida da reclamação e outra a determinar a aceitação do recurso.
Após o M.P. a quo apresentou a sua resposta dizendo:
“ Em momento ulterior à apresentação do recurso de que ora se responde veio o ilustre defensor do arguido apresentar requerimento subscrito por si e pelo próprio arguido ratificando a oposição à aplicação de sanção em processo sumaríssimo.
Nessa sequência, por despacho judicial de 17-05-2024, foi determinado o reenvio do processo para outra forma processual, em conformidade com o disposto no artigo 398.º do Código de Processo Penal, conforme pretendido pelo arguido.
Assim, como facilmente se alcança, quer por falta de interesse processual, quer por inutilidade superveniente, o presente recurso perdeu materialmente o seu efeito útil.
De qualquer modo sempre se dirá que concordamos inteiramente com o entendimento da Mma. Juiz a quo expressa no despacho recorrido, concordante com a anotação ao CPP Comentários e notas práticas, elaborado pelos Magistrados do MP do Distrito Judicial do Porto, CE, p. 1012, no sentido de que «porque a notificação carece de contacto pessoal, e porque, não havendo oposição a condenação é inevitável, certa e definitiva, a oposição tem de ser um acto pessoal do arguido, não podendo ser deduzida apenas pelo defensor».”
Pelo exposto, mantendo a decisão recorrida Vossas Excelências farão acostumada justiça.”
Nesta instância, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta acompanhando a resposta do Ministério Público emitiu parecer no sentido de não ser concedido provimento ao recurso.
Cumprido que foi o disposto no artº 417º nº2 do CPP foi apresentada resposta.
*
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

Outros atos pertinentes para a boa decisão da presente causa:
O tribunal a quo em face das dificuldades de notificação pessoal do arguido proferiu o seguinte despacho em 22/03/2024:
“Por ofício de 06 de março de 2024, veio a Polícia de Segurança Pública, Esquadra ..., informar os autos que o arguido «se encontra internado no Hospital ..., na cidade do Porto, pelo que o presente expediente vai ser remetido à Divisão Policial ..., à Esquadra 1..., área de jurisdição do referido hospital, que findas as diligências deve informar a entidade solicitante».
Seguidamente, por ofício de 11 de março de 2024, veio o agente principal CC, responsável pela notificação requerida pelo Tribunal, dar conhecimento de que as diligências encetadas se relevaram infrutíferas, pela circunstância do arguido se encontrar internado no Hospital ... e que o ofício será remetido à Esquadra 1..., por ser esta a competente.
Em face de tal informação, conseguiu este Tribunal apurar que o arguido esteve internado no referido estabelecimento, em regime de tratamento involuntário, no âmbito do proc. n.º 208/23.0T1PRT, que corre termos no Juízo Local Criminal de Matosinhos – Juiz 2, como decorre do último relatório de avaliação clínico-psiquiátrico, com data de 11 de fevereiro de 2024, tendo o arguido aceite, em 01 de março de 2024, de modo voluntário e consciente, o tratamento proposto em regime de ambulatório (cfr. referência citius n.º 458365459).
Nestes termos, forçoso é concluir que, até à presente data, o arguido não foi regularmente notificado, por contacto pessoal, nos termos e para os efeitos do disposto do art. 396.º, n. os 1, al. b) e 2, do Código de Processo Penal.
Antevendo-se ainda que, em face do circunstancialismo descrito, concretamente a circunstância de ter deixado de estar internado no Hospital ..., que a notificação a efetuar pela Polícia de Segurança Pública da Esquadra 1..., também não seja alcançada.
Sendo consabido que, não sendo possível a notificação do arguido, torna-se inviável a obtenção do necessário consenso para julgamento nesta forma processual, o que tem a mesma consequência que a oposição do arguido, ou seja, o reenvio do processo para outra forma que lhe caiba (cfr. art. 398.º, n.º 1, Código de Processo Penal).
Por outro lado, importa ainda ter em consideração a demais informação carreada aos autos, reveladora de que não se encontram reunidos os pressupostos necessários para prossecução dos autos como processo sumaríssimo, desde logo o facto de esta forma de processo não permitir aferir, com a precisão que o caso aconselha, da adequação e suficiência das sanções propostas pelo Ministério Público às finalidades da punição do caso concreto.
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Assim, face às circunstâncias supra descritas, determino o reenvio dos autos para outra forma de processo e que os autos sejam remetidos aos Serviços do Ministério Público junto deste Tribunal para escolher a forma processual adequada e dar cumprimento ao disposto no art. 398.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (mormente a notificação do arguido para, querendo, requerer a abertura de instrução, caso a forma processual que venha a ser determinada o preveja).
Notifique.”
Ocorre que o tribunal foi, entretanto, informado da notificação pessoal do arguido e profere despacho em 23/04/2024:
“Em 19.03.2024 o arguido foi notificado para querendo deduzir oposição do 396. N º 2, al.b) do CPP
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Por ofício entrado em juízo em 03/04/2024, veio a PSP juntar certidão da notificação pessoal do Arguido do despacho proferido pelo Ministério Público a 08/01/2024 e do despacho judicial de 18/01/2024, notificação essa que foi efetuada pessoalmente, em 19/03/2024.
Ora, quando em 22/03/2024, proferimos despacho considerando a não notificação do arguido e, consequentemente, o reenvio do processo ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 398.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, não tomámos em consideração tal notificação, facto que era essencial para a decisão proferida e que, naturalmente, a modifica.
A omissão de consideração de tal elemento/facto constitui uma irregularidade processual, que importa sanar, assim como todos os atos processuais posteriores a esse despacho.
Consequentemente, declara-se a irregularidade do despacho proferido a 22/03/2024, assim como de todos os atos praticados neste processo, posteriores ao mesmo.
Notifique.
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Em face da regularização do processado, e tendo em consideração que o Ilustre Defensor do Arguido apresentou requerimento, por si subscrito, deduzindo o oposição à condenação e à aplicação da sanção sugerida pelo Digno Magistrado do Ministério Público, e o Arguido, pessoalmente notificado, nada disse, notifique-os para esclarecer se o Arguido pretende ou não opor-se, advertindo- se que, conforme resulta da lei e da natureza pessoal da oposição que, nada sendo dito, se assumirá a não oposição.
Após notificação, em 13.05.2024, o arguido apresenta o requerimento:
“AA, Arguido nos autos à margem identificados, tendo sido notificado (referência Citius 459557607) do douto Despacho proferido em 23/04/2024, designadamente «para esclarecer se o Arguido pretende ou não opor-se», vem, em cumprimento do mesmo,
I – reafirmar, junto de V. Ex.ª, nos termos previstos pela alínea b) do número 1 e pelo número 4 do artigo 396.º do Código de Processo Penal, que se opõe à sanção proposta pelo Ministério Público;
II – requerer, em consequência, seja doutamente dado cumprimento ao disposto no artigo 398.º daquele Diploma.”
Nesta sequência, o tribunal a quo determinou em despacho:
“ Em face do esclarecimento agora presentado pelo Arguido, de modo pessoal, mantém-se a decisão proferida a 22/03/2024, de acordo com a qual se determinou o reenvio dos autos para outra forma de processo e que os autos sejam remetidos aos Serviços do Ministério Público junto deste Tribunal para escolher a forma processual adequada e dar cumprimento ao disposto no art. 398.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (mormente a notificação do arguido para, querendo, requerer a abertura de instrução, caso a forma processual que venha a ser determinada o preveja).”
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Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.

No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir a seguinte questão:
Interpretação do estatuído no artigo 396.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, pugnado o defensor (e o arguido), que se havia oposto à aplicação de sanção em processo sumaríssimo, por requerimento apenas por si subscrito, que não se tratava de um ato pessoal e, portanto, não lhe seria exigível a ratificação pelo arguido em ato próprio.
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Questão prévia.
Resulta da tramitação processual que neste momento e em momento posterior ao recurso sub judice, por força da notificação pessoal do arguido encetada nos autos e posição por si manifestada em consonância com o requerimento que o seu defensor havia apresentado e sobre o qual incidiu despacho ora alvo de recurso, foi, em face da oposição manifestada, remetido o processo para outra a forma conveniente nos termos do art. 398º do CPP, cfr. despacho: “Em face do esclarecimento agora presentado pelo Arguido, de modo pessoal, mantém-se a decisão proferida a 22/03/2024, de acordo com a qual se determinou o reenvio dos autos para outra forma de processo e que os autos sejam remetidos aos Serviços do Ministério Público junto deste Tribunal para escolher a forma processual adequada e dar cumprimento ao disposto no art. 398.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (mormente a notificação do arguido para, querendo, requerer a abertura de instrução, caso a forma processual que venha a ser determinada o preveja).
Coloca-se, assim a questão de saber se o presente recurso se mantém útil.
Em momento ulterior à apresentação do recurso que ora se conhece o Sr. defensor do arguido apresentou requerimento subscrito por si e pelo próprio arguido ratificando a oposição à aplicação de sanção em processo sumaríssimo.
Nessa sequência, por despacho judicial de 17-05-2024, foi determinado o reenvio do processo para outra forma processual, em conformidade com o disposto no artigo 398.º do Código de Processo Penal, conforme pretendido pelo arguido.
Assim na sequência do processado e considerando uma declaração expressamente subscrita pelo Arguido, acabou por se dar provimento à sua pretensão, que era a de reenviar o processo para outra forma.
Ora, “A parte possui um interesse na tutela sempre que tenha um direito que deva ser defendido ou acautelado, mas o interesse em agir só existe quando a parte puder retirar alguma utilidade da tutela jurisdicional requerida(…) o interesse processual, pelo contrário, não se destina a determinar os sujeitos que podem ser partes numa determinada causa, mas aferir a utilidade da concessão da tutela jurisdicional requerida numa ação” vide M. Teixeira de Sousa, reflexões sobre a legitimidade das partes em processo civil, em DDP, n º 1, 2003, pág. 6 e 11 e ainda Diogo Castanheira Pereira em Interesse Processual na Acção Declarativa. Matéria doutrinal extensível ao processo penal.
O interesse em agir constitui um pressuposto processual, autónomo da legitimidade, inominado e traduz-se na necessidade objetivamente justificada de se recorrer a uma ação judicial.
No presente caso a expetativa pretendida pelo ora recorrente já se mostra ultrapassada pela tramitação processual ocorrida, porquanto foi alcançado o desiderato pretendido tanto pelo próprio como pelo tribunal, remessa para outra forma de processo e notificação pessoal do arguido. A intervenção desta instância recursiva transformou-se apenas num atividade consultiva, dedicada à resolução de mera questão académica de direito.
Em face do exposto, o Arguido perdeu qualquer interesse/utilidade já que independentemente da procedência ou improcedência deste recurso, já o Arguido alcançou o seu desiderato por outra via.
Só que esta inutilidade não se aferiu a quando da interposição do recurso, mas em fase posterior.
A falta de interesse em agir é um pressuposto processual que se afere no momento da prática do ato, ou seja, no caso concreto, no momento da interposição deste recurso e tendo presente a tramitação processual ele(interesse) existia naquele momento, pelo que a situação em causa situa-se no âmbito da inutilidade superveniente da instância recursiva e não da falta de interesse em agir.
A instância extingue-se sempre que se torne supervenientemente inútil, i.e., sempre que por facto ocorrido na pendência da instância, a continuação da lide não tenha qualquer utilidade (artº 277º e) do CPC).
A instância extingue-se ou finda de forma anormal todas as vezes que, ou por motivo atinente ao sujeito, ou por motivo atinente ao objeto, ou por motivo atinente à causa, a respetiva relação jurídica substancial se torne inútil, i.e., deixe de interessar a sua apreciação.
A inutilidade da lide é, portanto, simples reflexo, no plano processual, da inutilidade a relação jurídica substancial, quer esta inutilidade diga respeito ao sujeito, ao objeto ou à causa.
Sempre que o efeito jurídico que se pretendia obter com a ação se mostre supervenientemente inútil, é claro que o processo não deve continuar – mas antes cessar.
A instância extingue-se porque se tornou inútil o prosseguimento da lide: verificado o facto, o tribunal não conhece do mérito da causa, limitando-se a declarar aquela extinção.
O facto suscetível de determinar a extinção da instância por inutilidade da lide deve ser superveniente, i.e. de verificação ulterior relativamente à constituição da instância. Só o facto ocorrido posteriormente à interposição do recurso se deve considerar superveniente.
Se o facto que torna inútil a instância é anterior ao seu início, então o caso não é seguramente de inutilidade da lide –se no momento em que propõe a ação, a relação jurídica substancial já era inútil, i.e., já era inútil a obtenção do efeito jurídico que com a ação se visa alcançar, o que sucede é que, no momento em que foi proposta, a ação não tinha condições para proceder. Neste caso, a causa adequada de extinção da instância é outra e não a inutilidade superveniente da lide prevista no artº 277º, al. e) do CPC.
Se aplicarmos esta doutrina a caso do recurso é bem de ver que não há falta de interesse em agir mas sim inutilidade da lide, quer porque o facto, remessa para outra forma de processo por oposição é posterior à constituição da instância recursiva quer porque este facto permitiu a obtenção do efeito jurídico visado com o recurso.
Donde a decisão quanto a este recurso seria assim absolutamente inútil.
Independentemente do seu mérito, o conhecimento do presente recurso representa um ato inútil, que a lei proíbe, violador do princípio da economia processual, tal como se encontra estabelecido no artigo 130.º do Código de Processo Civil ex-vi artigo 4.º do Código de Processo Penal.
Assim, por inutilidade superveniente, o presente recurso perdeu materialmente o seu efeito útil.
Em face do exposto, por inutilidade superveniente da lide, julga-se a presente instância recursiva extinta.
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DISPOSITIVO:
Nos termos apontados, acordam os juízes desta Relação em julgar extinta a presente instância recursiva.
Sem custas.
Elaborado e revisto pelo relator.

Sumário da responsabilidade do relator.
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Porto, 28 de maio de 2025
Paulo Costa
Maria Ângela Reguengo da Luz
Paula Guerreiro