SUSPENSÃO DOS CORPOS GERENTES
DESTITUIÇÃO DE GERENTE
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
NOMEAÇÃO DE GERENTE
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Sumário

(da relatora) – artigo 663.º, n.º 7, do CPC[1]
I. Decorre do regime previsto no artigo 1055.º, n.ºs 1 e 2 do CPC ser legalmente admissível a cumulação da pretensão cautelar de suspensão de gerente com a pretensão definitiva de destituição de gerente, sendo que, não obstante ambas serem tramitadas num único processo, mantêm a sua autonomia e independência.
II. Sem prejuízo de assim ser, ocorrendo julgamento conjunto de ambas as pretensões, o que não mereceu oposição pelas partes, uma vez declarada a destituição dos gerentes, fica prejudicado o conhecimento da requerida suspensão, porquanto esta apenas visa obstar à produção dos danos decorrentes da eventual morosidade na tomada de decisão quanto ao pedido principal.
III. No âmbito da acção a que se alude no ponto I, não poderá o requerente ser desde logo nomeado como gerente da sociedade, devendo primeiro diligenciar-se nos termos previstos pelo n.º 3 do artigo 253.º do CSC, só depois podendo ser peticionada a nomeação judicial.  
IV. A alteração da matéria de facto apenas deverá ter lugar se da mesma resultar algum efeito juridicamente útil para o desfecho do litígio, nomeadamente alterando o sentido da decisão proferida.
V. Estando em causa aferir se se mostra acertada a decisão que declarou a destituição dos gerentes com justa causa, e tendo os mesmos vindo a renunciar a tal cargo, ocorrendo inclusive nomeação de novos órgãos sociais, ocorre impossibilidade superveniente da instância recursória.
VI. Ao constante no ponto anterior não obsta o facto de a deliberação pela qual tal nomeação foi aprovada ter sido judicialmente impugnada.
VII. A condenação como litigante de má-fé, nos termos do disposto no artigo 542.º, n.ºs 1 e 2, als. a), b) e d) do CPC, tem lugar quando a parte deduz pretensão cuja falta de fundamento não devesse ignorar, bem como quando a mesma faz do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o regular andamento dos autos.
VIII. Para que tal condenação ocorra terá o tribunal de estar perante uma situação isenta de dúvidas quanto à actuação dolosa ou gravemente negligente da parte.
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[1] Por opção da relatora, o presente acórdão não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem.

Texto Integral

Acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO
DJ intentou processo especial de suspensão e destituição de titulares de órgãos sociais, nos termos do disposto no artigo 1055.º do CPC, contra Construções EC, Lda., MC, RA e PG, todos devidamente identificados nos autos, peticionando: “(…) deverá a ação ser declarada procedente por provada e em consequência serem os 2.º, 3.º e 4.º Réus destituídos da qualidade de gerentes da 1.ª Ré, // - deverá o A. ser nomeado gerente da sociedade Ré // - devendo cautelarmente de imediato e sem audição dos Réus, serem suspensos do cargo de gerentes da referida sociedade, nomeando-se incidentalmente gerente o A..”
Em síntese, alegou: existirem desentendimentos entre as partes (todos sócios da 1.ª requerida) quanto a questões da vida societária, sendo que os requeridos (todos eles gerentes da sociedade) negam ao requerente o acesso a informações relativas aos elementos contabilísticos da sociedade, furtando-se constantemente à entrega ou exibição do livro de actas, balanços, extractos bancários e folhas de caixa. O requerente intentou então Inquérito Judicial a sociedade (Proc. n.º 18617/20.5T8LSB) e, não obstante a acção ter sido julgada procedente (juntou cópia da sentença aí proferida), continuou a não ser-lhe facultada a informação solicitada. Defende terem os requeridos violado os deveres de cuidado e de diligência a que estão obrigados enquanto gerentes, bem como existir sério risco de os elementos contabilísticos “desaparecerem ou serem até alterados” (pelo que a suspensão deverá ocorrer sem contraditório). Juntou documentos.

Após ter sido comprovado o registo da acção, por despacho proferido em 02/05/2022 foi indeferida a dispensa de prévia audição dos requeridos, tendo sido ordenada a citação dos mesmos para, querendo, no prazo legal, deduzirem oposição.

Vieram, então, os requeridos apresentar oposição conjunta, pela qual concluíram: “Deve a oposição ser procedente e, em consequência serem os Requeridos absolvidos do pedido e não serem destituídos da gerência.
Em síntese, alegaram: - padecer de nulidade o pedido de nomeação do requerente como gerente (porquanto a sociedade se obriga com a assinatura de dois gerentes – a única sócia que obrigava sozinha a sociedade faleceu - pelo que sempre seria necessária uma alteração aos Estatutos); - o requerente intentar este procedimento apenas com o objectivo de ascender ao cargo de gerente como forma de vandalizar toda e qualquer informação (conforme sempre fez, pelo que, desde 2009, foi destituído da gerência); - nunca terem impedido o requerente de participar em todas as decisões que envolvessem os interesses sociais, o qual é convocado para todas as Assembleias (em que está presente) e tem acesso a toda a informação, conhecendo tudo da vida societária; - o requerente divulga a informação societária a terceiros, tenta impedir o normal funcionamento da sociedade e tem comportamentos ameaçadores e agressivos (defendem ser legítima a recusa de entrega de documentos ao sócio que os utilize indevidamente, faculte a terceiros informações e que impeça, com esse comportamento, o normal funcionamento da Empresa, como tem vindo a acontecer). Mais acrescentam ter o requerente sido gerente de uma outra sociedade concorrente da sociedade requerida (a qual foi dissolvida oficiosamente), ainda exercendo tal cargo numa terceira empresa. Por fim, defendem que, a existir recusa de informação, sempre a mesma será legítima face aos comportamentos abusivos do requerente. Juntaram documentos.

O requerente pronunciou-se quanto aos documentos juntos com a oposição.

Em 07/07/2022 foi proferido o seguinte despacho:
“Analisada a oposição afigura-se que os requeridos já deduziram oposição ao pedido de suspensão e ao pedido de destituição. // Assim, notifique os requeridos para esclarecerem se deduziram toda a defesa quanto a ambos os pedidos. // Caso assim seja, e tendo presente o disposto nos artigos 130º e 547º do CPC, consigno que ambos os pedidos, de suspensão e destituição de titular de órgão social, poderão ser apreciados conjuntamente, se a tanto não se opuseram, fundadamente, as partes. // Notifique.”
Nenhuma oposição foi deduzida.

Realizou-se a audiência final em 13/10/2022.

Em 13/12/2022, o requerente veio requerer a junção da sentença proferida no âmbito do Proc. n.º 18617/20.5T8LSB-A, que correu termos pelo J6 do Juízo de Comércio de Lisboa (embargos deduzidos à execução da sentença proferida no âmbito do processo de Inquérito Judicial). Os requeridos, em 13/02/2023, pugnaram pelo desentranhamento do requerimento agora apresentado e condenação em multa do requerente.[2] Não obstante inexistir qualquer despacho quanto a estes requerimentos, resulta da sentença recorrida que o tribunal a quo valorou tal documento (pelo que implicitamente o admitiu)[3].

Por despacho de 30/06/2023 foi ordenada a junção de certidão do Registo Comercial actualizada da sociedade requerida, o que veio a suceder (Ref.ª/Citius 427194710).

Por sentença proferida em 15/11/2023, o tribunal a quo decidiu:
“Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a presente ação e consequentemente:
- Destituem-se os gerentes MC, RA e PG das funções de gerente da sociedade Construções EC, Lda;
- Declara-se improcedente o pedido de nomeação judicial do sócio DJ como gerente da referida sociedade Construções EC, Lda.
Custas da ação pelo requerente e pelos requeridos, na proporção de 50% para cada. (…)”.[4]

Não se conformando com a sentença proferida, “na parte em que não conheceu do pedido de suspensão dos gerentes e na parte em que indeferiu a nomeação do Apelante como gerente”, veio o requerente da mesma interpor RECURSO, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
“1. O Apelante intentou a presente ação com vista à suspensão e destituição dos gerentes da sociedade comercial por quotas “Construções EC, Lda”, bem como à nomeação do Apelante como gerente, tendo o Tribunal a quo decidido destituir com justa causa os gerentes da referida sociedade, declarando procedente o pedido de destituição, omitindo pronúncia quanto à suspensão imediata do cargo e declarando improcedente o pedido de nomeação do Apelante como gerente, não se conformando o Apelante com a decisão do Mm.º Juiz a quo na parte em que não conheceu do pedido de suspensão dos gerentes e na parte em que indeferiu a nomeação do Apelante como gerente.
2. Sendo certo que estamos no âmbito de um processo de jurisdição voluntária, foram formulados pedidos distintos quanto aos gerentes ora Apelados- a suspensão e a destituição e o disposto no n.º 2 do art.º 1055º do CC, não obstar a que o juiz relegue para momento posterior à citação a tomada de decisão quanto ao pedido de suspensão, conforme aconteceu no caso, não torna supervenientemente inútil conhecer da suspensão quando o Tribunal decida pela destituição, como foi o caso, atento os efeitos que os Apelados possam requerer que sejam atribuídos ao eventual recurso.
3. Verifica-se a nulidade da sentença sempre que a mesma deixe de se pronunciar sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada, como foi o caso, pois como preceitua o art.º 608.º, n.º2, do C.P.C., “ o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”, sendo nula a sentença em crise, por o Mm.º Juiz a quo ter deixado de apreciar o pedido de suspensão dos gerentes que foi formulado pelo Apelante- art.º 615.º, n.º1, al. d) CPC.
4. Devendo por tal decidir-se pela imediata suspensão dos Apelados da gerência.
5. Quanto à improcedência do pedido de nomeação do Apelante como gerente, fundamenta o Mm.º Juiz a quo tal decisão com o disposto no art.º 253., n.º 1, do CPC, mencionando que por força de tal normativo “ (…) não cabe(ndo), portanto, ao tribunal nomear ou designar aquele como gerente.”
6. Efetivamente preceitua o n.°1 do art.º 253º do Código das Sociedades Comerciais que “se faltarem definitivamente todos os gerentes, todos os sócios assumem por força da lei os poderes de gerência, até que sejam designados os gerentes”, no entanto, o Apelante não passa automaticamente a gerente, antes assume automaticamente os poderes de gerência, sendo forçoso que sejam designado(s)/ nomeado(s) novo(s) gerente(s).
7. Assim, o Mm.º Juiz a quo, considerando a fundamentação de direito de que se serviu, errou na decisão de entender que não tinha de nomear o Apelante como gerente por força do disposto no art.º 253.º, n.º 1, do CSC, padecendo a sentença a quo da nulidade prevista na alínea c) do n.º1 do art.º 615.º do CPC
8. Devendo por força de tal nulidade ser revogada a decisão de improcedência do pedido de nomeação do Apelante como gerente, substituindo-se por outra que nomeie como gerente da sociedade EC, Lda. o Apelante.
9. Assim não se entendendo quanto a esta invocada nulidade, deverá sempre considerar-se que houve erro de julgamento, devendo de igual modo ser revogada a decisão de improcedência do pedido de nomeação do Apelante como gerente, substituindo-se por outra que nomeie como gerente da sociedade Construções EC, Lda. o Apelante.
Assim decidindo, farão V.ªs Ex.ªs JUSTIÇA”

Também os requeridos, inconformados com o decidido, no segmento referente à “destituição dos gerentes em funções”, interpuseram RECURSO da sentença formulando as seguintes CONCLUSÕES:
“1º O presente recurso é interposto da decisão do Tribunal “a quo” que julgou procedente a parte do pedido em que o Recorrido peticiona a destituição dos gerentes Recorrentes.
2º Impondo-se decisão diversa após análise criteriosa da prova, quer documental quer testemunhal,
3º Dando como provados os factos não provados, acrescentando aos factos provados o alegado na Oposição nos artigos 7º, 8º e 9º, por serem essenciais e não ser meramente conclusivos,
4º O facto provado no número 8 da Sentença, deve ser modificado com base no documento nº 5 junto da P.I., uma vez que a comunicação foi anterior ao transito em julgado no processo de inquérito judicial nº 18617/20.5T8LSB,
5º Sendo que correram embargos de executado por apenso ao processo acima mencionado, os quais à data do julgamento ainda o Recorrido não tinha sido citado.
6º Quer nos autos de que se recorre da decisão, quer nos embargos, foi arguida a legítima recusa de informação sigilosa por divulgação indevida por parte do Recorrido.
7º Os factos considerados não provados deverão ser dados como provados, atendendo aos depoimentos das testemunhas FV, CO e NG, que confirmaram as desavenças familiares, mas também um comportamento desleal, agressivo e destabilizador do Recorrido.
8º Viabilizar a ascensão a co-gerente o Recorrido, sem provas de violação grave dos deveres dos sócios e gerentes Recorrentes, apenas levianamente atender a formulações e exigências sem prova, apenas porque é elencado falta de informação, definindo assim justa causa de destituição é não ter noção da prova exaustivamente feita em julgamento.
9º Atente-se a prova produzida documental o Recorrido foi sempre convocado para as Assembleias, quando não esteve presente foi porque não quis comparecer,
10º Nomeadamente, em facto superveniente, foi convocada regularmente uma assembleia, a qual o Recorrido teve conhecimento, mas que se recusou a comparecer, onde os gerentes Recorrentes apresentaram a sua renúncia e foram nomeados 4 gerentes, conforme certidão comercial cujo código é o 0032-5848-1740.
11º De certa forma poderá entender-se estar esvaziada a sentença Recorrida, no entanto, os Recorrentes desejam, se esse for o caso, poder voltar à gerência sem impender sobre eles qualquer dúvida sobre a sua conduta.
12º Os depoimentos de JR e TC, essencialmente ou foi por ouvir o Recorrido dizer, ou por o mesmo dar a ler documentos sigilosos da empresa e acções sucessivas intentadas por este, não conseguindo demonstrar a infracção de quaisquer deveres da gerência ou recusa ilegítima.
13º Todas as restantes testemunhas, idóneas e em consonância, demonstraram que o Recorrido tinha acesso a todos os documentos e que tirava cópias, os restantes eram facultados na Assembleia e na prestação de contas com aprovação das mesmas.
14º Não obstante, a sentença Recorrida fala que não é necessário o dolo dos gerentes mas tão só a existência de negligência e quebra de confiança daqueles,
15º E onde apurou o Tribunal “a quo” que o Recorrido é de confiança, ao contrário do que foi provado, ou seja, problemas familiares, quezílias e retaliações sucessivas por parte deste.
16º O Recorrido é trabalhador da Empresa Recorrente, conforme recibos junto da Oposição e não desenvolve há anos qualquer actividade para a empresa, é esta pessoa idónea? Não o é.
17º Esta sentença acaba por ser um nó “cego” uma vez que em lado algum na lei diz que os gerentes destituídos não podem voltar ao cargo.
18º Assim, os factos dados não provados devem ser considerados provados, bem como os artigos 7º, 8º e 9º da Oposição,
19º Por força do depoimento de NG deveria ser dado como provado que o Recorrido utilizou indevidamente documento da empresa facultando a terceiros e, com esse comportamento afetando o normal funcionamento da empresa, o que consubstancia justa causa de recusa nos termos do artigo 215º do CSC.
20º Impõe-se, assim decisão diversa da Recorrida, atendendo à prova produzida, testemunhal e documental, e não serem destituídos os gerentes.
21º Por força da inclusão dos factos não provados como provados, dados como provados os artigos 7º, 8º e 9º da Oposição, e acrescentado ao facto considerado provado no nº 8 que a comunicação foi anterior (24/02/22) ao trânsito em julgado cuja decisão transitou em 28/02/22.
22º Não se pode considerar provada a justa causa da destituição, nem por negligência e muto menos por não confiança na gerência.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, deve ser revogada a decisão de destituição da gerência. Assim se fazendo Justiça”

A este segundo recurso, o requerente apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, pelas quais pugnou pela não fixação de efeito suspensivo ao recurso intentado pelos requeridos (defendendo que tal pretensão deverá ser indeferida por não ter sido deduzido incidente de prestação de caução), pela improcedência do recurso dos requeridos e pela condenação destes últimos como litigantes de má-fé, em multa e indemnização (cujo montante não concretizou).

Notificados para se pronunciarem[5], os requeridos vieram solicitar que fosse “fixado o valor da caução, emitidas guias e fixar-se o efeito suspensivo”.

Ambos os recursos foram admitidos pelo tribunal a quo como sendo de apelação, com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (indeferindo-se expressamente a atribuição de efeito suspensivo, como pretendido pelos requeridos).
Para tanto consignou-se: “no que concerne ao peticionado efeito suspensivo do recurso, nos termos do n.º 4 do artigo 647.º do Código de Processo Civil, afigura-se-nos que não assiste o direito à requerente. // Sem embargo de no decretamento de providências cautelares o tribunal ponderar, em geral, o carácter fundado do receio invocado, da gravidade e difícil reparabilidade da potencial lesão do direito, do perigo na demora e o prejuízo que possa ser provocado com a execução da providência, no caso concreto, a prestação de caução seria inócua uma vez que na génese do litígio radicam interesses económicos e de prestação de informação em disputa entre os sócios. // Com efeito, o efeito útil do decretamento da providência esboroar-se-ia por ora, sendo que a prestação de caução da própria sociedade requerida não salvaguarda os interesses que se visam alcançar com o efeito suspensivo. // Termos em que, julgo improcedente a admissão do efeito suspensivo do recurso mediante prestação de caução. // Em face do exposto, por ser tempestivo e interposto de decisão recorrível por quem tem legitimidade para o efeito, admito o presente recurso, o qual é de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo - arts. 370º, 631º nº 1, 638º nº 1 (in fine), 644º nº1 al. a) e 645º, nº 1, al. a) todos do Código de Processo Civil. (…)”

Já nesta Relação, por despacho da relatora proferido em 13/11/2024, foi determinada a devolução dos autos à 1.ª instância, a título devolutivo, por forma a que o Mmo. Juiz a quo se pronunciasse quanto às invocadas nulidades da sentença recorrida[6].

Pelo referido magistrado foi então proferido o seguinte despacho: “Decisão em conformidade com o disposto no nº 1 do art.º 617º do CPC: // Compulsada a sentença recorrida, e ao contrário do defendido pelo recorrente DJ, não se vislumbram cometidas, na decisão em causa, as nulidades invocadas. // Porém, em superior critério do Venerando Tribunal Superior, se decidirá conforme for de Justiça.”

Remetidos os autos a esta instância, por despacho da relatora proferido em 04/02/2025, foi determinado que se cumprisse o contraditório no sentido de as partes se pronunciarem quanto à utilidade dos recursos, em face da alegação de terem os requeridos renunciado à gerência e terem já sido nomeados quatro novos gerentes.
Apenas o requerente se pronunciou, informando ter impugnado judicialmente a deliberação social no âmbito da qual tal nomeação ocorreu, deliberação essa que, inclusive, foi já suspensa em sede cautelar. Concluiu no sentido de dever ser proferida decisão quanto às suas pretensões recursórias.
Também por determinação desta instância, foi junta aos autos certidão permanente actualizada da sociedade requerida (Ref.ª/Citius 22680324).

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões no mesmo formuladas, salvo no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e quando estejam em causa questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado - artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC. Não está, porém, este tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelos recorrentes, desde que prejudicados pela solução dada ao litígio.
No caso, as questões a conhecer e decidir são:
1. Com relação ao recurso intentado pelo requerente:
a) Nulidade da sentença decorrente da oposição entre os fundamentos e a decisão (quanto à improcedência do pedido de nomeação do requerente como gerente) – artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC,
b) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia (falta de apreciação do pedido de suspensão imediata dos gerentes) – artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, e
c) Aferir se o requerente deveria ter sido nomeado gerente da sociedade requerida.
2. Com relação ao recurso intentado pelos requeridos:
a) Impugnação/reapreciação da matéria de facto,
b) Verificação dos pressupostos para a destituição dos requeridos como gerentes.
3. Da alegada actuação com litigância de má-fé por parte dos requeridos.

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III – FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. O A. é titular é titular de uma quota no valor de € 29.927,87 e de uma outra no valor de €119.711,50 que se encontra registada a seu favor bem como a favor de outros herdeiros, em comum e sem determinação de parte ou direito, na sociedade comercial por quotas Construções EC, Lda., NIF …, com sede na Travessa …, Lisboa, com o capital social de € 299.278,72.
2. A gerência da referida sociedade cabe aos sócios MC, RA e PG.
3. Desde há já alguns anos que A. e os gerentes RR., que são irmãos entre si, se têm vindo a desentender nas questões da vida societária.
4. Por meio de carta registada dirigida à sociedade, datada de 20.02.2020, o A solicitou a consulta do livro de atas na sede social, o que lhe foi recusado, por carta datada de 27.02.2020, referindo que nunca foi prestada qualquer informação falsa, incompleta ou não elucidativa
5. O A. lançou posteriormente mão de uma notificação judicial avulsa, com vista a notificar os RR. para procedam à entrega imediata ao A. da documentação contabilística, nomeadamente : a)- Cópias dos balanços da atividade da sociedade Construções EC Lda. respeitantes aos exercícios de 2008 a 2019 inclusive; b)- Todos os extratos refletindo os movimentos bancários da sociedade relativos aos anos de 2008 a 2019; c)- Cópias de todas as declarações obrigatórias respeitantes à atividade sociedade, de que tenha feito entrega nos Serviços de Finanças e na Segurança Social, respeitantes aos exercícios fiscais supra referidos em b), d) livro de atas da sociedade ou cópia certificada do mesmo e) folhas de caixa relativos aos exercícios fiscais supra referidos em b) que correu termos sob o n.º 6563/20.7T8LSB do J 12 do Juízo Local Cível de Lisboa.
6. O Agente de Execução nomeado naqueles autos não logrou notificar os RR., o que tentou variadas vezes fazer entre Julho e Setembro de 2020, como se vê da certidão negativa que lavrou e que se junta e dá por reproduzida para os legais efeitos
7. Posteriormente o A. intentou Inquérito Judicial à sociedade R, que correu termos no Juiz 6 deste Juízo de Comércio de Lisboa, sob o n.º 18617/20.5T8LSB, e que decidiu: // “Nestes termos e com estes fundamentos, julgo a presente ação procedente, e consequentemente determino que a Requerida entregue ao Requerente: // a)- Cópias dos balanços da atividade da sociedade Construções EC, Lda., respeitantes aos exercícios de 2008 a 2019 inclusive; // b)- Todos os extratos refletindo os movimentos bancários da sociedade relativos aos anos de 2008 a 2019; // c)- Cópias de todas as declarações obrigatórias respeitantes à atividade sociedade, de que tenha feito entrega nos Serviços de Finanças e na Segurança Social, respeitantes aos exercícios fiscais supra referidos em b); // d) livro de actas da sociedade ou cópia certificada do mesmo; // e) folhas de caixa relativos aos exercícios fiscais supra referidos em b)”
8. Transitada em julgado a decisão supra em 28.02.2022, o A. enviou carta registada c/AR e e-mail aos RR. informando de que no dia 10 de Março de 2022, às 9h30m, se deslocaria à sede da Ré para que ali lhe fossem fornecidos os elementos ordenados pela sentença.
9. Não tendo obtido qualquer resposta, deslocou-se à sede da 1.ª Ré no dia e horas indicadas, onde ninguém lhe abriu a porta.
10. Os RR. tiveram conhecimento prévio da data indicada pelo A. para obter a entrega e consulta dos elementos ordenados pela sentença, na sede da 1.ª R., tendo decidido não comparecer após contacto com o departamento jurídico da sociedade.
E considerou como factos não provados:
- O A./Requerente intenta este procedimento encapotando o seu verdadeiro objetivo que é ascender ao cargo de gerente como forma de vandalizar todo e qualquer informação, conforme sempre fez e por isso desde 2009 foi destituído da gerência.
- O A./Requerente tem utilizado indevidamente documentos, facultado a terceiros informações da sociedade R. e com esse comportamento, afetando o normal funcionamento da Empresa, que é o que tem vindo a acontecer.

Em face da documentação junta aos autos (certidão permanente da sociedade – Ref.ª/Citius 22680324 – e certidões juntas com o requerimento de 02/05/2025 - Ref.ª/Citius 735953[7]), e nos termos previstos pelos artigos 611.º[8] e 662.º, n.º 1, ambos do CPC, acrescentam-se os seguintes factos:
11. Em 30/11/2023 foi realizada uma assembleia geral da sociedade requerida, com a seguinte ordem de trabalhos: “Ponto único: Eleição dos órgãos sociais para o quadriénio de dois mil e vinte e três a dois mil e vinte e seis”.
12. Consta da acta referente a tal assembleia (acta n.º 42): “(…) estando presentes ou representados os sócios, correspondendo a 90% do capital social (…) // (…) foi solicitado, pelos Sócios MC, RA e PG, que a assembleia deliberasse, primeiramente, sobre a sua intenção de renunciar ao cargo de gerentes que vêm exercendo na sociedade, pelo que apresentam as respetivas cartas de renúncia com efeitos imediatos, as quais foram recebidas nesta data, tendo, após deliberação, as mesmas sido aceites por unanimidade dos presentes. // Prosseguindo a assembleia com a eleição dos órgãos sociais, foi deliberado por unanimidade nomear como gerentes para o quadriénio de dois mil e vinte e três a dois mil e vinte e seis, PP (…) e IB (…)”.
13. A esta acta foi elaborada uma adenda com o seguinte teor: “Em tempo na discussão do ponto único da ordem de trabalhos, foi deliberado por unanimidade nomear ainda como gerentes LS (…) e AD (…), para o quadriénio de dois mil e vinte e três a dois mil e vinte e seis, (…)”.
14. Em 07/12/2023, o requerente instaurou acção de anulação de deliberações sociais contra os aqui requeridos - na qual peticionou: “deverão ser declaradas nulas por falta de convocação as deliberações tomadas na assembleia geral de 30 de novembro de 2023. Se assim não se entender, no que não se concede, deverão sempre tais deliberações ser anuladas por vício procedimental.” -, não constando dos autos que tenha já sido proferida sentença.,
15. Em 19/12/2023, o requerente intentou procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais contra a sociedade requerida, PP, IB, LS e AD, peticionando que fosse “declarada a suspensão da deliberação tomada na Assembleia Geral da sociedade Ré em 30 de novembro de 2023, suspendendo-se em consequência a nomeação dos restantes Réus dos cargos de gerentes”.
16. Por decisão proferida 24/05/2024, já transitada em julgado, foi o referido procedimento cautelar julgado procedente, determinando-se “a suspensão da execução das deliberações aprovadas na assembleia geral da Requerida de 30.11.2023.”
17. Da certidão permanente referente à sociedade requerida, para além do mais, constam como gerentes da sociedade para o quadriénio 2023-2026, os referidos PP, IB, AD e LS, bem como as seguintes menções:
a) “Factos pendentes de elaboração (susceptíveis de alterar o conteúdo do certificado) // facto 1 // AP. 170/20241126 – Designação de membro(s) de órgão(s) social(ais) (online) (Conservatória do Registo Comercial de Lisboa)”;
b) “Insc. 8 AP.29/20231205 18:07:02 UTC - Designação de membro(s) de órgão(s) social(ais) e secretário (online) (…) Prazo de duração do(s) mandato(s): Quadriénio 2023-2026 // Data da deliberação: 30 de novembro de 2023 (…) An. 1 – 20231218 (…)”;
c) “Insc. 9 AP.2/20231219 12:12:30 UTC – Provisório por natureza – Acção Judicial (…)” – referente ao Proc. n.º 29826/23.5T8LSB;
d) “Insc. 10 AP.7/20231229 11:40:42 UTC – Provisório por natureza – Procedimento Cautelar (…)” – referente ao Proc. n.º 29826/23.5T8LSB;
e) “Av.1 AP.1/20240723 11:49:39 UTC – Decisão Final (…)” – referente ao referido procedimento cautelar.

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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Não obstante a primeira questão a conhecer seja a atinente à invocada nulidade da sentença recorrida, impõe-se tecer umas breves considerações quanto à tramitação que rege o processo aqui em causa. 
Estatui o artigo 1055.º do CPC, para além do mais, que o interessado que pretenda a destituição judicial de titulares de órgãos sociais, indica no requerimento os factos que justificam o pedido (n.º 1) e, tendo sido requerida a suspensão do cargo, o juiz decide imediatamente o pedido de suspensão, após realização das diligências necessárias (n.º 2). Mais prevê no seu n.º 3 que o requerido é citado para contestar, devendo o juiz ouvir, sempre que possível, os restantes sócios ou os administradores da sociedade.
Tratando-se de um processo de jurisdição voluntária, e em face das regras pelos quais é regulado[9], não se mostra o mesmo vinculado a critérios de legalidade estrita (artigo 987.º do CPC), antes prevalecendo neste âmbito critérios da conveniência e da oportunidade (em face do concreto litígio a dirimir, importa indagar da solução que melhor responda aos interesses em causa).
Vigora, inclusive, o princípio do inquisitório, tendo o tribunal o poder-dever de investigar livremente os factos, coligir provas, ordenar inquéritos e recolher as informações convenientes (artigo 986.º, n.º 2 do CPC) – a factualidade a considerar para a resolução terá subjacente, não apenas a que for carreada pelos interessados, mas igualmente aquela que o juiz apurar no âmbito do exercício das suas funções[10].
Nos termos do citado artigo, o processo especial de suspensão e destituição de titulares de órgãos sociais (gerente) comporta, pois, dois procedimentos que, não obstante serem autónomos e independentes entre si, podem ser cumulados, a saber: a) um procedimento de natureza cautelar (decretado a título provisório e antecipatório, pelo que deverá ser decidido de imediato) com vista à decisão do pedido suspensão; e b) um procedimento (acção principal) com vista ao pedido de destituição.
Tem, no entanto, a particularidade de ambos os procedimentos serem tramitados e decididos no âmbito do processo principal.
Caso seja decidido o pedido de suspensão sem audição prévia, deverá o requerido ser citado para, querendo, deduzir oposição à mesma e para contestar o pedido de destituição. No caso, porém, assim não sucedeu, tendo a 1.ª instância decidido proceder ao julgamento conjunto de ambas as pretensões (cautelar e principal), o que não mereceu oposição das partes.
Para que as referidas pretensões possam proceder, necessário é que sejam invocados e provados factos susceptíveis de constituir justa causa de suspensão e/ou destituição, sendo certo que existirá identidade quanto à factualidade justificadora de tais pedidos, os quais assentarão na mesma motivação jurídica[11].

Cumpre, agora, conhecer das questões que constituem o objecto de ambos os recursos.

RECURSO DO REQUERENTE:

Das invocadas nulidades da sentença
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, do CPC que a sentença é nula quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e e) condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Como decorre desta norma, as causas de nulidade aqui previstas reportam-se à violação de regras de estrutura, conteúdo e limites do poder-dever de pronúncia do julgador, consubstanciando os mesmos vícios formais da sentença ou vícios referentes à extensão/limites do poder jurisdicional (não contendendo, pois, com o mérito da decisão)[12].
No caso, o recorrente invocou a nulidade da sentença com fundamento nas als. c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
O Mmo. Juiz a quo refutou que a sentença padecesse de tal vício.

Da nulidade decorrente da al. c) – a qual se reporta às situações nas quais “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível
A 1.ª instância julgou improcedente o pedido de nomeação do recorrente como gerente, invocando para tanto o disposto no artigo 253.º, n.º 1, do CSC.
O recorrente contrapõe que o que decorre da citada norma é que o mesmo passaria a assumir (juntamente com os restantes sócios) poderes de gerência, mas que “não passa automaticamente a gerente”, pelo que, defende, “é forçoso que sejam designado(s)/nomeado(s) novo(s) gerente(s)”.
E, conclui, “considerando a fundamentação de direito de que se serviu, errou na decisão”.
Vejamos se lhe assiste razão.
A invocada nulidade verifica-se quando existe contradição entre os fundamentos e a decisão, ou seja, quando a fundamentação aponta num sentido que contraria o resultado final (violação do chamado silogismo judiciário, segundo o qual as premissas devem condizer com a conclusão).
Como defende Amâncio Ferreira[13], “a lei refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.”
Também segundo Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[14], entre “os fundamentos e a decisão não pode haver uma contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.”
Ao nível da jurisprudência tem-se entendido que esta nulidade está conexionada com dois aspectos: com a obrigação de o juiz fundamentar os despachos e as sentenças que profere (cfr. artigos 154.º e 607.º, nºs. 3 e 4 do CPC) e com facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico (a que já aludimos supra), em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor).
Porém, já não ocorrerá nulidade se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável, ou se errou na indagação de tal norma ou na sua interpretação.
Como se escreveu no acórdão desta Relação de 09/05/2024[15], referindo ao error in judicando, trata-se de “um vício de julgamento do thema decidendum (seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito – dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do ato decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos atos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão – isto é, o ato processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada.”
Ora, em face das conclusões formuladas, é precisamente esta última situação que o recorrente entende que terá ocorrido (não permitir o artigo 253.º do CSC extrair a conclusão a que o julgador chegou para julgar improcedente a sua pretensão de dever ser nomeado gerente).
Consequentemente, não se vislumbra o cometimento da invocada nulidade no caso da sentença recorrida, a qual não padece de qualquer contradição, nem tão pouco poderá ser apelidada de ambígua e ininteligível[16] - bem ou mal, o Mmo. Juiz a quo justificou a razão pela qual, no seu entender, não deveria nomear o requerente como gerente e o mesmo bem compreendeu as razões defendidas na sentença impugnada.
Simplesmente, o recorrente discorda da fundamentação adiantada, discordância essa que, quanto muito, consubstancia imputação de erro de julgamento, mas, insiste-se, já não contende ou interfere com um qualquer vício formal de estrutura na fundamentação da sentença. [17] Se o entendimento da 1.ª instância foi ou não o mais acertado será já outra questão, mas que não se confunde com o vício apontado, sendo que não se inclui na previsão do artigo 615.º do CPC o chamado erro de julgamento.
Conclui-se, pois, no sentido de não padecer a sentença recorrida da invocada nulidade, improcedendo, assim, nesta parte, a pretensão recursória.

Da nulidade decorrente da al. d) – quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Alega o recorrente que, não obstante a 1.ª instância tenha julgado procedente o pedido de destituição dos gerentes, não emitiu qualquer pronúncia quanto ao pedido de “suspensão imediata do cargo” por parte dos mesmos, sendo que o decidido quanto àquele pedido “não torna supervenientemente inútil” o conhecimento do segundo.
A referida al. d) reporta-se às situações nas quais o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, isto é, casos nos quais ocorre uma omissão ou um excesso de pronúncia.
Trata-se de uma nulidade que se mostra interligada com a previsão do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Como escreveu João Castro Mendes[18], o vício que o apelante imputa à sentença, de omissão de pronúncia, corresponde a vício de limite, por não conter o que devia conter por referência à instância e ao caso delineado na acção.
Cfr., ainda, o acórdão do STJ de 03/10/2017[19], no qual se consignou: "(…) II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. (…)”.
Reportemos ao caso.
Aquando da instauração da acção, o requerente peticionou, não apenas a destituição dos três gerentes, aqui requeridos, mas igualmente que fossem os mesmos suspensos de tal cargo.
Como já anteriormente se fez expressa menção, não nos poderemos alhear que, não obstante estarmos em face de um só processo, o mesmo abarca dois procedimentos distintos e autónomos entre si. O pedido de suspensão configura, pois, um incidente de natureza cautelar que visa antecipar o resultado útil da decisão final de destituição do gerente (acção principal), nessa medida em tudo se assemelhando ao procedimento cautelar comum (pese embora enxertado no próprio processo de destituição)[20]. Pretende, na prática, obstar à produção dos danos que poderão decorrer da eventual morosidade na tomada decisão quanto ao pedido principal.
Ambos os pedidos foram julgados e decididos conjuntamente.
Sucede que, embora, na sentença proferida, se aluda expressamente a ambas as pretensões, não resulta do seu dispositivo final qualquer decisão atinente à requerida suspensão.
Não obstante, pronunciando-se acerca de quem deveria assumir a gerência, na decisão recorrida consignou-se ainda: “No que respeita aos sócios destituídos, os mesmos encontram-se impedidos de exercer esse cargo e poderes, face à sua destituição.
Em face deste segmento da sentença, e da leitura do que decorre da mesma, impõe-se concluir que o Mmo. Juiz a quo considerou que o pedido de suspensão estaria prejudicado em face da procedência do pedido de destituição (é a interpretação que se impõe levar a cabo).
Ora, como sumariado no acórdão da Relação do Porto de 19/12/2023[21], que aqui se subscreve, “(…) II - A não apreciação do procedimento de suspensão das funções de titulares de órgãos sociais até à sentença final dos autos prejudica a apreciação do mesmo, esvaziando-o de conteúdo, na medida em que tomou certo que não existia qualquer ameaça iminente a tutelar antes da decisão final. Ou seja, eliminou o “periculum in mora” e, desta forma, tornou inútil a apreciação de tal incidente. (…)”.
Na presente situação, em face do teor do despacho proferido em 07/07/2022, o qual não mereceu qualquer oposição por parte das partes (incluindo o requerente), carece de fundamento vir agora o mesmo pugnar pela existência de nulidade nos moldes já referidos. Citando, uma vez mais, o referido acórdão, “Tendo-se a Recorrente conformado com esta decisão, aceitando o não conhecimento do procedimento de suspensão no momento processualmente próprio, não pode vir agora, em sede de recurso da decisão final, invocar a nulidade da sentença com esse fundamento, por preclusão.”
A isto acresce que o recurso interposto pelos referidos gerentes destituídos nem sequer foi admitido como tendo efeito suspensivo.
Conclui-se, assim, no sentido de não padecer a sentença recorrida do vício que lhe é imputado, improcedendo, uma vez mais, a pretensão do recorrente.

Do erro de julgamento - não nomeação do requerente como gerente
Juntamente com o pedido de destituição de gerência dos requeridos, o requerente peticionou a sua nomeação incidental para o cargo.
O tribunal a quo julgou improcedente esta segunda pretensão, com fundamento no constante do artigo 253.º, n.º 1 do CSC, segundo o qual, “Se faltarem definitivamente todos os gerentes, todos os sócios assumem por força da lei os poderes de gerência, até que sejam designados os gerentes”.
Para tanto defendeu-se que, em face da destituição do cargo dos demais, “assume de imediato funções de gerência, o(s) outro(s) sócio(s) da sociedade, relativamente ao qual não existem motivos que obstem ao desempenho do cargo, por força do disposto no mencionado normativo legal. // Assumindo assim os mesmos, por força da lei, o referido cargo, até à nomeação de novo ou novos gerentes, não cabendo, portanto, ao tribunal nomear ou designar aquele como gerente. // No que respeita aos sócios destituídos, os mesmos encontram-se impedidos de exercer esse cargo e poderes, face à sua destituição.”
Antes de mais, importa relembrar que estamos no âmbito de um processo especial de suspensão e destituição de titulares de órgãos sociais, e já não de uma acção de nomeação judicial de titulares de órgãos sociais, à qual alude o artigo 1053.º do CPC, cujo n.º 1 dispõe: “Nos casos em que a lei prevê a nomeação judicial de titulares de órgãos sociais, ou de representantes comuns dos contitulares de participação social, deve o requerente justificar o pedido de nomeação e indicar a pessoa que reputa idónea para o exercício do cargo. (…)”[22].
Isto posto, dir-se-á que, por um lado, se é verdade que, como defende o recorrente, o constante do n.º 1 do artigo 253.º do CSC não acarreta que a destituição dos gerentes viabilize que o mesmo passe automaticamente a gerente (apenas lhe concedendo poderes de gerência), também não se poderá olvidar que nunca será este o meio para que se proceda à nomeação de quem deverá assumir tal cargo.
Daí que, como escreve Ricardo Costa[23], “os poderes assumidos pelos sócios são todos aqueles, sem restrições, que pertencem aos gerentes que os sócios vieram substituir, tal como se os sócios tivessem exatamente a mesma posição que os anteriores gerentes. Entre eles estão o poder de desencadear os expedientes de substituição estatutariamente prevista (suplentes e/ou cooptação).”
Aliás, o n.º 3 da mesma norma prescreve que “Faltando definitivamente um gerente cuja intervenção seja necessária por força do contrato para a representação da sociedade, considera-se caduca a cláusula do contrato, caso a exigência tenha sido nominal; no caso contrário, não tendo a vaga sido preenchida no prazo de 30 dias, pode qualquer sócio ou gerente requerer ao tribunal a nomeação de um gerente até a situação ser regularizada, nos termos do contrato ou da lei.”
Reportando ao caso, no qual o recorrente peticionou, desde logo, a sua nomeação como gerente, nunca a pretensão do mesmo poderia proceder, porquanto, uma vez declarada a destituição dos gerentes, sempre os sócios terão 30 dias para proceder à nomeação de quem deverá exercer tal cargo e, apenas decorrido tal prazo, se poderá requer que a nomeação seja feita judicialmente.[24]
Bem andou, assim, a 1.ª instância em não nomear o mesmo como gerente da sociedade requerida.

Em face do acabado de expor, julga-se o recurso intentado pelo requerente totalmente improcedente.
 
RECURSO DOS REQUERIDOS

Da reapreciação/alteração da matéria de facto
Nas contra-alegações que apresentou ao recurso intentado pelos requeridos, veio o requerente pugnar pela rejeição do mesmo quanto a esta parte, argumentando não ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do CPC.[25]
Sustentando-se no defendido no acórdão do STJ de 05/09/2018 (Proc. n.º 15787/15.8T8PRT.P1.S2), alega que os requeridos se limitam a fazer uma “impugnação de blocos de factos, indicando que o depoimento das suas testemunhas infirma os factos dados como provados que pretendem impugnar e confirmam os factos dados como não provados, sem indicar em concreto as passagens dos depoimentos que impunham na sua opinião tal modificabilidade e sem o fazer em relação a cada um dos factos”. Defende, ainda, que, em sede de conclusões, não são especificados “os pontos concretos que considera incorretamente julgados, aludindo apenas a uns artºs. 7º, 8º e 9º da oposição (???), não refere os concretos meios de prova e passagens da gravação referentes aos depoimentos que impõem um entendimento diferente”, “a apelante nada concretiza nas conclusões apresentadas, nem ali enuncia os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, muito menos propondo quanto aos mesmos uma decisão alternativa”.
Porém, em face do constante das alegações e das conclusões, e do decidido no AUJ n.º 12/2023, de 17/10/2023[26] - “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações” -, é nosso entendimento considerar que os requeridos cumpriram minimamente as exigências previstas pelo artigo 640.º do CPC, nessa medida inexistindo impedimento a que seja apreciada a impugnação da matéria de facto.
Refira-se, contudo, que vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da livre apreciação da prova (artigo 607.º, n.º 5 do CPC[27]), pelo que o tribunal sustentará a sua decisão (relativamente às provas produzidas), na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (força probatória plena dos documentos autênticos – artigo 371.º do CCivil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o citado princípio.
Insurgem-se os requeridos quanto à redacção conferida ao facto provado n.º 8 (que entendem dever ser alterada, com fundamento no facto de a data de expedição da carta ser anterior a 28/02/2022), bem como quanto aos dois factos considerados não provados (defendendo que deverão integrar a factualidade provada). Mais defendem que igualmente deverá ser dado por provado o alegado nos arts. 7º, 8º e 9º da contestação.
O requerente pugnou pela total improcedência da impugnação.
O objectivo visado com a impugnação de facto é unicamente permitir que, em face da alteração da mesma, a decisão proferida quanto ao mérito possa igualmente ser influenciada, ou seja, que, uma vez procedente a impugnação, o desfecho da lide seja distinto daquele que foi decretado (e que se mostra prejudicial ao recorrente).
Já assim não deverá ocorrer quando os factos impugnados se assumam como irrelevantes para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis de direito.
Consequentemente, se da putativa alteração não resultar qualquer efeito juridicamente útil ou relevante (ou seja, mesmo que se modifique a factualidade, a mesma permaneça juridicamente inócua ou insuficiente para alterar o decidido), não deverá a Relação alterar a matéria de facto, sob pena de praticar um acto inútil, o que se mostra vedado pelo artigo 130.º do CPC[28].
Como se pode ler no acórdão da Relação de Guimarães de 19/12/2023[29] , “Veio, porém, a jurisprudência precisar ainda que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma. // Com efeito, a «impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B [do anterior CPC], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo). Logo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto «quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente», convertendo-a numa «pura actividade gratuita ou diletante» (conforme Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo n.º 1024/12.0T2AVR.C1). // Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente. // Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo)”.
Entendemos ser esse o caso.
Com efeito, o que aqui se discute é se ocorreu justa causa de destituição dos gerentes requeridos, com fundamento na violação dos deveres de lealdade e de cuidado a que os mesmos estavam obrigados, dessa forma tendo sido quebrado o elo de confiança que se impõe que exista para com a sociedade.
Mais concretamente, importa aferir se tal violação ocorreu com fundamento na recusa dos pedidos de informação, consulta ou inspecção, tanto mais que, no âmbito da anterior acção especial de inquérito judicial, tinham os mesmos sido condena-los a fazê-lo.
Ora, analisando os factos impugnados e o pretendido pelos requeridos, há que referir que, mesmo a conceder-se provimento à impugnação, nem assim ficaria a fundamentação de facto apta a alterar a decisão de mérito.
Sem prejuízo, e mesmo que assim se não entendesse, o certo é que não poderia a impugnação proceder. 
No que concerne ao facto provado n.º 8, importa referir que o mesmo não pode ser dissociado do facto n.º 10 (e este não foi impugnado).
Não se poderá, no entanto, deixar de mencionar que foram consultados os autos de inquérito judicial, cuja sentença transitou em julgado em 28/02/2022. Da mesma foi intentada execução (para entrega de documentos) em 15/03/2022 e só então, com relação a esta, foram deduzidos os embargos de executado (em 16/05/2022), os quais foram julgados improcedentes por sentença de  09/12/2022, da qual foi interposto recurso que, por  acórdão desta Secção proferido em 16/05/2023[30], veio a ser confirmada (com excepção do segmento que condenou os requeridos como litigantes de má-fé).
Quanto ao alegado nos arts. 7.º, 8.º e 9.º da Contestação[31], os mesmos mostram-se desprovidos de relevância – no primeiro caso, para além de se tratar de uma alegação conclusiva, não se poderá ignorar o que foi decidido no âmbito do inquérito judicial (cfr. facto provado n.º 7); no segundo caso, porque a eventual convocação/comparência do requerente nas assembleias gerais não permite concluir nos moldes defendidos pelos requeridos (de dispor o mesmo de toda a informação referente à vida societária); no terceiro caso, por se tratarem de afirmações não concretamente demonstradas, sendo que, no que respeita à alegada divulgação de informação, nem a prova documental, nem a prova testemunhal o permitem afirmar.
Os actos que os requeridos imputam ao requerente nunca permitiram alterar a conclusão a que chegou a 1.ª instância, desde logo por não ser a conduta daquele (que os recorrentes qualificam de desleal, agressivo e destabilizador) que está a ser sindicada (tal conduta não integra o objecto do processo). Quaisquer condutas praticadas pelo mesmo e que os recorrentes reputem de ilícitas ou ilegais, sempre terão de ser objecto de reacção em processo próprio (pelos meios legalmente previstos para o efeito).
Por fim, no que concerne aos pontos constantes da factualidade não provada, há que frisar que os mesmos mais não configuram do que meros juízos conclusivos (para além de nada constar dos autos que demonstre o alegado uso indevido de documentos ou que seja facultada informações a terceiros e, menos ainda, que tenha resultado algum prejuízo para o funcionamento da empresa).
Termos em que sempre improcederia a impugnação à matéria de facto, não sendo de alterar a mesma.

Da verificação dos pressupostos para a destituição dos requeridos como gerentes
Prescreve o artigo 257.º, n.º 1 do CSC que os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes.
Já segundo o seu n.º 4, “[e]xistindo justa causa, qualquer sócio pode requerer a suspensão e destituição do gerente, em ação intentada contra a sociedade”, acrescentado no n.º 6 que integra o conceito de justa causa de destituição, “designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções”.[32]
Para tanto, não basta que tenha ocorrido uma mera violação de deveres de conduta impostos ao gerente ou qualquer impedimento do mesmo para o exercício do cargo (como, por exemplo, originado por doença) – justa causa de cariz subjectivo ou justa causa de cariz objectivo, respectivamente -, antes se impondo que tal violação/impedimento assuma uma gravidade tal que comprometa a confiança dos sócios no gerente (levando a que não possa ser exigível à sociedade/demais sócios a permanência daquele nesse cargo). [33]
Defende Coutinho de Abreu[34] que justa causa será “a situação que, atendendo aos interesses da sociedade e do gerente, torna inexigível àquela manter a relação orgânica com este, designadamente porque o gerente violou gravemente os seus deveres, ou revelou incapacidade ou ficou incapacitado para o exercício normal das suas funções.”. Segundo o mesmo Professor, os deveres cuja violação grave (com dolo ou negligência forte) constituirá a referida justa causa, podem ser legais específicos (os que resultem imediata e especificamente da lei), legais gerais (deveres de cuidado e deveres de lealdade: art.º 64º, 1), ou estatutários.
Para que se possa concluir pela existência de justa causa de destituição de gerente é necessário que tenha ocorrido um comportamento doloso ou gravemente negligente (elemento subjectivo) e que que se mostre insubsistente a relação de confiança entre a sociedade e o gerente (elemento objectivo), sendo que o exercício das funções de gerência sempre terá que ser regido em respeito pelos princípios da confiança e da boa fé.[35]
Feita esta introdução, resulta da sentença recorrida terem os requeridos sido destituídos da gerência, sendo contra tal entendimento que os mesmos se insurgem.
Sucede que, como os próprios vieram informar em sede de alegações, a tal gerência já renunciaram, tendo inclusive sido deliberada a nomeação de quatro novos gerentes para o quadriénio 2023-2026 (nomeação essa já devidamente registada e publicitada), tudo conforme decidido em assembleia geral da sociedade realizada em 30/11/2023.
Daqui decorre que MC, RA e PG (co-requeridos/recorrentes), independentemente do que pudesse vir a ser decidido na presente instância recursória, nunca se poderiam manter como gerentes.
Alegam, contudo, os mesmos que tal facto “não prejudica o recurso, uma vez que os sócios mantêm a sua intenção de poder, ainda que o não façam, de regressar à gerência”.
Já o requerente veio informar que a deliberação social de 30/11/2023 se mostra judicialmente impugnada e foi já declarada suspensa – argumentando que, tendo a mesma sido tomada após os requeridos terem sido destituídos, a assembleia geral realizada é “inexistente por os mesmos não terem legitimidade face à sentença prolatada para convocarem a Assembleia na qualidade de gerentes e sempre pelo menos anulável por ter sido convocada sem respeitar o prazo previsto no n.º 3 do art.º 248.º do CSC”.
Sucede que, como já se referiu no despacho proferido pela Relatora em 04/02/2025, “no caso, importa apenas conhecer e decidir da suspensão e destituição dos três requeridos enquanto gerentes (…), e já não se os mesmo poderão ou não, no futuro, vir a exercer novamente tal cargo ou sequer aferir da validade da deliberação que esteve subjacente à nomeação dos novos corpos gerentes.”
 Ora, tal desiderato deixou de poder ser apreciado, porquanto os referidos requeridos já não são gerentes (e apenas poderá ser suspenso/destituído desse cargo, quem o exerça).
Não se cuida aqui de apreciar da legalidade da renúncia (à qual alude o artigo 258.º do CSC), apresentada e exarada na acta da assembleia geral, nem apreciar da validade da deliberação de nomeação dos novos órgãos sociais.
Isto posto,
Prescreve o artigo 277.º, al. e), do CPC que a instância se extingue com a “impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
Citando Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[36], “A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio”.
Ora, sendo já outros os gerentes da sociedade requerida, inexiste fundamento para que a pretensão dos recorrentes seja apreciada já que, insiste-se, mesmo a proceder, nunca os mesmos se poderiam manter no exercício do cargo de gerentes (independentemente de a deliberação que esteve subjacente a tal nomeação ter sido impugnada e, inclusive, ter sido declarada a sua suspensão. Aliás, no âmbito desse procedimento cautelar, os aqui requeridos/renunciantes nem sequer foram demandados).
Ocorre, assim, impossibilidade superveniente da lide. [37]
A tal conclusão não obsta a alegação dos requeridos/recorrentes segundo a qual, no futuro, poderão pretender assumir a gerência. Como bem refere o requerente nas suas contra-alegações, “A justiça não se faz de desejos, mas sim de factos e da subsunção dos factos (provados) ao Direito.
Se assim suceder, caso os mesmos venham a ser novamente nomeados gerentes, o que poderá suceder é ser tal deliberação impugnada[38]. Porém, tratar-se-á de matéria que terá então que ser discutida, apreciada e decidida em sede própria, não sendo no âmbito do presente processo que cumpre emitir pronúncia quanto a futuras e hipotéticas situações.
Em suma, o recurso ficou, não apenas esvaziado de utilidade, mas mesmo impossibilitado de alcançar o efeito pretendido, logo, de poder o seu objecto ser conhecido, o que acarreta a extinção desta instância recursória, nos moldes supra expostos.

Sem prejuízo de assim se entender, o certo é que, como resulta dos autos, os requeridos têm efectivamente vindo a recusar ao requerente o acesso a elementos/informações da vida da sociedade (não obstante existir já sentença transitada em julgado a determinar que o fizessem). São os próprios que o admitem quando defendem tratar-se de uma recusa legítima.[39]
E, como realça Ana Perestelo de Oliveira[40], “A restritividade da possibilidade de recusa é superior nas sociedades por quotas por confronto com as sociedades anónimas. Nas sociedades por quotas vigora um princípio geral de liberdade de acesso. Só muito excecionalmente não é facultado ao sócio o conhecimento dos assuntos da sua sociedade. Trata-se de homenagem à sua qualidade de proprietário da empresa e forma de assegurar o controlo sobre a gerência: a sociedade é dos sócios e, por esse simples facto, estes têm o direito de saber tudo o que não haja razões (de índole material ou prática) para não permitir.
A eventual procedência do recurso (não fosse o já decidido) sempre dependeria do sucesso da impugnação da matéria de facto (como os requeridos não deixam de admitir[41]), a qual, contudo, ficou votada ao insucesso.

Da litigância de má-fé dos requeridos
Nesta parte, seguiremos o já defendido no acórdão de 07/02/2023[42].
Prescreve o artigo 542.º, n.º 2 do CPC, que diz-se litigante de má-fé quem ”com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
Se uma parte litiga com má-fé será a mesma condenada em multa, bem como, caso tenha sido peticionado, numa indemnização à parte contrária – n.º 1 do mesmo artigo.
Esta indemnização será fixada nos termos previstos pelo artigo seguinte.[43]
Para evitar o risco de sofrer tal condenação, deverão as partes litigar com a devida correção, ou seja, no respeito pelos princípios da boa-fé e da verdade material e, ainda, na observância dos deveres de probidade e cooperação expressamente previstos nos arts. 7º e 8º do CPC (em última análise, a má-fé traduz uma violação do dever de cooperação e de boa-fé que a lei processual impõe às partes).[44] [45]
Após a reforma do CPC/1961, efectuada pelo Dec.-Lei n.º 329/95 de 12/12, o conceito de má-fé passou, na verdade, a abranger, não apenas o dolo, mas também a negligência grave (lides temerárias e comportamentos processuais gravemente negligentes).[46]
O elemento subjectivo da litigância de má-fé foi, por conseguinte, ampliado pelo legislador, passando a sancionar não apenas o comportamento intencional, mas também aquele que, de modo gravemente negligente, não obedece aos deveres de cuidado impostos pelo dever de correcção processual, acabando por não tomar consciência de factos que, de outro modo, teria conhecimento.
Nessa medida, passou a exigir-se dos litigantes, para que sejam considerados de boa-fé, não apenas que declarem aquilo que subjectivamente consideram verdade, mas aquilo que considerem verdadeiro após cumprirem os mais elementares deveres de prudência e cuidado, impostos pelo princípio da boa-fé processual.
Sobre as partes passa a recair um dever de pré-indagação da realidade em que fundam a sua pretensão ou defesa – não um dever de indagação total, mas sim uma indagação que tome em conta os mais elementares deveres de cuidado, isto é, aqueles que só podem ser desrespeitados por um sujeito que actue de modo gravemente negligente, e que não obedeça a qualquer regra de prudência ou ponderação antes de recorrer ao processo.[47]
Citando Paula Costa e Silva[48], “(…) bastando-se a lei com a exigibilidade de conhecimento – e, com esta referência, fazendo apelo implícito a uma boa fé subjectiva porque dependente de um estado de conhecimento efectivo ou exigível do agente – a prova do facto pode ser feita a partir de índices externos, construídos sobre a parte média. Mesmo que a parte alegue a sua boa fé, entendida esta em sentido subjectivo, litigará de má fé se, não obstante não conhecer a falta de fundamento da pretensão ou da defesa, lhe fosse exigível que a conhecesse.” (sublinhado nosso)
Na prática, a litigância de má-fé traduz uma conduta processual ilícita e pressupõe um juízo de culpa.
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa[49], “Através da litigância de má-fé, a lei sanciona a instrumentalização do direito processual em diversas vertentes, quer ela se apresente como uma forma de conseguir um objetivo considerado ilegítimo pelo direito substantivo, quer ainda como forma de emperrar ainda mais a máquina judiciária, com a colocação de obstáculos ou com a promoção de expedientes meramente dilatórios.”
Veja-se, ainda, o acórdão desta Relação de Lisboa de 21/11/2019[50], segundo o qual “para que a aludida condenação da parte pretensamente prevaricadora se justifique, essencial é que se depare o julgador com comportamentos de uma parte de natureza puramente processual, que não com violações de posições de direito substantivo, ou seja , em causa deverão estar sempre ofensas cometidas no exercício da actividade processual , ou a posições também elas processuais ou ao processo em si mesmo, pois que, está a responsabilidade por litigância de má fé “sempre associada à verificação de um puro ilícito processual “, e tendo o instituto por escopo e fundamentalmente, não acautelar “posições privadas e particulares das partes mas sim o interesse público” .
A má-fé, de que trata o n.º 2 do artigo 542.º do CPC, pode ser substancial (ou material) ou instrumental (ou processual).
A má-fé substancial diz respeito ao fundo da causa (conteúdo da relação jurídica e mérito da causa) e abrange os casos de dedução do pedido ou de oposição cuja falta de fundamento se conhece – al. a) - e a alteração consciente da verdade dos factos ou omissão de factos essenciais – al. b).
Ocorrerá já má-fé instrumental se a actuação se reconduzir a omissão grave do dever de cooperação – al. c) - ou se disser respeito ao uso reprovável do processo ou dos meios processuais para conseguir um fim ilegal, para entorpecer a acção da justiça, impedir a descoberta da verdade ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão – al. d)[51] e, ainda, nos termos do n.º 1 do artigo 670.º do CPC, se a parte “com determinado requerimento, obstar ao cumprimento do julgado ou à baixa do processo ou à sua remessa para o tribunal competente”.
Como escrevem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[52]: “É corrente distinguir má-fé material (ou substancial) e má-fé instrumental. A primeira relaciona-se com o mérito da causa: a parte, não tendo razão, actua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objectivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má-fé substancial, mas ambas as partes podem actuar com má-fé instrumental, podendo, portanto, o vencedor da acção ser condenado como litigante de má-fé.”
Importa, no entanto, referir que, com a enunciação legal dos comportamentos de má-fé, no que concerne aos elementos objectivos, o legislador procurou ser o mais exaustivo possível, dando origem a que qualquer violação do dever de boa-fé se possa subsumir, sem margem para dúvidas, a, pelo menos, mais do que uma das categorias elencadas.[53]
Atente-se que, para efeitos da escolha da forma de ressarcimento mais ajustada ao caso concreto, a lei limita o juiz a ponderar a gravidade da conduta do litigante, sendo indiferente, para o caso, a condição económica das partes (nomeadamente se litigam ou não com apoio judiciário), os efeitos da litigância de má-fé, a natureza ou o valor da acção.
A conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, variando consoante o meio e objecto processuais e a conduta concreta das partes no desenrolar do processo[54], não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do n.º 2 do artigo 542.º do CPC.
De acordo com a interpretação que se vem fazendo do citado preceito, a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça.
Exige-se, assim, que se esteja perante uma situação da qual não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte (razão pela qual o tipo subjectivo da litigância de má-fé apenas se preenche em caso de dolo ou culpa grave).
Feito este enquadramento, reportemo-nos à concreta situação em análise.
É entendimento da jurisprudência que não basta que a parte não veja acolhida a sua pretensão ou versão dos factos para se concluir, só por si, pela falsidade ou desconformidade do alegado com a verdade.
De igual modo sufraga-se o juízo aduzido no sentido de a falta de razão não significar sempre má-fé (a não ser que a parte dela tenha consciência e, apesar disso, formule pretensão ou deduza oposição em juízo), pelo que apenas quando o processo forneça elementos de prova seguros de que a parte actuou com a consciência de não ter razão (nos termos já anteriormente relatados) é que deve ser censurada como litigante de má-fé.
Defende o requerente que o recurso intentado pelos requeridos constitui “mais uma manobra dilatória e de má-fé dos Apelantes, para deste modo continuarem a negar ao Apelado o direito à informação, sonegando-lhe dolosamente a informação a que tem direito.
Porém, ter-se-á de ter presente que o objecto da presente acção não se traduz na imposição aos requeridos de terem que satisfazer o direito à informação que assiste ao requerente, mas antes de aferir se, em face dessa não satisfação, deverão ou não os mesmos serem destituídos do cargo de gerentes.
Ora, considerando as consequências que tal destituição para os mesmos acarreta, sempre lhes será legítimo opor os meios de defesa que estejam ao seu alcance, nos quais se inclui o direito de recorrer da sentença impugnada.
Não entendemos, pois, que o facto de ter sido interposto recurso configure qualquer litigância censurável, sendo que, acrescente-se, nem sequer existem factos que permitam assim concluir (não podendo os requeridos serem condenados a esse título apenas e unicamente com fundamento na existência dos demais litígios judiciais que, têm vindo a opor, e continuam a opor, as partes). A própria litigiosidade existente entre as partes (o que é assumido por ambas e expressamente referida na sentença recorrida), e o facto de estarmos perante uma sociedade de estrutura familiar, contribui para a dificuldade de serem alcançados consensos, sem que daí se possa afirmar a pretendida litigância de má-fé.
Em síntese, na ausência de elementos que permitam concluir que os requeridos litigaram com má fé, a dúvida impõe que não se decida nesse sentido.
Termos em que se concluiu pela inexistência de prova que permita acarretar tal condenação.

*
IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam as Juízas da Secção do Comércio deste Tribunal da Relação em julgar:
1. Improcedente a apelação intentada pelo requerente;
2. Improcedente a impugnação da matéria de facto deduzida pelos requeridos;
3. Extinta por impossibilidade superveniente da lide a apelação deduzida pelos requeridos.
4. Improcedente o pedido de condenação dos requeridos como litigantes de má fé

Custas pelos apelantes, com relação aos respectivos recursos.

Lisboa, 27 de Maio de 2025
Renata Linhares de Castro
Fátima Reis Silva
Isabel Brás Fonseca
_______________________________________________________
[1] Por opção da relatora, o presente acórdão não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem.
[2] Em 26/10/2022 o requerente havia requerido a junção aos autos de uma certidão predial, o que mereceu oposição pelos requeridos em 07/12/2022 e veio a ser alvo de indeferimento previamente à prolação da sentença proferida.
[3] Aliás, em sede de motivação da matéria de facto, pode ler-se: “Foram ainda valoradas as certidões judiciais juntas, relativas aos processos n.º 6563/20.7T8LSB e 18617/20.5T8LSB.“
[4] Já após a prolação da sentença, em 17/11/2023, veio o requerente solicitar: “Para efeitos de registo comercial, requerer a emissão de certidão da sentença com nota de que “face à destituição como gerente dos gerentes nomeados, assume de imediato funções de gerência, o(s) outro(s) sócio(s) da sociedade,”(cfr. sentença prolatada) seja, o Autor, DJ.” Os requeridos, em 20/11/2023, pronunciaram-se quanto a tal pretensão: “1º A sentença não transitou em julgado, não podendo ser registado qualquer destituição ou nomeação; // 2º Salvo melhor opinião o A. não pode assumir o cargo como único gerente, quando transitar em julgado caso o recurso não tenha provimento, até nomeação de gerentes todos os sócios assumirão o cargo. // 3º O A. age com nítida má-fé uma vez que não pode desconhecer o teor da sentença, nem o que legalmente está estatuído. // 4º Recorde-se que o pacto social obriga a empresa com duas assinaturas, como é de relevo um sócio não tem quórum para alterar o pacto social, se fosse o caso, que não é estaria bloqueada a empresa. // Nestes termos requer-se que não seja admitido o requerimento do A. por intempestivo.” O tribunal, por despacho de 27/11/2023, determinou que os autos aguardassem o trânsito em julgado da sentença.
[5] Por despacho de 11/01/2024, ordenou-se: “Notifique os Requeridos do requerimento da Requerente de 10.01.2023, no que tange à prestação de caução para atribuição de efeito suspensivo ao recurso, para sobre ele se pronunciarem.”
[6] Para tanto consignou-se: “Questão prévia: // Das alegações do recurso interposto por DJ resulta que o mesmo invoca a nulidade da sentença recorrida com fundamento nas als. c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. // Contudo, aquando do despacho que admitiu tal recurso (em 09/05/2024), o tribunal a quo não se pronunciou quanto à invocada nulidade, como o impõe o n.º 1 do artigo 617.º do mesmo código - se a nulidade da sentença for suscitada no âmbito do recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la, no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso. // Já nos termos do n.º 5 do mesmo preceito, omitindo o juiz o despacho previsto no n.º 1, pode o relator, se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que seja proferido. // No caso, temos por indispensável tal pronúncia, tanto mais que a recorrer esta Relação à regra da substituição – artigo 665.º, n.º 1, do CPC -, sempre ficaria prejudicado um grau de recurso no que concerne ao pedido cautelar de suspensão de gerentes. // Termos em que, ao abrigo do disposto no n.º 5 do citado artigo 617.º, determina-se a baixa (a título devolutivo) dos presentes autos de recurso à primeira instância para que seja proferido o despacho em falta, devendo o tribunal recorrido pronunciar-se sobre as arguidas nulidades da sentença. // Em face do agora determinado, o recurso intentado pelos requeridos Construções EC, Lda., MC, RA e PG deverá aguardar, porquanto, apesar de autónomos, ambos os recursos foram tramitados e subiram em conjunto. // Notifique e remeta.”
[7] Proc. n.º 29826/23.5T8LSB, que corre termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa (Juiz 2).
[8] Segundo o artigo 611.º, n.º 1 do CPC, a sentença deve tomar em consideração “os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão”.
Veja-se, ainda, ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, Vol. V, Coimbra editora, 1984, pág. 85., em anotação ao anterior artigo 663.º (correspondente ao actual artigo 611.º), o qual escrevia ser no domínio dos factos extintivos que a norma poderia ter aplicação mais frequente, referindo que nos casos em que “ocorre um facto novo que exerce influência decisiva sobre a matéria do litígio (…) não pode deixar de ser tomado em consideração. Apurado o facto, a lide cessa, já não tem razão de ser.
[9] Os processos de jurisdição voluntária, enquanto processos especiais, são regulados pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns, e, subsidiariamente, pelas normas do processo comum – artigo 549.º, n.º 1 do CPC.
[10] No âmbito destes processos, as resoluções alcançadas também não assumem cariz definitivo, podendo ser alteradas em face de circunstâncias supervenientes, embora com salvaguarda dos efeitos já produzidos (artigo 988.º, n.º 1 do CPC).
[11] Cfr. JOÃO LABAREDA, Notícia sobre os processos destinados ao exercício de direitos sociais, Direito e Justiça, 01/01/1999, Universidade Católica Portuguesa, págs. 79/80, acessível online, o qual, ao defender não ser possível requerer a suspensão sem que simultaneamente se peça a destituição, escreveu: “(…) a ponderação dos interesses em jogo aconselha que, ao apreciar a questão da suspensão, o tribunal conheça já suficientemente os fundamentos do pedido de destituição, ainda que não possa considerar-se em condições definitivas para melhor o decidir, visto não ter auscultado as razões do requerido. A verdade é que a factualidade que justifica os dois diferentes pedidos tem de ser substancialmente a mesma e a motivação jurídica que legitima a destituição não pode deixar de ser comum à que determina a suspensão.”
[12] Veja-se, nesta matéria, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17/12/2018 (Proc. n.º 1867/14.0TBBCL-F.G1, relator José Alberto Moreira Dias), disponível in www.dgsi.pt, como os demais que vierem a ser citados, sem referência à respectiva fonte.
[13] Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 8.ª edição, 2008, pág. 54.
[14] Código de Processo Civil Anotado, volume II, 3ª edição, Almedina, pág. 736.
[15]  Proc. n.º 16858/22.0T8SNT-A.L1-2, relator Arlindo Crua.
[16] No que concerne à obscuridade conducente à ininteligibilidade da decisão, já ALBERTO DOS REIS, escrevia que “A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.”, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 151.
[17] Segundo ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, pág. 686, não se inclui na previsão do artigo 615.º o chamado erro de julgamento, designadamente quando se discorda do enquadramento jurídico adoptado (erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou na interpretação desta última) ou quando possa ter ocorrido injustiça na decisão.
[18] Direito Processual Civil, Vol. II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ed. da Associação Académica, 1987, pág. 802.
[19] Proferido no âmbito do Proc. n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1 e relatado por Alexandre Reis, cujo sumário está disponível nos sumários de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça. Secções Cíveis.
[20] Cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 16/06/2015 (Proc. n.º 203/14.0T8FND.C1, relator Fonte Ramos), no qual, aludindo-se às dificuldades que a tramitação conjunta acarreta, se pode ler: “a tramitação paralela e simultânea do dito procedimento cautelar e da acção especial principal (de jurisdição voluntária) poderá trazer dificuldades derivadas da tramitação do incidente/procedimento se poder “confundir” e “englobar” no processo da causa principal (o que não sucederia se tivesse processo próprio e distinto do processo da causa principal, como no caso de ser autuado por apenso), dificuldades também porventura traduzidas/plasmadas em determinados actos processuais praticados no âmbito das citações/notificações, e, subsequentemente, pelas partes, o que, naturalmente, não poderá deixar de ser levado em conta pelo tribunal, tanto mais por estarmos no domínio da jurisdição voluntária.”
[21] Proc. n.º 7351/22.1T8VNG.P1, relatora Lina Baptista, no qual se pode ainda ler: “Da leitura dos art.º 1050.º e 1055.º, n.º 2, ambos do CP Civil resulta, sem margem para quaisquer dúvidas, que o procedimento de suspensão das funções de titulares de órgãos sociais assume uma natureza cautelar, provisória e antecipatória, aplicando-se-lhe, com as devidas adaptações, as regras das providências cautelares comuns. // Tal como refere Anselmo de Castro, “Os procedimentos cautelares nada mais são do que simples medidas destinadas a prevenir os perigos da natural demora do julgamento ou curso de qualquer ação. De facto, os meios de tutela que a lei põe à disposição dos interessados para garantia de efetivação dos seus direitos não são suficientes, por vezes, sem o auxílio dos procedimentos cautelares, para preservar o autor, a quem venha a ser reconhecida razão, das desvantagens da demora da ação declarativa e executiva.” // Os requisitos de que depende a concessão de uma providência cautelar comum são essencialmente dois: a verosimilhança do direito que se invoca e o “periculum in mora”. Quanto ao “periculum in mora” o requerente tem que convencer o tribunal da existência de uma ameaça iminente e grave a um direito substantivo existente na sua esfera jurídica, e cuja espera pela decisão final da ação seja passível de o esvaziar de conteúdo, de forma total ou, ao menos, de forma relevante.
[22] Como referem ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, págs. 498/499, “A nomeação judicial constitui um meio rápido e expedito para a resolução imediata do impasse decorrente de a representação da sociedade não se encontrar assegurada, sendo uma solução provisória, até que os sócios ou acionistas consigam resolver o conflito pelas vias normais: nomeação de um novo gerente por deliberação ou alteração da cláusula societária que exige a vinculação através de uma gerência plural (STJ 18-06-19, 3145/17, que confirmou RC 15-1-19, e RP 1-2-11, 302/10).
[23] Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. IV, Almedina, 2.ª edição, 2017, pág. 95.
[24] Refira-se que a sociedade requerida se obriga pela assinatura de dois gerentes e que a mesma está dividida em seis quotas (como, aliás, o requerente refere nas suas alegações). Sempre a sociedade poderá, assim, prosseguir os seus intentos, não se encontrando a mesma numa situação de non liquet.
[25] Decorre desta norma que o recorrente que impugne a matéria de facto deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da requerida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Mais acrescenta na alínea a) do número seguinte que incumbe ao recorrente o ónus de “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
[26] Proc. n.º 8344/17.6T8STB.E1-A,S1, relatora Ana Resende.
[27] Segundo este preceito, “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
[28] Nesse sentido, entre outros, vejam-se os recentes acórdãos desta Secção de 08/04/2025 (Proc. n.º 2139/17.4T8LSB-B.L1, Renata Linhares de Castro), de 08/04/2025 (Proc. n.º 18588/16.2T8LSB-FX.L1, relatora Elisabete Assunção) e de 25/03/2025 (Proc. n.º 13032/24.4T8LSB.L1, relatora Manuela Espadaneira Lopes).
[29] Proc. n.º 1526/22.0T8VRL.G1, relatora Maria João Matos.
[30] Proc. n.º 18617/20.5T8LSB-A.L1, relatora Paula Cardoso, sendo a aqui relatora 1.ª adjunta.
[31] Tais artigos têm o seguinte teor: “7º Como se pode verificar toda a fundamentação recai sobre factos que não são verdadeiros, utilizando argumentos de não prestação de contas, impedimento de consulta de documentos, algo que sempre teve, // 8º O Requerente é convocado para todas as Assembleias, esteve, está e estará presente, tem conhecimento de tudo da vida societária, (Doc. 5) // 9º Tal assim é que com essa informação divulga a terceiros, tenta impedir o normal funcionamento da sociedade, faz ameaças, e até já chegou a agredir uma gerente, sua irmã RA.”
[32] Estamos, contudo, em face de “noções orientadoras e meramente exemplificativas”, como alerta DIOGO PEREIRA DUARTE, Código das Sociedades Comerciais Anotado (coordenação de António Menezes Cordeiro), Almedina, 4.ª edição, 2021, págs. 906/907.
[33] Como se escreveu no acórdão da Relação de Coimbra de 28/11/2018 (Proc. n.º 4039/17.9T8LRA-A.C1, relator Barateiro Martins), “constitui justa causa de destituição “(…) a situação que, atendendo aos interesses da sociedade e do administrador, torna inexigível àquela manter a relação orgânica com este, designadamente porque o administrador violou gravemente os seus deveres (…)”; isto é, configuram “justa causa” todas as situações que prejudicam a sociedade, afectando o equilíbrio societário e ponham em causa a confiança entre os vários intervenientes, todas as violações graves dos deveres de administrador, que tornem objectivamente insustentável a sua manutenção em funções, designadamente por constituírem uma quebra irreversível do elo de confiança imprescindível para o exercício de tais funções e para o correcto desenvolvimento do escopo social e para a realização do seu objecto. // Podemos dizer, em síntese, que os administradores duma sociedade têm o dever de se absterem de comportamentos susceptíveis de se concretizarem em alguma desvantagem para a sociedade, o dever de se absterem de comportamentos susceptíveis de se concretizarem em alguma vantagem para si próprios ou para terceiros à custa da sociedade e o dever de se absterem de actuar em conflito de interesses (…)”.
Cfr., ainda, os acórdãos do STJ de 30/05/2017 (Proc. 4891/11.1TBSTS.P1.S1, relator Alexandre Reis), no qual se pode ler: “o conceito de justa causa, para este efeito de destituição de gerente, deve ser encarado pelo prisma da protecção da confiança e com a dose de maleabilidade ou plasticidade que a lei concede na sua aplicação, perante as concretas circunstâncias de cada caso: verifica-se a justa causa para a destituição do gerente quando, dos factos provados, se retire a prática por este de actos que impossibilitem a manutenção da relação contratual de gerência, por quebrarem gravemente a relação de confiança que o exercício do inerente cargo supõe, ou que, segundo a boa-fé, tornem inexigível à sociedade o prosseguimento do seu exercício. Existe justa causa para a destituição se não for justo exigir que a sociedade mantenha o contrato vinculante.”, mais acrescentando: “A invocação de justa causa assente em «violação grave dos deveres do gerente», supõe, naturalmente, a ilicitude dos imputados comportamentos e, por outro lado, por se tratar da violação do contrato celebrado entre o gerente e a sociedade, a censurabilidade, a título de culpa, de tais comportamentos ilícitos do gerente, deve presumir-se nos termos do artigo 799 nº 1 do CC.” – e de 30/09/2014 (Proc. n.º 1195/08.0T8LSB.L1, relator Fonseca Ramos) – “Constitui justa causa de destituição de gerente, actuação sua que exprima violação grave dos deveres de gerente, mormente, dos deveres de cuidado, de diligência e de lealdade, que impliquem perda irreparável da confiança dos afectados por essa actuação, seja no contexto interno da sociedade, seja na sua relação com terceiros a justificar a impossibilidade da manutenção do vínculo que o une ao ente societário, por existir conflito de interesses gerador de danos efectivos ou potenciais, que devam ser consideradas razão inequívoca da inexigibilidade da manutenção daquele vínculo jurídico.” 
[34] Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. IV, Almedina, 2.ª edição, 2017, pág. 128.
Cfr. ainda, quanto à noção de justa causa, do mesmo autor, Curso de Direito Comercial, vol. II, Almedina, 7.ª edição, 2021, págs. 591-596.
[35] Cfr., acórdão do STJ de 22/02/2022 (Proc. n.º 1917/18.1T8AMT.P2.S1, relatora Graça Amaral) - “A destituição de funções de gerência pressupõe a demonstração da justa causa traduzida na violação dos deveres cometidos ao gerente, que não se basta com a simples violação de algum deles, exigindo a lei que se trate de uma violação grave que comprometa a confiança, desaconselhando ou impedindo a manutenção do vínculo contratual.”
[36] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 561.
[37] Cfr., ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3.º, Coimbra Editora, 1946, pág. 369, no qual o Professor refere que a impossibilidade da lide pode corresponde às seguintes situações: “1) Lide que se tornou impossível pela extinção do sujeito, 2) Lide que se tornou impossível pela extinção do objecto, 3) Lide que se tornou impossível pela extinção da causa, isto é, pela extinção dum dos interesses em conflito.” (sublinhado nosso).
Vejam-se, ainda, os acórdãos do STJ de 22/06/2021 (Proc. nº 17731/18.1T8PRT.P1.S1, relatora Ana Paula Boularot) - “A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide pode ocorrer quando sobrevém uma circunstância na pendência da lide que impede a manutenção da pretensão formulada, quer por via do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou por encontrar satisfação fora do próprio processo, deixando de ter interesse a solução propugnada, dando lugar à extinção da instância, sem apreciação do mérito da causa” – e da Relação de Guimarães de 10/05/2018 (Proc. n.º 27/15.8T8TMC.G1, relator Alcides Rodrigues) - “A inutilidade superveniente da lide, prevista como causa de extinção da instância na alínea e) do art.º 277.º do CPC, ocorre quando, após a instauração da causa, sobrevêm circunstâncias que inviabilizariam o pedido, não em termos de procedência (pois, a ser assim, estar-se-ia no âmbito do mérito), mas por razões adjetivas de impossibilidade de lograr o objetivo pretendido com a acção, por já ter sido atingido por outro meio ou já não poder sê-lo. A lide fica inútil se ocorreu um facto ou uma situação posterior à sua instauração que implique a impertinência, ou seja, a desnecessidade, de sobre ela recair pronúncia judicial, por ausência de efeito útil.
[38] Como escreve COUTINHO DE ABREU, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. IV, Almedina, 2.ª edição, 2017, pág. 139, “a reeleição já será impugnável se o gerente havia sido destituído há relativamente pouco tempo por causa de violação grave dos deveres respetivos”.
[39] Como se pode ler nas alegações: “deve ser considerada justa e lícita a recusa de documentação que não terá sido facultada.”
[40] Lições e Casos de Direito das Sociedades, AAFDL Editora, 2024, pág. 301.
[41] Como os mesmos alegam: “considerado provado o alegado, relativamente a matéria comercialmente litigiosa, alterando a matéria de facto e não provada, conforme acima exposto, deve ser considerada justa e lícita a recusa de documentação que não terá sido facultada”.
[42] Proc. n.º 11743/22.8T8LSB.L1, da ora relatora.
[43] Rege o artigo 543.º do CPC: “1 - A indemnização pode consistir: “a) No reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos; b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má-fé. 2 - O Juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa. 3 - Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, serão ouvidas as partes e fixar-se-á depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte. 4 – (…)”.
[44] Cfr. acórdão desta Relação de Lisboa de 01/04/2009 (Proc. n.º 10154/2007-6, relator Gilberto Jorge), ainda ao abrigo do anterior CPC: “Com o instituto da litigância da má-fé pretende-se acautelar um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela própria justiça. Pretende-se, pois, assegurar a moralidade e eficácia processual na medida em que com ela se reforça o respeito pelas decisões dos tribunais. Conforme resulta do art.º 456.º n.º 2, do C.P.C., os factos cuja alteração consciente constitui litigância de má-fé, são os factos que as partes alegam nos articulados para fundamentar o pedido e a oposição. E, na actual redacção do art.º 456.º do citado diploma legal, releva não apenas o dolo mas ainda a negligência grave ou grosseira para o efeito da litigância de má-fé. Portanto, o regime instituído após a ultima reforma do direito processual civil traduz uma substancial ampliação do dever de boa-fé processual, alargando-se o tipo de comportamentos que podem integrar má-fé processual, quer substancial quer instrumental, tanto na vertente subjectiva como na objectiva.”
[45] Como resulta do Regime Jurídico da litigância de má-fé - Estudo de avaliação de impacto, publicado em Novembro de 2010 pela Direção Geral da Política de Justiça, pág. 16, disponível para consulta online, este instituto tem como objetivo imediato “dissuadir, de forma eficaz, comportamentos processuais maliciosos ou a prática de actos processuais inúteis ou manifestamente dilatórios e reprimir, também, com eficácia, o exercício reprovável do direito de acção”, e como objetivos mediatos, “aumentar a celeridade processual, contribuindo para a redução das durações médias dos processos; diminuir o número de acções judiciais espúrias propostas, visando a diminuição do número de processo pendentes; e contribuir para a qualidade do sistema da Justiça
[46] Enquanto, anteriormente, a condenação como litigante de má-fé pressupunha sempre uma actuação dolosa, isto é, com consciência de se não ter razão.
[47] Nesse sentido, MARTA ALEXANDRA FRIAS BORGES, in Algumas Reflexões em Matéria de Litigância de Má-Fé, Dissertação de Mestrado, Universidade de Coimbra, 2014, pág. 51, disponível online, onde se pode ainda ler: “(…) poderá ser responsabilizado como litigante de má-fé não só aquele que profere declarações contrárias ao que subjetivamente sabe ser verdade, mas também aquele que apenas se encontra subjetivamente convencido da verdade de um facto inexistente ou inveracidade de um facto verdadeiro, porque desrespeitou o mínimo de diligência que lhe era exigido, recorrendo ao processo de modo totalmente leviano e imprudente. Do mesmo modo, tanto poderá ser considerado de má-fé aquele que oculta um facto essencial do qual tem perfeito conhecimento, como aquele que não podia deixar de o conhecer caso tivesse empregado o mínimo de diligência exigível a quem atua em juízo. Com efeito, se uma certa incerteza é característica do próprio processo, essa incerteza não poderá ser tal que resulte apenas de uma atuação gravemente negligente na recolha do material fáctico da causa”.
[48] In A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, 2008, pág. 393.
[49] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, reimpressão, Almedina, 2020, pág. 617.
[50] Relatado por Jorge Santos no âmbito do Proc. n.º 329/14.0TBFUN-B.L1-6.
[51] Como sucede, por exemplo, com o uso injustificado de reclamações contra despachos ou a sistemática interposição de recursos com vista ao protelamento do caso julgado - cfr., nesse sentido, ABRANTES GERALDES, in Temas Judiciários, Vol. I, 1998, pág. 318, e ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3.ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, 1981, pág. 267.
[52] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, pág. 457.
[53] Cfr., ANTÓNIO JÚLIO CUNHA, in Direito Processual Civil Declarativo, 2.ª edição, Quid Juris, pág. 74.
[54] FRANCISCO MANUEL LUCAS FERREIRA DE ALMEIDA, in Direito Processual Civil, Vol. I, 2.ª edição, Almedina, pág. 131.