I – As portarias de extensão não determinam a aplicação das CTT celebradas entre a ANTRAM e a FECTRANS à Ré entidade patronal filiada noutra associação patronal que não aquela que celebrou as ditas CTT.
II – Não parece razoável aplicar-se uma CCT a empregadores filiados noutra associação patronal, por via de portaria de extensão, sob pena de ser posto em causa o princípio da autonomia privada/coletiva, liberdade de iniciativa económica privada e liberdade de contratação/negociação coletiva, sendo certo que a letra do n.º 1 do artigo 514.º do CT é manifestamente pouco para que possam ser postos em causa tais direitos.
III – Sendo a Ré associada da Assimagra, desde junho de 2019 e da ANIET, desde janeiro de 2023, associações patronais que não subscreveram as CTT respeitantes ao setor do transporte rodoviário de mercadorias (aplicáveis por força da PE publicada em 24/10/2018), tais IRC deixaram de se aplicar à relação laboral existente entre as partes desde aquela primeira data.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Acordam[1] na Secção Social (6.ª Secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:
I - Relatório
AA, residente em ...
intentou a presente ação declarativa de processo comum contra
A..., SA, com sede em ..., ...
alegando, em síntese, que:
É aplicável à relação laboral a CCT celebrada entre a ANTRAM e a FECTRANS apesar de o A. e a Ré não serem associadas das associações sindicais e patronais que a subscreveram, atenta a existência de portarias de extensão; a Ré deve ser condenada no pagamento do sistema retributivo previsto na referida CTT; a Ré deve ser condenada a pagar ao A. as quantias em dívida a título de complemento salarial, diuturnidades; subsídio de trabalhador móvel e trabalho suplementar.
Termina formulando o seguinte pedido:
“Nestes termos e nos melhores de Direito que V/Ex.ª mui doutamente suprirá, requer-se que a presente ação seja recebida e consequentemente:
a) Ser a Ré condenada no pagamento de €45.558,45 (quarenta e cinco mil, quinhentos e cinquenta e oito euros e quarenta e cinco cêntimos) referente ao complemento salarial, diuturnidades e cláusula 61.ª;
b) Ser a Ré condenada no pagamento de €36.943,95 (trinta e seis mil, novecentos e quarenta e três euros e noventa e cinco cêntimos) a título de trabalho suplementar realizado em dias úteis.
c) Ser a Ré condenada no pagamento de €10.273,68 (dez mil, duzentos e setenta e três euros e sessenta e oito cêntimos) a título de trabalho suplementar realizados nos dias de descanso complementar.
d) Tudo acrescido de juros vencidos e vincendos até ao integral pagamento.
Ou, em alternativa,
e) Ser a Ré condenada no pagamento de €36.090,11 (trinta e seis mil e noventa euros e onze cêntimos) referente ao trabalho suplementar realizados em dias úteis.
f) Tudo acrescido de juros vencidos e vincendos até ao integral pagamento.”
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Teve lugar a audiência de partes e na qual não foi obtido acordo.
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A Ré devidamente notificada para contestar, veio fazê-lo alegando que:
É uma empresa das indústrias extrativas e, por isso, não é aplicável a CCT da ANTRAM do setor do transporte rodoviário de mercadorias e as portarias de extensão não podem determinar a aplicação de CCT a entidades patronais filiadas em associações de empregadores concorrentes, pelo que, os pedidos do A. com base naquela devem ser desatendidos; as horas de trabalho suplementar sempre foram pagas ao A. como ajudas de custo.
Termina, dizendo que “deverá a presente ação ser julgada como improcedente porque não provada, e consequentemente ser a ré absolvida de todos os pedidos do autor”.
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Foi proferido o despacho saneador de fls. 71 e dispensada a enunciação dos temas da prova.
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Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento.
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Foi, depois, proferida sentença (fls. 79 e segs.) cujo dispositivo é o seguinte:
“Pelos fundamentos expostos, e atentas as normas legais citadas, decide-se julgar a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência, condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia global de € 556,40 (quinhentos e cinquenta e seis euros e quarenta cêntimos) a título de diuturnidades e complemento salarial, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o seu vencimento até efetivo e integral pagamento, no mais se absolvendo a Ré do pedido.”
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O Autor, notificado desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:
(…).
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A Ré contra-alegou concluindo que:
(…).
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O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 113 e segs., no sentido de que “o recurso deverá improceder, e, consequentemente, manter-se a decisão recorrida.”
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Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II – Fundamentação
a-) Factos provados e não provados constantes da sentença recorrida:
1) A Ré é uma sociedade comercial cujo objeto social é a extração de argilas, moagem de pedra calcária, comercialização de matérias primas para cerâmica e compra e venda de imóveis, bem como a prestação de serviços de transporte rodoviário nacional e internacional.
2) A atividade principal da Ré é a extração e comercialização de recursos minerais, em especial argilas e caulinos, com o CAE 08122.
3) A Ré é detentora de alvará de transporte de mercadorias.
4) Para dar apoio logístico à sua atividade principal de extração de recursos minerais, a Ré providencia aos clientes o transporte terrestre das suas próprias matérias primas e das sociedades em que tem participação no capital social, nomeadamente as sociedades B..., Lda. e C..., Lda..
5) No dia 21 de fevereiro de 2011 a Ré admitiu o Autor ao seu serviço, para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de motorista de veículos pesados.
6) O Autor transporta produtos produzidos pela Ré e produtos não produzidos por esta.
7) O Autor não é sindicalizado em nenhuma associação sindical.
8) A Ré é associada da ASSIMAGRA – ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE MÁRMORES, GRANITOS E RAMOS AFINS, desde 11/06/2019.
9) A Ré é associada da ANIET – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DA INDUSTRIA EXTRACTIVA E TRANSFORMADORA, desde 05/01/2023.
10) A ASSIMAGRA, como estrutura de representação coletiva de empregadores, outorgou os seguintes instrumentos de regulação coletiva de trabalho negociais:
i. Contrato coletivo entre a Associação Portuguesa da Indústria dos Recursos Minerais (Assimagra) e a Federação Portuguesa dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro - FEVICCOM e outras - Alteração/texto consolidado – publicado no BTE, Nº 44, de 29/11/2023.
ii. Contrato coletivo entre a Associação Portuguesa da Indústria dos Recursos Minerais (Assimagra) e a Federação Portuguesa dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro - FEVICCOM e outras - Revisão global - publicado no BTE, Nº 34, de 15/09/2023.
iii. CCT entre a ASSIMAGRA – Associação Portuguesa dos Industriais de Mármores, Granitos e Ramos Afins e a Federação Nacional dos Sindicatos da Construção, Madeiras, Mármores e Materiais de Construção e outros – Alteração salarial e outras – publicado no BTE, Nº 47, de 22/12/2003, com Portaria de Extensão, publicada no BTE, N.º 5, de 24/01/2005.
iv. CCT entre a ASSIMAGRA – Associação Portuguesa dos Industriais de Mármores, Granitos e Ramos Afins e a Federação Nacional dos Sindicatos da Construção, Madeiras, Mármores e Materiais de Construção e outros – Alteração salarial e outras – publicado no BTE, Nº 42, de 15/11/2002, com Portaria de Extensão, publicada no BTE, N.º 14, de 16/04/2003.
v. CCT entre a ASSIMAGRA – Associação Portuguesa dos Industriais de Mármores, Granitos e Ramos Afins e a Federação Nacional dos Sindicatos da Construção, Madeiras, Mármores e Materiais de Construção e outros – Alteração salarial e outras – publicado no BTE, Nº 42, de 15/11/2001, com Portaria de Extensão, publicada no BTE, N.º 5, de 18/02/2002.
vi. CCT entre a ASSIMAGRA – Associação Portuguesa dos Industriais de Mármores, Granitos e ramos Afins e a Federação Nacional dos Sindicatos da Construção, Madeiras, Mármores e Materiais de Construção e outros – Alteração salarial e outras – publicado no BTE, Nº 42, de 15/11/2000, com Portaria de Extensão, publicada no BTE, N.º 2, de 15/01/2001.
vii. CCT entre a ASSIMAGRA – Associação Portuguesa dos Industriais de Mármores, Granitos e Ramos Afins e a Federação Nacional dos Sindicatos da Construção, Madeiras, Mármores e Materiais de Construção e outros – Alteração salarial e outras – publicado no BTE, Nº 42, de 15/11/1999, com Portaria de Extensão, publicada no BTE, N.º 3, de 26/01/2000.
viii. CCT entre a ASSIMAGRA - Associação Portuguesa de Mármores, Granitos e Ramos Afins e a Federação Nacional dos Sindicatos da Construção, Madeiras, Mármores e Materiais de Construção e outros - Alteração salarial e outras – publicado no BTE, Nº 43, de 22/11/1998, com Portaria de Extensão, publicada no BTE, N.º 8, de 10/03/1999.
11) A ANIET, como estrutura de representação coletiva de empregadores, outorgou os seguintes instrumentos de regulação coletiva de trabalho negociais:
i. CCT entre a ANIET – Associação Nacional da Indústria Extractiva e Transformadora e a FEVICCOM – Federação Portuguesa dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro – Alteração salarial e outras e texto consolidado – publicado no BTE, Nº 46, de 15/12/2009.
ii. CCT entre a ANIET – Associação Nacional da Indústria Extractiva e Transformadora e a FEVICCOM – Federação Portuguesa dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro – Alteração salarial e outras – publicado no BTE, Nº 43, de 22/11/2008.
iii. CCT entre a ANIET – Associação Nacional da Indústria Extractiva e Transformadora e a FEVICCOM – Federação Portuguesa dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro – Alteração salarial e outras – publicado no BTE, Nº 34, de 15/09/2007.
iv. CCT entre a ANIET – Associação Nacional da Indústria Extractiva e Transformadora e a FEVICCOM – Federação Portuguesa dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro – Revisão global – publicado no BTE, Nº 38, de 15/10/2006.
12) Como contrapartida da sua atividade o Autor auferia da Ré a remuneração de € 1300,00 acrescida de ajudas de custo, ora sob a denominação de “ajudas de custo – nacional 100%”, ora sob a denominação de “ajudas de custo – nacional 25%”.
13) A remuneração base do Autor em 2018 e em 2019 era de € 1020,00.
14) As horas de trabalho suplementar prestadas em dias úteis e em dias de descanso semanal (sábado) sempre foram pagas ao Autor como ajudas de custo.
Factos não provados:
a) A Ré efetua transporte internacional de mercadorias.
b) De janeiro a outubro de 2018 o Autor realizou 687 horas de trabalho suplementar, das quais 576 horas foram realizadas em dias úteis ao longo de 34 semanas.
c) De janeiro a dezembro de 2019 o Autor realizou 1067 horas de trabalho suplementar.
d) De janeiro a dezembro de 2020 o Autor realizou 1049 horas de trabalho suplementar.
e) De janeiro a dezembro de 2021 o Autor realizou 822 horas de trabalho suplementar.
f) De janeiro a dezembro de 2022 o Autor realizou 1012 horas de trabalho suplementar.
g) O Autor desempenhou atividade para a Ré nos seguintes dias de descanso:
- ano de 2018: 5, 12, 19,22 e 26 de maio; 16 de junho; 7,14, 21 e 28 de julho; 4 e 11 de agosto; 1, 8, 15, 22 e 29 de setembro; 13 e 27 de outubro e 24 de novembro.
- ano de 2019: 12 de janeiro; 9, 16 e 23 de fevereiro; 2, 16, 23 e 30 de março; 13 de abril; 4, 18 e 25 de maio; 1, 8 e 15 de junho; 6, 13, 20 e 27 de julho; 3, 10 e 31 de agosto; 7, 14 e 28 de setembro; 5 e 12 de outubro.
- ano de 2020: 22 de fevereiro; 14 de março; 23 e 30 de maio; 6, 20 e 27 de junho; 4, 11, 18 e 25 de julho; 1, 8, 22 e 29 de agosto; 5, 12 e 26 de setembro; 3, 10 e 17 de outubro.
- ano de 2021: 16 de janeiro; 27 de fevereiro; 6, 13, 20 e 27 de março; 10 e 17 de abril; 1, 8, 15, 22 e 29 de maio; 5, 12, 19 e 26 de junho; 3,10,17, 24 e 31 de julho; 7 e 14 de agosto; 4, 11 e 18 de setembro; 2, 9 e 23 de outubro; 6, 20 e 27 de novembro; 4 e 18 de dezembro.
- ano de 2022: 5, 12 e 26 de fevereiro; 5, 12 e 26 de março; 2 e 30 de abril; 7, 14, 21 e 28 de maio; 4 e 18 de junho; 2, 9, 16 e 23 de julho; 6, 13 e 20 de agosto; 3, 17 e 24 de setembro; 1 e 29 de outubro.
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b) - Discussão
Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º do C.P.C.), com exceção das questões de conhecimento oficioso.
Assim, cumpre apreciar a questão suscitada pelo recorrente, qual seja:
– Se é aplicável à relação laboral existente entre o Autor e a Ré a CCT celebrada entre a ANTRAM e a FECTRANS respeitante ao setor do transporte de mercadorias.
Alega o recorrente que é aplicável à relação laboral existente entre o A. e a Ré a CCT de 2018 celebrada entre a ANTRAM e a FECTRANS (regula o setor do transporte rodoviário de mercadorias) por força da respetiva Portaria de Extensão e pelos motivos expostos nas conclusões supratranscritas, razão pela qual a Ré deve ser condenada a pagar-lhe os montantes peticionados.
A este propósito consta da sentença recorrida, além do mais, o seguinte:
“No caso em apreço, temos que por força do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré aquele se obrigou a desempenhar, por conta, sob as ordens e direção desta, a atividade correspondente à categoria profissional de motorista de veículos pesados.
O Autor considera que são aplicáveis à relação contratual que estabeleceu com a Ré o CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE de 8/3/1980, entre a ANTRAM e a FECTRANS, publicados no BTE n.º 34, de 15/08/2018 e no BTE n.º 45, de 08/12/2019 e ultimamente no BTE n.º 5, de 8/2/2023. Apesar de nem o Autor nem a Ré serem associados nas associações sindicais e patronais que subscreveram aquele CCTV, considera o Autor que devem ser aplicados face às Portarias de Extensão e, assim, deverá a Ré ser condenada no pagamento do sistema retributivo previsto nesses CCTV, nomeadamente o complemento salarial, as diuturnidades, o subsídio de trabalhador móvel, bem como o trabalho suplementar que realizou em dias úteis nos anos de 2018 a 2022.
Temos, por outro lado, que a Ré é associada da ASSIMAGRA – ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE MÁRMORES, GRANITOS E RAMOS AFINS, desde 11/06/2019 e é associada da ANIET – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DA INDUSTRIA EXTRACTIVA E TRANSFORMADORA, desde 05/01/2023.2z
De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 496.º do Código do Trabalho “A convenção coletiva obriga o empregador que a subscreve ou filiado em associação de empregadores celebrante, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante”. Trata-se do principio da filiação do qual decorre que no caso de serem aplicáveis, no âmbito de uma empresa, uma ou mais convenções coletivas, o trabalhador que não seja sindicalizado pode escolher qual daqueles instrumentos lhe passa a ser aplicável (e apenas se o IRCT vincular a empresa), verificados certos requisitos, conforme dispõe o art.º 497.º, n.º 1 do mesmo diploma legal. Decorre deste princípio ainda que a associação sindical, a associação de empregadores ou o empregador pode aderir a convenção coletiva em vigor, conforme art.º 504.º, n.º 1. Também decorre deste princípio que a convenção coletiva em vigor pode ser aplicada, no todo ou em parte, por portaria de extensão a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de atividade e profissional definido naquele instrumento (art.º 514.º). Acresce também que a portaria de extensão só pode ser emitida na falta de instrumento de regulamentação coletiva de acordo com o que dispõe o art.º 515.º do Código do Trabalho (princípio da subsidiariedade).
Tendo como pressuposto que a Ré é associada da ASSIMAGRA desde 11/06/2019 e é associada da ANIET desde 05/01/2023, tendo estas associações, como estruturas de representação coletiva de empregadores, outorgado instrumentos de regulação coletiva de trabalho negociais, a questão que se coloca é se pode uma Portaria de Extensão (referimo-nos às publicadas no BTE n.º 41 de 24/10/2018, no BTE n.º 9 de 08/03/2020 e no BTE n.º 22 de 15/06/2023) determinar a aplicabilidade duma convenção coletiva a empregadores não filiados na estrutura representativa outorgante mas que estejam associados em estruturas representativas de empregadores que outorgaram outro(s) instrumentos de regulamentação coletiva.
A questão tem sido debatida na doutrina e na jurisprudência como bem se refere no Parecer Jurídico que a Ré juntou aos autos, elaborado pelo Professor Doutor Leal Amado, o qual esclarece que “o recurso à figura da portaria de extensão tem-se justificado com base no objetivo de não deixar sem regulamentação específica, isto é, adequada a essa realidade sectorial, relações laborais não cobertas por convenções coletivas de trabalho (página 19).
No Acórdão do STJ de 20/06/2018, proferido no processo n.º 3910/16.0T8VIS.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt, é igualmente abordada esta temática aludindo-se à profícua doutrina nesta matéria, concluindo-se que “(…) uma Portaria de Extensão não pode determinar a aplicabilidade duma convenção coletiva a trabalhadores não filiados na organização sindical outorgante mas que estejam filiados numa organização sindical diferente.
Efetivamente, a entender-se doutro modo, ficariam em causa os valores da liberdade sindical do trabalhador, entendida como liberdade de filiação, ou de não filiação no sindicato da sua escolha.
E ficaria em causa também o direito de contratação coletiva do sindicato concorrente que pode ver frustrado o seu direito de celebrar uma convenção coletiva própria com o empregador ou com a associação empregadora se a contratação coletiva celebrada por outro sindicato se estender através duma portaria de extensão aos filiados naquela primeira associação sindical”.
Na doutrina que se acolhe, Menezes Cordeiro, depois de afirmar que a extensão tem limites objetivos e subjetivos refere que “os segundos têm a ver com a impossibilidade de extensão das convenções coletivas a pessoas filiadas em associações interessadas e que nelas não hajam, evidentemente, outorgado”.
E continuando diz ainda este autor “Assim quando em certo âmbito atuem dois sindicatos pode a convenção coletiva celebrada por um deles ser estendida aos trabalhadores não sindicalizados; mas não aos que encontrem filiados no outro sindicato”, chamando à colação os valores da liberdade sindical e da garantia da contratação coletiva (Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1991, p. 346.)
Também neste sentido se pronuncia Pedro Romano Martinez, sustentando que a portaria de extensão não deverá abranger o alargamento de aplicação duma convenção coletiva aos trabalhadores de um sindicato não signatário do acordo e aos empregadores filiados noutra associação de empregadores (Direito do Trabalho, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, p. 1254).
Também o Acórdão do STJ de 22/06/2022, proferido no processo n.º 1842/19.9T8FAR.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, se pronunciou neste mesmo sentido.
Assim, tudo ponderado e respondendo à questão em referência entende também este Tribunal que as Portarias de Extensão supra enunciadas não podem determinar a aplicabilidade da convenção coletiva a empregadores não associados na organização empregadora outorgante mas que se encontram associadas a outras estruturas representativas de empregadores que outorgaram convenções coletivas diferentes.
Todavia, importa referir que tendo a Ré ao seu serviço trabalhadores como o Autor que desempenham atividade profissional de motorista de pesados, até à sua filiação na ASSIMAGRA e na ANIET, era aplicável às relações contratuais, por força das Portarias de Extensão supra referidas, a convenção coletiva mencionada pelo Autor, no que se refere à tabela salarial e cláusulas de natureza pecuniária previstas na convenção e cuja vigência se iniciou em 1/10/2018, mantendo-se até 10/06/2019.
O Autor peticiona valores a título de complemento salarial (cláusula 59.ª da CCT), diuturnidades (cláusula 47.ª), subsídio de trabalhador móvel (cláusula 61.ª) e trabalho suplementar.
Assim, a título de complemento salarial, tendo por referência o salário auferido pelo Autor em 2018 e 2019, de € 1020,00, tem o mesmo a haver € 20,40 por cada mês, no total de € 170,00 (€20,40 x 8) + (€ 20,40:30 x 10).
A título de diuturnidades, considerando que o Autor foi contratado em 2011, em 2014 já se tinha vencido uma diuturnidade e a segunda venceu-se em 2017, sendo que cada diuturnidade tinha o valor de € 12,92 e assim, considerando o pedido formulado pelo Autor, tem direito a haver € 258,40 e, a partir de 1/10/2018, considerando que o valor de cada diuturnidade foi atualizado para € 16,00, tem a haver € 128,00 (€ 16,00 x 8).
No que respeita ao subsídio de trabalhador móvel estipulado na cláusula 61.ª que visa compensar a possível realização de trabalho suplementar entende-se, em face do que ficou provado, designadamente que o Autor recebeu montantes variáveis a título de trabalho suplementar que lhe foram pagos e processados (embora indevidamente) em ajudas de custo, nada tem a haver a esse título sob pena de locupletamento indevido.
Por força do que fica dito não tem a haver qualquer montante a título de trabalho suplementar incluindo aquele que reclama e que, como vimos, não logrou demonstrar. – fim de citação.
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Vejamos, então, se assiste razão ao A. recorrente.
Desde já adiantamos que, tendo em conta a matéria de facto provada, acompanhamos a sentença recorrida.
Na verdade, é nosso entendimento que as portarias de extensão em causa não determinam a aplicação das CTT celebradas entre a ANTRAM e a FECTRANS à Ré entidade patronal filiada noutra associação patronal que não aquela que celebrou as ditas CTT.
Como refere a maioria da doutrina, não parece razoável aplicar-se uma CCT a empregadores filiados noutra associação patronal, por via de portaria de extensão, sob pena de ser posto em causa o princípio da autonomia privada/coletiva, liberdade de iniciativa económica privada e liberdade de contratação/negociação coletiva, sendo certo que a letra do n.º 1 do artigo 514.º do CT é manifestamente pouco para que possam ser postos em causa tais direitos.
Acresce que também não colhe o argumento no sentido de que os interessados podem deduzir oposição (n.º 1 do artigo 516.º do CT), na medida em que a existência da mesma apenas determina a competência conjunta do ministro do trabalho e do ministro responsável pelo setor de atividade.
E o facto de os empregadores poderem celebrar convenções coletivas de trabalho que prevalecerão sobre as portarias de extensão (n.º 1 do artigo 515.º do CT) não belisca em nada o que ficou dito, posto que não vislumbramos fundamento legal para que lhe sejam impostos instrumentos de regulamentação coletiva em cuja negociação não participaram.
Por fim, ao contrário do alegado pelo recorrente, não vislumbramos qualquer violação do disposto no n.º 8 do artigo 501.º do CT nem do princípio da irredutibilidade da retribuição, na medida em que não está em causa a cessação da vigência da convenção por força de caducidade ou revogação nem a sucessão de convenções coletivas (artigo 503.º do CT).
Como se decidiu no acórdão do STJ, de 22/06/2022, disponível em www.dgsi.pt, que acompanhamos:
<<11. No nosso ordenamento jus-laboral vigora o princípio da (dupla) filiação, segundo o qual “a convenção coletiva [apenas] obriga o empregador que a subscreve ou filiado em associação de empregadores celebrante, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante” [art. 496.º, n.º 1, do Código do Trabalho (como todas as disposições legais citadas sem menção em contrário)], cujos precisos contornos são concretizados, entre outras normas, nos n.ºs 2 a 4 do mesmo artigo.
Deste princípio decorrem, nomeadamente, os seguintes corolários: (i) Caso sejam aplicáveis, no âmbito de uma empresa, uma ou mais convenções coletivas, o trabalhador que não seja filiado em qualquer associação sindical (portanto, apenas se não for sindicalizado) pode escolher qual daqueles instrumentos lhe passa a ser aplicável (portanto, apena se o IRCT vincular a empresa), verificados certos requisitos – art. 497.º, n.º 1; (ii) A associação sindical, a associação de empregadores ou o empregador pode aderir a convenção coletiva em vigor – art. 504.º, n.º 1; (iii) A convenção coletiva em vigor pode ser aplicada, no todo ou em parte, por portaria de extensão a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de atividade e profissional definido naquele instrumento, mediante ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere – art. 514.º; (iv) A portaria de extensão só pode ser emitida na falta de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho negocial (princípio da subsidiariedade) – art. 515.º.
12. Sobre a questão essencialmente em discussão nos autos – saber se uma Portaria de Extensão pode determinar a aplicação duma convenção coletiva a trabalhadores não filiados na organização sindical outorgante, mas que sejam membros dum outro sindicato (e, identicamente, a empregadores filiados em associação de empregadores diversa daquela que subscreveu a convenção coletiva) – pronunciou-se em sentido negativo o Acórdão desta Secção Social de 20.06.2018 (Revista n.º 3910/16.0T8VIS.C1.S1), nos seguintes termos:
A questão é muito debatida na doutrina, pronunciando-se em sentido afirmativo, entre outros, Luís Gonçalves da Silva e Maria do Rosário Palma Ramalho.
Assim, na anotação ao artigo 514º do Código do Trabalho (anotado) de Romano Martinez e outros, advoga o primeiro autor que “[E]m relação à eficácia pessoal defendemos que tanto pode abranger os trabalhadores e empregadores não filiados em qualquer associação, como pode abranger trabalhadores e empregadores filiados em associação não outorgante do instrumento aplicável.” (pgª 1030, edição de 2013 – 9ª edição), posição que já defendia no seu estudo “Pressupostos, Requisitos e Eficácia da Portaria de Extensão, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho”, vol. I, Almedina, Coimbra, 2001, onde afirma que com o princípio da filiação surgem questões para as quais o Direito do Trabalho teria que dar uma resposta (p. 691): “aquelas surgem com maior notoriedade, em relação aos trabalhadores, sempre que as taxas de sindicalização forem diminutas ou quando existir uma pulverização sindical; naquele caso, parte dos trabalhadores não usufruem da protecção conferida pela convenção colectiva; no segundo caso, os filiados em associações sindicais com menor força negocial teriam condições menos vantajosas”.
E invoca também o interesse do empregador na uniformização das condições de trabalho, embora o autor não deixe de sublinhar que “a igualdade não pode ser, sem mais, o objectivo da portaria de extensão, uma vez que tal entendimento tornaria irrelevante a filiação nas organizações sindicais ou patronais” (p. 695).
Sustenta ainda que as portarias de extensão são um meio de protecção e promoção da autonomia colectiva (pp. 699-700), já que a portaria “alarga a eficácia de normas cujo conteúdo é idêntico, fazendo, assim, com que os trabalhadores não fiquem sujeitos apenas à autonomia individual” (pp. 699-700).
Considera assim que este entendimento não afecta a liberdade sindical nem põe em causa outros valores, na medida em que os sujeitos que queiram celebrar uma convenção colectiva o podem fazer e com a sua celebração cessa de imediato a aplicação da portaria de extensão aos destinatários do instrumento negocial, conforme se pode ver na anotação ao artigo 514º do CT (anotado).
Também Maria do Rosário Palma Ramalho defende posição idêntica (Tratado de Direito do Trabalho, parte III, Situações Laborais Colectivas, 2.ª ed. actualizada, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 389-390), invocando fundamentalmente três razões: a letra da lei já que o artigo 514.º n.º 1 não permitiria qualquer distinção em razão da filiação sindical ou patronal; em segundo lugar porque a lei estabelece um mecanismo de reacção que é o direito de oposição dos interessados e este mecanismo seria o meio de protecção da autonomia colectiva; e em terceiro lugar, porque “os entes laborais colectivos poderão sempre celebrar uma outra convenção, que prevalecerá sobre a portaria de extensão, nos termos gerais do art. 515º” (p. 590).
Já Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17.ª ed., Almedina, Coimbra, 2014, p.736, diz que a chamada portaria de extensão pode ampliar o âmbito originário da convenção a todo o sector de actividade ou a trabalhadores da profissão definida naquela, desde que não se produza sobreposição com outra convenção colectiva vigente, pois “ [D]e qualquer forma, os pressupostos da extensão tornam evidente que se trata de um processo estritamente supletivo ou residual perante a negociação colectiva, não podendo sobrepor-se-lhe quando esta exista ou seja viável” (pª 737).
Em sentido contrário pronunciaram-se Barros Moura ainda na vigência da LCC (DL nº 519-C1/79 de 29/12); Menezes Cordeiro (antes da entrada em vigor do Código do Trabalho), Pedro Romano Martinez, Bernardo Lobo Xavier e Júlio Gomes.
Assim, Barros Moura (Convenção colectiva entre as fontes de direito – Almedina, edição de 1984) sustenta que a extensão não pode determinar a aplicação da convenção colectiva a trabalhadores não filiados numa organização sindical concorrente, pois tal possibilidade seria contrária à liberdade sindical (entendida como liberdade de filiação, ou não filiação no sindicato da escolha do trabalhador) e seria contrária também ao direito de contratação colectiva do sindicato concorrente que pode ver frustrado o seu direito de celebrar uma convenção colectiva própria com o empregador ou a associação patronal se aquela se estender a outro sindicato e o Estado aparecer a “cobrir” esse acordo com a sua extensão a todos (pgª 219 e 220, nota).
Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1991, p. 346, depois de afirmar que a extensão tem limites objectivos e subjectivos refere que “os segundos têm a ver com a impossibilidade de extensão das convenções colectivas a pessoas filiadas em associações interessadas e que nelas não hajam, evidentemente, outorgado”.
E continuando diz ainda este autor “Assim quando em certo âmbito actuem dois sindicatos pode a convenção colectiva celebrada por um deles ser estendida aos trabalhadores não sindicalizados; mas não aos que encontrem filiados no outro sindicato”, chamando à colação os valores da liberdade sindical e da garantia da contratação colectiva.
Também neste sentido se pronuncia Pedro Romano Martinez, em Direito do Trabalho, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, p. 1254, onde sustenta que a portaria de extensão não deverá abranger o alargamento de aplicação duma convenção colectiva aos trabalhadores de um sindicato não signatário do acordo e aos empregadores filiados noutra associação de empregadores.
Justifica esta posição dizendo que “admitindo-se que a extensão do instrumento autónomo pode abranger trabalhadores filiados em outra associação sindical, estar-se-ia a pôr em causa a autonomia contratual desse sindicato, cuja liberdade negocial ficaria coarctada.”
E acrescenta: “Se um determinado sindicato não quis negociar e celebrar aquela convenção colectiva, ou não pretendeu, depois desta estar celebrada, aderir a esse instrumento, quer isso dizer que ele tinha alguma objecção relativa a essa convenção colectiva. Assim sendo, se a associação sindical tem uma objecção quanto àquela convenção colectiva ou àquela decisão arbitral, admitir-se que, por via de uma portaria de extensão, os filados nesse sindicato ficarão submetidos ao sobredito instrumento colectivo, pressupõe que se coarcta a autonomia contratual das associações sindicais no que respeita à negociação e celebração de convenções colectivas”.
E desenvolve seguidamente a mesma argumentação para as associações de empregadores, cuja posição justifica afirmando que “de outra forma, mediante a portaria de extensão, o Governo poderia pressionar os sindicatos e as associações de empregadores, que não queriam determinada convenção colectiva, a, indirectamente, aceitá-la”, com o perigo de as partes outorgantes da convenção serem menos representativas do que aquelas a quem se pretende aplicar a convenção por via da portaria de extensão (p.1255).
Bernardo Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, 3.ª ed. revista e actualizada, Rei dos Livros [Lisboa], 2018, depois de referir que “o grande problema da extensão é sempre o da representatividade das partes que outorgaram a CCT cujo âmbito se pretende estender” e que “não parece legítimo estender o âmbito de CCT celebrada por sindicato pouco representativo, sobretudo quando sindicatos maioritários se oponham ou se revelem distantes dessa mesma CCT” (p. 284), afirma que “à luz do Código entendemos que as PE [portarias de extensão] não devem ser aplicadas a trabalhadores inscritos em associações que se tenham recusado a subscrever a CCT a estender, ou que se encontrem em processo relativo à celebração de novo IRCT, e que normalmente deduzem oposição fundamentada à extensão, nos termos do art. 516.º n.º 3” (p. 287).
Também Júlio Gomes (A contratação coletiva in peius e a representatividade sindical, Crise Económica: Fim ou Refundação do Direito do Trabalho, Actas do Congresso Mediterrânico de Direito do Trabalho, coord. por Maria do Rosário Palma Ramalho e Teresa Coelho Moreira, Estudos APODIT 1, AAFDL, Lisboa, 2016, pp. 91 e ss.) sublinha que como em Portugal, qualquer sindicato tem capacidade negocial colectiva, ou seja, qualquer sindicato pode celebrar uma convenção colectiva e a nossa lei não contém uma exigência de um número mínimo de filiados para que se possa validamente constituir um sindicato, mesmo que esse sindicato seja restrito a uma empresa, nem tão pouco qualquer exigência de um número mínimo de anos de actividade, nem genuínos critérios de representatividade real, as convenção celebradas por sindicatos muito débeis podem representar um perigo (em Itália já foram designadas de convenções colectivas “piratas”) que será potenciado se puderem ser estendidas a trabalhadores e a empregadores respectivamente filiados em sindicatos e associações de empregadores não outorgantes.
Na jurisprudência não descobrimos decisões que tenham incidido especificamente sobre esta matéria.
De qualquer maneira, no acórdão deste Supremo Tribunal de13-10-‑2016, proferido no processo n.º 8308/14.1T8LSB.L1.S1 (Revista - 4.ª Secção), (Ribeiro Cardoso) decidiu-se que tendo caducado uma convenção colectiva de trabalho, a eficácia do princípio da filiação consagrado no artigo 496º, nº 1 do CT mantém-se nos termos preconizados no nº 6 do artigo 501º do CT (na redacção anterior à da Lei 55/2014 de 25/08), nomeadamente no que tange ao pagamento do trabalho nocturno, não passando aqueles trabalhadores a ser abrangidos, ainda que ao abrigo de portaria de extensão, por convenção celebrada por associação sindical em que não são filiados.
Idêntica doutrina promana dos acórdãos do 17-11-2016, processo n.º 7388/15.7T8LSB.L1.S1 (Ferreira Pinto) e 06-12-2016, processo n.º 8306/14.5T8LSB.L1.S1 (Ferreira Pinto), em que se discutiu a mesma questão, e onde os autores solicitavam o pagamento do trabalho nocturno de acordo com a majoração prevista no CCT cujo alargamento fora estendido.
E conforme se colhe do acórdão da Relação de Lisboa de 15/2/2012, proferido no processo nº 3259/09.0TTLSB.L1 - 4ª secção (Ferreira Marques), pretendendo um sindicato que as tabelas salariais dum CCT celebrado por um outro fossem aplicadas às trabalhadoras (duma empresa) suas filiadas, por serem mais favoráveis do que as tabelas salariais consagradas no instrumento de regulamentação colectiva por si negociado, decidiu-se que uma portaria de extensão que alargara o âmbito originário do CCT mais favorável não permite que este seja aplicado a essas trabalhadoras, argumentando-se que o regulamento de extensão tem por destinatários quem não esteja filiado nas associações sindicais e de empregadores signatárias da convenção colectiva ou da convenção arbitral, surgindo assim como forma de suprir a inércia daqueles que não quiseram filiar-se em associações sindicais ou de empregadores existentes.
Tudo ponderado entendemos que uma Portaria de Extensão não pode determinar a aplicabilidade duma convenção colectiva a trabalhadores não filiados na organização sindical outorgante mas que estejam filiados numa organização sindical diferente.
Efectivamente, a entender-se doutro modo, ficariam em causa os valores da liberdade sindical do trabalhador, entendida como liberdade de filiação, ou de não filiação no sindicato da sua escolha.
E ficaria em causa também o direito de contratação colectiva do sindicato concorrente que pode ver frustrado o seu direito de celebrar uma convenção colectiva própria com o empregador ou com a associação empregadora se a contratação colectiva celebrada por outro sindicato se estender através duma portaria de extensão aos filiados naquela primeira associação sindical, ficando assim em causa a autonomia contratual deste sindicato, cuja liberdade negocial ficaria coarctada.
Diga-se ainda que mesmo que se entenda que a igualdade é o escopo das portarias de extensão esta igualdade não é completa, pois a lei permite a extensão parcial, conforme resulta do n.º 1 do artigo 514.º do CT. E se a extensão for só em parte, a situação dos trabalhadores directamente abrangidos e a dos que só são abrangidos por força da portaria de extensão não é a mesma.
Além disso, também não haverá a igualdade entre trabalhadores filiados e não filiados, pois se existirem duas convenções colectivas aplicáveis no âmbito de uma empresa e uma delas for objecto de uma portaria de extensão, o trabalhador não filiado continua a poder escolher a outra (a convenção que não foi estendida), porque a faculdade de opção prevalece sobre a portaria de extensão (neste sentido Maria do Rosário Ramalho, ob. cit., p. 391 e Jùlio Gomes, Nótula sobre o artigo 497.º do Código do Trabalho de 2009, Questões Laborais n.º 44, 2014, pp. 5 e ss.).
13. No fundamental, extraem-se deste aresto, cuja argumentação integralmente se perfilha, as seguintes linhas jurisprudenciais:
- Uma portaria de extensão não pode determinar a aplicabilidade duma convenção colectiva a trabalhadores não filiados na organização sindical outorgante que estejam filiados numa organização sindical diferente.
- A entender-se doutro modo, ficariam em causa os valores da liberdade sindical do trabalhador, entendida como liberdade de filiação, ou de não filiação, em determinado sindicato.
- E ficaria também em causa o direito de contratação colectiva do sindicato concorrente, ao ver eventualmente frustrado o seu direito de celebrar uma convenção colectiva própria com o empregador ou com a associação empregadora, caso a contratação colectiva celebrada por outro sindicato se estendesse (através duma portaria de extensão) aos seus filiados, coartando a sua autonomia contratual.
- Uma portaria de extensão também não pode determinar a aplicabilidade duma convenção colectiva a empregadores filiados em associação de empregadores diversa daquela que subscreveu tal convenção, sob pena de violação do direito (e liberdade) de contratação coletiva.
Acresce que a portaria de extensão só pode ser emitida (e só pode valer) relativamente a relações de trabalho não abrangidas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho negocial (princípio da subsidiariedade).
14. Enquanto associada da AHETA (Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve), a R. encontra-se adstrita ao cumprimento dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho que vinculem aquela associação de empregadores nas suas relações com organizações sindicais (como é o caso da FETESE).
Mas, como se compreende, não são diretamente aplicáveis à recorrida Convenções Coletivas de Trabalho celebradas por outras associações empresarias, das quais a mesma não é associada, como é o caso da AHRESP (Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal) e da APHORT (Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo), mormente as celebradas com o FESAHT (Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal), na qual o A. se encontra filiado.
E, pelas razões expostas, essas Convenções Coletivas de Trabalho também não são indiretamente aplicáveis à R. – tal como, por outro lado e para além disso (embora por idênticas razões), não o são relativamente aos trabalhadores sindicalizados no autor – através das Portarias de Extensão invocadas na ação.>>
Em suma, sendo a Ré associada da Assimagra, desde junho de 2019 e da ANIET, desde janeiro de 2023, associações patronais que não subscreveram as CTT respeitantes ao setor do transporte rodoviário de mercadorias (aplicáveis por força da PE publicada em 24/10/2018), tais IRC deixaram de se aplicar à relação laboral existente entre as partes desde aquela primeira data.
No que concerne ao subsídio de trabalhador móvel peticionado pelo recorrente, tendo em conta a matéria de facto (não impugnada) a sua pretensão não pode proceder tal como consta da sentença recorrida, sendo certo que, conforme resulta do n.º 4 da cláusula 61.ª da CTT celebrada entre a ANTRAM e a FECTRANS, publicada no BTE n.º 34, de 15/09/2018, aos trabalhadores deslocados não lhes é aplicável o disposto na cláusula 49.ª (retribuição do trabalho suplementar em dia útil) e o pagamento da prestação pecuniária prevista na cláusula 61.ª substitui todas e quaisquer formas de pagamento do trabalho suplementar (n.º 5).
Improcedem, por isso, as conclusões do recorrente.
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Assim, na improcedência do recurso, impõe-se a manutenção da sentença recorrida.
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IV – Sumário[2]
(…).
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V – DECISÃO
Nestes termos, sem outras considerações, na improcedência do recurso, acorda-se em manter a sentença recorrida.
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Custas a cargo do A. recorrente.
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(Paula Maria Roberto)
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(Mário Rodrigues da Silva)
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(Felizardo Paiva)
[1] Relatora – Paula Maria Roberto
Adjuntos – Mário Rodrigues da Silva
Felizardo Paiva
[2] O sumário é da responsabilidade exclusiva da relatora.