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PARTILHA
DIREITO DE USO
EFEITO ÚTIL NORMAL
LEGITIMIDADE PASSIVA
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
SONEGAÇÃO DE BENS
Sumário
[Da responsabilidade do relator (art.º 663.º, n.º 7 do CPC)] 1. A legitimidade das partes enquanto pressuposto processual afere-se pelo disposto no art.º 30.º do CPC e envolvendo a relação jurídica vários titulares, releva o que dispõe o art.º 33.º do CPC, em sede de litisconsórcio necessário, que se verifica (i) quando a lei ou o negócio o impuserem ou (ii) quando pela própria natureza da relação jurídica a intervenção de todos os interessados seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal (litisconsórcio legal, convencional e natural) – n.ºs 2 e 3 do referido artigo. 2. Em princípio, a pretensão de resolução de um contrato bilateral ou sinalagmático, com os efeitos previstos no art.º 433.º do Cód. Civil, estando em causa apreciar do mesmo facto jurídico (contrato) e de circunstâncias comuns a todos os contraentes, implica que estejam na lide todos os intervenientes no negócio. 3. Nos casos em que a resolução do contrato é formulada no âmbito de um processo de insolvência, pelo administrador da insolvência (resolução em benefício da massa insolvente), tendo por referência um contrato de partilha outorgada pela devedora/insolvente e as duas filhas em 03-10-2017, tendo a insolvência sido decretada por sentença proferida em 20-03-2018, a particularidade reside, em primeira linha, na circunstância da declaração de insolvência fazer operar a transferência dos poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente, que passam a competir ao administrador da insolvência (art.º 81.º, n.º 1 do CIRE), passando ainda o AI a assumir “a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência” (art.º 81.º, n.º 4 do CIRE); e, ainda, ao nível dos fundamentos da resolução, tendo em conta o disposto no art.º 432.º do Cód. Civil, por confronto com o regime do CIRE (arts. 120.º e 121.º): ao contrário do que acontece com a resolução em geral, no âmbito da insolvência o fundamento da resolução é a defesa da massa contra a depreciação e as práticas que lhe prejudiquem o valor. 4. O administrador da insolvência que promove a resolução em benefício da massa insolvente do aludido contrato de partilha atua em benefício dos credores e perspetivando o interesse destes; sendo esse ato dirigido contra os outros intervenientes no contrato de partilha – as filhas da devedora/insolvente – estão no processo todas as entidades que a lei exige para que a decisão produza o seu efeito útil normal pelo que o administrador da insolvência pode/deve dirigir a declaração resolutória apenas à(s) contraparte(s) no negócio, não sendo de exigir que o faça relativamente ao próprio devedor/insolvente, como propugnam as apelantes. 5. O apelante que impugna o julgamento de facto feito pelo tribunal de 1.ª instância deve proceder (i) à individualização/descrição dos factos que entende incorretamente julgados, (ii) à indicação dos meios de prova produzidos e que são pertinentes a essa análise, ou seja, as razões da discordância relativamente à avaliação do tribunal, (iii) indicando ainda com precisão a decisão que pretende seja proferida, nos vários sentidos possíveis (aditamento/eliminação/alteração de texto) (art.º 640.º do CPC). 6. Preenchida a tipologia dos atos previstos em qualquer das alíneas do número 1 do art.º 121.º do CIRE (“[r]esolução incondicional), esses atos são resolúveis, “sem dependência de quaisquer outros requisitos”, por se presumirem prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário (presunção juris et de jure), não sendo necessária a má-fé do terceiro (art.º 120.º, n.ºs 2 e 4 do CIRE). 7. O requisito de índole objetiva previsto no art.º 121.º, n.º 1, alínea a) do CIRE remete-nos para o conteúdo do contrato de partilha, mais precisamente, para os termos em que foi convencionado o preenchimento do quinhão da insolvente, na economia e equilíbrio do contrato, assim se obstando a que o quinhão hereditário do devedor/insolvente seja preenchido, “essencialmente”, com bens cuja existência possa com facilidade ser ocultada (cfr. o art.º 2096.º do Cód. Civil) e/ou que sejam de fácil dissipação, como acontece com a generalidade dos bens móveis (arts. 204.º e 205.º, do Cód. Civil), justificando-se uma apreciação casuística, que tenha em conta, nomeadamente, as caraterísticas dos bens adjudicados ao insolvente 8. Carateriza o direito de uso e habitação, a circunstância de se tratar de direito estabelecido em função das necessidades do seu titular e respetiva família, o que explica a proibição a que alude o art.º 1488.º do Cód. Civil, que veda ao seu titular a faculdade de trespassar, locar ou de qualquer forma onerar o seu direito, ao contrário do que acontece com o direito de usufruto (art.º 1444.º do mesmo diploma). 9. Por força do contrato de partilha celebrado entre a devedora e as suas filhas, nos termos em que o foi – o quinhão da insolvente foi preenchido com a atribuição do direito de habitação do único bem da herança, o imóvel em que reside, cuja nua propriedade foi atribuída aos demais herdeiros e por tornas, sendo que, ao contrário do que foi declarado na escritura, não foram pagas à devedora quaisquer quantias em dinheiro a esse título –, aquela ficou despojada de qualquer bem ou património suscetível de ser apreendido e vendido no processo de insolvência, pelo que a situação em apreço deve ser integrada na hipótese prevista na alínea a) do número 1 do art.º 121.º.
Texto Integral
Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa
1. RELATÓRIO Ação
Resolução em Benefício da Massa Insolvente.
Pedido
“NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que V.ª Ex.ª doutamente suprirá, designadamente quanto à apresentação do presente petitório por apenso aos autos principais, requer-se que:
A. Seja judicialmente declarada a resolução do negócio identificado no art.º 3.º da presente petição inicial, nos termos e para os efeitos do preceituado nas alíneas a) e b) do n.º 1 do sobredito art.º 121.º do CIRE;
B. Sem prejuízo do antecedentemente impetrado, sempre deverá ser judicialmente declarada a resolução do negócio identificado no art.º 3.º da petição inicial, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos n.ºs 1, 2, 3 e 5 do art.º 120.º do CIRE;
C. Mais se deve, com a declaração de resolução, condenar as RR. a restituir à massa insolvente, no prazo que V.ª Ex.ª entender fixar, o quinhão correspondente ao bem objeto do negócio declarado resolvido;
D. Deve condenar-se, ainda, as RR. ao pagamento de todas as custas e demais encargos com o processo”.
Causa de pedir
A autora alega que se mostram preenchidos todos os pressupostos de que depende a resolução do referido negócio a favor da massa insolvente, atendendo a que através do mesmo a insolvente ficou apenas com o direito de habitação do único bem que compunha a herança, em valor muito inferior ao do seu quinhão hereditário, alegando que recebeu tornas quanto ao remanescente, o que não se mostra comprovado nos autos, mas que, a ter acontecido foi com dinheiro ou seja com bens de fácil sonegação, a que acresce que a configuração do negócio o qualifica como gratuito, por tais tornas não terem sido pagas, o que configura uma situação de prejuízo em desfavor dos credores, porque o único bem imóvel ficou fora da esfera dos credores, inexistindo outro património para os ressarcir. Mais alega que se tratou de um negócio simulado, uma vez que a insolvente prescindiu de parte do seu quinhão hereditário sem a respetiva contrapartida do pagamento de tornas, sendo por isso uma doação encapotada para sonegação de bens que deveriam integrar a massa insolvente. Entende, assim, ser a partilha resolúvel incondicionalmente, nos termos do art.º 121.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CIRE. Mais referiu que as rés não desconheciam que com aquela partilha provocavam uma significativa diminuição da garantia patrimonial dos credores sobre a insolvente. De qualquer modo, entende que sempre haveria lugar a resolução condicional, nos termos do art.º 120.º do CIRE, considerando que se presume a má-fé das rés, uma vez que são filhas da insolvente, pelo que tinham conhecimento da situação da insolvência.
Alega, ainda, que o direito de habitação não tem qualquer valor económico, tanto mais que nos termos do art.º 1488.º do Código Civil é intransmissível, pelo que não suscetível de ser apreendido e alienado, sendo, como tal, prejudicial aos credores.
Contestação CR apresentou contestação (em 23-09-2019), alegando por exceção [ [2] ] e impugnação.
Alega, em síntese, que deu tornas à insolvente, as quais entraram no património da insolvente, constando da escritura a respetiva quitação; que a insolvente não tem rendimentos e foi a ré que lhe efetuou diversas transferências bancárias e efetuou pagamentos de cuidados médicos prestados ao falecido AM, tudo em valor muito superior ao das tornas, pelo que o negócio não foi um ato gratuito e as tornas foram usadas para pagamento de dívidas da insolvente, inexistindo, assim, prejudicialidade.
Alega, ainda, que nem o dinheiro pago, nem o direito real de habitação são bens de fácil sonegação, sendo que inexistiu sonegação de bens porquanto o valor das tornas foi usado para pagar a credores e, como tal, não se trata de resolução incondicional, sendo o ato extremamente benéfico para os credores. Não existe má-fé por parte da ré, pois mesmo que conhecesse a situação financeira da insolvente, não praticou qualquer ato que enfraquecesse a garantia patrimonial dos credores pelo que não se verifica resolução condicional; o direito de habitação tem um valor pecuniário, expresso na partilha por óbito em apreço e é garantido por Lei ao cônjuge sobrevivo, estando ilidida a presunção de má-fé mediante prova inequívoca do desconhecimento das circunstâncias enumeradas no art.º 120.º, n.º 5, do CIRE.
AM apresentou contestação (em 10-12-2020) invocando a caducidade do direito de resolução e a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir.
Por impugnação, alega que, no seu caso, não teve de pagar tornas porquanto o seu quinhão estava negativo, sendo que efetivamente a ré CR deu tornas à insolvente, as quais entraram no património da insolvente, constando da escritura a respetiva quitação, bem como lhe pagou tornas a si, através do pagamento da universidade; considerando que a insolvente não tem rendimentos foi a ré CR que lhe efetuou diversas transferências bancárias e efetuou pagamentos de cuidados médicos prestados ao falecido AM, tudo em valor muito superior ao das tornas, pelo que o negócio não foi um ato gratuito e as tornas foram usadas para pagamento de dívidas da insolvente, inexistindo, assim, prejudicialidade. Repete a alegação apresentada pela ré CR.
Resposta à contestação
A autora apresentou resposta à contestação, pugnando pela improcedência das exceções invocadas.
Saneamento
Em 15-12-2022 proferiu-se despacho de saneamento do processo, com o seguinte teor:
“O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo segue a forma própria, e não apresenta nulidades que o invalidem.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade ad causam e encontram-se devidamente patrocinadas.
*
Não existem excepções dilatórias, questões prévias ou nulidades de que cumpra conhecer – para além da já decidida excepção de caducidade -, e que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa”.
Fixou-se ainda o objeto do litígio [ [3] ] e indicaram-se os temas da prova [ [4] ].
Julgamento
Realizou-se audiência de julgamento, em 15-04-2024, após o que foi proferida sentença, em 04-06-2024, com o seguinte segmento dispositivo:
“Pelo exposto, julga-se a presente acção totalmente procedente, por provada e, em consequência: Resolve-se a favor da A., Massa Insolvente de FM, o negócio que consubstancia a “Partilha por óbito” de AM, celebrada por escritura pública em 03.10.2017, no Cartório Notarial de JL, sito na (…), em Lisboa, na qual intervieram a insolvente FM e as RR. AM, representada pela insolvente, e CR.
Custas a cargo das RR., em face da procedência da acção, nos termos do art.º 527.º do CPC.
Registe e notifique”.
Recurso
Não se conformando, as rés apelaram, formulando as seguintes conclusões: “Da resolução condicional: A. No presente caso, tendo por base a sentença ora recorrida, alega-se que nos encontramos perante um caso de resolução condicional. Contudo, não resulta provado qualquer ato prejudicial à massa insolvente na perspetiva que aqui se levanta, económica e financeira da insolvente, ex vi artigo 120.º número 2, do CIRE. B. De todo o exposto, confirma-se que não existiu qualquer prejuízo direto ou imediato e prejuízo indireto ou mediato, por não ser um ato gratuito. C. Deste modo, não se encontra preenchida, a nosso ver, a previsão do artigo 121.º, número 1, al. b) do CIRE., não se encontrando reunidos todos os requisitos de que depende a resolução dos atos jurídicos prejudiciais à massa insolvente. D. Não se encontram preenchidos os requisitos necessários para a existência de má-fé do terceiro, porquanto as oras recorrentes não tinham conhecimento que a sua mãe se encontrava em insolvência. E. Quanto ao requisito da prejudicialidade, podemos afirmar que também não se encontra preenchido, porquanto com os valores que a ora 2ª R., suportou e aguentou durante o lapso de tempo, entre 2015-2018, nunca se poderá afirmar que foi um ato gratuito. F. Nestes termos, não se encontram preenchidos os requisitos legalmente exigidos, devendo dar-se como provado o alegado, bem como ser julgado improcedente a resolução condicional, por não se verificarem os requisitos legalmente exigidos, nos termos do artigo 120.º do CIRE. Da impugnação da matéria de facto: G. Por cumprir às recorrentes concretizar os factos que, no seu entender, se mostram como incorretamente julgados, a mesma desde já considera que não foram julgados corretamente os factos indicados como 7., 8., 10., 15 dos factos provados, e ainda os factos indicados sob as alíneas b), c), d), e), f), g), h), i), j), k) dos factos não provados. H. Impugna a Recorrente a resposta dada pela sentença recorrida, especialmente quanto aos factos julgados como PROVADOS, sendo que foi produzida prova, em sede de julgamento, que impunha decisão diversa da recorrida. I. Além do exposto, deveriam ter sido dados como provados, por acordo das partes, os documentos juntos à Contestação apresentada pelas ora rés, por não terem sido impugnados, o que in casu, não ocorreu. J. Contudo, quer quanto aos factos julgados como provados, quer quanto aos factos julgados como não provados, merece crítica a decisão recorrida, na medida em que as declarações de parte da 2ª Ré e dos depoimentos das testemunhas apresentadas, foram unânimes ao declarar que existiram transferências em valores avultados realizados pela 2ª Ré, em pagamento das tornas, bem como resulta provado dos mesmos que as oras rés não tinham conhecimento da situação de insolvência da sua mãe, porquanto foi tudo programado de forma individualizada. K. No ponto 7., não corresponde à verdade o que consta na sentença proferida, a ora Ré efetuou pagamentos que ultrapassaram o valor das tornas, tanto antes como depois da celebração da escritura de partilha referida. L. Além do exposto, deverá ter-se em conta o documento autenticado, junto à petição inicial e que serve de suporte à sentença proferida, “Partilha por óbito” por constar o seguinte: “(...) que de tornas já recebeu da segunda outorgante, declarando-se paga.” M. Será necessário constar da descrição de todos os pagamentos efetuados pela 2ª Ré, que os mesmos se destinavam ao preenchimento/pagamentos de tornas? Salvo melhor opinião, não é necessário, nem poderá ser exigível. N. Nestes termos, se está expressamente escrito, assinado e presente em documento autenticado que as tornas se encontram pagas, não pode o Tribunal “a quo” sustentar factualidade diversa. O. Assim, deverá o ponto 7., ser parcialmente alterado, porquanto corresponde à verdade, que a ora 2ª R. CR, efetuou pagamentos, movimentando valores da sua conta para a conta da ora insolvente. P. No que concerne ao ponto 8., encontra-se em divergência com o ponto 7., porquanto se a insolvente é doméstica, não tem rendimento de trabalho ou outro, quem iria pagar as contas devidas? Resulta evidente, que todos os pagamentos foram efetuados pela 2ª R. Q. Resulta ainda, no ponto 10., da referida sentença, não pode o tribunal “a quo” optar por colocar todas as afirmações dentro da mesma linha de raciocínio e conhecimento, resta-nos separar cada afirmação. R. Assim, resulta cristalino que as ora recorrentes, somente tiveram conhecimento da insolvência da mãe, muito tempo depois de acontecer, nunca pensaram sequer sobre insolvência e muito menos que a sua mãe tivesse chegado a tal ponto. S. A mãe nunca deu conhecimento do processo de insolvência, por escolha unicamente sua, bem como nunca deu conhecimento da gravidade passivo gravíssimo que tinham, conforme transcrições das sessões de audiência de discussão e julgamento. T. Nestes termos, somente se pode considerar parcialmente provado o ponto 10., devendo ser dado como não provado que as recorrentes tinham conhecimento da insolvência, apesar de terem conhecimento da sua dificuldade financeira - sendo situações completamente distintas e incomparáveis. U. No que concerne ao ponto 13., da sentença recorrida, existe uma contradição da matéria de facto e da sua fundamentação, bem como viola o princípio da livre apreciação da prova, por não existe qualquer suporte factual. V. No ponto 15., conforma resulta da Contestação supra mencionada e apresentada, bem como das declarações de parte e dos depoimentos das testemunhas - o Centro Clínico Champalimaud, não consta da lista de credores reconhecidos no processo de insolvência, porque a ora 2ª Ré, liquidou o valor de €7.710,80 (sete mil setecentos e dez euros e oitenta cêntimos), que se encontrava em dívida, conforme comprovativos juntos em sede de contestação. W. Quanto aos factos não provados, importa considerar as declarações de parte da ora 2ª Ré, os depoimentos das testemunhas prestados em sessão de audiência de discussão e julgamento e ainda toda a prova documental junta aos presentes autos. X. Nestes termos, resultou cristalino, que a ora 2ª Ré, realizou diversas transferências bancárias para a sua mãe, num valor avultado, conforme consta nas alíneas b), c), f), g), incorretamente julgados como não provados, devendo ter-se em conta, o depoimento da testemunha GE, das declarações de parte da ora 2ª Ré e dos documentos apresentados, impondo decisão diversa. Y. Deverá ser dado como provado, o exposto na alínea b), a ora R. CR realizou uma transferência, no valor de €2.000,00 (dois mil euros), para a conta bancária da ora insolvente, conforme consta dos documentos aqui juntos. Z. A alínea c), encontra-se incorretamente julgada, devendo ser alterada, dando-se como provado a realização dos pagamentos efetuados, bem como o destino dos mesmos. AA. Além do exposto, a origem dos documentos não foi impugnada. Logo, deveremos partir da presunção, compreendemos que os pagamentos efetuados foram destinados a determinado valor ou serviço. BB. O exposto na alínea f), encontra-se incorretamente julgado, devendo ser alterado, dado que a 2ª Ré procedeu às transferências para o Centro Clínico Champalimaud, no valor total de €7.710,80 (sete mil setecentos e dez euros e oitenta cêntimos), conforme documento 2, da contestação apresentada e, consequentemente, julgar-se provada a alínea c) dos factos não provados. CC. O exposto na alínea g), deverá ser dado como provado, porquanto o pagamento foi efetuado pela 2ª Ré, no valor de €1.927,70 (mil novecentos e vinte e sete euros e setenta cêntimos), conforme prova documental apresentada na contestação mencionada. DD. A origem dos documentos não foi impugnada, devendo existir presunção, porquanto os pagamentos efetuados foram destinados a determinado valor. EE. Quanto às alíneas d) e e), resulta óbvio que a ora R. efetuou e continua a efetuar, pagamentos que já satisfizeram o valor das tornas, encontrando-se o mesmo subsumido - factos estes, que pela prova produzida, bem como pelo documento de “Partilha por óbito” têm de ser dados como provados. FF. Concretamente, quanto à alínea d), andou mal o tribunal “a quo” porquanto, pela prova produzida em audiência de discussão e julgamento, bem como pela prova documental junta, concretamente os documentos 2, 4, 5, 6, 7 e 8 juntos à contestação, terá sempre de considerar como provado, o valor dos pagamentos efetuados pela 2ª R. GG. Resulta evidente, que deveria ter existido presunção na análise do ponto acima descrito, ora se os pagamentos foram feitos (conforme comprovativos juntos), é para fazer face a determinado valor. HH. No que concerne às alíneas i) e j), conforme contextualizado em toda a fase de articulados, bem como das declarações de parte da ora 2ª Ré, dos depoimentos das testemunhas prestados em sessão de audiência de discussão e julgamento e ainda de toda a prova documental junta aos presentes autos, resulta que com as partilhas em causa, a insolvente quis igualar os valores das filhas, de acordo com a vontade do seu falecido marido. II. Nestes termos, devem as alíneas i) e j) ser consideradas provadas, conforme resulta do depoimento da testemunha GE e das declarações de parte da 2ª R. JJ. Para sustentar, o exposto acima, veja-se, diligencia_823-18.4T8VFX-B_2024-0415_11-38-09: KK. “02:20 DR. CA: Sabe se, entretanto, o seu sogro, deixou dívidas, não sei se acompanhou essa parte... 02:25 TESTEMUNHA GE: Acompanhei, acompanhei... bastante até. Sei que mesmo em relação a alguns valores em dívida, foi mesmo a CR que teve de realizar alguns pagamentos, com algum esforço até na altura. 02:43 DR. CA: Olhe e fez os pagamentos, porque a dívida era dela ou era dos pais? 2:49 TESTEMUNHA GE: A dívida era do senhor M, mesmo. Naquela fase da doença e antes do falecimento, havia valores grandes, clínicas, do Champalimaud, da Cuf e isso tinha de ser pago, não é. E era mesmo uma preocupação constante da CR, que era deixar esses valores pagos e manter o bom nome do pai.” LL. Além de todo exposto, a presente sentença encontra-se em constante contradição, porquanto: MM. A ora insolvente é doméstica, não tem qualquer rendimento de trabalho ou outro além do rendimento social de inserção, no valor de €68,58 (sessenta e oito euros e cinquenta e oito cêntimos), não tendo posses para fazer face às despesas apresentadas; - Contudo, com o devido respeito, andou mal o Tribunal “a quo” por não dar como provado o facto de ser a ora 2ª Ré a pagar todas as despesas, mesmo com os factos provados, toda a prova produzida em sessão de audiência de discussão e julgamento, designadamente, dos depoimentos das testemunhas, declarações de parte e ainda da prova documental? Impõe-se decisão diversa da proferida. Porquanto, por todo o elencando acima, resulta provado que a ora 2ª Ré realizou transferências bancárias em valores avultados, subsumido o valor das tornas. - Pela insolvente, nunca foi reclamado qualquer crédito, comprovativo suficiente do que aqui se retrata; - Além do exposto, conforme suporte factual junto, a ora 2.º R., efetuou pagamentos para a conta da ora insolvente, devendo o presente facto ser dado como provado; - Existindo, contradição entre os fundamentos e a decisão que ora aqui se recorre, concretamente, nos pontos 7. e 13; NN. Carecem, por isso, de alteração os factos provados sob os números 7., 8., 10., 15 e ainda os factos indicados sob as alíneas b), c), d), e), f), g), h), i), j), k) e, consequentemente, a alínea l) dos factos não provados, conforme conteúdo vertido no ponto III do presente recurso. Da definição de contrato oneroso: OO. Na sequência do exposto na sentença proferida, devemos clarificar o facto, que se torna essencial para a boa decisão da causa, a tipificação do ato oneroso contra o ato gratuito. PP. Inicialmente, fica desde já, esclarecido que não existe qualquer prejuízo direto ou imediato e prejuízo indireto ou mediato, por não ser um ato gratuito. QQ. O equilíbrio das prestações não define o carácter oneroso do negócio, já que por muitas e variadas razões e como a vida nos ensina todos os dias, o valor de uma prestação pode não corresponder exatamente ao valor da outra. RR. No caso concreto, as ora RR., efetuaram pagamentos que ascendem o valor de €20.000,00 (vinte mil euros), podemos considerar que se torna num ato oneroso. SS. Nunca estivemos perante um ato gratuito - que por mera cautela de patrocínio se levanta, é a alegada questão do desequilíbrio, mas nem isso a ora Autora alegou ou suscitou. TT. E prova que não estamos perante um ato gratuito, é o facto de não ser reclamado qualquer crédito. UU. Nestes termos e à luz desta factualidade, podemos considerar estar perante um negócio oneroso, em que interveio a ora insolvente. Da inexistência e/ou reconhecimento de crédito: VV. Não se pode presumir a existência de um crédito, sem que seja a ora massa insolvente, ora autoria, a provar a existência do mesmo, o que in casu, não sucedeu – porquanto, não se encontra junto aos autos nenhuma certidão (documental) e/ou prova testemunhal, com credibilidade que reconheça a existência de um crédito. WW. Resulta cristalino, que a lei tipifica requisitos, ditos intrínsecos, materiais ou substanciais, que condicionam a exequibilidade do direito, inviabilizando, na sua falta, a satisfação coativa da obrigação. XX. Neste entendimento, não pode ser reconhecida a existência de crédito, se não existe nenhuma prova que comprove a existência da mesma, tanto em suporte documental como testemunhal. YY. Face ao exposto acima, a decisão referida, fez uma incorreta interpretação do condicionalismo fáctico subjacente e adequada interpretação e aplicação do Direito, designadamente das disposições legais supracitadas, que violou, devendo a presente sentença ser revogada e substituída por outra que determine a pela não existência de um crédito a favor da massa insolvente, por não provado. ZZ. Não correspondendo à verdade que todos os documentos juntos aos autos tenham sido impugnados, sendo de concluir pela admissibilidade por acordo de tais factos. AAA. E sendo de concluir pela admissibilidade de tais factos, a decisão proferida deverá ser revogada e substituída por outra que julgue não procedente a referida ação. Preterição do litisconsórcio necessário: BBB. O litisconsórcio diz-se necessário quando seja imposto por lei ou por vontade das partes, importando considerar o disposto no artigo 33.º do Código de Processo Civil, que o regula, e que determina no seu número 1. CCC. De acordo com o artigo 35.º do Código de Processo Civil, no caso de litisconsórcio necessário, há uma única ação com pluralidade de sujeitos. DDD. Face à presente ação, somente foi colocada contra as ora Rés AM e CR e não contra FM. EEE. Nestes termos e por todo o exposto, deverá julgar-se o presente litisconsórcio procedente, tornando-se a decisão inexequível. Da interpretação de bens de fácil sonegação: FFF. Nunca se poderá admitir, que direito à habitação, no valor de €37.359,00 (trinta e sete mil e trezentos e cinquenta e nove euros), é de fácil sonegação. GGG. Não cremos que se possa dizer que um direito real sobre um bem imóvel seja um bem de fácil sonegação. HHH. Nestes termos, não se trata de resolução incondicional do artigo 120.º, número 1, al. a) do CIRE, porquanto o quinhão não foi ESSENCIALMENTE preenchido com bens de fácil sonegação. III. Face ao exposto, podemos afirmar que a sonegação pressupõe que esse bem tenha sido dissipado ou ocultado – ora, efetivamente, o valor de tornas foi usado para pagar dívidas aos credores da Insolvente. JJJ. Se a Autora, considera que, este ato foi prejudicial para a massa é porque considera que haveria uma alternativa que melhor salvaguardaria as finanças da Insolvente - no entanto, não diz qual, nem nós temos conhecimento. KKK. E tampouco, pode haver resolução incondicional, nos termos da al. b), do 121.º, do CIRE, dado que, conforme afirmado e provado, não nos encontramos perante um ato gratuito porquanto existiu pagamento de tornas por parte das RR. LLL. O direito a habitação tem, como é óbvio um valor pecuniário que ademais encontra expresso na Partilha por óbito. MMM. O direito de habitação tem o valor próprio, que vai “integrar a eventual meação ou quinhão hereditário do cônjuge sobrevivo,” vide Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, II. NNN. Devendo, ainda, considerar-se a boa fé das RR. na realização do negócio, tendo agido a R. sem qualquer intuito de prejudicar seja quem for. OOO. Pelo que, atendendo à factualidade supra exposta, se deve considerar que a presunção de má-fé está ilidida nos termos do disposto no número 2 do artigo 350.º do Código Civil, mediante a prova inequívoca de que a R. desconhecia as circunstâncias enumeradas nas alíneas do número 5, do artigo 120.º do CIRE, conforme referido anteriormente. PPP. Ainda nesta sequência, veja-se o declarado pela 2ª Ré, CR, não sabe a diferença entre direito de uso e habitação e usufruto, bem como não sabe se o direito de uso e habitação é ou não transmissível. QQQ. Face a todo o exposto, o direito à habitação, não poderá ser considerado um bem de fácil sonegação, o que impõe decisão diversa da proferida. Termos em que se requer a V. Exas., Venerandos Desembargadores, a revogação da decisão proferida, alterando em consequência os factos julgados como provados, indicados sob os números 7., 8., 10., 15., e bem assim, dar como provados as alíneas b), c), d), e), f), g), h), i), j), k) e, consequentemente, a alínea l) dos factos não provados, conforme ponto III do presente recurso. Além do exposto, existe uma manifesta contradição entre a matéria de facto, a fundamentação dos pontos 7. e 13. e a decisão proferida. Atenta a matéria de facto dada como provada deve julgar-se improcedente a presente ação, absolvendo as Recorrentes do peticionado. Assim decidindo farão V. Exas., a Acostumada Justiça!”.
A autora apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões: “1. De nenhum vício padece a sentença proferida, sendo absolutamente exemplar na apreciação dos factos e da sua subsunção ao direito. DA ALEGADA NÃO VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS LEGALMENTE EXIGIDOS PARA A RESOLUÇÃO CONDICIONAL, NOS TERMOS DO ARTIGO 120º DO CIRE; DA INTERPRETAÇÃO DE BENS DE FÁCIL SONEGAÇÃO; 2. O Tribunal a quo apreciou, desde logo e porque, a verificar-se, consubstancia uma presunção iuris et de iure, a resolução incondicional, nos termos do artigo 121º, n.º 1 alínea a) do CIRE “Partilha celebrada menos de um ano antes da data de início do processo de insolvência em que o quinhão do insolvente haja sido essencialmente preenchido com bens de fácil sonegação, cabendo aos co-interessados a generalidade dos imóveis e dos valores nominativos”. 3. É absolutamente irrelevante, uma vez que operou a resolução incondicional em benefício da Massa Insolvente, se está ou não verificada a prejudicialidade e a má fé, as quais apenas relevariam se estivéssemos perante uma resolução condicional, o que não é o caso, repete-se. 4. O Tribunal a quo julgou a ação procedente, considerando estarmos perante uma situação de RESOLUÇÃO INCONDICIONAL (a que dispensa a verificação de quaisquer outros requisitos, ou seja, os estatuídos no art.º 121.º do CIRE, que nos termos do n.º3 deste preceito, se presumem prejudiciais à massa insolvente, sem admissão de prova em contrário, consubstanciando por isso uma presunção iuris et jure) e não condicional como referem as Recorrentes. 5. Dispõe o artigo 121, n.º 1 a) do CIRE: “1 - São resolúveis em benefício da massa insolvente os actos seguidamente indicados, sem dependência de quaisquer outros requisitos: a) Partilha celebrada menos de um ano antes da data do início do processo de insolvência em que o quinhão do insolvente haja sido essencialmente preenchido com bens de fácil sonegação, cabendo aos co-interessados a generalidade dos imóveis e dos valores nominativos;” 6. Conforme se verifica dos factos provados, a Insolvente e as Recorrentes celebraram uma escritura de partilha (03.10.2017) menos de um ano antes da data de início do processo de insolvência (07.03.2018), e através da qual o quinhão da Insolvente, no valor de 59.000,00€ (cinquenta e nove mil euros), cfr. escritura de partilha junta aos autos, foi preenchido com o direito de habitação sobre a fração autónoma que constituía verba única pertencente à herança, ao qual atribuíram o valor fiscal de 37.359,00€ e, alegadamente, o remanescente do seu quinhão, no montante de 21.941,00€ foi pago pela Recorrente CR em dinheiro, vale dizer, foi o quinhão da Insolvente preenchido com bens de fácil sonegação, conforme doutamente considerou o Tribunal a quo, vale dizer, com direito de habitação e dinheiro. 7. Mais uma vez, ao contrário do que referem as recorrentes, é entendimento da jurisprudência que o dinheiro é o bem de mais fácil sonegação - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 2452/07.9TBPVZ-C.P1, de 18.02.2014, disponível em www.dgsi.pt 8. Bem como, de igual modo, o é o direito de habitação atribuído à Insolvente para preenchimento do seu quinhão. 9. Ao não poder ser onerado, tal significa que o direito de uso e habitação não pode ser penhorado, pelo que, caso exista uma execução pendente contra o titular de um direito de uso e habitação este direito será UM DIREITO “INATACÁVEL”. 10. Assim, mercê de todo exposto, não merece qualquer reparo a conclusão do Tribunal a quo ao entender que, tal como o dinheiro, o direito de uso e habitação atribuída à insolvente para preenchimento do seu quinhão, constitui um bem de fácil sonegação, tendo sido todas estas características que estiveram na base da estratégia pela insolvente e recorrentes adotada. 11. Deste modo, temos de concluir que o quinhão da insolvente foi essencialmente preenchido com bens de fácil sonegação – direito pessoal e intransmissível e dinheiro -, tendo por ponto de partida para tal conclusão de que essa sonegação se verificou face aos credores da insolvente, que é o que releva nesta sede. 12. Em suma, verifica-se preenchida a alínea a) do artigo 121º, n.º 1 do CIRE, e portanto operou a resolução incondicional do negócio celebrado entre as Recorrentes e a Insolvente, a qual dispensa a verificação de quaisquer outros requisitos, ou seja, os estatuídos no art.º 121.º do C.I.R.E., que nos termos do n.º 3 deste preceito, se presumem prejudiciais à massa insolvente, sem admissão de prova em contrário, consubstanciando por isso uma presunção iuris et de jure. DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO 13. Entendem as Recorrentes que se encontram incorretamente julgados os factos indicados como 7., 8., 10., 15 dos factos provados, e ainda os factos indicados sob as alíneas b), c), d), e), f), g), h), i), j), k) e, consequentemente, a alínea l) dos factos não provados. 14. Como ficou dito, a resolução operada é a dita “incondicional” (artigo 121, n.º 1 a) do CIRE), que depende apenas de pressupostos objectivos e que concernem tão-somente à circunstância de a partilha ter sido celebrada menos de um ano antes da data do início do processo de insolvência e de o quinhão do insolvente ser essencialmente preenchido com bens de fácil sonegação, cabendo aos co-interessados a generalidade dos imóveis e dos valores nominativos. 15. Sucede que a escritura da partilha, cuja validade se não discute nos autos, é inequívoca ao determinar que a insolvente não recebe qualquer imóvel sendo apenas o direito de habitação do imóvel (que já se analisou anteriormente e que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos, e o alegado pagamento em dinheiro). 16. Como se mencionou supra e que aqui se dá por integralmente reproduzido, o dinheiro e o direito de habitação são bens bem de fácil sonegação. Desde logo, porque o legislador assim o induz ao proceder a uma delimitação negativa do conceito quando contrapõe não serem os imóveis e os valores nominativos “bens de fácil sonegação”. 17. Donde, resulta prejudicada a apreciação dos factos controvertidos na medida em que, como vimos, a mera ponderação dos factos assentes e não contestados pelas Recorrentes e do que resulta da escritura junta, impõe, necessariamente, a resolução em benefício da massa insolvente, tornando inclusivamente desnecessária a impugnação e reapreciação da matéria de facto impugnada. 18. O motivo pela opção “dinheiro” resulta inócuo no contexto do referido art.º 121.º, nº 1, al. a) do CIRE, bem como a circunstância de a mesma alegadamente ter pago alegadas dividas do falecido. Do mesmo modo, quanto à pretensão de prova segundo a qual a partilha não seria prejudicial à massa na medida em que essa prejudicialidade se presume iniludivelmente, sem admissão de prova em contrário, à luz do preenchimento dos requisitos do citado preceito. 19. Humildemente entende a Recorrida, que a decisão da matéria de facto proferida na sentença relativamente à qual as apelantes ora recorrem, solicitando a sua reapreciação, é irrelevante para a decisão da causa, já que, em qualquer circunstância, se deverá decretar a resolução da partilha em benefício da massa insolvente. 20. Este decretamento decorreu da iniciativa do Sr. Administrador de Insolvência para a qual detinha legitimidade, nos termos do artigo 123º, mediante a verificação dos requisitos previstos nos artigos 120º e 121º, admitindo-se que ele se faça com recurso aos meios judiciais, quer por via de notificação, quer de acção, ou excepção (citamos novamente o CIRE Anotado de Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, pág. 438). Acresce que, 21. Entendem as Recorrentes que se encontram incorretamente julgados os factos indicados como 7., 8., 10., 15 dos factos provados, e ainda os factos indicados sob as alíneas b), c), d), e), f), g), h), i), j), k) e, consequentemente, a alínea l) dos factos não provados. 22. Como já se referiu supra, os presentes autos configuram uma ação de resolução em benefício da massa insolvente, operada pelo Sr. Administrador. 23. O Tribunal a quo apreciou detalhadamente o pedido e causa de pedir inerente à ação em causa e à natureza da mesma, tendo fixado matéria de facto essencial e necessária para a apreciação das questões que lhe era imposto apreciar. 24. Dispõe o artigo 662º, n.º 1 do C.P.C. que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. 25. Pese embora o legislador reconheça a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, procurou também inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido “nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência” mas apenas “ detetar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento” - preambulo do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro. 26. Neste seguimento, dispõe o artigo 640º do C.P.C. “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre a questões de facto impugnadas” 27. Assim, devem as Recorrentes não só delimitar com precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, como também indicar a decisão que, no seu entendimento, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, sob pena de rejeição, sendo que esta ultima exigência “vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente” devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto “decorrência do principio da autorresponsabilidade das partes”, “Impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”- António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 219). 28. Esta exigência ao Meritíssimo Juiz de 1ª Instância de fundamentação e de análise crítica das provas, também é exigido às Recorrentes. 29. No entanto, e salvo o devido respeito por opinião contrária, as Recorrentes não obedecem à exigência prevista no artigo 640º do C.P.C., ou seja, pese embora identifiquem, de forma genérica, os factos que entendem que cuja apreciação deva ser alterado, não identificam os meios probatórios concretos que permitiam, na opinião do recorrente, a alteração pretendida pelas Recorrentes. 30. As Recorrentes, no que à impugnação à matéria de facto respeita, limitam-se, tão somente, a discordar, de forma vaga e genérica da decisão e apreciação/valoração da prova produzida efetuada pelo Tribunal de 1ª Instância. 31. Mas mais, conforme é exigível, as recorrentes não especificam, como facilmente se comprova pelo teor do seu Recurso interposto, os meios de prova que, no seu entender, impunham a alteração da qualificação (provado/não provado) de cada um dos factos que cuja qualificação pretendem ver alterado na matéria de facto, A CADA UM DOS MESMOS; 32. Vale dizer, a impugnação da matéria de facto efetuada pelas Recorrentes mais não é do que uma clara e mera manifestação de inconsequente inconformismo. 33. Assim, não tendo as Recorrentes cumprido as exigências estabelecidas pelo artigo 640º do C.P.C. para a impugnação da matéria de facto, deve o presente recurso ser rejeitado. 34. Acresce ainda que, ao contrário do que alegam as Recorrentes, todos os documentos juntos com a contestação (e posteriormente) encontram-se devidamente impugnados pela Recorrida, cfr. requerimento junto aos autos pela Recorrida em 12.04.2021 (ref.ª citius 38515271) e 28.12.2023 (ref.ª citius 47517135). Caso assim não se entenda, o que só por mera cautela de patrocínio se equaciona: 35. No que ao ponto 7 respeita, carece de qualquer fundamento a alteração pretendida pelas recorrentes. 36. Tal como doutamente refere a sentença recorrida não há qualquer prova do processo que comprove que os alegados pagamentos efetuados pela recorrente o tenham sido feitos diretamente para pagamento de tornas. 37. O que resulta do depoimento e dos documentos juntos aos autos é que as recorrentes, uma vez que a mãe era doméstica ajudavam a mãe e o pai. Mais resulta que foram feitas algumas transferências sem que das mesmas constem expressamente o fim a que se destinavam. 38. Nunca, em momento algum, é feita expressa menção que os alegados pagamentos o fossem para pagamento de tornas, motivo pelo qual muito bem entendeu o tribunal a quo que em momento algum, seja naquele momento da partilha, antes ou depois do mesmo a recorrente tenha feito pagamentos expressa e diretamente afetos ao pagamento por tornas. 39. Mais ainda, não é o facto de constar da escritura de partilha por óbito, documento autenticado, a declaração por parte da Insolvente de que recebeu tornas, que torna esta declaração inatacável. 40. No que ao ponto 8 respeita, de igual modo não assiste razão às recorrentes. Com efeito, não há qualquer divergência entre o ponto 7 e o 8., sendo que as recorrentes pretendem tirar de esforço uma conclusão para alcançar o que pretendem, isto é, de que efetuaram pagamentos para pagamento de tornas. 41. Mas não, a recorrente CR foi ajudando os pais perante as necessidades com que estes se depararam. A Recorrente CR fez pagamentos de dividas dos pais, e não pagamentos por conta de tornas. 42. No limite, os pagamentos efetuados pela Recorrente CR, configurariam dívidas da herança e não da insolvente, como consta da sentença recorrida. 43. No que respeita ao ponto 10, toda a argumentação até agora apresentada pelas Recorrentes entra em total e clara contradição com o que referem quanto a este ponto. 44. Então, se anteriormente pretendem que se reconheça que fizeram inúmeros pagamentos e que os mesmos foram feitos para pagamento de tornas (até superiores), porque a insolvente e o marido não tinham capacidade, alegadamente porque havia valores grandes em dívida, a clínicas, Champalimaud, CUF, que a Insolvente era doméstica, não tinha rendimento de trabalho ou outro, como pretendem aqui convencer que desconheciam o estado de insolvência da agora Insolvente? 45. Ao contrário do que alegam as recorrentes, a dificuldade financeira da Insolvente não é complemente distinta e incomparável com a situação de insolvência. 46. Esta era do total conhecimento das recorrentes. Agora, se o conheciam em toda a sua extensão ou não, poderá ser outra questão. Mas resulta claro da prova produzida e da fundamentação da sentença recorrida que as recorrentes tinham perfeito conhecimento da situação de insolvência em que a mãe se encontrava, pois era claro que o passivo desta era claramente superior ao passivo e que esta se encontrava impossibilitada de cumprir com as suas obrigações vencidas – artigo 3º do CIRE. 47. Aliás, todo o recurso das recorrentes assenta no facto de existirem inúmeras dívidas da insolvente e marido, vencidas e não pagas, e que alegadamente foram pagas pela Recorrente CR. 48. Pelo que, não assiste qualquer razão as recorrentes na alteração pretendida. 49. No que concerne ao ponto 13 e 15 as recorrentes não fazem nem especificam, conforme é exigível, os meios de prova que, no seu entender, impunham a alteração da qualificação do ponto 13 dos factos provados, pelo que improcede, também, a impugnação do facto mencionado. 50. Não é o facto de o Centro Champalimaud não constar da lista de credores que tal significa, sem mais, que o mesmo não o é e que a (s) recorrente (s) pagaram a dívida existente. 51. No que respeita à impugnação dos factos não provados, as recorrentes, mais uma vez, não fazem nem especificam, conforme é exigível, os meios de prova que, no seu entender, impunham a alteração da qualificação das alíneas b), c), d), e), f) e g) dos factos não provados, pelo que improcede, também, a impugnação do facto mencionado. 52. No que respeita às alíneas b), c), f) e g), desde logo e conforme refere a sentença recorrida, no que respeita à alínea b) não há qualquer documento que sustente essa transferência. 53. O mesmo se refira quanto as alíneas b), f) e g), cujo douto entendimento do tribunal a quo a recorrida partilha na totalidade. 54. Em jeito lateral ainda se diga que, ao contrário do que alegam, os documentos juntos foram expressamente impugnados pela Recorrida. 55. De igual modo, no que respeita à impugnação das alíneas d), e), i), j) dos factos não provados, as recorrentes não fazem nem especificam, de forma individualizada, conforme é exigível, os meios de prova que, no seu entender, impunham a alteração da qualificação das mencionadas alíneas dos factos não provados, pelo que improcede, também, a impugnação do facto mencionado. DA DEFINIÇÃO DE CONTRATO ONEROSO: 56. Alegam as recorrentes neste ponto que entendem tornar-se essencial para a boa decisão da presente causa a tipificação do ato oneroso contra o ato gratuito, fundamentando que não existe qualquer prejuízo direto ou imediato e prejuízo indireto ou mediato, por não ser um ato gratuito. 57. S.m.o., não pode a ora recorrida concordar com tal entendimento, encontrando-se automaticamente esta questão completamente ultrapassada com a análise já efetuada supra quanto à verificação da totalidade dos requisitos concernentes à resolução incondicional, ao abrigo do art.º 121.º, n.º1 al. a) do CIRE, o que determina, reitera-se, a dispensa da verificação de quaisquer outros requisitos, ou seja, os estatuídos no art.º 121.º do C.I.R.E., que nos termos do n.º 3 deste preceito, se presumem prejudiciais à massa insolvente, sem admissão de prova em contrário, consubstanciando por isso uma presunção iuris et de jure. 58. Assim, mais do que assente está, que a insolvente e recorrentes celebraram uma partilha menos de um ano antes da data do início do processo de insolvência, em que o quinhão da insolvente foi essencialmente preenchido com bens de fácil sonegação, cabendo às co-interessados a generalidade dos imóveis e dos valores nominativos. 59. No mais, desde já devemos deixar patente que, no entendimento da recorrida, tampouco foi efetuada prova concreta de que, efetivamente, tenham sido efetuados quaisquer tipo de pagamentos por conta da insolvente, pagamentos estes relacionados com dívidas da herança do marido da insolvente, e não dívidas da insolvente, sendo que, a efetuarem, também seriam pagamentos da responsabilidade das recorrentes, na proporção da sua herança. 60. Termos em que, também este argumento, deverá soçobrar. DA ALEGADA PRETERIÇÃO DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO; 61. Alegam as recorrentes a verificação da exceção de litisconsórcio necessário. 62. Mais uma vez, carece de fundamento o alegado pelas recorrentes. 63. O CIRE, quanto à legitimidade passiva da resolução em benefício da massa, é omisso. Porém, conforme tem sido entendimento de doutrina e jurisprudência, tal legitimidade pertence à pessoa que celebrou o negócio jurídico com o insolvente antes da declaração de insolvência. Isto é, a pessoa que foi parte no ato que é agora objeto de resolução, o que neste caso se reconduz às RR, ora recorrentes, não se verificando qualquer preterição de litisconsórcio necessário. 64. O administrador de insolvência é a entidade que detém legitimidade activa para proceder à resolução dos actos prejudiciais à massa insolvente, tanto mais que “a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência” – art.º 81.º n.º 1 do CIRE. 65. Com efeito, o efeito primordial da declaração de insolvência, quanto ao devedor, é de natureza patrimonial e reflecte-se nos seus poderes de actuação nesse domínio da sua esfera jurídica, sendo os referidos poderes atribuídos ao administrador da insolvência. Como ensina Menezes Leitão, o insolvente perde “a posse material e as faculdades de administração e de disposição, quer dos bens que possui aquando da declaração de insolvência, quer dos bens e rendimentos que de futuro lhe advenham.” - In Direito da Insolvência, 5.ª ed, 2013, pág. 148. 66. Assumindo o administrador da insolvência a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência – art.º 81.º n.º 4 do CIRE – quando dirige a declaração de resolução à contraparte no acto ou negócio prejudicial à massa, está a exercer tais poderes de representação do devedor. Daí que a declaração de resolução se torne perfeita quando chegue ao conhecimento da contraparte, isto é, da pessoa que celebrou o negócio jurídico com o insolvente antes da declaração de insolvência, não sendo exigível que a declaração de resolução seja também dirigida ao próprio insolvente, uma vez que este já está representado pelo emitente da declaração resolutiva. (Neste sentido se pronunciou o Acórdão da Relação de Lisboa de 09.06.2015 (Proc. 2080/10.1TBPDL-C.L1-1), publicado em www.dgsi.pt. 67. Com a declaração de insolvência, o insolvente fica em geral privado de poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente, poderes que passam a competir ao administrador da insolvência – cfr. art.º 81º n.º 1 do CIRE. 68. O Administrador de Insolvência, a partir do momento em que é declarado o estado de insolvência de um particular ou de uma sociedade comercial ou empresa, fica investido no poder de gerir, administrar, zelar, conservar e reintegrar o património do devedor, facultando-lhe a lei a possibilidade de actuar e impulsionar as acções tendentes a evitar a depreciação do património que irá dar satisfação aos créditos que venham a apresentar-se ao concurso de credores. 69. O administrador da insolvência assume, pois, a representação do devedor para todos os efeitos de caráter patrimonial que interessem à insolvência – artº. 81º n.º 4 do CIRE. 70. Ora, um efeito de caráter patrimonial que interessa à insolvência é justamente a resolução dos actos prejudiciais à massa insolvente, praticados pelo devedor nos dois anos anteriores à declaração de insolvência – art.º 120º n.º 1 do CIRE. 71. Esses actos que excluíram bens do património do devedor (agora insolvente), ou que os oneraram, podem ser resolvidos em benefício da massa, nos termos dos arts. 120º e seguintes do CIRE. Com o recurso à resolução em benefício da massa insolvente tentar-se-á, pois, alcançar a reconstituição do património do devedor, através da destruição dos actos tidos como prejudiciais. Actos prejudiciais são aqueles que frustram, diminuem, põem em perigo ou retardam a satisfação dos credores da insolvência. Se os actos forem resolvidos, tais bens são reintegrados na massa insolvente. 72. Assim, ao resolver os actos do devedor que oneraram ou excluíram aqueles bens do seu património, em prejuízo dos credores, com óbvio efeito de caráter patrimonial que interessa à insolvência, o administrador da insolvência atua em representação legal do devedor – cfr. art.º 81º.n.º 4 do CIRE. 73. No regime geral dos contratos, a resolução é um acto receptício que se faz mediante declaração à outra parte – art.º 436.1 do CC. É um acto entre os outorgantes do contrato sujeito à resolução. 74. Mas, em caso de insolvência, está-se perante regime especial. 75. Em vez do outorgante que alienou esse bem ou que o onerou, age o administrador da insolvência em sua representação, para este efeito de caráter patrimonial que interessa à insolvência. 76. Uma vez que o acto foi prejudicial ao património do próprio devedor, foi praticado de má fé pelo terceiro, prejudicando os credores (art.º 120.º do CIRE), ou em circunstâncias tais que nem sequer é preciso apurar esses requisitos (art.º 121.º), nessas condições, a lei não atribui expressamente ao insolvente a faculdade de impugnar a resolução. 77. A resolução não terá, portanto, de ser comunicada ao insolvente segundo as formalidades previstas no art.º 123.º do CIRE. 78. Então, se actua o Administrador de Insolvência como representante do insolvente, não precisa de enviar-lhe a comunicação de resolução de tal acto, ou de intentar a ação de resolução também contra o insolvente. Tal equivale a dizer, deve apenas ser obrigatoriamente destinatário da comunicação de resolução do negócio prejudicial quem com o devedor insolvente contratou, ele quem é afectado pela resolução, a contraparte dos negócios celebrados com o insolvente, e por cautela também o possam ser terceiros a quem possa ser oposta a resolução. 79. Pelo que, também este argumento das recorrentes não poderá ser acolhido. DA INEXISTÊNCIA E/OU RECONHECIMENTO DE CRÉDITO; 80. Alegam as Recorrentes que a Recorrida não provou nem é detentora de qualquer crédito. 81. Para intentar a ação de cuja sentença as recorrentes recorrem, não necessita a Massa Insolvente, representada pelo Sr. Administrador de Insolvência, de fazer prova de qualquer direito de crédito. 82. As recorrentes desconhecem por completo o instituto da resolução em benefício da massa insolvente e todos os seus tramites. 83. A resolução em benefício da massa insolvente é um mecanismo cuja legitimidade ativa é atribuída somente à figura do Administrador da Insolvência, permitindo, resolver atos que foram praticados pelo devedor insolvente com o intuito de proteger o seu património e impedir a satisfação dos seus credores. 84.Naturalmente, para que haja um Administrador de Insolvência, uma massa insolvente, há previamente a declaração de insolvência de um devedor, a qual pressupõe que o passivo deste é superior ao ativo. Logo há divida/passivo, que está devidamente reconhecida no processo principal de insolvência ao qual a ação de resolução em benefício da massa corre por apenso. 85. Não necessita o Administrador de insolvência de fazer prova de qualquer crédito e/ou juntar qualquer certidão que reconheça qualquer crédito, sendo que tal está já devidamente comprovado nos autos principais aos quais o processo de resolução em benefício da massa corre por apenso. 86. E, mercê de se encontrar devidamente comprovada a divida, e que a mesma ultrapassa o ativo, é que é decretada a insolvência do devedor com todas as necessárias consequências daí advindas. 87. Mercê do exposto é totalmente descabido o fundamento alegado pelas recorrentes. NESTES TERMOS, não só pelo alegado, mas também pelo Alto Critério de V.ª Ex.ª, mantendo o despacho recorrido, farão V.ª Ex.ª a desejada JUSTIÇA!”
Cumpre apreciar
II. FUNDAMENTOS DE FACTO
O tribunal de 1ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
1. FM apresentou-se à insolvência em 7 de março de 2018 e foi declarada insolvente nos autos principais, por sentença proferida em 20 de março de 2018, transitada em julgado em 24 de abril de 2018, conforme petição inicial e sentença de declaração de insolvência proferida nos autos principais, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. Foi reconhecido o seguinte crédito sobre a insolvente: RP, no valor de € 7.200,00 a título de créditos laborais, vencido em 14 de fevereiro de 2018, na sequência de acordo celebrado entre insolvente e RR, homologado em ata no dia 15 de janeiro de 2018, no processo n.º 15663/17.0 T8LSB do Juízo de Trabalho de Lisboa, Juiz 2, conforme petição inicial e documento com a referência 6648181 nos autos principais e Lista de Créditos Reconhecidos do apenso de reclamação de créditos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. No dia 25.08.2015 faleceu AM, no estado de casado com a ora insolvente no regime de comunhão de bens adquiridos, conforme certidão de registo civil da insolvente junta aos autos principais sob o requerimento com a referência 6648181 nos autos principais, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. O de cujus, cônjuge da insolvente, deixou testamento público outorgado no dia 21.08.2015, exarado a folhas setenta e oito do livro de testamentos número seis-T, do Cartório Notarial de (…) da Notária CSS, através do qual instituiu herdeira de dois terços da sua quota disponível a sua mulher, ora insolvente, começando a ser preenchida pelo usufruto da sua casa sita na Rua …, em Odivelas, e instituiu ainda herdeira de um terço da sua quota disponível a 2ª ré, CR, conforme documento 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
5. No dia 03.10.2017, compareceram no Cartório Notarial de JLs, sito (…) em Lisboa, a Insolvente (por si e em representação da 1ª R.) e a 2ª R e celebraram uma escritura de “Partilha por óbito” de AM, conforme documento 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
6. Na escritura de “Partilha por óbito” referida em 5. declararam a insolvente (por si e em representação da 1ª R.) e a 2ª R. que: “(…) Que, por isso, lhe sucederam como únicas herdeiras: I) Por vocação legal: a) O cônjuge sobrevivo, F, ora primeira outorgante; b) A sua filha, AM, que é a representada da primeira outorgante; II) Por vocação testamentária: a) O cônjuge sobrevivo, FM, ora primeira outorgante; b) CR, a segunda outorgante supra identificada.” (…) “Que, assim, a primeira outorgante e a sua representada, e a segunda outorgante, são as únicas herdeiras na herança aberta por óbito do autor da sucessão, AM, cujo património a partilhar através da presente escritura é constituído pelo seguinte bem: Verba Única Fração autónoma designada pela letra “M, correspondente ao sexto andar esquerdo, para habitação, (…) afeto ao regime da propriedade horizontal registada pela apresentação sessenta e três, de três de agosto de mil novecentos e setenta e seis, com a aquisição registada, sem determinação de parte ou direito, a favor das partilhantes, pela apresentação setenta e sete, de três de outubro de dois mil e quinze, prédio inscrito na respetiva matriz sob o artigo 5293, com o valor patrimonial correspondente à fração de 106.740,00€, à qual atribuem, para efeitos da presente partilha, igual valor de cento e seis mil setecentos e quarenta euros.” (…) “Que, no referido acervo patrimonial, é o quinhão hereditário da primeira outorgante, FM, de dez dezoito avos; o quinhão hereditário da representada da primeira outorgante (filha do autor da sucessão), AM, de seis dezoito avos; e o quinhão hereditário da segunda outorgante, CR, de dois dezoito avos. Que, assim, é o valor do património de cento e seis mil setecentos e quarenta euros, pelo que o quinhão hereditário da primeira outorgante, FM, é no valor de cinquenta e nove mil euros; o quinhão hereditário da representada da primeira outorgante, AM, de trinta e cinco mil quinhentos e oitenta euros; e o quinhão hereditário da segunda outorgante, CR, de onze mil oitocentos e sessenta euros” (…) “para pagamento do quinhão hereditário da primeira outorgante, FM, é-lhe adjudicado o direito de habitação sobre a fração autónoma supra identificada na verba única, a que atribuem o respetivo valor fiscal, que considerada a idade da titular, é de trinta e sete mil trezentos e cinquenta e nove euros, pelo que leva a menos do seu quinhão a quantia de vinte e um mil novecentos e quarenta e um euros, que de tornas já recebeu da segunda outorgante, declarando-se paga. Que para pagamento do quinhão hereditário da representada da primeira outorgante, AM, e da segunda outorgante, CR, é-lhe adjudicada, em comum e parte iguais, a nua-propriedade da fração autónoma supra identificada na verba única, no valor atribuído a cada metade adjudicada de trinta e quatro mil seiscentos e noventa euros e cinquenta cêntimos. a) A representada da primeira outorgante, AM, leva a menos do seu quinhão hereditário a quantia de oitocentos e oitenta e nove euros e cinquenta cêntimos, que já recebeu de tornas da segunda outorgante, declarando a sua representante paga. b) A segunda outorgante, CR, leva a mais do seu quinhão a quantia de vinte e dois mil oitocentos e trinta euros e cinquenta cêntimos, que de tornas já pagou à primeira outorgante e à sua representada, declarando-se paga. Que a fração autónoma ora adquirida se destina exclusivamente a sua habitação própria e permanente da primeira outorgante.”, conforme documento 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7. A 2.ª R., CR, no momento da celebração da escritura de partilha referida em 6. não efetuou qualquer pagamento à insolvente, bem como não pagou qualquer montante antes ou depois da celebração da mesma, com a indicação direta de que se destinava ao pagamento de tornas.
8. A insolvente é doméstica, não tem qualquer rendimento de trabalho ou outro, para além do Rendimento Social de Inserção no valor de 68,58 € mensais – cfr. documento 1 junto com cada uma das contestações, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e sobrevive com a ajuda de familiares e amigos, nomeadamente com a ajuda da filha CR, aqui 2ª R., que pagou contas da insolvente.
9. As duas RR. são filhas da insolvente, conforme assentos de nascimento juntos como documentos 5 e 6 da petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzidos.
10. As filhas da Insolvente tinham conhecimento da situação financeira da insolvente, bem como da existência e dimensão das dívidas da mesma e da sua dificuldade para cumprir as obrigações assumidas.
11. A R. CR efetuou as seguintes transferências da sua conta bancária com o n.º 2150027243930, para uma conta bancária da insolvente, com o n.º/IBAN:
- Em 02.12.2015, no valor de € 3.184,40;
- Em 05.01.2016, no valor de € 3.184,40;
- Em 16.02.2016, no valor de € 5.918,80;
- Em 10.05.2016, no valor de € 1.184,40;
- Em 27.07.2016, no valor de € 3.184,40;
- Em 05.09.2016, no valor de € 1.584,80;
- Em 03.10.2016, no valor de € 1.584,80.
12. A R. CR efetuou ainda as seguintes transferências:
- 17.06.2014, no valor de € 4.136,00, para pagamento da Universidad Europea Madrid, onde estudava a 1.ª R., AM;
- 20.09.2018, no valor de € 1.600,00 para conta bancária da 1.ª R., AM.
13. A insolvente, até ser detetado, em 2014, o cancro de que o seu marido acabou por vir a falecer a 25.08.2015, tinha uma vida financeira sem preocupações.
14. Com a incapacidade para o trabalho do marido da insolvente e as altíssimas despesas que tiveram que custear com o seu tratamento, que não foi comparticipado, perderam todo o seu património e fontes de rendimento.
15. Centro Clínico Champalimaud não consta da lista de credores reconhecidos no processo de insolvência.
16. O falecido marido da insolvente tratava a filha, a 1.ª R., e a enteada, a 2.ª R., como iguais para si, sem distinção.
17. A 1.ª R. reside em Espanha e era, à data, estudante.
*
O tribunal de 1ª instância fez ainda consignar como segue:
“Com interesse para a decisão da causa não se provou:
a) O valor patrimonial do bem imóvel referido cifra-se em 106.470,00€ (cento e seis mil setecentos e quarenta euros);
b) A R. CR efectuou uma transferência, no valor de € 2.000,00, 09.05.2016, para a conta bancária da insolvente;
c) A R. CR efectuou os seguintes pagamentos a Clínica, no valor total de € 7.710,80:
- 30.09.2015 - € 1.927,00;
- 30.10.2015 - € 1.927,00;
- 03.11.2015 - € 1.927,00;
- 01.12.2015 - € 1.927,00;
d) O valor das tornas está completamente subsumido pelos pagamentos efectuados pela 2.ª R. por conta da insolvente e que, aliás, continua a fazer;
e) A 2.ª R., CR, agiu como descrito em 7., porquanto considerou que o valor das tornas estaria subsumido pelos pagamentos por si efetuados por conta da mãe, aqui insolvente, anteriormente;
f) As despesas com cuidados médicos prestados ao marido da Insolvente, como é o caso da conta corrente com nomeadamente no “Centro Clínico Champalimaud”, de 07.09.2015 com saldo devedor de € 7.710,80 (sete mil setecentos e dez euros e oitenta cêntimos), junta como Doc. 2 da contestação da R. CR, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, foi pago pela R. CR;
g) O Recibo de 1.927,70 € emitido em 02.10.2015, relativo a factura de tratamentos emitida a 31.03.2015 passada em nome do falecido AM, mais uma vez, foi liquidado pela R. CR, o mesmo tendo acontecido com as demais prestações;
h) A dívida ao “Centro Clínico Champalimaud” encontra-se completamente liquidada;
i) Com as partilhas, a insolvente quis igualar os valores das filhas, de acordo com a vontade do seu falecido marido;
j) Por vontade do marido da insolvente e pai da 1.ª Ré, a distribuição foi feita de maneira desigual de modo a igualar as partes de ambas filhas da insolvente;
k) A 2.ª R. pagou tornas à 1.ª R.;
l) O valor de tornas foi usado para pagar dívidas aos credores da Insolvente”.
III. FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelas apelantes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº3 do mesmo diploma,
No caso, impõe-se apreciar:
- Da verificação de uma exceção dilatória: a ilegitimidade passiva das rés por preterição de litisconsórcio necessário;
- Da impugnação do julgamento de facto;
- Da verificação dos pressupostos legais para a resolução em benefício da massa insolvente, do contrato de partilha outorgado em 03-10-2017 entre a devedora/insolvente e as rés/apelantes, ponderando o regime enunciado nos arts. 120.º a 127.º do CIRE, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem, para o que releva:
(i) A especial configuração desse negócio;
(ii) A subsunção da resolução à hipótese prevista na alínea a) do número 1 do art.º 121.º;
(iii) A subsunção da resolução ao abrigo do disposto no art.º 120.º.
2. Da verificação de uma exceção dilatória: a ilegitimidade passiva das rés por preterição de litisconsórcio necessário
As rés alegam em sede de recurso que a ação devia ter sido instaurada também contra a devedora/ insolvente, o que não aconteceu, pelo que devem ser absolvidas da instância, por preterição de litisconsórcio necessário.
Trata-se de questão nova, porquanto nunca foi suscitada perante o tribunal de 1.ª instância, mas, ainda assim – ultrapassando a perplexidade que causa ter o processo decorrido, passando até pelo crivo da Relação e do STJ, sem que as rés suscitassem essa exceção, fazendo-o só agora –, considerando que constitui exceção de conhecimento oficioso (arts. 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º alínea e) e 578.º do CPC), deve esta Relação conhecer da mesma; regista-se que a afirmação feita aquando da prolação do despacho saneador, de que as partes são legítimas, não obsta a essa apreciação porquanto, como é entendimento consolidado, a prolação de despacho saneador tabelar não faz caso julgado formal quanto às matérias a que se reporta esse despacho [ [5] ] e, no caso, o despacho proferido teve esse cariz (cfr. o relatório).
A legitimidade das partes enquanto pressuposto processual afere-se pelo disposto no art.º 30.º do CPC, relevando, em sede de legitimidade passiva, a identificação dos sujeitos que têm interesse em contradizer, atento o prejuízo que a procedência da ação é suscetível de lhes causar e ponderando a titularidade da relação jurídica tal como ela é configurada pelo autor. Envolvendo a relação jurídica vários titulares, como aqui acontece, coloca-se a questão de saber se todos devem estar na ação, estabelecendo a lei, no art.º 33.º do CPC, os casos de litisconsórcio necessário, a saber, (i) quando a lei ou o negócio o impuserem ou (ii) quando pela própria natureza da relação jurídica a intervenção de todos os interessados seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal (litisconsórcio legal, convencional e natural) – n.º 2 do preceito; neste último caso, importa a aceção enunciada no seu n.º 3, isto é, “[a] decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado”.
Centrando-nos nesta última hipótese, única que ora interessa, temos que o Código de Processo Civil de 1961 veio consagrar expressamente, no seu art.º 28.º, n.º 2 – cuja redação (inalterada) foi transposta para o art.º 33.º, n.º 3 do novo CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 – a orientação mais restritiva que vinha sendo adotada a propósito do que deve entender-se por efeito útil normal. “Anorma do n.º 3 não trata de impor o litisconsórcio para evitar decisões contraditórias nos seus fundamentos, mas de evitar sentenças - ou outras providências - inúteis por, por um lado, não vincularem os terceiros interessados e, por outro, não poderem produzir o seu efeito típico em face apenas das partes processuais. //A pedra de toque do litisconsórcio necessário é, pois, a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o, ou ainda, nas ações de simples apreciação de facto, apreciando a existência deste, sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar” [ [6] ] [ [7] ].
Podemos afirmar que, em princípio, a pretensão de resolução de um contrato bilateral ou sinalagmático, isto é, aquele que gera obrigações para todos os contraentes, estando essas obrigações unidas por um vínculo de reciprocidade ou interdependência, cada uma representando interesses específicos [ [8] ], com os efeitos previstos no art.º 433.º do Cód. Civil, estando em causa apreciar do mesmo facto jurídico (contrato) e de circunstâncias comuns a todos os contraentes, implica que estejam na lide todos os intervenientes no negócio. Como refere Anselmo de Castro, “os nossos tribunais, nomeadamente, na vigência do Cód. de 1939, consideravam forçoso o litisconsórcio em todos os casos de comunhão jurídica de interesses e de identidade do facto jurídico em causa (contrato, testamento, etc.), quando pleiteada a sua validade ou eficácia com razões não circunscritas a algum dos interessados” [ [9] ] [ [10] ].
Tendo a resolução do contrato, no nosso sistema, um cariz eminentemente declarativo [ [11] ], processando-se, ao contrário do que acontece com outras causas de extinção dos negócios jurídicos (por ex. a revogação), por declaração unilateral de uma das partes, operando independentemente do acordo dos demais intervenientes no negócio, a declaração deve ser dirigida à contraparte, produzindo efeitos a partir do momento em que chega ao conhecimento do destinatário.
Que dizer nos casos em que a resolução do contrato é formulada no âmbito de um processo de insolvência, pelo respetivo administrador (resolução em benefício da massa insolvente), relativamente a ato em que teve intervenção o devedor/insolvente, praticado em momento anterior à declaração de insolvência, quer estejamos perante uma resolução firmada por via de instauração de ação judicial, a correr por apenso ao processo de insolvência (art.º 126.º, n.º 2) – caso dos autos –, quer perante declaração resolutória formulada diretamente pelo AI e dirigida aos intervenientes do ato em causa (art.º 123.º, n.º 1)?
Mais precisamente e indo diretamente à questão que se nos coloca, está em causa saber se, tendo a insolvência sido decretada por sentença proferida em 20-03-2018 (com trânsito em julgado em 24-04-2018), na sequência de apresentação da devedora em 07-03-2018 e a escritura de partilha sido outorgada (partilha na sequência de óbito do marido da devedora, ocorrido em 25-08-2015), pela devedora/insolvente e as duas filhas em 03-10-2017, deve ou não o AI instaurar ação judicial com vista à resolução desse contrato contra todos os outorgantes da escritura, incluindo a própria devedora/insolvente, avançando-se já que tendemos a dar resposta negativa.
A particularidade destes casos reside, em primeira linha, na circunstância da declaração de insolvência fazer operar a transferência dos poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente, que passam a competir ao administrador da insolvência (art.º 81.º, n.º 1), passando ainda o AI a assumir “a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência” (art.º 81.º, n.º 4). E, ainda, ao nível dos fundamentos da resolução, tendo em conta o disposto no art.º 432.º do Cód. Civil, por confronto com o regime do CIRE (arts. 120.º e 121.º). Concorda-se, assim, que “o termo «resolução» não tem de ter necessariamente o sentido do artigo 432.º do Código Civil nem o seu regime. // Qual o sentido da resolução dos atos prejudiciais à massa? A jurisprudência tem-se pronunciado claramente num sentido que é francamente diferente do sentido do art.º 432.º e seguintes do Código Civil. Neste caso, seguindo a lição de VAZ SERRA, a resolução funda-se «na quebra do sinalagma funcional» causado pelo incumprimento, ou pela alteração de circunstâncias. // No caso do CIRE, o fundamento é a defesa da massa contra a depreciação e as práticas que lhe prejudiquem o valor. Nada de mais diferente, o que justifica a quebra de aplicação” [ [12] ].
Carvalho Fernandes e João Labareda referem que “[o] suprimento das limitações dos poderes de que o devedor é privado faz-se por via de representação, seguindo o regime dos nºs. 3 a 5 [ [13] ].Maria do Rosário Epifânio, refletindo sobre a natureza jurídica daquela proibição e da atribuição ao administrador da insolvência dos referidos poderes de representação entende, com o que se concorda, que não está em causa verdadeira hipótese de incapacidade, que o legislador associa a situações em que se trata de proteger o próprio incapaz da sua ineptidão, o que aqui não acontece porquanto se trata de proteger terceiros, face ao risco de diminuição dos bens integrantes da massa insolvente, enquanto património autónomo (art.º 46.º, n.º 1). “O facto de o art.º 81.º, n.º 4, preceituar a representação do insolvente pelo administrador da insolvência pode suscitar algumas dúvidas acerca da qualificação da sua situação como incapacidade. No entanto, a expressão representante pode envolver dois sentidos: um sentido técnico (pessoa que age em nome e no interesse do incapaz) ou um sentido mais amplo (sujeito com legitimidade para agir sobre a esfera jurídica do representado ainda que não seja no seu interesse)”, concluindo, a propósito da teoria da ilegitimidade e da teoria da indisponibilidade, que “a posição que se enquadra melhor no regime jurídico a que se encontra sujeito o insolvente consiste na tese da indisponibilidade relativa. De facto, a perda pelo insolvente do poder de disposição e de administração dos bens integrantes da massa insolvente encontra a sua razão de ser no estatuto de uma massa de bens adstrita à satisfação dos credores” [ [14] ] [ [15] ].
Daqui resulta que o administrador da insolvência que promove a resolução em benefício da massa insolvente do referido contrato de partilha atua em benefício dos credores e perspetivando o interesse destes, configurando o instituto um regime específico de conservação da garantia patrimonial da massa insolvente [ [16] ]. Está em causa a prática de ato de natureza patrimonial, que não pode considerar-se estranho à massa insolvente – antes, por via do mesmo, pretende-se que seja integrado na massa um ativo patrimonial, considerando que a herança do de cujus é constituída por um bem imóvel –, pelo que, sendo esse ato dirigido contra os outros intervenientes no contrato de partilha – as filhas da devedora/insolvente – estão no processo todas as entidades que a lei exige para que a decisão produza o seu efeito útil normal. Em consonância com as caraterísticas que reveste a resolução, matéria a que já se aludiu, o administrador da insolvência pode/deve dirigir a declaração resolutória apenas à(s) contraparte(s) no negócio, não sendo de exigir que o faça relativamente ao próprio devedor/insolvente, como propugnam as apelantes.
A este propósito, apreciando desta matéria, ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente com a que ora se propugna, o acórdão do TRL de 09-06-2015, referido nas contra-alegações de recurso, entendeu que “[a]o resolver, nos termos do art.º 123 do CIRE, os atos prejudiciais à massa insolvente, o administrador da insolvência age em representação legal do insolvente – art.º 81.4 do CIRE. // Agindo em sua representação legal, o administrador da insolvência não tem de enviar ao insolvente, para o efeito, carta registada com aviso de receção” [ [17] ], sendo que, aqui, como nesse aresto, não releva apreciar da (in)admissibilidade da impugnação da resolução pelo insolvente, questão que não se coloca [ [18] ].
Em suma, pertencendo ao administrador da insolvência, na defesa dos interesses da massa, que representa, o poder de discutir a validade e eficácia de negócios jurídicos celebrados pelo devedor/insolvente em momento anterior à declaração de insolvência, desde que formule um juízo de que tais negócios foram prejudiciais à massa insolvente, e não ao próprio insolvente, que deixou de o poder fazer, por via da referida situação de indisponibilidade (falta de poder para atuar sobre determinado bem), que carateriza a posição do devedor/insolvente, concluímos que o administrador da insolvência não carece de fazer valer a pretensão de resolução contra o próprio insolvente mas apenas, aí sim em situação de litisconsórcio necessário, contra os demais intervenientes no negócio, ainda que se admita não se tratar de solução pacífica a nível da doutrina.
Assim, Maria do Rosário Epifânio afirma que “[a] declaração de resolução deve ser enviada ao autor do ato a resolver e, tratando-se de um contrato, também à contraparte” [ [19] ] e Menezes Leitão. que “[j]á relativamente à legitimidade passiva para o exercício do direito de resolução, a mesma deve ser dirigida contra ambas as partes no acto que se pretende resolver” [ [20] ]. Júlio Gomes, refere, a este propósito: “Como já destacou entre nós FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, a lei não esclarece expressamente a quem é que a declaração resolutiva deve ser enviada. Afigura-se-nos que a declaração deverá ser enviada ao autor do ato que se pretende resolver, ou seja e em princípio, ao devedor, bem como tratando-se de um contrato à contraparte negocial deste. Mas mesmo quando se trate de condutas unilaterais do devedor – por exemplo, o repúdio de uma herança – pode questionar-se se a resolução não deverá ser dirigida também a outras pessoas diretamente interessadas” [ [21] ].
Já Gravato Morais, apreciando da questão da resolução em sede de “legitimidade passiva” refere, daí se depreendendo, parece-nos, que o autor considera que a resolução deve ser dirigida a quem contratou com o devedor/insolvente, logo, não ao próprio insolvente: “O art.º 123.º CIRE nada refere em relação aos sujeitos a quem se deve dirigir a declaração. // Em razão do seu carácter receptício, a declaração resolutiva tem como destinatários aqueles que negociaram com o insolvente, portanto, os que foram parte no acto que agora é objecto de resolução. // Em casos particulares, como por exemplo a resolução de uma fiança, a declaração em causa deve ser remetida não só ao afiançado, como à sua contraparte. // Cabe, por outro lado, debater se a resolução em benefício da massa se deve dirigir igualmente ao terceiro transmissário, no caso de ter, entretanto, ocorrido a transferência do bem. (…)” (sublinhado nosso)[ [22] ].
Do exposto não segue que seja de todo vedado ao devedor/insolvente pronunciar-se no âmbito de outros processos em que se possam colocar questões de facto eventualmente conexas com as que aqui se discutem, a propósito da resolução, se assim o entender, em particular nos incidentes de qualificação da insolvência – em que estão em causa, também, interesses não patrimoniais, como decorre do art.º 189.º, n.º 2, alíneas b) e c) – e de exoneração do passivo restante porquanto, por um lado, a atuação do AI está limitada aos atos dos quais decorram “efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência” e, por outro, a representação pelo AI “não se estende à intervenção do devedor no âmbito do próprio processo de insolvência, seus incidentes e apensos, salvo expressa disposição em contrário” (art.º 81.º, n.ºs 4 e 5), sendo que esta intervenção do devedor também passa pelo crivo da sua legitimidade processual, nos termos gerais. Em todo o caso, como se referiu na decisão do TRL de 04-12-2020, a que aludimos, “o julgamento realizado sobre a resolução do negócio não contém uma qualquer sustentação jurídica do julgamento e decisão a proferir nos incidentes de qualificação da insolvência e de exoneração do passivo restante. É evidente que o devedor tem legitimidade para discutir os pressupostos negativos da exoneração do passivo restante e os pressupostos positivos da qualificação da insolvência. Mas tal discussão tem o seu lugar processual próprio no âmbito dos incidentes que àqueles institutos correspondem. Que o mesmo é dizer, a ação de resolução não constitui a via processual adequada para direta ou indiretamente, o devedor obter ou garantir a qualificação da insolvência como fortuita e, assim, obstar a que seja declarado afetado pela insolvência culposa, nem para obter o deferimento do incidente de exoneração do passivo restante que deduziu”.
Nos autos o AI, peticionando a resolução do contrato de partilha, na versão que carreou para o processo, alegou que os outorgantes agiram de forma concertada, para salvaguardar exclusivamente os seus interesses, incluindo da devedora, assim prejudicando os credores; é nesse contexto que se insere, nomeadamente, a alegação de que “[a]gindo deste modo, conseguiram a Insolvente e as RR. que o bem imóvel ficasse fora da esfera jurídico-patrimonial dos credores, ficando os mesmos com os respetivos créditos irrecuperáveis, atenta a inexistência de outro património no ativo da Insolvente” (art.º 37.º da petição inicial), tratando-se de ato que “deverá ter sido a título gratuito, na medida em que nenhum valor de tornas terá sido efetivamente recebido pela Insolvente” (art.º 37.º), “[r]azão pela qual, consubstancia, até, num negócio simulado, nos termos do preceituado no art.º 241º, n.º1 do Código Civil “(art.º 39), “[m]ais concretamente, está-se perante uma simulação relativa objetiva” (art.º 40.º) – cfr., ainda, os arts. 42.º a 45.º e 49.º a 52.º. Como resulta do processo principal e apensos respetivos, o tribunal de 1ª instância optou por se abster de qualquer juízo de pronúncia relativamente a questões atinentes à qualificação da insolvência e apreciação liminar do pedido de exoneração do passivo restante, não incumbindo aqui ajuizar sobre a correção desse procedimento [ [23] ]. O certo é que, não tendo a devedora/insolvente intervenção nestes autos (apenso B), a decisão a proferir não faz caso julgado quanto à mesma, para os efeitos pertinentes e no âmbito daqueles incidentes.
Conclui-se pela improcedência da exceção suscitada pelas rés, sendo as partes legítimas (conclusões BBB a EEE).
3. Da impugnação do julgamento de facto
As rés impugnam o julgamento de facto feito pela 1ª instância pretendendo que se altere essa avaliação quanto aos factos dados como provados nos números 7, 8, 10 e 15, bem como a matéria dada como não provada sob as alíneas b), c), d), e), f), g), h), i), j), k) e l).
A autora/apelada entende que as apelantes não deram cumprimento às exigências previstas no art.º 640.º do CPC (cfr. as conclusões 26.º a 33.º das contra-alegações).
Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas – art.º 640.º, n.º 1, que tem correspondência com o que anteriormente dispunha o art.º 685.º-B, n.º 1 da lei processual civil.
Ou seja, o impugnante deve proceder (i) à individualização/descrição dos factos que entende incorretamente julgados, (ii) à indicação dos meios de prova produzidos e que são pertinentes a essa análise, ou seja, as razões da discordância relativamente à avaliação do tribunal (iii) indicando ainda com precisão a decisão que pretende seja proferida, nos vários sentidos possíveis (aditamento/eliminação/alteração de texto) [ [24] ].
No caso, entendemos que as apelantes deram cumprimento ao disposto no art.º 640.º do CPC, não se limitando a uma impugnação genérica e global, sustentada em mera afirmação de discordância, pelo que nada obsta ao conhecimento do recurso, sem prejuízo de, pontualmente, se poder individualizar algumas insuficiências na alegação, que podem/devem ser colmatadas por via interpretativa.
Vejamos, então, se esta Relação pode confirmar a avaliação feita pela Juiz.
* Factos dados como provados nos números 7, 8, 10 e 15 As apelantes pretendem que e altere a redação do número 7 dos factos assentes (“A 2.ª R., CR, no momento da celebração da escritura de partilha referida em 6. não efetuou qualquer pagamento à insolvente, bem como não pagou qualquer montante antes ou depois da celebração da mesma, com a indicação direta de que se destinava ao pagamento de tornas”) não indicando concretamente em que termos deve ser, então, fixada a nova redação, mas concluindo que “[a]ssim, deverá o ponto 7, ser parcialmente alterado, porquanto corresponde à verdade, que a ora 2ª R. CR, efetuou pagamentos, movimentando valores da sua conta para a da ora insolvente” (conclusão O) [ [25] ].
A afirmação aludida é, em si mesmo, inócua, podendo até afirmar-se que esse facto já resulta da factualidade dada por assente em 11 (não impugnado). Interpretando as alegações de recurso, depreende-se, no entanto, que o que as apelantes pretendem é que se dê como assente, tout court, que a requerida CR
já procedeu ao pagamento à insolvente do valor alusivo às tornas, na sequência da escritura de partilha efetuada e conforme indicado na mesma, tanto assim que fundamenta a sua pretensão no próprio “documento autenticado” (cfr. as conclusões J) a O).
Nos termos do art.º 371.º, n.º 1 do Cód. Civil, o documento autêntico, como é a escritura pública, só faz prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo – ou seja, os elementos alusivos à parte em que, no documento, se menciona, por exemplo, que o notário o leu, explicou e entregou cópias –, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora – ou seja, a parte correspondente às declarações emitidas perante o notário. No entanto, como reiteradamente se vem afirmando, o documento autêntico não faz prova plena quanto à veracidade das declarações emitidas pelos outorgantes, podendo provar-se, por qualquer meio, que essas declarações não são verdadeiras – aliás, sem necessidade de arguir a falsidade do documento autêntico, uma vez que, usualmente, não é isso que está em causa, sendo que a falsidade ideológica ou intelectual não configura hipótese de falsidade do documento/título –, sem prejuízo de algumas limitações estabelecidas na lei – cfr. o art.º 394.º do mesmo diploma.
No caso, não há qualquer elemento constante da factualidade assente que permita concluir que o documento que titula o contrato em causa enferme de qualquer vício. Mas o que do documento se pode extrair é que os respetivos outorgantes efetuaram as declarações vertidas no documento, exatamente nos moldes assinalados em 6., não assim que tais declarações tenham correspondência com a realidade, no caso, no que se reporta ao referido pagamento das tornas devidas à insolvente. Saliente-se que é sobre a apelante que invoca ter procedido ao pagamento que recai o ónus de prova de que, para além de qualquer dúvida razoável, a entrega de quantias em dinheiro à insolvente tinha na sua base a obrigação de pagamento de tornas, tendo como fonte o aludido contrato de partilha (art.º 342.º, n.º 1 do Cód. Civil), não bastando, pois, a mera prova de que foram transferidas quantias de conta bancária da apelante, para conta bancária da insolvente, não podendo deixar de salientar-se que impende sobre os descendentes, verificado determinado condicionalismo, a obrigação de prestar alimentos aos progenitores (cfr. os arts. 2009.º e 2010.º do Cód. Civil). Será nesse contexto que o AI refere nas contra-alegações de recurso que “[t]al como doutamente refere a sentença recorrida não há qualquer prova do processo que comprove que os alegados pagamentos efetuados pela recorrente o tenham sido feitos diretamente para pagamento de tornas. O que resulta do depoimento e dos documentos juntos aos autos é que as recorrentes, uma vez que a mãe era doméstica ajudavam a mãe e o pai. Mais resulta que foram feitas algumas transferências sem que das mesmas constem expressamente o fim a que se destinavam”.
Acrescente-se que o AI questiona expressamente que a insolvente tenha recebido quaisquer tornas (cfr., em impugnação antecipada, os arts. 13.º, 30.º, 32.º a 34.º e 35.º chegando a invocar a simulação do negócio, nos moldes enunciados no art.º 39.º a 44.º).
Por último, na conclusão J) as apelantes aludem às “declarações de parte da 2ª Ré” e aos “depoimentos das testemunhas apresentadas”, não cuidando minimamente de contextualizar essas declarações, sendo que só alude ao depoimento de uma testemunha – cfr. ainda os arts. 45 a 49 do corpo das alegações [ [26] ]. Procedeu-se, ainda assim, à audição das declarações prestadas pela ré CR (quer em sede de depoimento de parte, quer de declarações de parte, em audiência de 15-04-2024) e ainda do depoimento prestado pela testemunha GE, parcialmente transcrito pelas apelantes (cfr. os artigos 50.º a 53.º do corpo das alegações).
Quanto à inquirição da apelante CR, confirma-se que nunca a depoente indicou ter pago qualquer quantia a título de tornas, nem antes nem depois da realização da escritura, explicitando, depois de referir, relativamente a essa escritura, que “foi tudo preparado pela minha mãe”, que o seu pai deixou muitas dívidas a hospitais e cartões bancários, “e eu vi-me na obrigação de pagar essas despesas” – umas vezes pagou à mãe e ela pagou, outras diretamente – e que “só eu é que podia pagar”, porque a sua irmã na altura era menor e estava a estudar; foram muitos pagamentos e o “valor ascendeu a 20 e tal mil euros de transferências”. Inquirida quanto ao momento em que soube da declaração de insolvência, declarou que “soube depois de estar insolvente”, porque “foi algo que ela programou com o advogado” e já que eu tinha gastado tanto dinheiro a pagar dívidas, “ela não me quis importunar mais com outras questões”. Inquirida quanto ao conhecimento da situação de insolvência, a depoente declarou que “a doença do meu pai levou-nos à falência”, admitindo que tinha conhecimento da situação, “mas não com essa gravidade”, reconhecendo que “não havia mais património” para além do imóvel. Depois aludiu a alguns pagamentos feitos, nomeadamente ao hospital Champalimaud. A mãe “era doméstica”, não exercendo qualquer profissão remunerada. Depois de prestar declarações de parte, a instâncias da mandatária da apelada que a inquiriu quanto à dívida da credora que tinha exercido as funções de empregada doméstica da insolvente, a ré referiu que “estavam todas regularizadas”, indicando que “a minha mãe já não tinha dinheiro para pagar e tinha que prescindir dos serviços dela e o processo laboral foi precisamente porque ela tinha que prescindir dos serviços dela, mas ela não tinha valores em atraso”, depoimento que é desconforme à realidade, nem sequer sendo credível que a depoente ignorasse a factualidade relacionada com a dívida à empregada doméstica de sua mãe – não está impugnada a factualidade dada por provada sob o número 2.
É que a própria insolvente juntou, em 08-03-2018, aquando da apresentação à insolvência, o doc. n.º 10, alusivo à sentença proferida em 15-01-2018, pelo Juízo do Trabalho de Lisboa, no processo n.º 15663/ 17.0T8LSB, sentença homologatória do acordo aí celebrado entre as partes (a autora, Rosália Cunha Pardinho e a ré, insolvente), nessa data, pelo qual estas convencionaram que “[a] título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato de trabalho, a Ré pagará à autora a quantia de 7.200,00€” e que o pagamento dessa quantia “será efectuado no prazo de um mês, através de transferência bancária para conta titulada pela Autora”; saliente-se que esse acordo e sentença foram efetuados depois da produção de prova em audiência, nomeadamente do depoimento de parte prestado pela insolvente [ [27] ]. Ora, a depoente não aludiu a essa matéria, causando perplexidade que continue a entender que a dívida àquela que foi a empregada doméstica de sua mãe estava regularizada à data da cessação do contrato (foi consignado na ata alusiva a essa audiência a assentada relativa à insolvente, tendo esta “confessado” “que não pagou à Autora os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal referentes ao trabalho prestado até 31 de Julho de 2016”, como consta do aludido documento).
Quanto à testemunha GE , que teve um relacionamento pessoal com a apelante CR, de 2001 a 2018, tendo vivido em união de facto com a mesma (“nós, como casal e com filhos”), confirmou que as apelantes “eram tratadas da mesma forma” pelo de cujus e que este “não queria que houvessedistinção entre as duas e o ambiente familiar era propício”, tendo a apelante uma “ótima” relação com aquele enquanto foi vivo e limitou-se a confirmar que os pagamentos foram feitos por aquela, sendo as dívidas do falecido, mas nem sequer soube indicar qualquer específico pagamento feito pela apelante CR, prestando um depoimento genérico, chegando a referir que “valores em concreto já não me recordo”; não se retira deste depoimento, como aliás resulta das passagens assinaladas pelas apelantes nas alegações de recurso, qualquer elemento que permita afirmar o pagamento das tornas, nos termos pretendidos pelas apelantes.
Em suma, concorda-se com a valoração feita pela 1ª instância, mantendo-se a redação do número 7 dos factos provados. Quanto à factualidade dada por assente sob o número 8, é evidente que não é essa factualidade que é impugnada, pese embora a alegação das apelantes, mas sim a matéria indicada sob o número 7, inexistindo qualquer contradição ou “divergência” intelectual (conclusão P).
Improcede a impugnação. Quanto à factualidade dada por assente sob o número 10 (conclusões Q a T), concluem as apelantes que “somente se pode considerar parcialmente provado o ponto 10., devendo ser dado como não provado que as recorrentes tinham conhecimento da insolvência, apesar de terem conhecimento da sua dificuldade financeira - sendo situações completamente distintas e incomparáveis” (conclusão T).
Especificamente a este propósito, lê-se na motivação da decisão sobre o julgamento de facto: “[o] ponto 10 foi confessado pelas RR. nas suas contestações, pois ambas confirmaram que a insolvente, sua mãe, estava impossibilitada de cumprir com as suas obrigações, tinha várias dívidas e não tinha como as pagar, sobrevivendo à custa de familiares e amigos, o que, aliás, foi também confessado pela 2.ª R. em sede de audiência de julgamento e corroborado pela testemunha GV. Note-se que a 1.ª R. também não desconhecia tal situação, quando tinha de ser a irmã a pagar-lhe a faculdade por a mãe não ter como o fazer”.
Lendo a contestação apresentada pela apelante CR, verifica-se que esta alega, nomeadamente, que:
“34.º Além disso, é explicado no requerimento de insolvência que a insolvente, até ser detectado, em 2014, o cancro de que o seu marido acabou por vir a falecer a 25.08.2015, tinha uma vida financeira sem preocupações. // 35º. Mas, com a incapacidade para o trabalho do seu marido e as altíssimas despesas que tiveram que custear com o seu tratamento, que não foi comparticipado perderam todo o seu património e fontes de rendimento. // 36º. As despesas com cuidados médicos prestados ao marido da Insolvente, como é o caso da conta corrente com nomeadamente no “Centro Clínico Champalimaud”, de 07.09.2015 com saldo devedor de € 7.710,80 (sete mil setecentos e dez euros e oitenta cêntimos), que se junta como Doc. 2, foi pago pela Ré. // 37º. A título de exemplo, junta-se o Recibo, como Doc. 3 de 1.927,70 € (mil novecentos e vinte e sete euros e setenta cêntimos) emitido em 02.10.2015, relativo a factura de tratamentos emitida a 31.03.2015 passada em nome do falecido AM, mais uma vez, tudo liquidado pelas Ré. // 38º. O mesmo tendo acontecido com as demais prestações, sendo que a dívida ao “Centro Clínico Champalimaud” se encontra completamente liquidada, razão pela qual não foi incluída na lista de credores no processo de insolvência”. (…) 58º. TERCEIROS DE BOA-FÉ //Não obstante, cumpre realçar que inexiste qualquer má fé da parte da Ré. // 59º. Mesmo que tivesse perfeita noção da condição económica e financeira da Insolvente a Ré, não podia conhecer da prejudicialidade de acto que, como já demonstrámos, não foi prejudicial. // 60º. Ou seja, inexiste qualquer acto que enfraqueça (qualitativa ou quantitativamente) a garantia patrimonial de credores, 61º. Pelo contrário, porque a Ré assumiu e pagou muitas das dívidas da insolvente, de créditos anteriores à escritura, liberando-a perante vários credores. // 61º. Pelo contrário, porque a Ré assumiu e pagou muitas das dívidas da insolvente, de créditos anteriores à escritura, liberando-a perante vários credores. // 62º. Novamente, devemos questionar se teria sido preferível avolumar o número de credores e de dívidas?”
Por seu turno, a apelante AM alega de forma similar, como resulta dos arts. 41.º a 44.º, inclusive e 61.º a 62.º da contestação respetiva.
O quadro assim descrito pelas próprias apelantes, em parte vertido nos números 11 a 14 da factualidade dada por assente (não impugnada [ [28] ]), não é compatível com a afirmação de que estas apenas tinham conhecimento das dificuldades financeiras de sua mãe, mas não da sua situação de insolvência.
Acresce a dinâmica do relacionamento familiar:
- O marido da insolvente adoeceu em abril/maio de 2014, altura em que lhe foi detetado um cancro (art.º 6.º da petição inicial da insolvente) e faleceu em 25-08-2015;
- Uma das apelantes procedeu aos pagamentos documentados nos factos dados por assentes sob os números 11 e 12, em 2014, 2015, 2016 e 2018;
- A escritura de partilha realizou-se em 03-10-2017;
- O acordo celebrado no processo que correu termos no Tribunal de Trabalho (entrado em 2017) terminou com acordo homologado pro sentença de 15-01-2018;
- A insolvente apresentou-se em 07-03-2018.
O envolvimento das apelantes, filhas da insolvente, só pode contextualizar-se no quadro de uma situação muito grave, de verdadeira impossibilidade da insolvente satisfazer os seus compromissos e não num quadro de meras dificuldades económicas, sendo elucidativo o depoimento prestado pela apelante CR, que é economista, sendo que a sua irmã viu parte das suas despesas de estudante pagas também por esta e não pela insolvente; insiste-se, o grau de parentesco das apelantes com a insolvente e o envolvimento destas na vida e assuntos da insolvente e do seu falecido marido só pode significar que tinham perfeito conhecimento da situação económico-financeira da insolvente, sendo essa uma dedução que pode logicamente retirar-se da demais factualidade dada por assente.
Improcede, pois, a impugnação (conclusões Q a T), mantendo-se a factualidade dada por assente sob o número 10. Quanto à factualidade dada por assente sob o número 15, novamente, as apelantes não concluem com rigor qual o sentido da alteração pretendida, mas extrai-se do articulado que pretenderão que se adite à factualidade apurada que o facto aí indicado se deve à circunstância de se encontrar a dívida paga, no valor de €7.710,80, pela apelante CR (cfr. a conclusão V e os arts. 76.º a 78.º do corpo das alegações de recurso). Com essa matéria se relaciona a factualidade dada como não provada sob as alíneas c), f) e h, também objeto de impugnação.
Lê-se na sentença, em sede de motivação: “No que tange à prova documental, baseou-se o Tribunal na consulta e análise dos documentos, requerimentos e despachos proferidos no processo principal e restantes apensos, bem como, nestes autos, os seguintes documentos:// - Conta corrente do Champalimaud, contém os valores, datas e números de factura, porém trata-se de uma conta corrente, emitida por quem se desconhece, apesar de ter a menção de Centro Clínico Champalimaud, sem qualquer outra indicação, sendo que a mesma apenas foi corroborada pela R. CR, atendendo a que o seu ex-companheiro referiu que esta fez tais pagamentos sem saber valores ou pormenores”.
E mais adiante: “[o] ponto 15 resultou da consulta e análise, pelo Tribunal, do apenso de reclamação de créditos”.
E ainda: “[n]ão se provou o que consta das alíneas c), f), g) e h) dos factos não provados, atendendo a que para prova deste facto apenas foi junta uma conta corrente, alegadamente do Centro Clínico Champalimaud. Ora, não consta dos autos qualquer comprovativo do pagamento do valor em dívida que, supostamente, em 07.09.2015 se cifrava em € 7.710,80. Não foram juntas aos autos quaisquer facturas que titulassem os pagamentos em falta, bem como recibos que comprovassem os seus pagamentos. De igual modo, não foram juntos quaisquer documentos – bancários ou outros – que titulassem o pagamento de quaisquer quantias pela 2.ª R. quanto a esta dívida. Ora, a 2.ª R. nas suas declarações referiu que efetuou esses pagamentos, porém nenhuma outra prova foi feita que o corroborasse, pelo que se impunha como não provada tal factualidade. Como se referiu, supra, as declarações de parte, não corroboradas nos autos, são insuficientes para se considerar provada qualquer factualidade, pelo que incumbia à 2.ª R., nos termos do art.º 342.º do CC fazer esta prova, que não fez. Note-se que, se fez tais pagamentos, como é possível não ter comprovativos dos mesmos...? Não faz sentido que tal tenha assim sucedido, pelo que se impunha considerar não provados tais factos. Aliás, menciona um recibo que não juntou até ao encerramento da audiência de julgamento e refere uma liquidação total de uma dívida que não comprova nos autos. Não há um documento do Centro Champalimaud que comprove este ou qualquer outro pagamento e, note-se, que o facto de não ter reclamado créditos nos autos, não permite concluir pela inexistência de dívida ou, se esta não existir, por quem foi paga”.
Concorda-se com este juízo valorativo, não tendo as apelantes invocado qualquer argumento pertinente que o contrarie. É certo que não estamos perante hipótese de prova tabelada, podendo o pagamento desses valores ao referido hospital ser efetuado por qualquer meio de prova, mas não foi junta prova documental suficiente para concluir que os valores em causa foram efetivamente pagos pela apelante CR e respetiva data. Saliente-se que a própria apelante CR, aquando da prestação de depoimento de parte, insurgiu-se relativamente a perguntas formuladas pela mandatária da autora a propósito de pagamentos feitos por esta e na tentativa de pormenorizar esses pagamentos, indicando a depoente que a lista de pagamentos era longa e que não podia lembra-se de pormenores, caracterizando a situação que estava a viver em tribunal como de “tortura”, o que motivou a intervenção da Juiz.
Improcede a impugnação, mantendo-se a redação dada ao número 15 dos factos provados.
* Quanto à matéria que o tribunal de 1ª instância como não provada sob as alíneas b), c), d), e), f), g), h), i), j), k) e l), as apelantes pretendem que se dê essa factualidade como assente, conforme resulta das conclusões W a NN (com inteira correspondência nos arts. 79.º a 93.º do corpo das alegações).
As apelantes aludem, genericamente, ao depoimento prestado pela apelante CR, ao depoimento da testemunha GE, com transcrição de uma passagem deste depoimento e à prova documental junta com a contestação (docs. 2, 4, 5, 6, 7 e 8). A apelada, nas contra-alegações de recurso, refere que “os documentos juntos foram expressamente impugnados pela Recorrida” – afirmação que, aliás, a mandatária repetiu várias vezes aquando do julgamento –, sem qualquer outra indicação útil. Ora, essa afirmação não corresponde à realidade que o processo evidencia porquanto os documentos foram juntos com a contestação apresentada por cada uma das rés e subsequentemente, a autora limitou-se a responder às exceções, mas não se pronunciou sobre os referidos documentos pelo que não pode alegar, com rigor, que os impugnou. Daí não segue que seja legítimo afirmar, como fazem as apelantes [ [29] ], que “28. Quanto à alínea B), dos requisitos supra mencionados, podemos afirmar que não existiu prejudicialidade para a massa insolvente. // 29. Porquanto, com os valores que a ora 2ª R., suportou e aguentou durante o lapso de tempo, entre 2015-2018, nunca se poderá afirmar que foi um ato gratuito. // 30. E cumpre salientar, que muitas das despesas suportadas, foram acompanhadas de suporte documental, conforme documentos 2., 3., 4., 5., 6., e 7. e 8., juntos à contestação apresentada, que se dão por aceites por acordo, por não terem sido impugnados. // 31. Além do exposto, é importante realçar que as RR. não têm qualquer conhecimento do conteúdo lavrado na escritura de partilha, conforme se pode confirmar pelas declarações de parte” [ [30] ]. É que o juízo de valor assente na constatação do acordo das partes reporta-se aos factos e não aos documentos que alegadamente os suportam (meio de prova) sendo que quanto à gratuitidade/onerosidade do ato é manifesto o desacordo entre as partes. Na petição inicial a autora invocou, nomeadamente, conforme consta dos arts. 30.º a 36.º, impugnando a matéria alusiva aos pagamentos, no contexto das tornas [ [31] ].
Ultrapassando esse ponto, temos que os documentos a que as apelantes se reportam, juntos com a contestação, já foram tidos em conta pelo tribunal de 1.ª instância aquando da factualidade considerada provada sob os números 11 e 12, como resulta do confronto entre esses factos e os documentos nºs 4, 5, 6, 7 e 8 (ponderando a respetiva ordem de entrada, porque o único documento numerado é o doc. 2, alusivo à indicada “Conta Corrente”). Ou seja, nenhum desses documentos referidos pelas apelantes comprovam os pagamentos a que aludem as alíneas b), c), f) e g), sendo que as apelantes também não aduzem qualquer justificação para a conclusão que formulam e dos depoimentos não se retira com a mínima margem de segurança elementos alusivos aos invocados pagamentos, para além daqueles que foram concretamente individualizados nos factos provados.
Ainda, a testemunha indicada não confirmou, com precisão, quaisquer específicos pagamentos, como aliás ressalta da passagem assinalada pelas apelantes e, quando ao depoimento prestado pela ré, remete-se para o que já se referiu.
No mais, a matéria indicada nas alíneas d), h), k) e l) é de cariz conclusivo, pelo que não pode, nesses precisos termos, ser levada aos factos provados e, quanto aos factos de índole subjetiva espelhados nas alíneas e), i) e j), não temos por suficiente a prova pessoal produzida (declarações de parte da apelante CR e depoimento da testemunha GE): a apelante é parte interessada no processo e o seu depoimento é em determinados aspetos pouco convincente, como resulta do que se expôs supra e quanto à testemunha, prestou um depoimento muito genérico e vago, como já se referiu, sendo certo que nem sequer foi inquirido quanto à intenção subjacente à partilha, nos termos em que esta foi outorgada, mais precisamente, quer quanto ao que a insolvente “quis” (alínea i), quer quanto à “vontade” do marido da insolvente (alínea j), para além do que já decorre, quanto a este, na factualidade dada por provada sob o número 4.
Improcede, pois, a impugnação.
* Conclui-se que é perante o enquadramento factual feito pela 1.ª instância e considerando que a resposta negativa dada quanto a determinado facto controvertido não permite afirmar a prova do facto contrário, que se impõe apreciar das questões jurídicas indicadas.
4. A configuração do contrato de partilha outorgado em 03-10-2017 entre a devedora/insolvente e as rés/apelantes
Consideram as apelantes que o contrato de partilha outorgado configura um “negócio oneroso, em que interveio a ora insolvente” (cfr. conclusões OO a UU), com o que se concorda.
Procedendo ao contraponto tradicional entre contratos onerosos versus contratos gratuitos, temos que o contrato é oneroso “quando implique esforços económicos para ambas as partes, em simultâneo e com vantagens correlativas; pelo contrário, ele é gratuito quando cada uma das partes dele retire tão-só vantagens ou sacrifícios” [ [32] ]. Daqui não se extrai, como as apelantes reconhecem, que a caraterização do contrato como oneroso/gratuito tenha implícita a averiguação sobre o “equilíbrio objetivo ou absoluta contrapartida económica das prestações” [ [33] ]. Como refere Carlos Mota Pinto, “[n]ão é necessário um equilíbrio ou uma equivalência das prestações ou atribuições patrimoniais, consideradas pelo seu valor objectivo ou normal. O que releva é a avaliação das partes ou, mais que a avaliação, a vontade, o intento das partes. (…) A falta de equivalência objectiva das atribuições patrimoniais pode ter várias explicações (especial valor subjectivo da prestação para uma das partes, mesmo no plano económico; valor afectivo ou estimativo de um objecto; falta de capacidade ou habilidade para a negociação; urgência em concluir o negócio, etc…). De qualquer modo as partes estão de acordo em considerar as duas atribuições patrimoniais como correspectivo uma da outra. (…) As partes consideram as duas prestações ligadas reciprocamente pelo vínculo da causalidade jurídica” [ [34] ].
No caso, das estipulações vertidas no acordo de partilha decorre que as três herdeiras do de cujus viram os respetivos quinhões preenchidos nos seguintes moldes: com referência ao único bem a partilhar, um imóvel sito em Odivelas, a insolvente (herdeira legitimária e testamentária), com a atribuição do “direito de habitação sobre a fração autónoma identificada” e os demais outorgantes, ora rés (a 1.ª ré herdeira legitimária, a 2.ª ré herdeira testamentária), com a adjudicação, em comum e partes iguais da “nua propriedade” da referida fração, sendo até irrelevante, para o efeito que ora interessa, a ponderação de tornas.
É quanto basta para se concluir que estamos perante um negócio oneroso, como a apelante entende, sem que daí se extraia qualquer argumento relevante em abono da sua pretensão recursiva, de revogação da sentença com vista à improcedência da ação de resolução.
Aceitando-se que um contrato celebrado em claro desequilíbrio para um dos contraentes não o transforma em contrato gratuito [ [35] ], entendemos que, no caso, a ratio decidendi não pode residir na qualificação do contrato de partilha celebrado como um negócio gratuito, mormente para efeito de aplicação do disposto no art.º 121.º, n.º 1, alínea b), parecendo-nos que, a este propósito, a 1.ª instância incorreu em claro vício de raciocínio. Analisemos a estrutura da sentença.
A 1.ª instância, depois de considerações genéricas incidindo sobre o regime da resolução em benefício da massa insolvente, centra-se então “no caso em apreço”, referindo que se impõe “apurar se se mostra preenchida qualquer uma das alíneas do art.º 121.º do CIRE”. Feita essa análise – que passou, nomeadamente, pela apreciação dos bens que integraram o quinhão hereditário de cada um dos outorgantes, na perspetiva da distinção entre a atribuição do direito à habitação (art.º 1488.º do Cód. Civil) e o direito de usufruto (art.º 1439.º do Cód. Civil), no conceito de “bens de fácil sonegação” (alínea a) do número 1 do art.º 121.º) e até na figura do abuso de direito –, a Juiz terminou indicando como segue: “Em face do exposto, entendemos encontrar-se preenchida a alínea a) do nº 1, do art.º 121.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, atendendo a que estamos perante uma partilha, efectuada menos de um ano antes da declaração de insolvência e com preenchimento de bens de fácil sonegação aos credores e cabendo às RR. o único imóvel e bem da herança, pelo que opera a resolução incondicional da partilha em apreço”, acrescentando ainda que “[n]ote-se que, quanto à alínea b) do n.º 1 do art.º 121.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, infra se analisará a mesma”.
Depois, a Juiz retoma a sua análise centrando a mesma, em segunda linha, portanto, como segue: “Sem prejuízo de operar a resolução incondicional, nos termos sobreditos, temos que, também, pela resolução condicional, esta partilha teria de ser resolvida a favor da massa insolvente. // Vejamos, assim, da resolução condicional, nos termos do art.º 120.º do CIRE”. Conclui, depois, que “[a]ssim sendo, estando preenchidos todos os pressupostos de que depende a resolução condicional do negócio em apreço nos autos: dois anos antes do início do processo de insolvência, prejudicialidade e má fé dos RR., impõe-se, também por aqui, resolver a favor da massa insolvente a partilha em apreço nos autos.”
Ora, é em sede de resolução condicional, que é feita alusão à simulação do negócio de partilha e à gratuitidade desse negócio, em termos, aliás, pouco precisos, como resulta deste segmento de texto: “[D]este modo, temos que, efectivamente, a partilha foi realizada em simulação. Refira-se que o negócio simulado é nulo, nos termos do mencionado art.º 240.º, n.º 2, do CC. Acresce que, mesmo que se considerasse a simulação relativa, nos termos do art.º 241.º do CC, teríamos que, subjacente à quitação de tornas estaria, efectivamente, uma doação, a qual, por se reportar a imóvel estaria sujeita às regras de forma ínsitas no art.º 947.º, n.º 1, do CC. Estaríamos, assim, nesta parte, perante um negócio gratuito. // E, sendo o negócio gratuito, ainda que o direito de uso e habitação tenha valor patrimonial, mas tal valor não tem efeitos perante os credores e não houve pagamento de tornas, estaremos, também, perante uma resolução incondicional, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 121.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” (sublinhado nosso)
Para no fim terminar, paradoxalmente, antes de passar ao dispositivo, como segue: “Concluindo, a partilha por óbito de AM, celebrada em 03.10.2017, deve ser resolvida a favor da massa insolvente, por se verificarem os pressupostos de que depende a resolução incondicional, nos termos do art.º 121.º, n.º 1, als. a) e b), e da resolução condicional, nos termos do art.º 120.º, n.º 1 a 4, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” (sublinhado nosso).
Não se acompanha a conclusão de que o caso se subsume também ao disposto na alínea b) do número 1 do art.º 121.º porquanto temos por evidente, em face dos factos dados por provados, que não há elementos para considerar preenchidos os requisitos da simulação do negócio a que alude o art.º 240.º, n.º 1 do Cód. Civil, desde logo, a divergência entre a vontade real e a vontade declarada; ao contrário do que parece entender a 1.ª instância, a circunstância de se declarar na escritura o pagamento/recebimento de tornas e não se ter provado que esse facto corresponda à realidade – provando-se a factualidade dada por assente sob os número 7–, não permite concluir que as partes quiseram celebrar um contrato de doação e não um contrato de partilha, que tivessem agido com animus donandi, mormenteno que concerne à cláusula relativa à adjudicação dos bens que compõem o quinhão hereditário da insolvente, quanto à constituição a seu favor, pela outorga do contrato de partilha, do direito de habitação sobre o imóvel que constituía e constitui a sua residência, não se tendo provado qualquer facto que indicie divergência entre a vontade real dos outorgantes e a vontade declarada.
Acrescente-se que aquando da outorga desse contrato, a insolvente declarou residir na fração em causa, parecendo podermos concluir tratar-se da casa de morada da família – cfr. a factualidade dada por assente sob o número 4, tendo o de cujus declarado aí residir aquando da outorga do testamento –, mais resultando da petição inicial em que se apresentou à insolvência que aí residia, tendo sido nesse local que o tribunal fixou a residência da insolvente e para o qual dirige as notificações, sendo igualmente certo que o AI, aquando da apresentação do relatório, em 18-05-2018, indicou essa morada como correspondendo à residência da devedora. Ainda assim a mera constatação dessa situação de facto – que a insolvente aí reside – não é fonte de aquisição do direito de habitação, que só pode ser constituído por contrato ou testamento, nos termos do art.º 1440.º, ex vi do art.º 1485.º, todos do Cód. Civil, com exclusão da possibilidade de aquisição por usucapião atenta a restrição constante do art.º 1293.º, alínea b) do Cód. Civil, estando a sua constituição sujeita ao princípio do numerus clausus (art.º 1306.º do Cód. Civil).
Em suma, a 1.ª instância subsumiu também o caso, incorretamente, à hipótese prevista na alínea b) do número 1 do art.º 121.º, mas ainda assim essa constatação não justifica a alteração do dispositivo na parte em que julgou válida a resolução do contrato de partilha atentos os demais fundamentos expressos na decisão, como passamos a analisar.
5. A subsunção da resolução à hipótese prevista na alínea a) do número 1 do art.º 121.º
Sob a epígrafe “[d]a inexistência e/ou reconhecimento de crédito” as apelantes indicam que “não se pode presumir a existência de um crédito” e que incumbe à autora o ónus de “provar a existência do mesmo” (cfr. as conclusões VV a AAA), argumentação que é inconsequente considerando que está sobejamente provada a existência do (único) crédito sobre a massa insolvente, que foi reclamado e a que se reporta o número 2 dos factos assentes, não se alcançando a pertinência da invocação.
As apelantes questionam a subsunção feita pela 1ª instância invocando, em síntese, que o quinhão da insolvente não foi essencialmente preenchido com bens de fácil sonegação, que o direito de habitação tem o valor próprio e que, atendendo “à factualidade supra exposta”, se deve considerar que a presunção de má-fé está ilidida (cfr.. as conclusões FFF a QQQ).
Com a regulação estabelecida nos arts. 120.º e 121.º o legislador pretendeu salvaguardar o património do devedor, que responde pelo pagamento das suas dívidas, considerando que a massa insolvente abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo (art.º 46.º) [ [36] ].
Preenchida a tipologia dos atos previstos em qualquer das alíneas do número 1 do art.º 121.º (“[r]esolução incondicional), esses atos são resolúveis, “sem dependência de quaisquer outros requisitos”, por se presumirem prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário (presunção juris et de jure) [ [37] ], não sendo necessária a má-fé do terceiro (art.º 120.º, n.ºs 2 e 4) [ [38] ].
No caso, importa apreciar da causa de resolução prevista na alínea a) do número 1 do art.º 121.º, dispondo que é resolúvel em benefício da massa insolvente a “[p]artilha celebrada menos de um ano antes da data do início do processo de insolvência em que o quinhão do insolvente haja sido essencialmente preenchido com bens de fácil sonegação, cabendo aos co-interessados a generalidade dos imóveis e dos valores nominativos”.
É indiscutível o preenchimento do primeiro requisito enunciado (temporalidade), atenta a data da outorga da escritura de partilha (03-10-2017) e a data em que a devedora se apresentou à insolvência (07-03-2018).
O requisito de índole objetiva aí previsto remete-nos para o conteúdo do contrato de partilha, mais precisamente, para os termos em que foi convencionado o preenchimento do quinhão da insolvente, na economia e equilíbrio do contrato, assim se obstando a que o quinhão hereditário do devedor/insolvente seja preenchido, “essencialmente”, com bens cuja existência possa com facilidade ser ocultada (cfr. o art.º 2096.º do Cód. Civil) e/ou que sejam de fácil dissipação, como acontece com a generalidade dos bens móveis (arts. 204.º e 205.º, do Cód. Civil), justificando-se uma apreciação casuística, que tenha em conta, nomeadamente, as caraterísticas dos bens adjudicados ao insolvente [ [39] ].
No caso, o quinhão foi preenchido com a atribuição à insolvente do direito de habitação de um imóvel, cuja nua titularidade foi atribuída (em comum e partes iguais) às demais herdeiras e ainda, nos termos declarados na escritura, com tornas, sendo estas pagas por uma das herdeiras (a CR), ou seja, nesta parte, o quinhão da insolvente seria composto por dinheiro.
Quanto às tornas, conclui-se da factualidade dada por assente sob o número 7 que as mesmas nunca foram pagas à insolvente, pelo que qualquer discussão sobre se o dinheiro é um bem móvel de fácil sonegação é espúria.
Quanto ao direito à habitação, o conceito é-nos dado pelo art.º 1484.º do Cód. Civil: “[o] direito de uso consiste na faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respetivos frutos, na medida das necessidade, quer do titular, quer da família” (n.º1), sendo que quando o direito incide sobre a casa de morada, como aqui acontece, “chama-se direito de habitação” (n.º 2). O regime aplicável ao direito de uso e habitação é o que decorre dos arts. 1485.º a 1490.º do Cód. Civil, aplicando-se subsidiariamente e desde que se mostrem conformes à natureza daqueles direitos, as disposições que regulam o usufruto (art.º 1490.º do Cód. Civil).
Carateriza o direito de uso e habitação, a circunstância de se tratar de direito estabelecido em função das necessidades do seu titular e respetiva família, o que explica a proibição a que alude o art.º 1488.º do Cód. Civil, que veda ao seu titular a faculdade de trespassar, locar ou de qualquer forma onerar o seu direito, ao contrário do que acontece com o direito de usufruto (art.º 1444.º do mesmo diploma). Como se referiu no acórdão do STJ de 21-06-2022 “[t]rata-se de uma norma que limita a actuação negocial voluntária do titular do direito de uso e habitação, não de uma norma que limite os efeitos jurídicos que decorram de outra fonte que não a vontade daquele titular, designadamente fonte legal. A proibição da possibilidade de transmissão ou oneração do direito de uso e habitação a favor de terceiros justifica-se por este direito ser constituído intuitu personae, ter como destino essencialmente a satisfação das necessidades do usuário ou morador, em atenção à sua específica condição social e, por inerência, as das pessoas da sua família que consigo vivam (cf. Carvalho Fernandes, in Lições de Direitos Reais, 3.ª edição actualizada, pág. 405). Trata-se de um direito real limitado, em que os poderes de uso ou de fruição são reconhecidos ao titular segundo um critério finalista e não em termos absolutos” [ [40] ]. Donde, o quinhão hereditário foi preenchido por um bem/direito de cariz estritamente pessoal que, pese embora tenha um conteúdo patrimonial e represente um valor económico para o respetivo titular, porque é inalienável – contrariamente ao direito de usufruto – não é suscetível de, per se, ser apreendido e vendido em processo de insolvência.
Em suma, por força do contrato de partilha celebrado entre a devedora e as suas filhas, nos termos em que o foi – o quinhão da insolvente foi preenchido com a atribuição do direito de habitação do único bem da herança, o imóvel em que reside, cuja nua propriedade foi atribuída aos demais herdeiros e por tornas, sendo que, ao contrário do que foi declarado na escritura, não foram pagas à devedora quaisquer quantias em dinheiro a esse título –, aquela ficou despojada de qualquer bem ou património suscetível de ser apreendido e vendido no processo de insolvência, pelo que a situação em apreço deve ser integrada na hipótese prevista na alínea a) do número 1 do art.º 121.º, como entendeu a 1ª instância.
Improcede, pois, a argumentação que, a este propósito, se mostra vertida nas conclusões de recurso (conclusões VV a AAA e FFF a QQQ).
6. Fica assim prejudicada a apreciação sobre a subsunção do caso em apreço à resolução condicional a que alude o art.º 120.º. que a 1.ª instância também entendeu verificar-se.
*
Pelo exposto, julgando improcedente a apelação, confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelas apelantes (art.º 527.º, n.1 do CPC).
Junte aos presentes autos certidão alusiva à decisão proferida pelo TRL em 04-12-2020, no processo n.º 10169/17.0T8LSB-F. L1 a que supra se aludiu.
Notifique, sendo-o ainda com cópia da referida decisão.
Lisboa, 2025-05-27
Isabel Maria Brás Fonseca
Amélia Sofia Rebelo
Fátima Reis Silva
_______________________________________________________ [1] Conforme indicação da autora feita na petição inicial. A 1ª instância não cuidou de identificar os sujeitos passivos, limitando-se a indicar quem contestou a ação; ocorreu erro de identificação da 2ª ré, aludindo -se na sentença a “CP” e a “CR”, procedendo-se aqui à retificação respetiva uma vez que se trata de lapso manifesto. As rés são representadas pelo mesmo mandatário judicial, apresentando contestação em momentos diferentes, sendo que a primeira contestação foi apresentada pela ré CR.
[2] As rés invocaram a exceção de caducidade do direito de resolução, exceção julgada procedente pelo tribunal de 1ª instância, por decisão proferida em 25-11-2021, decisão que foi revogada pelo acórdão do TRL de 22-02-2022, que julgou improcedente a exceção invocada, determinando o prosseguimento dos autos, acórdão que foi confirmado pelo STJ, por acórdão de 21-06-2022. [3] “A) Do Objecto do Litígio:
O objecto do litígio restringe-se, nos presentes autos, a apurar as questões referentes à verificação dos pressupostos para a declaração de resolução e ineficácia da “Partilha por óbito” de AM, celebrada entre a insolvente e as duas RR. no dia 03.10.2017, por forma a concluir pela procedência ou improcedência da presente acção”.
[4] Fixados nestes termos:
“B) Dos temas de prova:
1.º - Da celebração e teor da escritura de “Partilha por óbito” de AM, celebrada entre a insolvente e as duas RR. no dia 03.10.2017;
2.º - Do recebimento, ou não, de tornas pela insolvente na sequência da realização da escritura referida em 1.º;
2.º - a) Da gratuitidade do negócio referido em 1.º;
2.º - b) Da simulação no negócio referido em 1.º;
2.º- c) Da quitação;
3.º - Da prejudicialidade do contrato referido em 1.º para a massa insolvente;
3.º a) Diminuição da garantia patrimonial dos créditos dos credores da insolvente;
3.º b) Do valor e (in)susceptibilidade da alienação do direito de habitação a favor dos credores e seu conhecimento pela insolvente e RR.;
4.º - Dos laços familiares entre a insolvente e as duas RR.;
5.º - Do conhecimento, pelas RR., da situação de insolvência da devedora;
5.º a) - Da má fé das RR.;
6.º - Dos rendimentos da insolvente;
6.º a) Da ajuda financeira à insolvente por parte da R. CR e compensação das tornas pelo valor da ajuda prestada;
6.º b) Do pagamento pelas RR. das dívidas médicas e medicamentosas do falecido AM e compensação das tornas pelo valor pago pelas RR.”.
[5] Como se referiu no acórdão do STJ de 10-05-2021, processo: 90/19.2T8LLE.E1.S1 (Relator: José Rainho), acessível in www.dgsi.pt, como todos os demais a que aqui se aludir, “[s]e se mostra que o tribunal da 1.ª instância se limitou a afirmar de forma tabelar ou genérica a legitimidade do réu, não se formou qualquer caso julgado formal sobre essa legitimidade e daqui que não ficou precludida a possibilidade de a Relação incidir sobre a temática da legitimidade passiva”. [6] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2018, Vol. 1.º, Coimbra, Almedina, pp. 99 -100. [7] Ou, como refere Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório”, vol. II, Almedina, 1982, pp. 203-204): “[n]a interpretação restritiva, o litisconsórcio em virtude da própria natureza da relação jurídica apenas teria lugar quando a decisão a proferir não pudesse produzir efeito estável e definitivo entre as próprias partes, se não atingisse todos os sujeitos da relação. Por outras palavras: a sentença produzirá o seu efeito útil normal quando defina uma situação jurídica que não só não possa mais ser contestada por qualquer das partes, como ainda seja de molde a poder subsistir inalterada não obstante ser ineficaz em confronto dos outros cointeressados, como quer que uma nova sentença venha a definir a posição ou situação destes últimos. Releva, pois, tão somente a contradição prática: se não vale entre todos, também entre as partes não resolverá a controvérsia. //Já para a interpretação lata as coisas se passariam de modo diverso: a expressão «efeito útil normal» abrangeria, além do caso indicado, aqueles em que a decisão, embora susceptível de aplicação restrita às partes, ficasse em contradição (lógica, ou teórica ou técnica) com outra divergente que sobre a mesma relação viessem a obter os restantes sujeitos”.
Acrescenta ainda o autor, aludindo à dificuldade de “aplicação prática da fórmula legal”, que “ [p]or maior, portanto, que possa, eventualmente, vir a ser a contraditoriedade lógica entre as decisões, desde que sejam susceptíveis de aplicação sem inconciliabilidade prática, a decisão produz o seu efeito útil normal e o litisconsórcio não se impõe pela natureza da relação jurídica” (p. 205).
[8] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 1982, vol. I, Coimbra, Almedina, p. 316.
[9] Obr. cit. p. 207. [10] A título exemplificativo, peticionando o promitente vendedor a resolução do contrato promessa com fundamento no incumprimento definitivo desse contrato pelos promitentes vendedores deve a ação ser instaurada contra todos eles; sem a intervenção conjunta de todos os promitentes-compradores a ação não poderá produzir o seu efeito útil normal (cfr. o acórdão do TRG de 07-11-2024, processo: 960/21.8T8BGC.G1, Relator: Alcides Rodrigues).
[11] Como salienta Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2021, Coimbra, Almedina, p. 242, nota 442. [12] Pedro Pais de Vasconcelos, Resolução a favor da massa- atos omissivos, III Congresso de Direito da Insolvência, 2015, Coimbra, Almedina, p. 106.
[13]CIRE anotado, 2015, Lisboa, Quid Juris, p. 413.
[14]Manual de Direito da Insolvência, 2019, Coimbra, Almedina, pp128-134. Sendo que nos parece que se trata de tese largamente consensual, como já davam nota Manuel de Andrade, Teoria geral da Relação Jurídica, 1987, vol II, Coimbra, Almedina, pp. 111-116 concluindo que a situação do falido e do insolvente deve ser qualificada como “indisponibilidade relativa dos bens que constituem a massa insolvente” (p. 116). Ainda quanto à “natureza jurídica das inibições do falido” e aderindo igualmente à tese da indisponibilidade, Fernando Olavo, Direito Comercial 1979, Vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, pp175-178. Vide ainda Miguel Teixeira de Sousa, refletindo sobre o fenómeno da “substituição processual e representação judiciária”, Sobre a Teoria do Processo Declarativo, 1980, Coimbra, Coimbra Editora Limitada, pp. 134-135.
[15] A este propósito, cfr. os acórdãos do STJ de 07-11-2017, processo 497/14.1TBVLG.S1 (Relator: José Rainho), assim sumariado:
“I - A razão de ser da privação dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, a que alude o art.º 81º do CIRE, funda-se no interesse dos credores, isto é, tem em vista a salvaguarda da satisfação dos créditos. // II - Esta privação não deve ser vista como sendo uma manifestação de qualquer incapacidade ou de ilegitimidade, mas sim como de indisponibilidade relativa. // III - Se os efeitos visados com uma ação judicial não são de molde a colocar em causa a salvaguarda do património do insolvente, então inexiste razão para a aplicação do art.º 81º do CIRE. // IV - Nesta hipótese nem o devedor está privado ou inibido de agir, nem se põe a necessidade de representação (substituição) por parte do administrador da insolvência”.
E o acórdão de 10-12-2019, Processo: 5324/07.3TVLSB-A.L1.S1 (Relator: Graça Amaral), assim sumariado:
“I- A declaração de insolvência priva o insolvente dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência. //II - Tal privação não consubstancia uma incapacidade judiciária do insolvente pois que a declaração da insolvência não implica uma perda da sua capacidade judiciária, mas uma substituição na sua representação processual (substituição legal automática do insolvente pelo administrador da insolvência) traduzida numa indisponibilidade relativa daquele delimitada: pelos bens que integram a massa insolvente; pela protecção do interesse dos credores. // III - A extensão dessa substituição processual encontra-se confinada à finalidade da realidade que serve: protecção do património do insolvente em função do interesse dos credores por forma a salvaguardar a satisfação dos respectivos créditos. Nessa medida, não é extensível às matérias de natureza pessoal, às patrimoniais estranhas à massa insolvente, bem como às relacionadas com o património insolvente que visem a valorização ou o aumento do mesmo”. [16]Na decisão proferida em 04-12-2020, no processo n.º 10169/17.0T8LSB-F. L1, que correu termos na 1ª secção deste TRL (Relatora Amélia Sofia Rebelo), (ao que sabemos não publicada) a Relação rejeitou o recurso de apelação interposto pelo devedor/insolvente, por concluir que “ao insolvente falece legitimidade e interesse em agir” para recorrer da decisão que julgou improcedente a impugnação da resolução operada pela Administradora da Insolvência, “pressuposto cuja falta importa a rejeição do recurso”. Na fundamentação dessa decisão, pode ler-se, nomeadamente:
“Não obstante a qualidade do insolvente de parte contratante no negócio objeto de resolução, no contexto do regime especial do direito falimentar e da finalidade por ele visada cumprir, a decisão de improcedência da impugnação de resolução - e consequente manutenção da resolução da transmissão do titulo de propriedade dos veículos que operou em benefício do seu filho -, não se reflete ou não causa, sequer indiretamente, qualquer prejuízo na esfera jurídica patrimonial do insolvente (sendo certo que das ações de impugnação de resolução não resultam outros efeitos que não de natureza patrimonial).(…) // [P]or outro lado porque, por força da declaração da insolvência, ainda que os efeitos dos negócios sejam destruídos pela resolução extra-judicial operada, esta é realizada em benefício da massa insolvente, não detendo o insolvente quaisquer poderes de disposição ou de administração dos bens que a integram ou que nela ingressem, poderes que a declaração da insolvência transfere para o Administrador Judicial nomeado (cfr. arts. 46º, nº 1, 55º, nº 1, e 81º, nº 1 e 4 do CIRE. Tanto decorre do facto de o instituto da resolução extra-judicial de negócios, exclusivo do direito falimentar, constituir um regime específico de conservação da garantia patrimonial da massa insolvente e, consequentemente, dos credores da insolvência, que permite apreender para a massa não só os bens que à data da declaração da insolvência se mantenham na titularidade do insolvente, como os que se manteriam caso não tivessem sido praticados ou omitidos pelo devedor os atos objeto a resolução. (…) // Conforme já referido, os efeitos da destruição do negócio – através da reconstituição da situação que existia sem a sua celebração - já não se refletem na esfera jurídica do devedor, mas sim na esfera jurídica da contraparte no negócio, por um lado, e da massa insolvente por outro e, através desta, do coletivo dos credores do devedor que, numa relação concursal ou de concorrência entre si, pretendem a maximização da massa insolvente para, através do produto daquela, obter a máxima satisfação dos seus créditos”” (sublinhado nosso). [17] Processo: 2080/10.1TBPDL-C.L1-1 (Relator: João Ramos de Sousa).
Estava em causa no processo uma hipótese em que, no âmbito de um processo de insolvência, a 1ª instância “declarou a nulidade da resolução em benefício da Massa Insolvente de RS (ré, recorrente) da escritura pública de partilha em consequência do divórcio de NC (autora, recorrida) e do insolvente, na qual foi adjudicado àquela o prédio da Rua(…)”, tendo a Relação revogado “o saneador-sentença recorrido, enquanto declara a nulidade da resolução da escritura pública referida, devendo o processo prosseguir tendo em consideração a plena validade e eficácia daquela resolução”. [18]Em todo o caso, deixa-se a nota de que a solução não é consensual. No acórdão do TRL de 15-02-2019, processo 62/07.0TBLNH-C. L1-7 (Relator: Tomé Gomes), considerou-se que “[d]o disposto no n.º 5 do art.º 81.º do CIRE pode inferir-se a legitimidade do devedor insolvente para impugnar actos de resolução praticados pelo administrador da insolvência, ao abrigo do art.º 125.º do mesmo Código, na medida em que ali se confere autonomia ao devedor para intervir no processo de insolvência e seus apensos, salvo expressa disposição em contrário. // A exclusão da insolvente da disposição e administração dos bens da massa insolvente não pode ter o alcance de lhe vedar o acesso aos mecanismos de impugnação dos actos do administrador da insolvência, tanto mais que aqueles actos de resolução envolvem negócios jurídicos anteriores à declaração de insolvência. // Acresce que a impugnação dos actos de resolução praticados pelo administrador da insolvência em relação a negócios anteriores à declaração de insolvência pode ter incidência relevante para efeitos de qualificação da insolvência como culposa ou fortuita, nos termos previstos nos artigos 188.º e seguintes do CIRE, o que se poderá reflectir negativamente na esfera jurídica do devedor”. Em sentido diferente, vai o ac. do TRL de 30-10-2014, processo: 278/12.7TBSRQ-D.L1-6 (Relator: Maria Manuela Gomes), acórdão assim sumariado: “O insolvente só poderá impugnar a resolução por parte do administrador da insolvência dos actos tidos como prejudiciais à massa insolvente, pelo menos desacompanhado da outra parte, no caso de se verificar qualquer interesse pessoal particular, que não, por exemplo, o de mero doador - tendo então, de alegar esse interesse particular, logo na petição inicial da acção especial de impugnação da resolução”. Na doutrina, Carvalho Fernandes e João Labareda (obr. cit. p. 503) referem que o art.º 125.º estabelece contra quem deve ser instaurada a ação de impugnação, mas nada diz quanto à legitimidade para instaurar a ação. “Em termos gerais, ela [legitimidade ativa] tem de caber a quem é afetado pela resolução; assim, desde logo, à outra parte no ato resolvido, mas também a terceiros a quem a resolução seja oponível. Pense-se, por exemplo, no promitente adquirente de um bem transmitido pelo ato resolvido para o destinatário da declaração de resolução. Finalmente, não é de excluir que o próprio insolvente tenha interesse em atacar a resolução. Será o caso de o ato resolvido ter envolvido a produção de efeitos pessoais ou patrimoniais que não interessam à insolvência e que possam cessar em consequência da resolução”.
[19] Obr. cit. p. 257. [20]Direito da Insolvência, 2019, Coimbra, Almedina, p. 232. [21]Nótula Sobre A Resolução Em Benefício Da Massa Insolvente, IV Congresso de Direito da Insolvência, 2017, Coimbra, Almedina, p. 124. [22] In Resolução em benefício da Massa Insolvente, 2008, Coimbra, Almedina, pp. 150-151. [23] No processo principal, para além da sentença declaratória da insolvência (de 20-03-2018), foram proferidos, tão somente os seguintes despachos:
- Em 03-10-2018, com vista a que o administrador da insolvência “esclareça a factualidade descrita pela credora Rosália Pardinho e informe nos autos qual a situação do imóvel em apreço e se irá efectuar a resolução do negócio”;
- Em 12-12-2018, com o seguinte teor: “[r]eferências 7489397 e 7523651: [n]otifique o Sr. Administrador da Insolvência para que esclareça se irá proceder à resolução do negócio que se consubstancia na partilha. // Deverá ainda, em face do requerimento que antecede pronunciar-se quanto à eventual qualificação da insolvência como culposa”;
- Em 19-06-2019, com o seguinte teor: “[v]isto. Aguardem os autos a decisão da acção de resolução em benefício da massa insolvente”;
- Em 21-09-2022, com o seguinte teor: “[r]enovo o despacho que antecede, considerando que o apenso de resolução em benefício da massa insolvente não se mostra decidido”.
Em apenso correm termos a reclamação de créditos (apenso A) e os presentes autos de resolução (apenso B). [24] Conforme AUJ n.º 12/2023, proferido no processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 (Relatora: Ana Resende), “[n]os termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”. [25] Na contestação apresentada pela apelante CR esta alegou que “a Ré deu tornas no valor de € 21.941 (vinte e um mil novecentos e quarenta e um euros) e, contrariamente ao alegado pela Autora, essas tornas e seu valor entraram efectivamente no património da Insolvente” (art.º 27.º da contestação). E no art.º 33.º é alegado que “o valor das tornas está já completamente subsumido pelos pagamentos por esta efectuados por conta da insolvente e que, aliás, continua a fazer, porque a partilha por óbito e a quitação não diz qual o momento do pagamento e cumprimento”.
[26] Em sede de motivação a juiz refere como segue:
“O ponto 7 resultou confessado pela 2.ª R. na sua contestação, a qual assume, directamente, que tal pagamento não foi efectuado, mas sim considerado pago por quantias que a mesma havia pago à mãe, bem como despesas médicas do pai que custeou. E, em sede de audiência de julgamento, a 2.ª R., CR, confessou, novamente e expressamente este facto, referindo que não pagou nada naquele momento, antes ou depois a título de tornas, atendendo a que as despesas médicas do pai e outros que havia pago à mãe já ultrapassavam bastante o valor das tornas”. [27] Nesse processo consta da ata respetiva que a aí ré estava presente, bem como o respetivo mandatário judicial, Dr. JG, sendo que aquando da apresentação à insolvência a devedora fez-se igualmente representar pelo mesmo mandatário, tendo junto procuração datada de 27-02-2018.
[28] O tribunal fundamentou os números 13 e 14 dos factos provados indicando como segue:
“Os pontos 13 e 14 provaram-se com base nos documentos juntos aos autos, bem como no teor da petição inicial junta ao processo principal e ainda as declarações de parte de CR e o depoimento de GV que foram coincidentes nesta parte e demonstraram o que levou a insolvente à situação patrimonial e económica em que se encontrou entretanto. // Acresce que do teor do relatório do Administrador de Insolvência, a que alude o art.º 155.º do CIRE, junto aos autos principais, também consta esta factualidade”.
As apelantes alegam conforme consta da conclusão U, mas o certo é que não impugnaram o julgamento de facto feito pela 1ª instância e vertido nesses números, o que não surpreende porque se trata de matéria que tem por base alegação vertida na oposição apresentada. [29] A alegação nem sequer é feita em sede de impugnação do julgamento de facto, mas em momento anterior (“II. DA RESOLUÇÃO CONDICIONAL”). [30] A alegação vertida no art.º 31 das alegações de recurso é incompreensível, considerando que as rés tiveram intervenção nesse ato, outorgando a respetiva escritura, ainda que a apelante AM por intermédio da insolvente, que outorgou em nome próprio e ainda “na qualidade de procuradora em representação da sua filha”.
[31] Alegando, nomeadamente, como segue:
“30. Não existindo qualquer evidência do pagamento das tornas pelas RR. à insolvente, nomeadamente em registos bancários, // 31. Justificando a insolvente que sendo doméstica, não tem qualquer rendimento de trabalho ou outro, sobrevivendo com a ajuda de familiares e amigos, nomeadamente com a ajuda da filha CR (2ªR), que alegadamente tem pago as suas contas, pelo que o valor das tornas estaria subsumido pelos pagamentos por esta efetuados por conta da mãe (insolvente), // 32. Não juntando, porém, a Insolvente quaisquer comprovativos de tais pagamentos pela 2ª R.”. [32] Menezes Cordeiro, Tratado do Direito Civil Português, II Direito das Obrigações, Tomo II, 2010, Coimbra, Almedina, p. 201.
[33] Mário Júlio Almeida Costa, Direito das Obrigações, 2008, Coimbra, Almedina, p. 368. [34]Teoria Geral do Direito Civil, 1983, Coimbra, Coimbra Editora Lda, pp. 400-401. [35] Adere-se à afirmação de Meneses Cordeiro no sentido de que “[u]m contrato pode vir a revelar-se como imensamente lucrativo para uma das partes e ruinoso para a outra; nem por isso haverá gratuitidade: se as partes o não tiverem querido como tal, antes se verificando a presença de um contrato em desequilíbrio” (obr. cit. p. 202).
[36] Lê-se no preâmbulo do DL 53/2004 de 18-33, que aprovou o CIRE:
“41 - A finalidade precípua do processo de insolvência - o pagamento, na maior medida possível, dos credores da insolvência - poderia ser facilmente frustrada através da prática pelo devedor, anteriormente ao processo ou no decurso deste, de actos de dissipação da garantia comum dos credores: o património do devedor ou, uma vez declarada a insolvência, a massa insolvente. Importa, portanto, apreender para a massa insolvente não só aqueles bens que se mantenham ainda na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos aqueles actos, que se mostram prejudiciais para a massa.
A possibilidade de perseguir esses actos e obter a reintegração dos bens e valores em causa na massa insolvente é significativamente reforçada no presente diploma. // No actual sistema, prevê-se a possibilidade de resolução de um conjunto restrito de actos, e a perseguição dos demais nos termos apenas da impugnação pauliana, tão frequentemente ineficaz, ainda que se presuma a má fé do terceiro quanto a alguns deles. No novo Código, o recurso dos credores à impugnação pauliana é impedida, sempre que o administrador entenda resolver o acto em benefício da massa. Prevê-se a reconstituição do património do devedor (a massa insolvente) por meio de um instituto específico - a ‘resolução em benefício da massa insolvente’ -, que permite, de forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais a esse património”.
[37] Tratando-se de presunção legal que não admite a prova do contrário, basta ao beneficiário da presunção a alegação e prova dos factos que a integram, para fazer funcionar a mesma (art.º 350.º, n.º 2 do Cód. Civil).
[38] Em sede de resolução condicional (art.º 120.º) os requisitos da resolução são os seguintes: (i) a realização pelo devedor de ato prejudicial à massa insolvente, (ii) que o ato ocorra nos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência e (iii) a existência de má-fé do terceiro. [39] A propósito desta alínea referem Carvalho Fernandes e João Labareda:
“Não é, porém, qualquer partilha celebrada neste período de tempo que é resolúvel. Necessário se torna que, no preenchimento do quinhão do insolvente, lhe tenham sido atribuídos, essencialmente, «bens de fácil sonegação». // O advérbio essencialmente significa, antes do mais, que não é requisito da resolubilidade a atribuição exclusiva de bens de fácil sonegação. Basta que tais bens, pela sua qualidade ou pela sua quantidade, representem a parte mais significativa dos que preenchem o quinhão do insolvente. A favor deste entendimento joga a segunda parte do preceito, ao referir-se à generalidade de outros bens. Trata-se, no fundo, de um requisito que só em concreto, perante a composição da herança, se poderá avaliar eficazmente. // Na identificação do que deve entender-se por «bens de fácil sonegação», a al. a) fornece um elemento de delimitação negativa do conceito, quando os contrapõe aos que, na partilha, tenham sido atribuídos aos outros cointeressados: imóveis e valores nominativos. // Assim, são bens de fácil sonegação os móveis, em geral, incluindo o dinheiro, e os valores ao portador. Deverão exclui-se, no entanto, daquela categoria, os móveis sujeitos a registo. (…) // Por referência à noção de prejudicialidade contida no n.º 2 do art.º 120.º, o legislador refere aqui atos que dificultem, ou até frustrem, a satisfação dos credores” (Obr. cit., p. 505). [40] Processo: 856/11.1TYVNG-U.P1.S1 (Relator: Ricardo Costa).