TESTAMENTO CERRADO
VÍCIO DE FORMA
CARÁCTER PESSOAL DO TESTAMENTO
TESTAMENTO DE MÃO COMUM
Sumário


I – O art. 2206.º, n.º 1, do Cód. Civil elenca as três modalidades de testamento cerrado que são admissíveis: i) escrito e assinado pelo próprio testador; ii) escrito e assinado por outra pessoa (terceiro), a rogo do testador; iii) escrito por outra pessoa (terceiro), a rogo do testador, mas assinado por este.
II – Não se comprovando qualquer vício no tocante às formalidades inerentes à elaboração e aprovação do testamento cerrado este é válido (art. 2206º, n.º 5, do CC).
III - O princípio da pessoalidade do testamento significa, em primeiro lugar, que a expressão da vontade tem de ser feita pelo próprio disponente e não por qualquer outra pessoa na qualidade de representante ou até de simples núncio e, em segundo, que a expressão da vontade do testador tem de ser integral, não podendo ficar dependente do arbítrio de outrem, quer quanto à instituição de herdeiros ou nomeação de legatários, quer no que respeita à fixação do objeto do testamento, quer quanto ao cumprimento ou não cumprimento das disposições testamentárias (art. 2182º, n.º 1, do CC).
IV - Sendo proibidos os testamentos de mão comum (art. 2181º do CC), a lei não impede a celebração de testamentos recíprocos, uma vez que, formalmente, não existe um único testamento, apesar de, eventualmente, poder ser manifesta a simultaneidade dos dois atos de testar ou a ligação existente entre as cláusulas de um e de outro.
V - Os meios probatórios não têm por função a ... de realidades normativas ou de factos jurídicos abstratos, mas tão só a demonstração de factos concretos (art. 341º do CC).

Texto Integral


Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA instaurou contra BB a presente acção declarativa de condenação[1], peticionando (i) a condenação do Réu a cumprir os legados instituídos no testamento cerrado de CC, outorgado em 20 de Dezembro de 2018 e aberto em 20 de Junho de 2022, (ii) a declaração da Autora como dona e legítima proprietária da raiz da fracção da quinta e casa da ..., artigo U-... e legítima proprietária de 4/6 da Mata da ... (artigo R-553º) da freguesia ..., e (iii) o registo predial da titularidade destes direitos e cancelando-se os que contrariem este pedido.
Alega, para o efeito e em síntese, a existência de um testamento, em que figura como legatária.

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Citado, contestou o réu, por excepção e reconvenção, peticionando, a título reconvencional, a declaração de nulidade do testamento cerrado e nula a sua disposição n.º 2 (ref.ª ...83).
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A autora apresentou réplica, concluindo pela improcedência das excepções e da reconvenção (ref.ª ...61).
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Foi realizada audiência prévia, tendo sido proferido despacho que admitiu a reconvenção; foi proferido despacho saneador onde se afirmou a validade e a regularidade da instância; de seguida, foi prolatado despacho no qual se procedeu à identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da ..., bem como foram admitidos os meios de ... (ref.ª ...55).
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A 14/03/2023, realizou-se produção antecipada de ... (ref.ª ...26).
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Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento da causa (ref.ªs. ...86 e ...28).
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Datada de 21/11/2024, o Mm.º Julgador “a quo” proferiu sentença (ref.ª ...06), nos termos da qual julgou a acção improcedente, e, consequentemente, absolveu o Réu dos pedidos contra si deduzidos.
Mais julgou a reconvenção improcedente e, consequentemente, absolveu a Autora do pedido contra si deduzido.
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Inconformado, o R./reconvinte interpôs recurso da sentença (ref.ª ...95), e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I – O presente recurso versando matéria de facto e de direito, visa, com a revogação da sentença, a invalidação do testamento cerrado em apreço nos autos, por violação do princípio da pessoalidade (art.º 2.182 do Cod. Civil) e dos requisitos do testamento cerrado (art.º 2.206º n.º 1 e 5 do Cod. Civil), e com os fundamentos constantes da antecedente alegação e das presentes conclusões e do mais que advenha do douto suprimento deste venerando Tribunal.

QUANTO À QUESTÃO DE FACTO
II – Dos factos dados como provados na sentença recorrida os que parecem ser relevantes para efeito específico do presente recurso são os constantes das seguintes alíneas: a); b); e) ; s); t); z); aa) y); bb); ee) e jj) que se dão aqui por reproduzidas.
III – Na finalização da fundamentação dos factos não provados (parte 3, in fine) é dito, ainda, a propósito da alegada influência do irmão da testadora no conteúdo deste testamento cerrado, que resultou provado que “ (…) a testadora podia deixar-se influenciar, mas não condicionar” acrescentando-se:
IV - “De qualquer modo, após o falecimento do irmão, a testadora entendeu alterar as disposições constantes do testamento cerrado (primeiro testamento), por duas vezes, em testamentos subsequentes”
V – Quanto aos requisitos do testamento cerrado, nomeadamente do rogo pelo testador, nenhuma referência é feita na sentença recorrida, apesar de invocada a questão nas alegações orais do signatário e de ser ostensiva a sua violação. Minutos 7:30 – 10:58.
VI – Na fundamentação jurídica da decisão, a douta sentença recorrida limita-se a fazer a seguinte consideração:
“O Réu invoca a nulidade deste testamento alegando, tão-só, a falta de liberdade e espontaneidade da testadora, coarctada que estava, alegadamente, pelo ascendente que o seu irmão, DD, teria sobre ela. Não invoca expressamente a norma que permitiria, directamente sustentar essa nulidade, alegando apenas factos que, no entanto, foram dados como não provados. E da factualidade dada por provada não consta qualquer facto que permita concluir no sentido dessa falta de liberdade da vontade da testadora – tanto mais que após a morte do irmão, teve oportunidade de alterar o testamento epigrafado e acabou por fazê-lo, apenas parcialmente, por duas vezes. Improcede, pois, a excepção”.
VII – Todavia, a propósito da violação do princípio da pessoalidade em apreço nos autos, o réu/reconvinte e ora apelante, alega e dá como aqui reproduzida a matéria dos art.ºs 22º a 35º da contestação
VIII – Não é, portanto, exata a parte da sentença transcrita supra na conclusão VI, quando refere que o Réu, ora recorrente, invoca a nulidade do testamento “alegando tão só a falta de liberdade e espontaneidade da testadora, coartada que estava, alegadamente, pelo ascendente que o seu irmão DD, teria sobre ela;”
IX – Pois que o ora recorrente fala expressamente no supra referido art.º 22 da contestação na “conjugação dos factos vindos de narrar”.
X – De tais “factos vindos de narrar” fazem parte os alegados sob os art.os 13º a 18º da contestação, dados como provados por acordo das partes e se dão como aqui reproduzidos.
XI - Tais factos são objetivos e relevantes por si próprios e, s.m.o., suficientes para imporem a conclusão aí retirada, (nulidade do testamento) independentemente da ... quanto ao referido ascendente. Suficiência que é maior, ainda, agora, com o teor de depoimento da testemunha EE.
XII – Contudo, quanto à existência de tal ascendente, importa ter em conta a conclusão judicial constante da conclusão III, supra: deixar-se a testadora influenciar, mas não condicionar.
XIII – Por outro lado, deve ser revogada ou desconsiderada a parte final da alinea ee) ” consoante as várias partes do testamento iam sendo redigidas pela testadora, de forma manuscrita, em sua casa, no lugar da ... e eram levadas para o ... pelo irmão”

QUESTÃO DE DIREITO:
XIV - O facto de a testadora ter alterado o testamento cerrado em apreço por meio de dois outros testamentos não pode, de forma alguma, significar que tivesse ela estado e se mantivesse inteiramente de acordo com aquele primeiro testamento e que não quereria ou que não viria a fazer outras alterações a favor de outros beneficiários, se a COVID não lhe tivesse precipitado a morte.
XV - No âmbito subjetivo da formação da vontade, o que se pode extrair da conclusão judicial de que “a testadora podia deixar-se influenciar, mas não condicionar” e do seu fundamento é que a vontade da testadora não foi formada de maneira espontânea, livre e genuína, mas, pelo contrário, foi, ou podia ter sido, influenciada, ainda que não subordinada a condições ou limites pré-estabelecidos.
XVI- E uma vontade influenciada, nomeadamente, por ex.º, por manipulação, sugestões ou por pressão, não é uma vontade condicionada, mas também não é – e isso é que releva – uma vontade livre, espontânea e genuína: uma vontade com “liberdade de espírito”
XVII - Deste modo, logo no domínio da formação da vontade testamentária os factos provados e a referida conclusão judicial revelam que o testamento em questão não dá quaisquer garantias de terem sido respeitados os valores de autonomia plena e de espontaneidade da testadora.
XVIII - Já no domínio da manifestação da vontade, da conjugação dos factos dados como provados com o depoimento da testemunha EE resulta, desde logo, que esta não se limitou a escrever o testamento, como prevê o art.º 2.206º, n.º 1 do C. Civil, mas que também o redigiu.
XiX - Que não o fez a rogo da testadora, mas, sim, a pedido do seu marido e irmão da testadora e na ausência desta
XX - Que não manteve ela, sequer, um contacto sério e direto com a testadora para redigir o testamento, sendo que as relações pessoais entre ambas eram meramente cordiais mas quezilentas.
XXI - Que não soube, sequer, explicar no seu depoimento como é que a testadora, alegadamente, transmitia a sua vontade, ora dizendo que era por e-mail, ora dizendo que por e-mail não podia ser por que a testadora não sabia fazê-lo, ora dizendo que “eu não posso dizer exatamente, mas, por exemplo, o meu marido quase todos os fins de semana ia à ... e até podia ser que ele trouxesse de vez em quando, assim umas coisas para eu ir escrevendo no computador” (minutos 11:07 do seu depoimento). Para, mais à frente, repetir “exatamente como foi não me lembro” (min 13:49) .
XXII - Na parte respeitante à manifestação da vontade na feitura do testamento nenhuma credibilidade pode merecer o depoimento de EE, devendo, em consequência, ser desconsiderada e tida como não escrita ou revogada a referida segunda parte da al. ee) dos factos dados como provados.
XXIII - E tanto mais assim quanto é certo que da leitura global desse depoimento resulta clara uma forte vontade de favorecer a Autora.
XXIV - Sendo ainda certo, a propósito do ascendente do irmão, DD, sobre a testadora e a outra irmã, FF, que a testemunha nega ter sido ela a escrever, também, o testamento desta última, quando a letra desse testamento, junto a 19/09/2024, não deixa dúvidas de que pertence à testemunha.
XXV - Por outro lado, ainda que o Tribunal entenda como aceitável a parte do depoimento de EE que refere que a testadora e o irmão combinaram a quem deixariam os bens de que eram comproprietários, é importante distinguir que uma coisa é a combinação entre ambos e, depois, cada um, autonomamente, ir fazer o seu testamento.
XXVI- E outra coisa, bem diferente, é combinarem e depois ser um deles, neste caso o irmão, a tratar da redação global dos testamentos de ambos, reproduzindo-os quanto a esses bens comuns, escolhendo a própria mulher para redigir os dois testamentos, promovendo a sua aprovação em ato continuo em Cartório Notarial da cidade ..., onde ele residia, e a 100km da residência da testadora, e levando os seus empregados como testemunhas em cada um deles
ORA,
XXVII – Requisito essencial do testamento cerrado escrito por terceiro é que ele seja ditado pelo testador ou por este escrito, limitando-se o escrevente a copiá-lo ou a passá-lo a limpo, mas nunca e, em nenhuma medida, redigi-lo.
XXVIII - E tanto a sentença como a testemunha EE falam que esta redigiu o testamento e não que, simplesmente, o escreveu com palavras da testadora
XXIX - Além disso, o escrevente ou manuscritor do testamento cerrado só poderá desempenhar essa função por escolha e rogo direto do próprio testador e não por mediação de outro terceiro, como acontece no caso em apreço.
XXX - Deve ser declarada falsa, por não corresponder à realidade, a aparente afirmação da testadora, no instrumento de aprovação do testamento, de que este “está escrito por outrem a seu pedido...”
XXXI- Como diz Cunha Gonçalves, todas as razões de proibição do testamento de mão comum são de ordem pública e não concernentes somente à solenidade do ato – Tratado de Direito Civil, Vol. IX, pág. 520
XXXII- E, do mesmo Mestre, o testamento é “... depois do casamento, o mais solene de todos os actos jurídicos, se atendermos ao conjunto de formalidades internas e externas que a lei exige na  sua feitura. A falta de tais solenidades produz (…) a insanável nulidade do testamento”. - ob.citada pág. 521
XXXIII- Conquanto douta, a sentença recorrida viola, assim, além do mais, os art.os 2.182º e 2.206º n.º 1, ambos do Código Civil.
Termos em que, com o douto suprimento de V.Ex.as, deve ao presente recurso ser concedido provimento, revogando-se a sentença recorrida quanto à reconvenção e declarando-se nulo o identificado testamento».
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Contra-alegou a autora pugnando pelo não provimento do recurso e confirmação da improcedência da reconvenção (refª. ...00).
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (refª. ...19).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].
No caso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:         
I. Da impugnação da decisão da matéria de facto;
II. Da nulidade do testamento cerrado:
i) - por violação de requisitos essenciais do testamento cerrado (art. 2206º, n.ºs 1 e 5 do Cód. Civil); e
ii) - por violação de caráter pessoal do testamento (art. 2182º do Cód. Civil).
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
a) CC faleceu no dia ../../2022, conforme se retira da cópia da certidão do assento de óbito nº ...1 do ano de 2022, da Conservatória do Registo Civil ..., junta aos autos a fl. 9 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
b) CC foi filha de BB e de GG, conforme se retira da cópia da certidão do assento de óbito nº ...1 do ano de 2022, da Conservatória do Registo Civil ..., junta aos autos a fl. 9 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
c) A Autora é filha de HH, irmão da falecida, conforme se retira das cópias das certidões de óbito e de nascimento juntas aos autos de fls. 9 a 13v e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;
d) O Réu é filho de II, irmão da falecida, conforme se retira das cópias das certidões de óbito e de nascimento juntas aos autos de fls. 9 a 13v e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;
e) A falecida outorgou, em ../../2018, no Cartório Notarial ..., no ..., testamento cerrado, com instrumento de abertura de 20.06.2022, no Cartório Notarial ..., em ..., conforme cópias juntas aos autos de fls. 14 a 21 e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;
f) No texto do referido testamento pode ler-se que “a minha parte na quinta, mata e casa da ..., inclusive o seu recheio, excepto aquelas peças que exactamente referirei em documento particular, será em usufruto vitalício para meu irmão DD, e em propriedade plena para minha sobrinha AA, filha do meu irmão HH, a quem peço que ampare sempre o tio como aliás tem vindo sempre a fazer”;
g) A falecida outorgou, em ../../2020, no Cartório Notarial ..., em ..., testamento público, conforme se retira da cópia da certidão junta aos autos de fls. 21v a 23 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
h) A falecida outorgou, em ../../2021, no Cartório Notarial ..., em ..., testamento público, conforme se retira da cópia da certidão junta aos autos de fls. 24 a 26 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
i) No texto do referido testamento pode ler-se que “não tem descendentes, nem ascendentes vivos, pelo que faz as suas disposições de última vontade da seguinte forma: (…) I – Que, por conta da sua quota legal disponível, lega a seu sobrinho, BB, NIF ...39..., casado, natural da freguesia ..., concelho ..., onde reside no lugar da ..., que pelo presente expressamente nomeia testamenteiro, o usufruto vitalício e com dispensa de caução da sua parte, sobre os seguintes dois imóveis: (…) a) Prédio Urbano, denominado “Quinta e Mata e Casa da ...”, prédio este sito no lugar ..., ..., na freguesia ..., concelho dos ..., inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia ..., sob o artigo ...37º-A, incluindo o usufruto de todo o seu recheio; (…) b) Prédio rústico, denominado “Mata da ...”, sito no lugar ..., na freguesia ..., concelho dos ..., inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia ..., sob o artigo ...04º”;
j) E ainda que “declara revogar as duas disposições constantes no seu primeiro testamento cerrado, infra identificado, que são incompatíveis com o presente  testamento, dando assim por concluído este testamento, que é o terceiro que faz, sendo que o primeiro e o segundo testamentos (o primeiro é um testamento cerrado, com instrumento de aprovação de testamento, outorgado no dia ..., no Cartório Notarial ..., da Notária JJ, e o segundo é um testamento público, lavrado neste Cartório Notarial ..., em ..., a folhas vinte e sete e seguintes deste Livro de Notas para Testamentos Públicos e para Escrituras de Revogação de Testamentos "...'), não são para serem revogados, uma vez que nem o testamento cerrado, nem o referido testamento público são incompatíveis com o presente testamento, pelo que é assim vontade da ora testadora que à data do seu decesso estejam plenamente válidos e em vigor o primeiro, o segundo e ainda este terceiro testamento”;
k) Em 21.06.2022, o Réu enviou a todos os seus primos mencionados nos testamentos a mensagem electrónica cuja cópia impressa se encontra junta aos autos a fl. 29 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
l) Em 11.07.2022, a Autora enviou ao Réu a mensagem electrónica cuja cópia impressa se encontra junta aos autos a fl. 47 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
m) Em 15.07.2022, o Réu enviou à Autora a mensagem electrónica cuja cópia se encontra junta aos autos a fl. 47v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
n) Em 16.07.2022, o Réu enviou à Autora a mensagem electrónica cuja cópia se encontra junta aos autos a fl. 48 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
o) O Réu, na relação de bens que apresentou aquando da participação de transmissão gratuitas (imposto de selo), declarou-se como beneficiário da transmissão dos prédios inscritos sob os artigos matriciais ...37º (fracção ...) e ...53º, conforme se retira da cópia junta aos autos de fls. 48v a 54v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
p) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...18..., uma fracção autónoma de prédio urbano composta de cave, ..., e anexo (960m2), com logradouro, (4250,60 m2), conforme se retira da cópia da certidão da referida Conservatória junta aos autos a fl. ... e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
q) A aquisição do direito de propriedade incidente sobre a referida fracção encontra-se inscrita a favor de BB, por legado, mediante a Ap. ...97 de 2023/07/14, conforme se retira da cópia da certidão da referida Conservatória junta aos autos a fl. ... e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido
r) CC era licenciada em Farmácia e Biologia e não tinha filhos;
s) Vivia no andar de baixo, da ..., no lugar ..., ...;
t) A testadora, CC, era uma mulher desenvolta, que partilhava com os irmãos a gestão dos empreendimentos que detinha na área do turismo e na venda de medicamentos (farmácia), deslocando-se às repartições públicas e ao contabilista sempre que necessário;
u) A Autora, por ser médica e por ter uma relação afectivamente próxima, apoiava a falecida CC; principalmente nos cuidados médicos, prestando-lhes cuidados ou encaminhando-os;
v) Durante a sua infância passou alguns Natais na ...;
w) A Autora, durante o ano de 1978, por ter sido colocada em instituição clínica do ..., viveu em ..., no lugar ..., na ... (casa onde viveu o seu avô e depois onde viveu a tia da Autora, FF), onde montou logística por causa do seu filho mais velho, que tinha acabado de nascer, e dormia na ..., no andar de baixo, onde morava a falecida CC, cumprindo um costume familiar;
x) E durante a quadra natalícia deslocava-se com a família, com frequência quando os seus filhos eram pequenos, para a ..., frequentando, nessas alturas, o andar de ...;
y) DD faleceu no dia ../../2020, conforme se retira da cópia da certidão de habilitação de herdeiros junta aos autos de fls. 73v a 75 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
z) DD era filho de BB e de GG, conforme se retira de fls. 75v a 76v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
aa) O referido DD residia na cidade ...;
bb) O falecido DD outorgou, em ../../2018, no Cartório Notarial ..., no ..., testamento cerrado, com instrumento de abertura de 15.05.2020, no mesmo Cartório Notarial, conforme cópias juntas aos autos de fls. 14 a 21 e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;
cc) A testemunha comum nos testamentos de CC e de DD (KK) era, então, e foi durante anos, a terapeuta e auxiliar diurna do referido DD, na residência deste na cidade ...;
dd) A segunda testemunha no testamento de CC (LL) era motorista do testador DD e de sua mulher e residente num anexo da residência destes, uma vivenda unifamiliar com anexo e jardim, juntamente com sua mulher, empregada doméstica do casal;
ee) E a pessoa que redigiu, manualmente, ambos os testamentos foi a cunhada da testadora, mulher do seu referido irmão, DD, EE, que o fez, relativamente ao testamento de CC, em vários momentos, consoante as várias partes do testamento iam sendo redigidas pela testadora, de forma manuscrita, em sua casa, no lugar ..., e eram levadas para o ... pelo irmão;
ff) À data da outorga do testamento supra referido, DD era professor emérito da Faculdade de Ciências da Universidade ..., introdutor em Portugal da investigação biológica da paternidade e fundador do Laboratório de Exame de Documentos e Escrita Manual da FCUP, onde tentou promover um mestrado em biologia forense e foi também, em conjunto com as duas irmãs, um empreendedor do turismo rural e presidente da Comissão Instaladora da Escola Superior Agrária de ..., da qual foi director;
gg) CC e DD tinham uma relação próxima, discutindo amiúde as questões familiares e consultando-se mutuamente;
hh) O Réu reside no ... andar da ..., onde residiram os seus pais;
ii) A Autora reside na cidade ... e passa férias e fins-de-semana numa sua propriedade em ...;
jj) O Réu apoiou a testadora CC nos últimos anos da sua vida, a partir de 2018, prestando-lhe auxílio quando necessário e fazendo-lhe companhia que a testadora apreciava, e nos últimos meses de vida, reclamava;
kk) A testadora, nos últimos anos da sua vida, conviveu com os filhos do Réu, tomando amiúde refeições juntos, sendo que o mais velho, MM, por ser autista, despertava-lhe interesse e preocupação pelo seu futuro;
ll) Tendo manifestado verbal, separadamente e em ocasiões diferentes, vontade de “deixar a casa” ao Réu BB, em conversas com NN e OO.

E deu como não provado:
Da petição inicial: artigos 8º a 11º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas u) a x).
Da contestação: artigos 20º, 21º, 86º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea ii), 87º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea w), 96º a 99º, 100º a 110º, 114º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea ii), 115º, 117º, primeira parte, 118º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea hh), 119º a 121º, 137º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea t), 145º, quanto ao “envolver” e “adular”.
Da réplica: inexistem enunciados a que cumpra responder.
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V. Fundamentação de direito.

1. Da impugnação da decisão da matéria de facto.
1.1. Em sede de recurso, o apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no art. 640º do CPC, o qual dispõe que:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
(…)».
Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que o recorrente indica quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso, inferindo-se por contraponto a redação que deve ser dada quanto à factualidade que entende estar mal julgada, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua óptica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que fazem assentar a sua discordância, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização, procedendo inclusivamente à respectiva transcrição de excertos dos depoimentos que considera relevantes para o efeito, pelo que podemos concluir que cumpriu suficientemente o triplo ónus de impugnação estabelecido no citado art. 640º. 
*
1.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pela recorrente.
Por referência às suas conclusões, extrai-se que a discordância do recorrente restringe-se à parte final da alínea ee) dos factos provados, pugnando pela expurgação do seguinte segmento fáctico:
 “(…) consoante as várias partes do testamento iam sendo redigidas pela testadora, de forma manuscrita, em sua casa, no lugar ..., e eram levadas para o ... pelo irmão”.
No dizer do recorrente, essa materialidade fáctica, tendo como fundamento único o depoimento da testemunha EE, merece ser alterada, posto que, nessa parte, o referido depoimento testemunhal carece de credibilidade, sendo que da leitura global desse depoimento resulta clara uma forte vontade de favorecer a Autora.
Delineada a posição da recorrente há, assim, que verificar se a discussão probatória fundamentadora da decisão corresponde à prova realmente obtida ou, ao invés, se a mesma se apresenta de molde a alterar a facticidade impugnada, nos termos invocados pelo apelante.
Antes, porém, de iniciarmos essa análise importa deixar consignado que, com vista a ficarmos habilitados a formar uma convicção autónoma, própria e justificada, procedemos à audição integral da gravação do depoimento testemunhal em causa invocado na apelação como justificador da impugnação da matéria de facto, bem como dos depoimentos testemunhais aduzidos nas contra-alegações (PP e QQ), não nos tendo restringido aos trechos parcelares, truncados e restritos assinalados pelo apelante.
E, no caso vertente, após a audição integral dos aludidos depoimentos prestados e análise da prova documental produzida, desde já podemos adiantar ser de sufragar, na íntegra, a valoração/apreciação explicitada pelo Tribunal recorrido, o qual – contrariamente ao propugnado pelo recorrente –, em obediência ao estatuído no art. 607º, n.º 4 do CPC, fez uma análise crítica objectiva, articulada e racional da globalidade da prova produzida, que se mostra condizente com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, logrando alcançar nos termos do n.º 5 do citado normativo uma convicção quanto aos factos em discussão que se nos afigura adequada, lógica e plausível, em termos que (como melhor explicitaremos) nos merece adesão total.
Com efeito, a factualidade provada – e ora impugnada – foi expressa e cabalmente atestada pela testemunha EE, viúva de DD, irmão da testadora, CC.
A mencionada testemunha, que foi professora universitária, tendo sido casada durante 29 anos com o falecido DD, confirmou ter redigido manualmente ambos os testamentos cerrados celebrados, em ../../2018, pelo seu marido DD e pela testadora CC.
Para tanto, e no que concerne ao testamento celebrado pela testadora CC explicitou que esta ia escrevendo manualmente partes do testamento (“escrevia aquilo que queria”), que ia fazendo chegar à testemunha através do marido desta, quando este se deslocava à ... (o que sucedia quase todos os fins de semana), sendo que posteriormente a testemunha passava tais trechos manuscritos para o computador e subsequentemente fazia-lhe chegar essa transcrição, para a CC se inteirar se estava tudo bem e/ou se queria fazer emendas, confirmando que  “o texto foi anda[n]do para trás e para a frente”, tendo por fim a testemunha manuscrito o testamento integral (“passei tudo à mão”).
Chegou a falar pessoalmente com a testadora sobre o testamento, nomeadamente quando esta se deslocava ao ..., a casa do casal, formado pela irmão daquela e pela testemunha.
Tendo inicialmente revelado alguma hesitação quando ao modo como as partes do testamento manuscritas pela testadora chegavam à sua esfera, acabou por ser peremptória ao asseverar que essa comunicação não se processava por email, visto que aquela não lidava (“não mexia”) com o email, mais esclarecendo que as alterações introduzidas pela testadora eram feitas por esta de modo manuscrito, sendo que os textos emendados eram-lhe posteriormente trazidos pelo marido da testemunha, providenciando esta depois por passá-los “de uma maneira mais limpa no computador”.
Contrariamente ao propugnado pelo recorrente, e não obstante a referida testemunha ter revelado algumas hesitações em determinadas respostas, certo é que não podemos deixar de ter presente que aquando da sua inquirição contava com 91 anos – daí ter sido requerida e deferida a produção antecipada de prova relativamente à referida testemunha –, pelo que não é de estranhar que não se recorde na totalidade de todos os pormenores. Sempre se dirá que, no desenvolvimento e aprofundamento da indagação sobre as dúvidas por si patenteadas, a testemunha não deixou de esclarecer os factos em discussão, de um modo seguro e plausível.  
Mais é de salientar a razão de ciência por si invocada, visto ter sido ela quem redigiu/escreveu, manualmente, o testamento cerrado de CC.
Acresce não ter sido produzida qualquer meio de prova que infirme ou contrarie a versão dos factos apresentados pela testemunha EE.
Que o conteúdo do referido testamento cerrado se mostrava em conformidade com a vontade da testadora pode também extrair-se dos dois subsequentes testamentos feitos pela testadora CC, perante outra notária que não a do primeiro testamento, sendo que no terceiro testamento, outorgado em ../../2021 – cuja cópia consta de fls. 24 a 26 – declarou “revogar as duas disposições constantes no seu primeiro testamento cerrado, infra identificado, que são incompatíveis com o presente testamento, dando assim por concluído este testamento, que é o terceiro que faz, sendo que o primeiro e o segundo testamentos (o primeiro é um testamento cerrado, com instrumento de aprovação de testamento, outorgado no dia ..., no Cartório Notarial ..., da Notária JJ, e o segundo é um testamento público, lavrado neste Cartório Notarial ..., em ..., (...)), não são para serem revogados, uma vez que nem o testamento cerrado, nem o referido testamento público são incompatíveis com o presente testamento, pelo que é assim vontade da ora testadora que à data do seu decesso estejam plenamente válidos e em vigor o primeiro, o segundo e ainda este terceiro testamento” (sublinhado nosso, correspondendo o negrito ao testamento).
E também no 2.º testamento, outorgado em ../../2020  – cuja cópia consta de fls. 21 v.º a 23 –, a testadora CC expressamente referiu que o referido testamento cerrado “não é para ser revogado, uma vez que este testamento cerrado não é incompatível com o presente testamento, pelo que é assim vontade da ora testadora que à data do seu decesso estejam plenamente válidos e em vigor o primeiro e este segundo testamento” (sublinhado nosso, correspondendo o negrito ao testamento).
Contrariamente ao aduzido pelo recorrente, não se depreendeu do seu depoimento um propósito no sentido de favorecer a Autora, ou melhor dizendo, que tenha prestado um depoimento interessado ou parcial.
Resta dizer que as testemunhas indicadas nas contra-alegações (PP e QQ) não revelaram ter conhecimentos concretos sobre a específica e delimitada matéria fáctica objeto de impugnação.
Nesta conformidade, por referência à prova produzida nos autos, não se evidenciam razões concretas e circunstanciadas capazes de infirmar a apreciação crítica feita pelo tribunal recorrido sobre o segmento final da alínea ee) dos factos provados da sentença recorrida.
Pelo exposto, coincidindo integralmente a convicção deste Tribunal quanto ao concreto facto impugnado com a convicção formada pelo Mm.º juíz “a quo”, impõe-se-nos confirmar a decisão da 1ª instância e, consequentemente, concluir pela total improcedência da impugnação da matéria de facto deduzida pelo Réu, mantendo-se inalterada a decisão sobre a matéria de facto fixada na sentença recorrida. 
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2. Da violação de requisitos essenciais do testamento cerrado de CC (art. 2206º, n.ºs 1 e 5 do Cód. Civil).
Não questionando estarmos perante um testamento cerrado que foi escrito por outra pessoa e assinado pela testadora, suscita o recorrente a questão de saber se o testamento «foi escrito por terceiro “a rogo” da testadora ou a rogo de um outro terceiro, se foi só escrito ou também redigido por terceiro e se o foi na presença ou na ausência da testadora».
Afirma o recorrente resultar dos autos que a pessoa que redigiu o testamento (EE) não o escreveu a rogo da testadora, mas, sim, a rogo do irmão desta e seu simultâneo testador e marido dela, escrevente. Acrescenta que, além da inexistência de rogo pela testadora, nem sequer existiu entre as duas um contacto directo na transmissão da vontade.
Conclui, por isso, ser «gritante a violação dos requisitos do testamento cerrado escrito por terceiro a rogo do testador e, consequentemente, nulo o testamento dos autos» e, consequentemente, defende que «deve ser declarada falsa, por não corresponder à realidade, a aparente afirmação, ainda que para mero cumprimento de formalismo legal, da testadora no instrumento de aprovação do testamento, de que este “está escrito por outrem a seu pedido...”».
Ressalvando sempre o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-nos que a questão suscitada em sede de recurso é nova, posto que não foi atempadamente invocada seja na fase dos articulados, seja na audiência de julgamento.
Com efeito, em parte alguma o recorrente alegou que o terceiro que redigiu o testamento cerrado objeto dos autos o fez a rogo do irmão da testadora, e não a rogo da testadora – inexistência de rogo da testadora –, e que o testamento não foi apenas escrito, mas, também, redigido por terceiro, que este não o fez por escolha nem a rogo da testadora, mas do irmão da testadora, e que o fez na ausência da testadora.
Tão pouco invocara a falsidade da declaração constante do instrumento de aprovação notarial de que o testamento “está escrito por outrem a seu pedido...”
Ora, como é sabido, este Tribunal não pode conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
Sem embargo, dir-se-á que a referida pretensão sempre estaria destinada ao insucesso, visto não se mostrarem demonstrados os necessários pressupostos constitutivos.
Justificando.
O art. 2179.º, n.º 1, do Código Civil (CC) define testamento como «o acto unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles”.
O testamento caracteriza-se por ser um negócio jurídico unilateral, mortis causa, gratuito, não receptício, pessoal, singular ou individual, livremente revogável e formal ou solene (arts. 2181º, 2182º, 2184º, 2204º e 2311º do CC)[2].
No testamento, o consentimento deve ser perfeito, quer no sentido de ser completamente declarada a vontade de testar, quer igualmente no sentido de a vontade declarada estar em conformidade com a vontade real. Aplicam-se-lhe, além das regras específicas previstas nos arts. 2200º e 2201º do CC, as regras gerais relativas à falta de vontade (arts. 244º a 249º do CC), ou seja, “o consentimento no testamento deve outorgar-se sem vícios na formulação da vontade[3].
Sendo um negócio formal, o testamento deve revestir uma das formas previstas na lei para ser válido (arts. 2204º e ss. e 220º do CC).
São formas comuns do testamento, nos termos do art. 2204º do CC, o testamento público [aquele que é escrito pelo notário no seu livro de notas - art. 2205º do CC e arts. 7º, n.º 1, a), 36º, n.º 1, do Cód. Notariado] e o testamento cerrado[4] (arts. 2206º do CC e 108º do Cód. Not.).
Quer o testamento público, quer o cerrado exigem a intervenção de um notário.
Sob a epígrafe “Testamento cerrado”, estabelece o art. 2206.º do CC:
«1. O testamento diz-se cerrado, quando é escrito e assinado pelo testador ou por outra pessoa a seu rogo, ou escrito por outra pessoa a rogo do testador e por este assinado.
2. O testador só pode deixar de assinar o testamento cerrado quando não saiba ou não possa fazê-lo, ficando consignada no instrumento de aprovação a razão por que o não assina.
3. A pessoa que assina o testamento deve rubricar as folhas que não contenham a sua assinatura.
4. O testamento cerrado deve ser aprovado por notário, nos termos da lei do notariado.
5. A violação do disposto nos números anteriores importa nulidade do testamento».
O n.º 1 do citado normativo elenca as três modalidades de testamento cerrado que são admissíveis: i) a modalidade mais frequente, de o testamento ser escrito/manuscrito e assinado pelo próprio testador; ii) a solução, menos frequente, de o testamento ser escrito e assinado por outra pessoa (terceiro), a rogo do testador; iii) e talvez a menos frequente de todas, a de o testamento ser escrito por outra pessoa (terceiro), a rogo do testador, mas assinado por este [cfr., também, arts. 106.°, n.º 1, e 108º,  n.º 2, al. b), do Cód. Not.][5].
Quando o aludido preceito afirma que o testamento cerrado deve ser “escrito” pelo testador, quer dizer “manuscrito”, de acordo com o preceituado no art. 108º do Cód. Not.[6].
A dispensa de assinatura do testamento pelo testador só é admitida nos casos em que este não saiba ou não possa assinar (n.º 2 do 2206º do CC). Se esta hipótese se verificar, a razão de o testamento não ser assinado pelo testador tem de constar do instrumento de aprovação do testamento.
A pessoa que assinar o testamento, seja o testador, seja terceiro, tem de rubricar todas as suas folhas onde a assinatura não conste [art. 2206º, n.º 3, do CC e art. 108.º, n.º 2, al. d), do Cód. Not.].
Qualquer que seja o caso, requisito essencial do testamento cerrado é que o testador saiba e possa escrever, como expressamente estatui o art. 2208.° do CC. Isto porque, para garantir a autenticidade da vontade do testador e a correspondência desta com o conteúdo do testamento cerrado, é essencial que o seu autor saiba e possa lê-lo. Este aspecto é tanto mais essencial quanto é certo que a entidade pública que vai intervir ainda nas formalidades essenciais à validade do testamento cerrado só o pode ler a pedido do testador (art. 107º, n.º 1, do Cód. Not.).
O documento que titula o testamento comum cerrado é, pois, em si mesmo particular.
Contudo, o testamento cerrado, uma vez escrito e assinado, deve ser apresentado perante o notário para ser lavrado o respetivo instrumento de aprovação (arts. 2206º do CC e 108º do Cód. Not.).
As formalidades próprias da aprovação são regidas pela lei notarial (cfr. arts. 106º a 108º do Cód. Not.), assinalando-se que o instrumento de aprovação deve apresentar as declarações do testador elencadas no art. 108º, n.º 2, do Cód. Not., e, caso o testamento não tenha sido redigido pelo testador, deve constar no documento de aprovação que o testador já conhece o testamento por o ter lido nos termos do n.º 3 dessa disposição legal.
A intervenção do notário aparece como garantia da autenticidade que deve acompanhar um acto da relevância do testamento, ou seja, como garantia que o testamento tem origem no testador, dando-lhe a solenidade necessária[7]. No instrumento de aprovação do testamento cerrado também intervém duas testemunhas instrumentárias (art. 67º, n.º 1, al. a) e n.º 3, do Cód. Not.), salvo se houver urgência e se revelar difícil consegui-las, devendo tal facto constar do acto (art. 67º, n.º 2 do Cód. Not.).
Os termos da aprovação notarial – que distinguem o testamento cerrado do testamento hológrafo[8] – são os de uma aprovação de mera deliberação, destinada não a examinar o conteúdo das cláusulas do testamento, mas a detectar e a eliminar apenas as irregularidades puramente formais, palavras cortadas ou entrelinhadas, borrão ou anomalias semelhantes que no auto de aprovação devem ser anotadas e corrigidas[9] [10]
A aprovação do testamento cerrado, nos termos dos arts. 116º a 119º do Cód. Not., é condição de validade do testamento (n.º 5 do art. 2206º do CC). 
Só uma vez observadas, sem vício, todas as formalidades inerentes à elaboração e aprovação do testamento cerrado este é válido (art. 2206º, n.º 5, do CC)[11].
O testamento cerrado pode ser conservado em poder do testador[12] (art. 2209º, n.º 1, do CC), que o pode revogar, em qualquer momento, pela sua destruição (art. 2315º, n.º 1, do CC). Também pode ser cometido à guarda de terceiro ou depositá-lo em qualquer repartição notarial (art. 2209º, n.º 1, do CC).
Particularizando o caso concreto, resulta provado que a falecida CC outorgou, em ../../2018, no Cartório Notarial ..., no ..., testamento cerrado, com instrumento de abertura de 20.06.2022, no Cartório Notarial ..., em ..., conforme cópias juntas aos autos de fls. 14 a 21 e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos (al. e) dos factos admitidos por acordo).
Identicamente, o falecido DD outorgou em igual dia (../../2018), no mesmo Cartório Notarial ..., no ..., testamento cerrado, com instrumento de abertura de 15.05.2020, conforme cópias juntas aos autos de fls. 77 a 81 e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos (al. bb) dos factos admitidos por acordo).
A testemunha comum nos testamentos de CC e de DD (KK) era, então, e foi durante anos, a terapeuta e auxiliar diurna do referido DD, na residência deste na cidade ... (al. cc) dos factos admitidos por acordo).
A segunda testemunha no testamento de CC (LL) era motorista do testador DD e de sua mulher e residente num anexo da residência destes, uma vivenda unifamiliar com anexo e jardim, juntamente com sua mulher, empregada doméstica do casal (al. dd) dos factos admitidos por acordo).
E a pessoa que redigiu, manualmente, ambos os testamentos foi a cunhada da testadora, mulher do seu referido irmão, DD, EE, que o fez, relativamente ao testamento de CC, em vários momentos, consoante as várias partes do testamento iam sendo redigidas pela testadora, de forma manuscrita, em sua casa, no lugar ..., e eram levadas para o ... pelo irmão (al. ee) dos factos admitidos por acordo).
Ora, da facticidade apurada não resulta que o terceiro que redigiu o testamento cerrado de CC, no caso a cunhada da testadora, mulher do seu referido irmão, DD, a EE, o fez a rogo do irmão da testadora, e não a pedido da testadora, nem tão pouco que o testamento não foi apenas escrito, mas, também, redigido por terceiro – extravasando a redação do testamento pelo terceiro do rogo para o escrever –, e que não corresponde à verdade a declaração de que o testamento foi escrito por outrem a pedido do testador.
Não se mostra igualmente provado que o escrito apresentado não corresponda às disposições de última vontade da testadora.
Diversamente do preconizado pelo recorrente, da facticidade apurada na al. ee) dos factos provados não é legítimo retirar a interpretação de que a redação manual do testamento, em vários momentos, pela EE, não corresponde às várias partes do testamento que foram sendo redigidas pela testadora, de forma manuscrita, e que eram levadas para o ... pelo irmão, a fim de serem entregues à referida EE para escrever o testamento.
Resulta, sim, do instrumento de aprovação notarial que a testadora declarou:
- Que o escrito apresentado contém as suas disposições de última vontade;
- Que está escrito por outrem, a seu pedido, e somente assinado por si, tendo rubricado todas as páginas, à excepção da última por si assinada;
- A declaração de que conhece o seu conteúdo, por o haver já lido;
- Que não contém palavras emendadas, truncadas, escritas sobre rasuras, borrões ou notas marginais;
- A menção a uma entrelinha na primeira página;
A notária, além de rubricar as folhas do testamento, fez também constar do instrumento o número de páginas completas e de linhas de alguma página incompleta, ocupadas pelo testamento.
Acresce não se mostrar comprovada qualquer situação de incapacidade ou de inabilidade das testemunhas que intervieram no testamento cerrado (art. 67º do Cód. Not.).
O que significa não se evidenciar a inobservância dos requisitos do testamento cerrado escrito por terceiro a rogo da testadora.
Termos em que se julga improcedente o fundamento da apelação em apreço.
*
3. Da violação do carácter pessoal do testamento (art. 2182º do Cód. Civil).

Sustenta o recorrente que, tanto no domínio da formação da vontade testamentária, como na vertente da manifestação da vontade, os factos provados revelam que o testamento em questão não dá quaisquer garantias de terem sido respeitados os valores de autonomia plena e espontaneidade da testadora, mostrando-se violado o princípio da pessoalidade.

Com a epígrafe “Carácter pessoal do testamento”, estabelece o art. 2182º do CC:
«1. O testamento é acto pessoal, insusceptível de ser feito por meio de representante ou de ficar dependente do arbítrio de outrem, quer pelo que toca à instituição de herdeiros ou nomeação de legatários, quer pelo que respeita ao objecto da herança ou do legado, quer pelo que pertence ao cumprimento ou não cumprimento das suas disposições.
2. O testador pode, todavia, cometer a terceiro:
a) A repartição da herança ou do legado, quando institua ou nomeie uma generalidade de pessoas;
b) A nomeação do legatário de entre pessoas por aquele determinadas.
3. (…)».

Num primeiro sentido, o princípio da pessoalidade do testamento significa que a expressão da vontade tem de ser feita pelo próprio disponente e não por qualquer outra pessoa na qualidade de representante ou até de simples núncio[13]. Ou seja, não existirá a possibilidade de representação do testador acautelando-se, desta forma, que a vontade do testador venha a ser corrompida ou desvirtuada pelo representante (uma vez que o representante actua em nome do representado, substituindo-o)[14].
Num segundo sentido, o enunciado princípio significa que a expressão da vontade do testador tem de ser integral[15] [16]. Dito por outras palavras, não se admite que o testamento dependa inteiramente da vontade de outrem (como que um «cheque em branco» passado pelo testador a outra pessoa), seja para instituir herdeiros ou nomear legatários, seja no que diga respeito ao objecto da herança ou do legado, ou até no que dependa do cumprimento ou não cumprimento das disposições testamentárias. Esta é a forma que o legislador encontrou de blindar o testamento da possível ingerência de um terceiro que possa atentar contra a essência pessoal do testamento[17]. No caso, o testamento diz-se acto pessoal por ser exigida nele uma coincidência entre a autoria moral e material do negócio, sendo excluída a intervenção de terceiros[18]
Importa ter também presente que o testamento é um negócio individual ou singular[19]: é acto de vontade de uma pessoa e não de duas ou mais, não sendo admitidos os testamentos de mão comum (também designados conjuntivos ou coletivos).
A esse respeito, prescreve o art. 2181.º (“Testamento de mão comum”) do CC:
«Não podem testar no mesmo acto duas ou mais pessoas, quer em proveito recíproco, quer em favor de terceiro».
O que o legislador pretende acautelar no citado preceito é a pessoalidade do testamento. O testamento só é verdadeiramente um acto pessoal, livre, unilateral e livremente revogável se for individual. Se pudesse ser feito um testamento em conjunto ou colaboração, este ficaria subordinado a outras vontades que constassem no mesmo documento, o que levaria a um bloqueio de uma manifestação totalmente livre da vontade do testador e faria depender uma eventual revogação da concordância de outrem. Ora, tal fere a essência do testamento.
Tem-se em vista também salvaguardar a liberdade intrínseca do testador que não estará sujeito a pressões ou a ascendente psicológico de outrem. Assim, evitar-se-á que alguém se sinta condicionado a emitir uma vontade num determinado sentido não correspondente com a sua verdadeira intenção[20].  Evita-se, por exemplo, que alguém contemple no seu testamento outra pessoa pelo simples facto de essa pessoa o ter contemplado também.
Em suma, a proibição dos testamentos de mão comum baseia-se, fundamentalmente, na preocupação de evitar o ascendente ou a influência de um dos testadores sobre o outro (garantindo a espontaneidade da disposição); por outro lado, é uma garantia da livre revogabilidade do testamento[21].
Nada impede, no entanto, a celebração de testamentos recíprocos[22] (frequentes entre cônjuges ou irmãos ou outros que vivam em economia comum, por exemplo), uma vez que, formalmente, não existe um único testamento, apesar de, eventualmente, poder ser manifesta a simultaneidade dos dois actos de testar ou a ligação existente entre as cláusulas de um e de outro. Assim, por exemplo, não é possível marido e mulher (ou irmãos) realizarem atribuições patrimoniais simultâneas e recíprocas no mesmo testamento. Nada obsta, porém, que cada um deles faça atribuições patrimoniais em testamentos singulares, celebrados no mesmo dia e, eventualmente, no mesmo cartório notarial, incluindo, em cada um deles, uma disposição a favor do cônjuge (ou do irmão), se este lhe sobreviver[23]. O que a lei visa é impedir os testamentos simultâneos e correspetivos[24]. Com efeito, a validade de tais testamentos não estará em causa por força do art. 2181º do CC, uma vez que cada um fez o seu testamento (ainda que previamente combinado em conjunto), e se, mais tarde, uma das partes decidir revogá-lo não está sujeito à concordância do outro, uma vez que existem testamentos distintos e autónomos. Como tal, o respeito pela suma vontade do testador estará imanente na livre revogabilidade[25].
Feitas estas considerações de índole teóricas, podemos desde já antecipar a nossa resposta no sentido de a pretensão recursória em apreço carecer de fundamento.
Desde logo, tem-se por estéril o exercício argumentativo alicerçado nos depoimentos testemunhais produzidos na audiência de julgamento com vista a tentar fundar um eventual vício na formação da vontade testamentária, bem como na manifestação da vontade da testadora. Com efeito, na argumentação jurídica não há que recorrer ao conteúdo dos meios probatórios. Estes podem ser relevantes no âmbito da impugnação da decisão da matéria de facto, posto que os factos que resultam dos meios de provas devem ser incluídos no elenco dos factos provados ou não provados. Isto porque a solução jurídica deverá alicerçar-se na matéria de facto provada e não provada, assim se efectivando a necessária subsunção jurídica, e não nos meios de prova produzidos.
Não será despiciendo lembrar que os meios probatórios não têm por função a prova de realidades normativas ou de factos jurídicos abstractos, mas tão só a demonstração de factos concretos (art. 341º do CC). Contrariamente ao explicitado pelo recorrente, da prova produzida jamais o tribunal poderá directamente inferir a decisão a proferir sobre, por exemplo, a falta de liberdade e de autonomia da testadora quer na elaboração do testamento como no acto da sua aprovação notarial, seja ao nível da falta da formação da vontade testamentária ou da manifestação da vontade da testadora, seja pela falta de rogo. A produção dos meios de prova, como se disse, assume relevo ao nível do julgamento da matéria de facto, posto que será com base neles que o tribunal terá de discriminar os factos materiais julgados provados e não provados, motivando a sua convicção, pois que só ulteriormente procederá à subsunção destes factos à realidade normativa vigente (fundamentação de direito). A fundamentação de direito situa-se a jusante do apuramento da matéria de facto, sendo que somente em função da delimitação da facticidade apurada é que fará sentido subsumi-los ao direito aplicável, efectuando a sua qualificação e enquadramento jurídico, bem como aplicando as normas jurídicas correspondentes, com vista a proferir a decisão final da causa.
Quanto à demais argumentação aduzida na apelação, revemo-nos por inteiro na fundamentação explicitada na sentença recorrida.
Aí se refere, na motivação fundamentadora da decisão de facto, “que não resultou da prova produzida um ascendente de DD sobre a testadora que a levasse a dispor dos seus bens e direitos condicionada ou de forma não livre, tendo antes resultado que a testadora podia deixar-se influenciar, mas não condicionar. De qualquer modo, após o falecimento do irmão, a testadora entendeu alterar as disposições constantes do testamento cerrado (primeiro testamento), por duas vezes, em testamentos subsequentes”.
E, em sede de enquadramento jurídico, o Mm.º Julgador “a quo” explicitou o facto de o Réu invocar a nulidade do testamento cerrado de CC, “alegando, tão-só, a falta de liberdade e espontaneidade da testadora, coarctada que estava, alegadamente, pelo ascendente que o seu irmão, DD, teria sobre ela”. Acrescentou que os factos alegados para sustentar essa nulidade foram dados como não provados. E que da “factualidade dada por provada não consta qualquer facto que permita concluir no sentido dessa falta de liberdade da vontade da testadora – tanto mais que após a morte do irmão, teve oportunidade de alterar o testamento epigrafado e acabou por fazê-lo, apenas parcialmente, por duas vezes”, pelo que julgou improcedente a excepção.
Fazendo um esforço argumentativo no sentido de reforçar e confirmar a conclusão firmada pelo Tribunal da 1ª instância diremos não resultar da factualidade apurada que “o princípio da autonomia e da liberdade do testador se apresenta claramente violado”, quer “na elaboração do testamento como no ato da sua aprovação notarial”.
O recorrente desenvolve a sua alegação recorrendo, essencialmente, ao conteúdo de meios probatórios – exercício inconsequente, como se disse –, assim como ao regime do testamento de mão comum, proibido nos termos do art. 2181º do CC.
Contudo, na situação dos autos não estamos perante um testamento de mão comum, posto o que ocorreu foram testamentos recíprocos, em que a CC e o irmão DD fizeram atribuições patrimoniais em testamentos singulares e autónomos, inexistindo atribuições patrimoniais simultâneas e recíprocas no mesmo testamento.
Em lado algum se retira (da facticidade apurada) que a declaração da testadora não tenha sido espontânea, livre, genuína, esclarecida e autêntica.
Não obstante o recorrente afirme que os factos provados revelam que o testamento em questão não dá quaisquer garantias de terem sido respeitados os valores de autonomia plena e espontaneidade da testadora (“a liberdade de espírito”), a verdade é que não indica a que concretos factos provados pretende reportar-se. E, lida e relida a facticidade apurada, não logramos descortinar factos que dêem cobertura à dita conclusão.
É certo que na motivação da matéria de facto o Mm.º Juiz “a quo” aludiu à circunstância de resultar da prova produzida que a testadora podia deixar-se influenciar, mas não condicionar pelo seu irmão DD.
Ressalvando sempre o devido respeito por entendimento contrário, consideramos que ao individualizar e destacar a referida afirmação retirando-a do contexto em que foi inserida o recorrente desvirtua o sentido da mencionada asserção, pois a mesma é bem mais vasta e rica do que aquilo que aquele pretende fazer sobressair.
Na verdade, nesse domínio o Mm.º Juiz “a quo” foi explícito e claro ao referir que “não resultou da prova produzida um ascendente de DD sobre a testadora que a levasse a dispor dos seus bens e direitos condicionada ou de forma não livre, tendo antes resultado que a testadora podia deixar-se influenciar, mas não condicionar. De qualquer modo, após o falecimento do irmão, a testadora entendeu alterar as disposições constantes do testamento cerrado (primeiro testamento), por duas vezes, em testamentos subsequentes”.
Ou seja, a referida fundamentação, lida na sua globalidade, e não de forma parcelar, aponta precisamente no sentido contrário ao propugnado pelo recorrente, visto fazer sobressair a liberdade da vontade da testadora.
Considerando para o efeito que a CC e o DD tinham uma relação próxima, discutindo amiúde as questões familiares e consultando-se mutuamente, essa alegada influência que este exerceria sobre aquela – ao ponto de não a condicionar – nada tem de censurável.
Também não resulta dos autos que a redação do testamento por terceira pessoa (EE) não tenha sido feita a rogo da testadora, mas, sim, a pedido do seu marido e irmão da testadora.
Por outro lado, o facto de os testamentos cerrados da CC e do DD terem sido ambos redigidos pela cunhada da testadora, a EE, mulher do seu referido irmão, DD, de neles ter intervindo como testemunha comum KK, que era, então, e foi durante anos, a terapeuta e auxiliar diurna do referido DD, na residência deste na cidade ..., e de a segunda testemunha no testamento de CC (LL) ser motorista do testador DD e de sua mulher e residente num anexo da residência destes, uma vivenda unifamiliar com anexo e jardim, juntamente com sua mulher, empregada doméstica do casal, bem como de os testamentos terem sido outorgados no Cartório Notarial da cidade ..., onde o DD residia, a 100km da residência da testadora CC, de modo algum habilita a concluir que se mostrou comprometida a genuína vontade da testadora, quer ao nível da formação, como da sua manifestação.
Pretendendo transmitir a imagem de uma pessoa instrumentalizada e condicionada pelo irmão DD, olvida o recorrente que a testadora CC era uma mulher desenvolta, que partilhava com os irmãos a gestão dos empreendimentos que detinha na área do turismo e na venda de medicamentos (farmácia), deslocando-se às repartições públicas e ao contabilista sempre que necessário e que a referida testadora e o irmão DD tinham uma relação próxima, discutindo amiúde as questões familiares e consultando-se mutuamente.
E essa manifestação de autonomia da vontade extrai-se do facto de – como bem assinalado na sentença recorrida –, após o falecimento do irmão, a testadora ter decidido alterar disposições constantes do testamento cerrado (primeiro testamento), por duas vezes, em testamentos subsequentes, mantendo, pois, incólume o direito à livre revogabilidade do testamento.
Em suma, por reporte aos factos apurados não é legítimo concluir por «um ascendente de DD sobre a testadora que a levasse a dispor dos seus bens e direitos condicionada ou de forma não livre».
 Termos em que não se tem por demonstrada a violação do carácter pessoal e individual do testamento cerrado da CC.
Deste modo, a sentença recorrida merece inteira confirmação, improcedendo a apelação.
*
4. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.
Como a apelação foi julgada improcedente, mercê do princípio da causalidade, as respetivas custas serão da responsabilidade do recorrente (art. 527º do CPC).
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VI. Decisão

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo do apelante (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 29 de maio de 2025

Alcides Rodrigues (relator)
Ana Cristina Duarte (1ª adjunta)
Alexandra Rolim Mendes (2ª adjunta)


[1] Proveniência da acção: Juízo Central Cível de Viana do Castelo - Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo.
[2] Cfr. Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, vol. I, 4.ª ed. Coimbra Editora, 2012, pp. 49/50 e Pereira Coelho, Direito das Sucessões, Lições ao Curso de 1973-1974, Coimbra, 1992, pp. 330/335.
[3] Cfr. Rabindranath Capelo de Sousa, obra citada, pp. 175/176.
[4] Também chamado secreto, místico ou particular.
[5] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume VI, Coimbra Editora, p. 1998, p. 338.
[6] Cfr. Guilherme de Oliveira, O Testamento - Apontamentos, p. 44.
[7] Cfr. Anabela Gonçalves, in Código Civil Anotado, Livro V, Direito das Sucessões, (Coord. Cristina Araújo Dias), 2018, Almedina, p. 316 (anotação ao art. 2206º).
[8] A exigência de aprovação notarial do testamento cerrado afasta a validade do chamado testamento hológrafo – o testamento simplesmente escrito e assinado pelo testador (cfr. Guilherme de Oliveira, O Testamento (…), p. 43).
[9] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume VI, Coimbra Editora, p. 1998, p. 338.
[10] Em igual sentido, afirma Oliveira Ascensão que esta aprovação não significa que o notário passe a ser o autor do testamento, pois ele limita-se, verificada a regularidade formal do testamento, a aprová-lo e a lançar termo de aprovação (cfr.  Direito Civil Sucessões, 4ª ed., Coimbra Editora, 1989, p. 83).
[11] Cfr. Luís Carvalho Fernandes, Lições de Direito das Sucessões, Quid Juris, 1999, pp. 430/431.
[12] Cfr. A principal vantagem do testamento cerrado é o de conservar, até à morte do testador, o seu caráter sigiloso [cfr. Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Vol. VII (arts. 1796º a 2334º); Lisboa, 2002, Anotado, p. 414].
[13] Cfr. Guilherme de Oliveira, O Testamento (…), pp. 10/11.
[14] Cfr. Anabela Gonçalves, Código Civil Anotado, Livro V, (…), p. 251 (anotação ao art. 2182º).
[15] Cfr. Guilherme de Oliveira, O Testamento (…), pp. 10/11.
[16] A regra comporta, todavia, as exceções previstas nas duas alíneas do n.º 2 do art. 2182º.
[17] Cfr. Anabela Gonçalves, Código Civil Anotado, Livro V, (…), pp. 251/252 (anotação ao art. 2182º).
[18] Cfr. Luís Carvalho Fernandes, obra citada, p. 405.
[19] Como exceção a este princípio temos as disposições dos esposados previstas nos arts. 1700º e 1704º do CC.
[20] Cfr. Anabela Gonçalves, Código Civil Anotado, Livro V, (…), pp. 249/252 (anotação ao art. 2181º).
[21] Cfr. Pereira Coelho, Direito das Sucessões, (…), p. 331.
[22] Também designados de «testamentos de conteúdo simétrico» (cfr. Rita Lobo Xavier, Manual de Direito das Sucessões, Almedina, 2023, p. 163.  
[23] Os testamentos recíprocos são feitos «em espelho». Por exemplo, no testamento da mulher, por ela foi declarado que «deixou ao meu marido a minha quota disponível, e, se ele já tiver falecido, ao nosso filho». No testamento do marido, por ele foi declarado que «deixo à minha mulher a minha quota disponível, e se ele já tiver falecido, ao nosso filho» (cfr. Rita Lobo Xavier, Manual de Direito das Sucessões, Almedina, 2023, pp. 163/164).
[24] Cfr. Rita Lobo Xavier, Manual de Direito das Sucessões, Almedina, 2023, pp. 163/164.  
[25] Cfr. Anabela Gonçalves, Código Civil Anotado, Livro V, (…), p. 249 (anotação ao art. 2181º).