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ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Sumário
I - O juiz deve deferir o arbitramento de reparação provisória desde que se verifique uma situação de necessidade em consequência dos danos sofridos e se encontre indiciada a existência da obrigação de indemnizar a cargo do requerido. II - Existe o direito à reparação provisória nas situações em que o evento danoso agravou a situação de carência pré-existente. III - Alegando o requerente o núcleo mínimo de factos necessário para a individualização e delimitação dos requisitos específicos do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, não ocorre evidente falta de pressupostos de facto indispensáveis ao exercício do direito, mas antes uma insuficiência na exposição ou concretização da matéria relativa aos rendimentos auferidos pelo lesado e pelos pais (com quem vive) antes da produção do facto danoso - e outros elementos quantificáveis referentes à respetiva situação económica - suscetível de ser suprida mediante convite ao aperfeiçoamento.
Texto Integral
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório
No Juízo Local Cível de Peso da Régua, AA intentou procedimento cautelar especificado de arbitramento de reparação provisória contra EMP01... - Companhia de Seguros, S.A, requerendo que a requerida seja condenada a pagar-lhe a quantia de 850,00€ a título de reparação provisória e sob a forma de renda mensal.
Para o efeito alegou, em síntese:
- por volta das 00h10m do dia ../../2024, na Avenida ... na cidade ..., ocorreu um acidente de viação, no qual foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros, que identifica e era objeto de contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil celebrado com a requerida, no qual o requerente seguia como passageiro sendo nele transportado gratuitamente;
- o referido veículo circulava na Avenida ..., na direção ... - ..., quando, após ter circundado metade da direita da "rotunda do ...", embateu de frente contra a parede marginante da estrada, em virtude de desatenção do respetivo condutor, o qual perdeu o controlo do veículo, ao ponto de não ter conseguido mantê-lo na faixa de rodagem;
- em virtude do embate, sofreu lesões na coluna vertebro-cervical o que fez com que durante mais de dois meses estivesse praticamente impossibilitado de fazer qualquer movimento, tendo estado sob a vigilância e cuidados permanentes da sua mãe, que era quem o levava à casa de banho, fazia a higiene, bem como lhe dava de comer; no dia do acidente foi encaminhado para o centro hospitalar onde esteve internado até às 7h00 da manhã, momento em que teve alta para tratamento em ambulatório a partir da sua residência; após, durante cerca de sete meses, como início no mês de abril, quase todas as semanas ia ao hospital de ... na cidade ..., para consultas dos serviços clínicos da requerida;
- decorrido mais de um ano, o requerente sente dores fortes e quase permanentes na coluna vertebral, na cabeça e nas pernas, não conseguindo rodar o tronco e o pescoço nem fazer qualquer esforço com as mãos e braços, sente grande dificuldade em andar devido ao mal-estar inerente a essa situação e por quase não poder andar, vendo-se obrigado a passar quase todo o tempo na cama; em virtude das fortes e constantes dores que ainda o acometem como pelo seu estado de fraqueza, não pode fazer qualquer esforço físico e intelectual, este último devido ao transtorno psicológico que o afeta; porém, o trabalho que ia exercendo à data do acidente era nas obras e na vinha, sendo que estava para começar a trabalhar regularmente na vinha, com os pais;
- já está há mais de um ano sem poder trabalhar por causa do acidente e, devido à situação em que ainda se encontra, é de todo imprevisível quando e se conseguirá poder trabalhar e mesmo que isso aconteça vai demorar muito tempo, assim se justificando que a requerida lhe pague um montante mensal não inferior a 850€, como preliminar da ação definitiva a propor e por conta da indemnização final que lhe venha a ser atribuída que fica aquém do ordenado mínimo nacional, mas que é o adequado aos custos implicados pela satisfação das suas necessidades essenciais, como para ter alguma autonomia económica, atenta a débil situação económica dos pais, com quem vive, pois são trabalhadores rurais e não têm qualquer outro rendimento a não ser a retribuições desse seu trabalho, sendo com o valor dessas retribuições que têm de fazer face a todos os encargos do seu agregado familiar.
De seguida foi proferido despacho a indeferir liminarmente a requerida providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, fixando à causa o valor de 10.200,00€.
Inconformado com esta decisão, o requerente apresentou-se a recorrer, terminando as alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:
«1. Embora m. doutamente analisadas e expostas as questões atinentes à providência cautelar em causa, entende o recorrente que as mesmas não foram devidamente aplicadas ao caso concreto. 2. Porque, contrariamente ao entendido e decidido, parece-nos que, com a demonstração da factualidade alegada no requerimento inicial, resultarão preenchidos todos os requisitos exigidos para a concessão da providência. 3. Desde logo, a atualidade da invocada necessidade, tanto pelo situação em que se encontrava à data do acidente que era a de ir trabalhando nas obras e na vinha, como a de estar para começar a trabalhar regularmente na vinha com os pais. 4. Não tendo qualquer outra ocupação, nem outra fonte de rendimento, dúvidas não poderia haver de estar numa situação de necessidade de auferir esses rendimentos para fazer face às despesas da sua própria subsistência, necessidade essa ainda maior pelo facto de viver com os pais e estes, sendo simples trabalhadores rurais e tendo como único rendimento as retribuições desde seu trabalho, terem uma situação económica manifestamente débil. 5. Além de que é mais que legitimo e justificado que o requerente, de 24 anos de idade, pretenda ter alguma autonomia, de forma a não estar a sobrecarregar os pais e começar a construir o seu futuro a nível económico. 6. Ora, como tudo isso está inviabilizado desde que aconteceu o acidente e por causa das lesões que do mesmo advieram para o requerente, resulta mais que evidente e inquestionável o nexo de causalidade entre esse mesmo acidente e a invocada situação de necessidade . 7. Apesar de não ter indicado a remuneração que auferia à data do acidente, a essa omissão não devia atribuir-se qualquer relevância, tanto por não ser exigida, como pelo facto de o montante peticionado ser inferior ao do salário mínimo nacional. 8. Nada justificava que o Mmo Juiz recorrido fosse tão rigoroso na análise da verificação dos requisitos exigidos para o decretamento da providência, desde logo pela natureza provisória desta . 9. Além disso, pela forma e circunstâncias do acidente (embate do veiculo segurado da requerida contra um muro marginante da estrada por perda do seu controle pelo respectivo condutor), não deixando qualquer dúvida quanto à culpa total e exclusiva do condutor do veiculo segurado da requerida e consequente total responsabilidade desta por todas as suas consequências danosas . 10. Além disso porque, face à gravidade das lesões sofridas pelo requerente, dúvidas também não pode haver de lhe vir a ser atribuída uma indemnização que, mesmo só em função das consequências já verificadas, será sempre de valor elevado, nessa medida não havendo qualquer inconveniente que a título de antecipação da mesma, seja atribuído um valor mensal ao requerente, por tudo isso nos parecendo que, numa apreciação liminar da providência requerida, nada justificava o seu indeferimento liminar, antes se impondo considerá-la viável e ordenar-se a citação da seguradora. 11. Mas ainda que assim não fosse, e se entendesse ser necessário alegar mais alguns factos ou melhor concretizar outros, nada impedia, antes se impunha ao Mmo Juiz recorrido, cumprir o poder-dever que decorre do disposto no art. 590º do nº4 do C.P.C., convidando o requerente a usar dessa possibilidade. 12. Assim não se tendo entendido e ao decidir-se o indeferimento liminar, entende o recorrente que o despacho recorrido enferma de incorreta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, nomeadamente dos artigos 226º, nº4, 388º e 590º, nº4, todos do C.P.C. e arts.483º, 496º, 562º e 564º todos do C.Civil, pelo que No provimento do presente recurso, deve o d.despacho recorrido ser revogado e ordenar-se que, em sua substituição, seja proferido outro que admita liminarmente a providência e ordene a citação da requerida, assim resultando, a nosso ver, melhor interpretada e aplicada a lei para também melhor realização da JUSTIÇA».
Foi determinada a citação da requerida para o procedimento e para os termos do recurso, tendo apresentado oposição nos autos.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação de Guimarães, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.
II. Delimitação do objeto do recurso.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) -, importa aferir se o alegado pelo requerente na petição inicial justificava o indeferimento liminar do procedimento cautelar especificado de arbitramento de reparação provisória com fundamento na insuficiente alegação dos respetivos pressupostos necessários; em qualquer caso, se o Tribunal recorrido deveria ter convidado o requerente a aperfeiçoar o requerimento inicial, convidando-o a alegar factos ou a melhor concretizar os factos em que assenta a sua pretensão.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
III. Fundamentação
1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, que se dão aqui por integralmente reproduzidos, por estarem devidamente documentados nos autos.
2. Apreciação sobre o objeto do recurso.
O procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória encontra-se especificamente regulado nos artigos 388.º a 390.º do CPC.
O artigo 388.º do CPC, sob a epígrafe «Fundamento», dispõe o seguinte:
1 - Como dependência da ação de indemnização fundada em morte ou lesão corporal, podem os lesados, bem como os titulares do direito a que se refere o n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil, requerer o arbitramento de quantia certa, sob a forma de renda mensal, como reparação provisória do dano.
2 - O juiz defere a providência requerida desde que se verifique uma situação de necessidade em consequência dos danos sofridos e esteja indiciada a existência de obrigação de indemnizar a cargo do requerido.
3 - A liquidação provisória, a imputar na liquidação definitiva do dano, é fixada equitativamente pelo tribunal.
4 - O disposto nos números anteriores é também aplicável aos casos em que a pretensão indemnizatória se funde em dano suscetível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado.
Tal como resulta deste preceito, o juiz deve deferir o arbitramento de reparação provisória desde que se verifique uma situação de necessidade em consequência dos danos sofridos e se encontre indiciada a existência da obrigação de indemnizar a cargo do requerido. O mesmo é dizer que o decretamento desta providência cautelar depende do preenchimento dos seguintes requisitos cumulativos:
- existência de indícios suficientemente fortes quanto à obrigação de indemnizar por parte do requerido;
- verificação de uma situação de necessidade;
- nexo de causalidade entre os danos sofridos pelo requerente e a situação de necessidade que fundamenta o recurso à tutela cautelar[1].
É neste quadro que o requerente deve enunciar a sua pretensão, invocando os elementos de facto que permitam, se sumariamente demonstrados, considerar reunidos todos os requisitos gerais de que a lei faz depender a concessão da tutela cautelar no âmbito do procedimento em referência.
Tal como dispõe o artigo 5.º, n.º 1, do CPC, cabe às partes, além do mais, «alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (…)», correspondendo esta ao facto ou factos jurídicos concretamente invocados para sustentar o direito que o autor se propõe fazer declarar, o efeito jurídico pretendido ou o pedido formulado - cf. o artigo 581.º, n.ºs 3 e 4 CPC.
Assim, a causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido[2], pelo que a idoneidade do objeto da ação implica a indicação e inteligibilidade da causa de pedir e do pedido, bem como a existência de um nexo lógico formal não excludente entre aqueles dois termos da pretensão, por forma a permitir um pronunciamento de mérito positivo ou negativo[3].
Por conseguinte, em sede de procedimento cautelar, a causa de pedir é integrada pelo facto jurídico de que emana a providência requerida, a qual «deve ficar refletida num conjunto mais ou menos alargado de factos com relevância jurídica atinente ao direito cuja existência se alega, nos quais se sustentará a providência requerida»[4].
Com efeito, à semelhança do que sucede com as petições iniciais das ações declarativas que seguem a forma do processo comum, também o requerente do procedimento deve expor as razões de facto e de direito que fundam a sua pretensão, sendo o objeto do procedimento integrado pela causa de pedir de que o pedido constitui o imprescindível corolário lógico[5].
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 226.º, n.º 4, al. b) e 590.º, n.º 1, do CPC, o indeferimento liminar do procedimento cautelar é admissível quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente.
Mas «quando, na intervenção liminar, o juiz se deparar com falhas de inferior gravidade, não está afastada a possibilidade de proferir despacho de aperfeiçoamento»[6].
O convite ao aperfeiçoamento de articulados, previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC «procura completar o que é insuficiente ou corrigir o que é impreciso, na certeza de que a causa de pedir existe (na petição) e é percetível (inteligível); apenas sucede que não foram alegados todos os elementos fácticos que a integram, ou foram-no em termos pouco precisos. Daí o convite ao aperfeiçoamento, destinado a completar ou a corrigir um quadro fáctico já traçado nos autos», como é o caso das situações em que se verifique imprecisão, vacuidade, ambiguidade ou incoerência de algum articulado ou das peças cujo teor é conclusivo, quer porque se omitiram os concretos factos que sustentam as conclusões, quer porque a parte se limitou a reproduzir a fórmula legal invocada[7].
No caso, o Tribunal recorrido nada suscitou em sede liminar a propósito do primeiro dos requisitos específicos do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, dependente da existência de indícios suficientemente fortes quanto à obrigação de indemnizar por parte da requerida, o que se aceita face ao alegado no requerimento inicial.
Deste modo, o objeto da presente apelação circunscreve-se a aferir se as circunstâncias fácticas alegadas pelo requerente são suscetíveis de permitir consubstanciar a verificação de uma situação de necessidade e o nexo de causalidade entre os danos sofridos pelo requerente e a situação de necessidade que fundamenta o recurso ao procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória.
Neste domínio, o Tribunal recorrido entendeu não estarem verificados os requisitos para admitir a título liminar a providência, mais concretamente por ser evidente a ausência de uma situação de necessidade em que o lesado se encontre; bem assim a existência de um nexo de causalidade entre o dano e a situação de necessidade, ou seja, que a situação de carência seja uma consequência do evento lesivo, com base nos seguintes fundamentos:
«(…) Com efeito, conforme resulta do requerimento inicial, em momento algum é alegado que o requerente estivesse, naquele momento, a trabalhar, porquanto o que é referido é que “o trabalho que ia exercendo era nas obras e na vinha”. Ademais, refere que “à data do acidente, estava para começar a trabalhar regularmente na vinha, com os pais.”. Portanto, o requerente, à data dos factos, não exercia qualquer atividade remunerada, pelo menos com regularidade, não se referindo, sequer o montante que auferia. Isto posto, também é referido pelo requerente que pretende que lhe seja arbitrada montante mensal não inferior a € 850,00 para “ter alguma autonomia económica” (vide facto 37). O recurso à providência cautelar de arbitramento de reparação provisória deve ter subjacente uma situação de necessidade premente e não apenas uma questão de utilidade e/ou de conveniência, algo que parece que se verifica no caso em concreto, pois é o requerente a reconhecer que pretende que lhe seja arbitrada montante mensal não inferior a € 850,00 para “ter alguma autonomia económica”. Ora, o escopo desta providência cautelar não é possibilitar ao lesado a obtenção de alguma autonomia económica, antes sim, para fazer face a uma manifesta carência de rendimentos que o impossibilite de assegurar as despesas inerentes à vivência do lesado e seus dependentes, de acordo com um padrão de vida digno, definido pelos valores vigentes. Acresce referir que, conforme já referido, citando Abrantes Geraldes, impõe a lei a prova de uma “situação de necessidade em consequência dos danos”, o que permite questionar se deverão ficar afastados da tutela antecipatória os casos em que, no momento do sinistro, o lesado ou os terceiros já se encontravam em situação de necessidade. No caso em apreço, o requerente, à data dos factos, não exercia qualquer atividade remunerada, pelo menos com regularidade, sendo que os seus pais já exerciam a atividade de trabalhadores rurais, pelo que a existir a situação de carência económica, tal como alega, a mesma já ocorria à data do evento lesivo. Ademais, compulsado o requerimento inicial, o requerente não alega os factos essenciais quanto à necessidade em que se encontra, limitando-se a apresentar conclusões (vide factos 36) a 39). Considerando que se está perante uma absoluta lacuna de alegação quanto a este pressuposto, porquanto o requerente apenas apresenta conclusões, não se julga possível a formulação de convite ao aperfeiçoamento. (…) Em suma, não considera este Tribunal que a escassa alegação do requerente e, em algumas situações, insuficiente e/ou conclusiva, aliado à circunstância de que o escopo da presente providência não é possibilitar ao lesado a obtenção de alguma autonomia económica, antes sim, para fazer face a uma manifesta carência de rendimentos que o impossibilite de assegurar as despesas inerentes à vivência do lesado e seus dependentes, de acordo com um padrão de vida digno, definido pelos valores vigentes, consubstancie uma razão objetiva e convincente da situação de necessidade em que o lesado se encontre; bem assim a existência de um nexo de causalidade entre o dano e a situação de necessidade, ou seja, que a situação de carência seja uma consequência do evento lesivo. Ora, face ao atrás exposto, jamais poderá a providência cautelar de arbitramento de reparação provisória ser decretada, pelo que o pedido é manifestamente improcedente (artigo 590.º, n.º 1 do CPC). Nesta conjugação de razões, é, por isso e desde já, evidente que não estão reunidos os pressupostos necessários para que seja proferida uma decisão de fundo, sendo manifesta a improcedência formal e material da pretensão do Requerente».
Tal como refere Marco Filipe Carvalho Fernandes[8], «para que a tutela cautelar seja concedida sob a forma de uma quantia mensal provisória aos titulares do direito à indemnização, o lesado tem de se encontrar numa situação de carência económica resultante do facto de ter sofrido determinados danos em consequência do facto lesivo.
Com efeito, o periculum in mora inerente a esta providência cautelar reside, precisamente, na verificação de uma situação de necessidade.
(…)
A medida do arbitramento de reparação provisória deve ser fixada segundo um critério de equidade, sendo certo que o tribunal, na avaliação da situação de necessidade, “deve atender de modo particular às condições normais de vida do lesado e avaliar em que medida os danos sofridos em consequência da lesão condicionaram a vida do lesado e das pessoas que dele estão dependentes”.
Ao invés do que sucede com o requisito anteriormente analisado, a prova relativa à situação de necessidade não tem de ser exaustiva, sendo suficiente um juízo de probabilidade quanto ao facto de o requerente se encontrar nessa situação».
No caso em análise, entendemos que os factos alegados permitem indiciar que o recorrente não tem atualmente meios de subsistência próprios, vivendo dependente das retribuições dos pais, que são trabalhadores rurais e não têm qualquer outro rendimento a não ser a retribuições desse seu trabalho, possuindo uma débil situação económica - cf. o alegado nos artigos 33., 34., 35., 37., 38.º, e 39., do requerimento inicial.
Além disso, o requerente também alegou que à data do acidente ia trabalhando nas obras e na vinha - cf. o artigo 31., da petição inicial - e estava para começar a trabalhar regularmente na vinha, com os pais - cf. o artigo 32., da petição inicial - mas por causa do acidente e das lesões sofridas, sente dores fortes e quase permanentes na coluna vertebral, na cabeça e nas pernas, não conseguindo rodar o tronco e o pescoço nem fazer qualquer esforço com as mãos e braços, encontrando-se há mais de um ano sem poder trabalhar - cf., o alegado nos artigos 21.º, a 30.º, 33., 34., e 36., da petição inicial.
Ora, mesmo admitindo que, de acordo com o alegado no requerimento inicial, a atividade laboral exercida pelo requerente à data do acidente não tinha caráter regular e que os seus pais já então exerciam a atividade de trabalhadores rurais, assim indiciando que a invocada situação de carência económica já ocorria à data do evento lesivo, resulta do alegado que a situação de dependência e de carência económica do requerente foi potenciada pelo acidente sofrido.
Com efeito, o requerente alegou de forma percetível que devido às múltiplas e graves lesões sofridas em resultado do acidente ficou incapacitado física e mentalmente para trabalhar e, assim, de obter rendimentos que lhe permitam satisfazer as suas necessidades essenciais.
Como tal, julgamos que a matéria alegada pelo requerente permite indiciar que as lesões corporais e as sequelas psicológicas sofridas condicionaram a sua vida, impossibilitando-o de auferir rendimentos do trabalho.
Conforme esclarecem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa[9], em anotação ao artigo 388.º do CPC, «[a] reparação provisória é justificada por uma situação de necessidade causada ou agravada pelo evento, levando a que, para a tutela do direito, os valores da celeridade e da eficácia se sobreponham aos da segurança e certeza jurídicas. Os efeitos que decorrem de acidentes de viação, com afetação das capacidades do lesado e com reflexos na sua capacidade de ganho, tornam fácil a indução da existência de reflexos negativos que devem ser atenuados de imediato, sem aguardar pela decisão final».
Daí que à luz do regime processual vigente a jurisprudência a que aderimos venha entendendo que existe o direito à reparação provisória nas situações em que o evento danoso contribuiu para o estado de carência, em concorrência com outras causas, bem como nas situações em que agravou a situação de carência pré-existente[10].
Deste modo, ainda que determinados factos relativos aos rendimentos auferidos pelo lesado e pelos pais (com quem vive) antes da produção do facto danoso - e outros elementos quantificáveis referentes à respetiva situação económica - careçam de explicitação (cf. o alegado nos artigos 31.º., 32.º, 36.º, 37.º, 38.º e 39.º, do requerimento inicial), julgamos que o requerente alegou o núcleo mínimo de factos necessário para a individualização e delimitação dos requisitos específicos do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, não se verificando assim evidente falta de pressupostos de facto ou de direito indispensáveis ao exercício do direito, entre os quais a falta da causa de pedir, mas antes uma insuficiência na exposição ou concretização da matéria de facto, suscetível de ser eventualmente suprida pela requerente mediante convite ao aperfeiçoamento, ao abrigo do disposto nos artigos 6.º, n.º 2, artigos 226.º, n.º 4, al. b) e 590.º, n.º 4 do CPC.
Consequentemente, não havia razão suficiente para o indeferimento liminar do requerimento inicial.
Como tal, a decisão recorrida não pode ser mantida, impondo-se a sua revogação e a notificação do requerente para, querendo, proceder ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, nos termos expostos.
Procede, assim, a apelação. Síntese conclusiva:
… IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que convide o requerente a suprir a indicada insuficiência na exposição ou concretização da matéria de facto constante do requerimento inicial.
Custas da apelação a atender a final (artigo 539.º, n.º 2 do CPC).
Guimarães, 29 de maio de 2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Paulo Reis
(Juiz Desembargador - relator)
Ana Cristina Duarte
(Juíza Desembargadora - 1.º adjunto)
José Carlos Dias Cravo
(Juiz Desembargador - 2.º adjunto)
[1]Cf. Marco Filipe Carvalho Fernandes, Providências Cautelares, 2017 - 3.ª edição, Coimbra, Almedina, p. 298. [2]Cf. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, p. 245. [3]Cf. o Ac. TRL de 1-06-2010 (relator: Manuel Tomé Soares), p. 405/07.6TVLSB.L1-7, acessível em www.dgsi.pt. [4]Cf. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III vol., Coimbra, Almedina, 1998, - p. 141. [5]Cf. Abrantes Geraldes - obra citada -, p. 140. [6]Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 675. [7]Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada - p. 679. [8] Obra citada, pgs. 299-300. [9] Obra citada, p. 462. [10] Neste sentido, cf. entre outros, os acs. TRL de 17-09-2015 (relator: Sousa Pinto), p. 6376/15.8T8SNT.L1-2; TRP de 18-05-2009 (relatora: Isoleta Costa), p. 1765/08.7TJPRT.P1; TRP de 22-11-2007 (relatora: Deolinda Varão), p. 0735179; disponíveis em www.dgsi.pt.