EMBARGOS DE EXECUTADO
RECONVENÇÃO
ADMISSIBILIDADE
COMPENSAÇÃO
ERRO NA QUALIFICAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL
Sumário

I – A reconvenção não é admissível em processo executivo, pois que consiste na dedução de um pedido autónomo dirigido contra o autor, o que não é compatível com a função da oposição à execução (alegação e prova de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que o exequente invoca e, presumidamente existe, nos termos em que é documentado pelo título executivo).
II - A compensação, enquanto facto extintivo (total ou parcial) da obrigação pode ser invocada como fundamento de oposição à execução, por força do disposto na alínea h) do artigo 729º do Código de Processo Civil.
III – Tendo o executado deduzido reconvenção em que invoca a compensação para obter a extinção do crédito exequendo e a condenação do exequente no valor superior do seu contracrédito, o erro da parte no acto de utilização da reconvenção para invocar aquele facto extintivo deve ser oficiosamente corrigido pelo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 193º, n.º 3 do Código de Processo Civil, admitindo-se a sua invocação na petição inicial de embargos de executado, até ao limite da quantia exequenda.
Elaborado pela relatora e da sua inteira responsabilidade – cf. artigo 663º, n.º 7 do Código de Processo Civil.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
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I – RELATÓRIO
CONDOMÍNIO RUA …, LISBOA[1] apresentou, em 22 de Março de 2023, requerimento executivo para pagamento de quantia certa contra A …[2] com base em título executivo constituído por actas de deliberação do condomínio, alegando que o executado é proprietário da fracção autónoma designada pela letra “…” e que nos anos de 2018 a 2022 não procedeu ao pagamento das quotas ordinárias de condomínio, apesar de para isso notificado, no valor global de 9.744,55 €, a que acrescem juros de mora, ascendendo a quantia exequenda a 9.994,55 €[3].
Foi realizada a penhora e o executado foi citado em 12 de Setembro de 2023[4].
Em 2 de Outubro de 2023, o executado deduziu oposição à execução mediante embargos de executado com a seguinte ordem de fundamentos[5]:
=> A acta de assembleia de condomínio tem força executiva se contiver a deliberação do montante das contribuições a pagar ao condomínio, o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das obrigações, conforme dispõe o art.º 6º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 268/94, de 25 de Outubro;
=> Os documentos juntos com o requerimento executivo não constituem título executivo, não contendo deliberações quanto ao montante das contribuições a pagar ao condomínio, nem quanto ao montante anual a pagar ou data de vencimento;
=> Impugna a autenticidade da letra e assinatura da acta n.º 39, cujas últimas duas páginas do anexo III, não se mostram rubricadas;
=> A insuficiência das actas não se sana com a junção de um “extrato de conta corrente de 2023.03.02”, que impugna, pelo que a execução deve ser extinta;
=> Invoca a prescrição de todos os valores atinentes a quotas vencidas antes do dia 21 de Setembro de 2018, sendo que o exequente pede o pagamento da quantia de 7.167,30 €, correspondente a quotas vencidas até 31/12/2017 e a quantia de 793,00 € relativa aos quatro trimestres de 2018, pelo que as quotas vencidas antes de Setembro de 2018, que totalizam o valor de 7.747,05 €, se encontram prescritas;
=> Desde 2009 a fracção está arrendada, incumbindo, de acordo com os arrendamentos sucessivos, ao inquilino o pagamento das quotas de condomínio;
=> Impugna a liquidação da quantia exequenda, por desconhecimento dos valores em dívida, porque procedeu ao pagamento de 1.724,00 €, que não está contabilizado, pelo que apenas estaria em dívida o valor de 273,50 €;
=> Suscita ainda o embargante que foi objecto de duas penhoras de saldos bancários, que totalizam 20 733,54 €, o que é manifestamente excessivo, devendo ser cancelada a penhora realizada junto da administração fiscal.
O executado/embargante, em secção separada e intitulada “VI. Do pedido Reconvencional”, alegou ainda o seguinte:
=> A 9 de Dezembro de 2020, os inquilinos comunicaram ao executado a existência de graves problemas de infiltrações de água na fracção, através do telhado, que a tornava inabitável, pelo que desde então interpelou a administração do condomínio exequente solicitando a resolução da situação;
=> Foi realizada uma vistoria à cobertura do edifício, incluindo ao telhado, verificando-se que a tela asfáltica estava danificada e por esse motivo a água era acumulada entre esta e o telhado, causando infiltrações;
=> Requereu junto do Condomínio a reparação urgente do telhado, sem obter resposta e sem que o assunto fosse levado à assembleia de condóminos;
=> Decorridos quase três anos e apesar das interpelações, a fracção do executado foi-se deteriorando, pelo que mandou realizar uma vistoria para avaliar os danos e a extensão das reparações necessárias, aferindo o carácter urgente da impermeabilização do telhado, vendo-se obrigado a proceder a essa reparação;
=> Comunicou esse facto ao condomínio e que o valor da obra seria descontado nas quotas relativas à sua fracção, vencidas e vincendas, até perfazer, por compensação, o valor pago, sem obter qualquer resposta;
=> Promoveu a realização da obra do telhado, que ficou concluída no dia 7 de Julho de 2023, que teve um custo de 8.464,70 €; o custo da obra para reparação dos danos no interior da fracção importou em 14.015,31 €, tendo ficado doze meses sem a poder arrendar, estimando uma perda de recebimento da quantia de 36.000,00 €;
=> O condomínio está vinculado ao dever de vigilância, conservação e reparação das zonas comuns do edifício e não agiu com a diligência e o zelo que lhe era exigível de forma a evitar as infiltrações ocorridas na fracção do opoente, pelo que está obrigado a indemnizá-lo, tendo-se constituído devedor ao opoente da quantia de 58.480,01 €;
=> Estão verificados os pressupostos da compensação, operando a extinção de qualquer crédito que o condomínio tenha sobre o executado, sendo aquele ainda devedor ao opoente de um saldo de 57.906,51 € [(58.480,01€ -273,50€) – sic].
O opoente deduziu ainda incidente de intervenção principal provocada da Administração do Condomínio invocando a responsabilidade desta pelos danos que lhe foram causados, que responde em regime de solidariedade com o Condomínio, pelo que requereu, nos termos do art.º 316º, n.º 2 do Código de Processo Civil[6] a intervenção provocada da administradora Prado Condomínios.
Concluiu pela extinção da execução por falta de título executivo; assim se não entendendo, pela procedência da excepção de prescrição e absolvição do opoente do montante de 7.747,05 € e pelo cancelamento da penhora junto da administração fiscal, por manifesto excesso; pede que a oposição seja julgada procedente e extinta a execução por compensação e pagamento, com o levantamento das penhoras e a procedência do pedido reconvencional e condenação da exequente e chamada no pagamento ao opoente da quantia de 57.906,51 €, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento; e ainda pela admissão da intervenção principal provocada da administradora do Condomínio, a Prado Condomínios.
Em 15 de Fevereiro de 2024 foi proferido despacho que indeferiu liminarmente a reconvenção deduzida e, bem assim, o incidente de intervenção provocada de terceiro, recebendo liminarmente a oposição por embargos e ordenando a notificação do exequente para contestar[7].
Inconformado com a decisão de indeferimento, o executado/embargante veio interpor o presente recurso, cuja motivação concluiu do seguinte modo:
A. Vem a presente apelação interposta da douta decisão de 15-02-2024, que no âmbito da oposição à execução impulsionada pelo executado, indeferiu liminarmente o pedido reconvencional e a intervenção principal provocada da administração do condomínio exequente;
B. A execução é sustentada numa alegada dívida de quotizações do condomínio exequente;
C. Acontece que nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 89.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro e dos Artºs 483º nº 1, 486º, 493º nº 1, 524º, 1421º b), 1427º, por ter suportado obras urgentes numa parte comum do edifício e ter sofrido outros danos, decorrentes das infiltrações através da cobertura, que se propagaram por mais de 3 anos por falta de conservação e total inércia da administração do condomínio, tem o executado um crédito sobre o exequente, decorrente direito de regresso e de ser indemnizado pelos danos que sofreu;
D. Ora, nos termos conjugados dos Artºs 729º g) e h) e 731º ambos do CPC, a compensação configura um dos meios de oposição à execução, como causa de extinção de qualquer crédito que o exequente tenha sobre o executado, mesmo em casos em que o título executivo seja uma sentença.
E. Por seu turno, nos termos do Art.º 266º nº 1 CPC “O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor”. acrescentando o nº 2 alínea c) do mesmo artigo que “A reconvenção é admissível (...) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”.
F. Em face do exposto, o pedido reconvencional foi a forma própria e devida de que o opoente se socorreu para reclamar a compensação como meio de extinção da obrigação que lhe está a ser exigida;
G. Diga-se que a douta decisão recorrida é de resto totalmente omissa quanto à sorte da compensação, simplesmente arrastando-a para o indeferimento, com a rejeição liminar do pedido reconvencional em que vem formulada, o que salvo melhor entendimento configura nulidade por omissão de pronúncia.
H. Ao rejeitar o pedido reconvencional liminarmente, o tribunal a quo coartou ao exequente a legítima faculdade de se defender invocando a figura da compensação, com o que violou o disposto nos artºs 729º e 731º CPC, devendo por isso ser revogado e substituído por douto Acórdão que admita o pedido reconvencional, por forma a que o recorrente possa invocar a compensação como causa extintiva da obrigação que lhe é exigida;
I. Ao não admitir a intervenção da administração do condomínio, solidariamente responsável com o condomínio pelos danos causados ao executado, que resultaram da sua inércia, o douto tribunal a quo violou o disposto nos Artºs 483º nº 2 C. Civil e 316º nº 2 CPC, devendo ser substituída a sua decisão por douto Acórdão que admita a intervenção principal provocada da administração do condomínio, Prado Condomínios com sede na Rua ..., Loures;
J. Termos em que, com o devido suprimento de V.Exas, deverá a presente apelação ser julgada procedente e o douto despacho de rejeição do pedido reconvencional e da intervenção principal provocada da administração do condomínio, ser substituído por douto Acórdão que as admita, fazendo contra todos seguir, solidariamente, a defesa da recorrente, assim se fazendo JUSTIÇA!
Não foram apresentadas contra-alegações.
Em 5 de Maio de 2025 a ora relatora proferiu despacho no sentido de serem ouvidas as partes sobre a eventualidade de se proceder à convolação oficiosa do meio processual utilizado pela parte (reconvenção) para invocar a compensação de créditos, convertendo-a em invocação por excepção peremptória[8].
O exequente/embargado, ora recorrido, Condomínio Prédio à Rua …, veio pronunciar-se, por requerimento de 9 de Maio de 2025[9] referindo o seguinte:
=> Em face da rejeição do pedido reconvencional, o embargado apresentou contestação aos embargos de executado e não se pronunciou sobre aquela matéria;
=> O pedido formulado pelo embargante ascende a 57.906,51 € e reporta-se a questões relacionadas com obras e infiltração ocorrida, sendo que o valor exequendo era, inicialmente, de 9.944,55 €, a que se soma, entretanto, o valor da execução cumulada, de 2.324,69 €, referentes a quotas devidas ao condomínio;
=> São duas situações distintas que devem ser tratadas em processos distintos, havendo que apurar, em acção declarativa, a responsabilidade pelas infiltrações e obras;
=> Já foram efectuadas penhoras e alteração do meio processual irá trazer mais custos, colocando em causa o princípio da economia processual, sendo que o processo executivo data de Março de 2023.
=> Deve ser confirmada a decisão de 1ª instância.
Pronunciou-se também o executado/embargante, ora recorrente, por requerimento de 12 de Maio de 2025[10], referindo que, independentemente do meio processual se tenha por adequado, a sua pretensão de obter a compensação é manifesta, o que não lhe pode ser vedado.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação.
Assim, perante as conclusões da alegação do embargante/recorrente há que apreciar as seguintes questões:
a) A nulidade da decisão por omissão de pronúncia;
b) A invocação da compensação e a admissibilidade da reconvenção e a possível convolação em meio processual adequado;
c) A admissibilidade da intervenção de terceiro.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra.
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1. A nulidade da decisão por omissão de pronúncia
Sustenta o recorrente que, tendo invocado a compensação com base num crédito que entende deter sobre o exequente, como meio de obter a extinção da obrigação exequenda, o Tribunal recorrido, ao indeferir liminarmente a reconvenção, omitiu qualquer pronúncia sobre “a sorte da compensação”, pelo que a decisão é nula por omissão de pronúncia.
A senhora juíza a quo proferiu despacho admitindo o recurso interposto[11], mas não se pronunciou sobre a arguida nulidade, como se lhe impunha, atento o disposto nos art.ºs 641º, n.º 1 e 617º do CPC.
A omissão de despacho do juiz a quo sobre as nulidades arguidas não determina necessariamente a remessa dos autos à 1ª instância para tal efeito, cabendo ao relator apreciar se essa intervenção se mostra ou não indispensável – cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, pág. 215.
Tendo presente a natureza da questão suscitada e o enquadramento que deve merecer, não se justifica a baixa do processo para a pronúncia em falta, passando-se desde já ao conhecimento da suscitada nulidade.
As decisões judiciais podem estar feridas na sua eficácia ou validade por duas ordens de razões: por erro de julgamento dos factos e do direito; por violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação ou das que delimitam o respectivo conteúdo e limites, que determinam a sua nulidade, nos termos do art.º 615.º do CPC.
Dispõe o art.º 615º, n.º 1 do CPC o seguinte:
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
É usual verificar-se alguma confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou até entre a omissão de pronúncia (quanto a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento de entre os que são convocados pelas partes – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 737.
A omissão de pronúncia sobre questões suscitadas ou sobre pretensão deduzida contende com o dever de decidir que tem por referência as questões colocadas e bem assim as de conhecimento oficioso, mas tal não exige que se apreciem todos os argumentos (que são coisa diversa de “questões”).
O juiz deve conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, nos termos do art.º 608º, n.º 2 do CPC, o que não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias soluções plausíveis de direito para a solução do litígio, tenham sido deduzidos pelas parte ou possam ter sido inicialmente admitidos pelo juiz – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª edição, pp. 713 e 737.
Assim, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-11-2005, 05S2137[12], esclarece-se que:
“[…] a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, resulta da violação do disposto no n.º 2 do art.º 660.º do CPC, nos termos do qual "[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras" e "[n]ão pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras". É a violação daquele dever que torna nula a sentença e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz, ao fim e ao cabo, em denegação de justiça e o excesso de pronúncia na violação do princípio dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes. Todavia, como já dizia A. Reis, há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão." Deste modo, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas. Por isso […] não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da acção. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. Deste modo, só haverá nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, quando o julgador tiver omitido pronúncia relativamente a alguma das questões que lhe foram colocadas pelas partes ou quando tiver conhecido de questões que aquelas não submeteram à sua apreciação. Nesses casos, só não haverá nulidade da sentença se a decisão da questão de que não se conheceu tiver ficado prejudicada pela solução dada à(s) outra(s) questões, ou quando a questão de que se conheceu era de conhecimento oficioso.”
Lida a decisão recorrida torna-se claro que o tribunal a quo apreciou a questão da compensação suscitada pelo embargante, mas fê-lo sob a perspectiva da admissibilidade ou não da invocação dessa compensação em sede de oposição à execução e no contexto da dedução de um pedido reconvencional, para concluir que este não era possível.
O recorrente vem equacionar a falta de pronúncia sob a perspectiva de não ter sido analisada, em concreto, a invocada declaração de compensação por ele efectuada ao credor, ora embargado/recorrido, ou seja, por não ter apreciado se existiu ou não uma declaração extrajudicial de compensação.
No entanto, dado que o embargado invocou a compensação por intermédio de dedução de reconvenção, a decisão recorrida, ao considerar inadmissível o pedido reconvencional em sede de oposição por embargos de executado, não deixou de apreciar a pretensão do recorrente rejeitando, desde logo, a invocação efectuada sob essa forma, de onde decorre que da rejeição do pedido reconvencional resultou prejudicada a apreciação da compensação, pelo que não se verifica a apontada nulidade por omissão de pronúncia, que se julga improcedente.
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3.2.2. Da invocação da compensação e admissibilidade da reconvenção – convolação para o meio processual adequado
Na petição inicial dos embargos de executado, este, depois de ter invocado a prescrição de parte do crédito exequendo e o pagamento de um valor que o exequente não teria considerado, admitindo como montante em dívida apenas a quantia de 273,50 €, passou a alegar, em segmento que intitulou de “Pedido Reconvencional”, que a fracção de que é proprietário sofreu diversos danos decorrentes de problemas de infiltrações de água, que ocorreram através do telhado do prédio, cuja tela asfáltica estava danificada e que não foi reparada, como deveria ter sido, pelo Condomínio, tendo sido o próprio quem diligenciou pela realização das obras necessárias, pelo que sustentou deter um crédito sobre o exequente, no montante global de 58 480,01 €, concluindo que estão verificados os pressupostos da compensação previstos no art.º 847º do Código Civil, pretendendo, com isso a extinção da obrigação exequenda, sobrando ainda um saldo devedor ao opoente de 57 906,51 €, cujo pagamento pretende.
O Tribunal recorrido indeferiu liminarmente a reconvenção deduzida nos seguintes termos:
“A …, executado nos autos de execução para pagamento de quantia certa em que é exequente Condomínio da Rua …, em Lisboa, deduziu a presente oposição à execução mediante embargos de executado e ainda pedido reconvencional para o pagamento de uma indemnização no valor de € 57.906,51, cuja responsabilidade pelo ressarcimento de tal valor imputa ao condomínio/exequente e à própria empresa administradora do condomínio, cuja intervenção principal requer neste apenso.
Cumpre, desde já, apreciar da admissibilidade da dedução de reconvenção e do incidente de intervenção de terceiro, em sede de embargos de executado.
Vejamos.
Do ponto de vista estrutural, os embargos de executado constituem “algo de extrínseco à acção executiva”, tomando “o carácter duma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da acção que nele se baseia" (cfr. Lebre de Freitas, A Acção Executiva à Luz do Código Revisto, 2ª edição, Coimbra Editora, 1997, pag. 157).
Os embargos de executado correspondem pois a um meio de oposição à execução, sendo certo que, baseando-se a execução noutro título que não sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, podem fundar-se em qualquer causa que fosse lícito deduzir como defesa no processo de declaração (cfr. art.º 731º do Cód. Proc. Civil).
Ora, a reconvenção “não é um meio de defesa mas de contra-ataque”, pelo que “não é admissível nem no processo executivo nem nos processos declarativos que a ele funcionalmente se subordinam” (cfr. Lebre de Freitas, A Acção Executiva - À Luz do Código Revisto, 2ª edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 153; J. P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum - À Face do Código Revisto, SPB Editores, 1998, pág. 157 e 381).
De facto, se o objectivo dos embargos é colocar em causa a exequibilidade, a força executiva do título apresentado (impedindo que possa produzir os seus efeitos), fica à partida excluída (substantiva e processualmente) a possibilidade de ser deduzida reconvenção, a qual iria criar uma obrigação nova, o que é inadmissível nesta sede, “pois aí ultrapassar-se-ia o âmbito da simples oposição” à execução (cfr. Paulo Pimenta, Reconvenção, BFDUC, LXX, Coimbra, 1994, pág. 496).
Face ao exposto, conclui-se pela inadmissibilidade do pedido reconvencional formulado, e consequentemente indefere-se liminarmente a reconvenção ora deduzida pelo executado/embargante.”
A oposição à execução por embargos constitui um incidente de natureza declarativa, enxertado no processo executivo e dele dependente, através do qual o executado requer ao tribunal a improcedência total ou parcial da execução, mas não deixa, contudo, de tomar o carácter de uma contra-acção destinada a impedir a produção dos efeitos do título executivo, sendo estruturalmente autónoma, ainda que funcionalmente ligada à acção executiva.
Sendo uma verdadeira acção declarativa enxertada no processo executivo, ainda que com especialidades próprias, e não uma contestação à petição executiva, o executado/embargante e o exequente/embargado, não deixam de ter de cumprir o ónus de alegação, sendo-lhes aplicáveis os critérios gerais da repartição do ónus da prova (cf. art.º 342º do Código Civil), cabendo ao embargante a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que o exequente invoca e, presumidamente existe, nos termos em que é documentado pelo título executivo – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-04-2016, 36/14.4TBNLS-A.C1.
Independentemente da caracterização a atribuir à oposição de mérito seja como acção de declaração negativa do direito exequendo ou como contestação, certo é que o âmbito de actuação do executado/oponente está restrito ao contexto da execução, isto é, não lhe é possível o exercício de direitos que extravasem o objectivo de extinção, total ou parcial, da execução, o que afasta que, em processo executivo, a oposição possa desempenhar a função de reconvenção.
Apresenta-se, assim, consensual a afirmação de que a reconvenção não é admissível em processo executivo, pois que corporiza a dedução de um pedido autónomo dirigido contra o autor (cf. art.º 266º, n.º 1 do CPC), o que não é compatível com a função da oposição à execução.
Como refere Rui Pinto, in A Ação Executiva, 2019 Reimpressão, pág. 368, “a especialidade de objeto e de tramitação, decorrente da acessoriedade, determina que estamos perante uma ação que não admite a cumulação de objectos processuais, nomeadamente de tipo reconvencional. Nem o autor-executado pode deduzir um pedido condenatório (ou outro, próprio do artigo 266º), contra o réu-executado, nem o réu-exequente pode reconvir na contestação.” – cf. no mesmo sentido, José Lebre de Freitas, A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª Edição, pp. 209-210 e, salientando o carácter de contra-acção do devedor à acção executiva para impedir a execução ou destruir os efeitos do título executivo, Marco António Borges, A Demanda Reconvencional, 2008, pág. 411
A procedência da oposição apenas pode ter como efeito a extinção (total ou parcial) da execução, como resulta do disposto no art.º 732º, n.º 4 do CPC.
Parece, assim, seguro, que, atenta a função da oposição à execução, se o opoente invocar a compensação com base num contracrédito de valor superior ao crédito do exequente, não poderá pedir ao tribunal da execução, nem que condene o exequente no pagamento da diferença que se verificar a seu favor, nem, tão-pouco, que declare a existência da dívida na totalidade, ou no excesso – cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26-04-2012, 289/10.7TBPTB.G1.S1 e de 4-07-2019, 132/11.0TCFUN-A.L1.S2.
Atenta a específica função da oposição por meio de embargos parece claro que o âmbito da actuação do executado está limitado, pelo que se encontra impedido de exercer quaisquer outros direitos que possam extravasar a respectiva finalidade, ou seja, a da extinção total ou parcial da acção executiva.
Como tal, a consideração da matéria alegada pelo recorrente sob a veste de pedido reconvencional, tendo, aliás, culminado na formulação de um pedido de condenação do exequente no pagamento da quantia de 57 906,51 €, extravasa o âmbito da execução e da função da oposição, pelo que tal pedido reconvencional teria de ser necessariamente rejeitado.
Sucede que esta conclusão não resolve necessariamente todos os aspectos da questão.
Importa ter presente que o embargante invocou expressamente a compensação enquanto modo de extinção da obrigação exequenda, alegando a existência de um contracrédito.
Relativamente aos fundamentos da oposição à execução, a lei distingue, em função da natureza do título executivo, aqueles que o executado pode invocar, sendo que, tratando-se de título extrajudicial, como é o caso, podem ser esgrimidos, para além dos fundamentos de oposição especificados no art.º 729.º do CPC, na parte em que sejam aplicáveis, quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.
Com efeito, na acção executiva o direito de defesa não se reduz à simples contestação, pois que se corporiza num pedido do executado de extinção da execução (cf. art.º 732º, n.º 4 do CPC) e, estando em causa títulos diversos de sentença, em geral o fundamento da extinção da execução configura o teor próprio da contestação.
O efeito extintivo da execução enquanto fim pretendido pelo autor da oposição tem como fundamento da decisão o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo, ou da falta de um pressuposto, específico ou geral, da acção executiva. Assim, a extinção da execução pode ser por procedência de fundamento processual ou por procedência de fundamento substantivo, conforme decorre do estatuído nos art.ºs 729º a 731º do CPC.
No que concerne à dedução da compensação, seja convocando a compensação extrajudicial, seja pretendendo fazê-la valer judicialmente, a sua admissibilidade restringe-se às situações previstas nas alíneas g) e h) do art.º 729º do CPC.
A compensação, enquanto causa de extinção das obrigações, integra um facto extintivo específico relativamente a um direito de crédito que constitua a obrigação exequenda.
A compensação é uma causa de extinção das obrigações; é “o meio de o devedor livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor” – cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4ª edição, pág. 187.
Na prática, a compensação traduz-se num encontro de contas, com vista a evitar às partes um duplo acto de cumprimento.
Atento o disposto no art.º 847º, n.º 1 do Código Civil[13], Antunes Varela identifica quatro pressupostos para o funcionamento da compensação: a) a reciprocidade de créditos; b) a validade, exigibilidade e exequibilidade do contra crédito; c) a fungibilidade do objecto das obrigações; d) a existência e validade do crédito principal – cf. op. cit., pág. 190 e seguintes.
A exigibilidade e exequibilidade do crédito depende de o compensante poder prevalecer-se da acção de cumprimento e da execução do património do devedor (o que não sucede, por exemplo, nas obrigações naturais nem nas obrigações sob condição ou a termo, enquanto a condição se não verificar ou o prazo se não vencer).
O art.º 848.º, n.º 1 do mesmo diploma legal acrescenta que a compensação se torna efectiva mediante declaração de uma das partes à outra.
Assim, a compensação, enquanto facto extintivo (total ou parcial) da obrigação pode ser invocada como fundamento de oposição a execução, quer se fundamente em sentença, quer em qualquer outro título – cf. art.ºs 729º, h) e 731º do CPC.
A questão da admissibilidade da compensação na execução gerou dissonâncias na doutrina e na jurisprudência, designadamente à luz do Código de Processo Civil de 1961, em que parte desta última defendia que sendo um dos requisitos legais da compensação o da exigibilidade do crédito do autor da compensação, tal significava que, em sede de execução, se tornava necessário que o contracrédito já estivesse reconhecido judicialmente para poder ser oposto ao exequente.
Esteja em causa a compensação judicial ou a compensação extrajudicial a sua admissibilidade em sede de oposição à execução é aceite, sendo que a propósito dos meios de a fazer operar e momentos processuais, refere o Professor Miguel Teixeira de Sousa, in Blog do IPPC, 27/06/2015, Sobre a oposição à execução com fundamento em contracrédito sobre o exequente (2)[14]:
“A compensação judicial exige, no processo declarativo, a dedução de um pedido reconvencional (cf. art.º 266.º, n.º 2, al. c), CPC) e, no processo executivo, a dedução de embargos de executado (cf. art.º 729.º, al. h), CPC); -- A compensação extrajudicial permite a invocação de um facto extintivo (e, portanto, de uma excepção peremptória) tanto no processo declarativo (cf. art.º 571.º, n.º 2, 572.º, al. c), e 573.º, n.º 1, CPC), como no processo executivo (cf. art.º 729.º, al. g), CPC); note-se, no entanto, que a alegação deste facto extintivo na execução só é admissível se sobre o executado não recair o ónus de já o ter alegado no anterior processo declarativo.”
Por outro lado, independentemente do entendimento que se adopte quanto à necessidade de os factos extintivos ou modificativos da obrigação deverem ser provados por documento[15], certo é que não se pode deixar de atender à circunstância de essa compensação ter sido invocada e constituir, por expressa disposição legal, fundamento de oposição à execução.
Sucede que, o executado lançou mão de um meio processual incorrecto – a reconvenção – para invocar a compensação como fundamento de extinção da obrigação exequenda.
Certo é que, no que concerne à pretensão do embargante/recorrente de ver reconhecido a seu favor um valor superior à quantia exequenda – 9 994,55 € –, pretendendo a condenação do exequente no respectivo pagamento, tal não é possível, pois, como se viu, a possibilidade da invocação da compensação de créditos está vocacionada para alcançar a extinção parcial ou total da execução, pelo que está “vedada ao executado a possibilidade de pedir, em sede reconvencional, a condenação do exequente no pagamento da diferença entre os créditos, quando o crédito do executado seja superior ao do exequente” – cf. Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2ª Edição Revista e Aumentada, pág. 239[16].
Ora, sendo admitida a possibilidade de invocação da compensação até ao limite da quantia exequenda e dado que se deve entender que o art.º 266.º, n.º 2, c) do CPC só dispõe sobre os casos em que a reconvenção é admissível e não cuida da possibilidade, ou não, de utilização de diferente meio processual para obter idêntico efeito – no caso, meramente extintivo do crédito do autor – aquela, para estes efeitos, terá de ser invocada na petição de embargos – cf. neste sentido, ao que se depreende, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014 – 2ª Edição, pp. 259-260.
A dedução da compensação como pedido reconvencional, num caso em que o devia ser a título de excepção, constitui erro na qualificação do meio processual usado, que é passível de correcção oficiosa pelo Tribunal, nos termos previstos no n.º 3 do art.º 193º do CPC.
No circunstancialismo descrito, visando o executado obter a extinção da execução mediante invocação da compensação, até ao limite do pedido exequendo, verifica-se que, ao deduzir, também nessa parte, reconvenção, usou um meio processual inadequado.
O art.º 193º, n.º 3 do CPC trata, precisamente, do erro da parte no acto de utilização de um meio processual e determina o aproveitamento daquele que a parte qualificou inadequadamente, mas cujo conteúdo se adeqúe ao meio que devia ter utilizado – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pág. 377; António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 233; Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, op. cit., pág. 205; neste sentido, em situação inversa, cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-07-2024, 27994/21.0YIPRT-A.P1.
Tendo presente que os factos integradores do alegado contracrédito do executado se encontram amplamente descritos na petição de embargos, nada obsta à admissibilidade da invocação da compensação para efeitos de alcançar a extinção da execução, até ao limite do valor da quantia exequenda (9 994,55 €[17]).
Assim, importa revogar, nesta parte, a decisão recorrida, determinando a correcção do meio processual utilizado pelo executado quanto à invocação da compensação, que deve ser entendida como excepção enquanto facto extintivo da pretensão do exequente (sem prejuízo da eventual consideração pelo tribunal recorrido de outros fundamentos que conduzam à rejeição liminar, nessa parte, da petição de embargos, salvaguardando-se ao exequente, caso tal não se verifique, a possibilidade de contestar a matéria da compensação[18]).
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3.2.3. Da intervenção provocada de terceiro
O embargante/exequente deduziu incidente de intervenção de terceiro pretendendo dirigir o seu pedido reconvencional não só contra o exequente, mas também contra a administração do Condomínio, em regime de solidariedade, para o que requereu o chamamento desta última para intervir nos autos, ao lado exequente.
A decisão recorrida indeferiu tal incidente, nos seguintes termos:
“Face ao indeferimento liminar da reconvenção, urge igualmente indeferir o pedido de intervenção de terceiro, pois tal pretensão de intervenção de terceiro, que não é parte na acção executiva, funda-se na alegada responsabilidade solidária de tal terceiro pelo pagamento da quantia indemnizatória peticionada a título reconvencional.
Não sendo admitida a reconvenção, terá de ser também indeferido liminarmente o pedido de intervenção de terceiro, na alegada qualidade de responsável pelo pagamento da indemnização pedida em reconvenção.
Aliás, é entendimento unanime que, em processo executivo e nos seus apensos, só excepcionalmente se pode autorizar a intervenção de terceiros, a saber, quando seja indispensável e necessário à defesa do executado (cf., para maiores desenvolvimentos, Acs. do TRP de 10.10.2019 e do TRC de 7.9.2021, ambos disponíveis in www.dgsi.pt). Ora, no caso destes autos, e como acima se viu, a intervenção de terceiro nos termos em que se encontra requerida, não se destina à defesa do executado, mas antes a sustentar um pedido reconvencional processualmente inadmissível.
Face ao exposto, indefere-se liminarmente o incidente de intervenção de terceiro suscitado pelo embargante.”
A decisão mostra-se correcta.
Com efeito, como resulta do anteriormente expendido, o pedido reconvencional não é admissível em processo executivo.
A invocação da compensação foi admitida apenas enquanto facto extintivo do direito de crédito do exequente e até ao montante deste, pelo que está delimitada pela sua função de oposição à execução e não para efeitos de reconhecimento de um crédito novo do executado e sua realização coactiva.
Por essa razão, não podendo ser formulado qualquer pedido reconvencional para obtenção do reconhecimento de um crédito do executado que extravase o âmbito da execução, não tem qualquer utilidade a intervenção do terceiro, no caso, da administradora do Condomínio.
Atento o estatuído no art.º 53º, n.º 1 do CPC, têm legitimidade para a acção executiva, como exequente e executado, respectivamente, quem no título figura como credor e devedor.
Daqui decorre que a regra geral da legitimidade para a acção executiva diverge da que vigora para a acção declarativa (cf. art.º 30º do CPC), porquanto se atende à literalidade do título executivo, seja este uma sentença, um contrato, um título de crédito ou outro. A legitimidade singular executiva afere-se por confronto entre o título executivo e as partes na causa – cf. Rui Pinto, op. cit., pág. 278; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pág. 109.
Assim, será terceiro em relação à execução quem não figure no título como credor ou devedor, nem seja representante de alguma das partes, tal como aquele que, embora obrigado no título conjuntamente com o executado, não tenha sido demandado na execução.
Não obstante a literalidade do título executivo, são admitidas algumas situações excepcionais de indeterminação do credor em face do título, que integram aquilo que o professor Miguel Teixeira de Sousa designa por legitimidade aberta.
Tal sucede quando a indeterminação do credor deriva das características do próprio facto jurídico ou título material de aquisição do direito à prestação, como quando se esteja perante título ao portador (cf. art.º 53º, n.º 2 do CPC), no contrato a favor de terceiro e no contrato para pessoa a nomear (cf. art.ºs 443º, n.º 1 e 452º, n.º 1 do Código Civil) e quanto ao credor do pagamento da sua parte em indemnização dos titulares de interesses difusos violados não individualmente identificados (art.º 22º, n.º 2 da Lei 83/95, de 31 de Agosto).
A regra da literalidade sofre ainda desvios decorrentes da sucessão no direito ou na obrigação, como se extrai do art.º 54º do CPC.
Tendo presente estes normativos legais, tem sido entendido que, devendo a execução ser instaurada apenas contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor, não podendo ser executado quem não figure no título executivo, por regra, não será admissível a intervenção principal provocada de um terceiro que nele não figura, para se associar a um executado, quer este figure ou não como devedor no título executivo.
Não obstante a doutrina admita a dedução de incidentes de intervenção de terceiros na acção executiva, reconhecendo que também no contexto destas podem ocorrer modificações subjectivas da instância pela intervenção de novas partes, quer do lado activo, quer do lado passivo – por exemplo, nas situações previstas nos art.ºs 54º, n.º 3, 745º, n.ºs 2 e 3 e 741º, n.º 5 do CPC -, aceitando, assim, a modalidade de intervenção passiva provocada pelo exequente, em nome da economia processual (cf. José Lebre de Freitas, op. cit., pp. 162-164), certo é que, neste caso, a intervenção do terceiro não se destina a assegurar a legitimidade de uma das partes, nem visa a intervenção de um devedor subsidiário ou solidário, mas antes a intervenção de um terceiro que não figura no título executivo, sendo que nenhuma execução pode prosseguir contra quem neste não figure (cf. art.º 735º, n.º 2 do CPC), pelo que se deve manter inalterada a decisão de indeferimento liminar do incidente de intervenção de terceiro deduzido pelo embargante.
Procede, assim, apenas parcialmente, a presente apelação
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Das Custas
De acordo com o disposto no art.º 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art.º 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
O apelante logrou obter provimento do recurso relativamente à parte da decisão que convolou o pedido reconvencional em invocação da compensação para efeitos extintivos da execução e até ao limite do pedido exequendo.
O recorrido não contra-alegou no recurso, mas podia nele ter contra-alegado, opondo-se à pretensão do recorrente.
Como tal, no âmbito da relação jurídica processual relativa ao recurso, o recorrido configura-se como parte vencida, porque a presente decisão de procedência relativamente a esse segmento da decisão da 1ª instância lhe é potencialmente desfavorável – cf. Salvador da Costa, Custas da apelação na proporção do decaimento a apurar a final, comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/4/2020[19].
Atento o disposto no n.º 2 do artigo 527.º do CPC, porque parte vencida no recurso, apesar de neste não ter contra-alegado, o apelado é responsável pelo pagamento das custas respectivas em sentido estrito (encargos – aqui não existentes - e custas de parte – cf. art.ºs 529º, n.ºs 3 e 4, 532º e 533º do CPC).
Porque o apelante decai apenas parcialmente quanto à pretensão que trouxe a juízo, as custas (na vertente de custas de parte) ficam a seu cargo e do apelado, na proporção do decaimento.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência:
a. alterar a decisão recorrida na parte em que indeferiu integralmente o pedido reconvencional, admitindo a invocação da compensação, convolando, nessa parte, a reconvenção em dedução de excepção, enquanto facto extintivo do direito de crédito exequendo, até ao limite do valor deste (9 994,55 €), mantendo-se o indeferimento quanto ao restante valor peticionado;
b. manter inalterada, no mais, a decisão recorrida.
Custas a cargo de ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.
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Lisboa, 26 de Maio de 2025
Micaela Sousa
Luís Lameiras
Luís Filipe Pires de Sousa
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[1] NIF 901….
[2] NIF 166….
[3] Ref. Elect. 35489421 dos autos de execução.
[4] Ref. Elect. 37090881 dos autos de execução.
[5] Ref. Elect. 37165350 do apenso A.
[6] Adiante designado pela sigla CPC.
[7] Ref. Elect. 432771986 do apenso A.
[8] Ref. Elect. 22998260.
[9] Ref. Elect. 757154.
[10] Ref. Elect. 757495.
[11] Ref. Elect. 443546881 do apenso A.
[12] Acessível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP, em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
[13]Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:
a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória de direito material;
b)Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade”.
[14] Acessível em https://blogippc.blogspot.com/2015/06/sobre-oposicao-execucao-com-fundamento_27.html.
[15] Miguel Teixeira de Sousa, in Blog do IPPC, 22/03/2016, Sobre a oposição à execução com fundamento em contracrédito sobre o exequente (3), acessível em https://blogippc.blogspot.com/2016/03/sobre-oposicao-execucao-com-fundamento.html, refuta que, para que a compensação possa ser exercida em oposição à execução o executado/embargante deva estar munido de documento dotado de força executiva. Veja-se, rejeitando tal exigência, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-11-2022, 1624/20.5T8LLE-A.E1.S1; dos Tribunais da Relação do Porto de 24-03-2025, 19682/22.6T8PRT-A.P1 e de 18-01-2021, 324/14.0TTVNG-D.P1 e de Lisboa de 10-05-2018 e de 7-02-2019, 20814/11.5YYLSB-A.L1-2 e 21843/15.5T8SNT-A.L1-2.
[16] Assim, resulta também afastado o argumento suscitado pelo recorrido contra a convolação em dedução de compensação por excepção, porquanto o seu limite ser sempre determinado pelo âmbito do pedido exequendo.
[17] Atendeu-se, aqui, ao montante da quantia exequenda à data em que foi formulada a invocação da compensação e considerada à data da prolação da decisão recorrida.
[18] Não obstante a concessão de novo contraditório ao exequente introduza um factor acrescido de retardamento da obtenção do fim visado pela execução, crê-se que a vantagem que se obterá com a resolução entre as partes do litígio que mantêm relativamente às questões do Condomínio será, a final, propiciadora de maior eficiência e eficácia dos meios processuais utilizados.
[19] Jurisprudência 2020 (77), 22 de Outubro de 2020, publicado no Blog do IPPC acessível em https://blogippc.blogspot.com/.