ARRENDAMENTO URBANO NÃO HABITACIONAL
NULIDADE DA SENTENÇA
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
ARRENDAMENTO DE DURAÇÃO LIMITADA
Sumário


I – Celebrado em ../../2011, entre Autora e Ré, um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, em concreto para o exercício de comércio, pelo «prazo de um ano, sucessivamente renovável por iguais perdidos de tempo, contando-se o seu início em 01.04.2011.», assistia à Autora a faculdade de fazer cessar o contrato de arrendamento por oposição à renovação em 31.03.2024, o que fez por carta enviada à Ré em 26.09.2022, que se considera eficaz.
II – Extinto o contrato de arrendamento por oposição à renovação em 31.03.2024, a locatária ficou obrigada a restituir o locado à locadora.
III – Uma vez que a locatária foi interpelada para proceder à entrega das chaves do locado no dia 01.04.2024, o que não fez, é devida a indemnização prevista no artigo 1045º, nº 2, do CCiv, correspondente ao dobro do valor da renda, desde 01.04.2024 e até à entrega efetiva do prédio.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1.1. EMP01..., Lda., propôs ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMP02..., Lda., formulando os seguintes pedidos:

«a) Se declare ter sido celebrado entre A. e Ré, um contrato de arrendamento para fins não habitacionais e com prazo certo, reportado ao rés-do-chão (A e H) do prédio urbano melhor identificado no artigo 1º do presente articulado;
b) Se declare a cessação do contrato de arrendamento para fins não habitacionais, relativo ao Rés-do-chão (A e H) do prédio urbano melhor identificada no artigo a 1º do presente articulado, por caducidade, face à oposição à renovação do contrato efetuada pela A, e, com efeitos em 31 de Março de 2024.
c) Se condene a Ré a restituir à Autora o imóvel, devoluto e desocupado de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições;
d) Se condene a Ré no pagamento à Autora de uma indemnização por equivalente, ao valor correspondente ao dobro do valor da renda que vigorou no ultimo ano, por cada mês ou fração de tempo que decorrer desde a data da cessação do Contrato de Arrendamento (31/03/2024) até à entrega efectiva do prédio identificado no artigo 1 da presente, a qual na presente data, e, relativo ao mês de abril de 2024, se computa em 438,16€ (quatrocentos e trinta e oito euros e dezasseis cêntimos).
e) Se condene a Ré no pagamento á Autora dos juros de mora vencidos e vincendos, correspondente à indemnização em dobro do valor da renda das rendas pela não entrega do imóvel, por cada mês ou fração de tempo que decorrer desde a data da cessação do Contrato de Arrendamento (31/03/2024) até à entrega efectiva do local arrendado.»

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A Ré contestou por exceção e por impugnação.
A Autora exerceu o contraditório relativamente à matéria de exceção invocada pela Ré.
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1.2. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a presente ação intentada por EMP01... Limitada, contra EMP02..., Lda., procedente, por provada, e, consequentemente:
- considerando que foi celebrado entre A. e R. um contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais tendo por objeto o imóvel acima aludido, declara-se que tal contrato cessou por força da oposição à renovação do contrato efetuada pela A., com efeitos a partir de 31 de março de 2024;
- condena-se a R. a restituir à A. o dito imóvel, devoluto e desocupado de pessoas e bens;
- condena-se a R. no pagamento à A. de uma indemnização correspondente ao valor da renda elevada ao dobro, à razão de € 438,16 (quatrocentos e trinta e oito euros e dezasseis cêntimos), por cada mês ou fração de tempo que decorrer desde o dia 01 de abril de 2024 até à entrega efetiva do prédio, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a data do vencimento de cada renda até à data em que o seu pagamento for concretizado.»
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1.3. Inconformada com a sentença, a Autora interpôs recurso de apelação, aduzindo as seguintes conclusões:
«PRIMEIRA: Com relevo para o presente recurso, considerou o tribunal de 1.ª Instância como não provado que:
a) Não fosse a necessidade de a despesa da renda ser contabilizada como custo para a R, ter-se-ia mantido o contrato aludido em 2.
b) Desde ../../2011 até ao presente continuou a vigorar o contrato aludido em 2 a 5.
c) A atividade desenvolvida no imóvel aludido em 1. sempre foi, desde ../../1985 até à data da ocupação do aludido imóvel pela R., a de comércio de móveis e eletrodomésticos e instalação de aquecimento e ar condicionado.
d) Desde ../../1985 até à presente data, o estabelecimento instalado no sobredito imóvel manteve-se em funcionamento nos mesmos moldes, estrutura e organização iniciais.
SEGUNDA: Para tanto, de imediato justificou o tribunal a quo que tais factos apenas foram corroborados pelos legais representantes da R., no âmbito das respetivas declarações e depoimento de parte, nenhum outro elemento de prova tendo sido produzido que demonstrasse a sua veracidade.
TERCEIRA: Afigura-se-nos, desde já, que a própria justificação para sustentar a resposta negativa aos concretos pontos de facto que se querem impugnados merece total censura.
QUARTA: Atenta a prova produzida em audiência de julgamento, e não apenas a que se extrai das declarações de parte dos legais representantes da ré, resulta de forma inequívoca e concordante que o contrato promessa de arrendamento celebrado entre as partes em ../../2011 apenas se deveu a razões contabilísticas por forma a permitir à ré – aqui recorrente- contabilizar tal custo (renda) como despesa.
QUINTA: Ou seja, as testemunhas ouvidas em julgamento, demonstraram que, não fosse a necessidade da despesa da renda ser contabilizada como custo para a sociedade ré, ter-se-ia mantido o contrato celebrado pelas partes primitivas em 1985, tal como ocorreu nos primeiros 5 anos após a constituição da sociedade ré (desde 2006 até 2011 aproximadamente). Ora, neste período de tempo o imóvel objeto do arrendamento encontrava-se locado ao arrendatário primitivo – AA – mas já estaria a ser explorado pela sociedade ré, que se veio a constituir no ano de 2006. De onde se pode concluir que as partes, não tenho procedido a qualquer alteração naquela altura, era sua vontade manter os termos do contrato primitivo celebrado em 1985, o que realmente aconteceu até à presente data.
SEXTA: Acresce que, aquando da venda do imóvel objeto de arrendamento pelo primitivo senhorio – BB - à autora, ocorrida no ano de 2000 (11 anos antes) – nenhum outro contrato de arrendamento foi formalizado, tendo-se mantido em vigor o contrato inicial, não obstante esta alteração, como assim o reconhece a própria autora, o que é bastante para se concluir que nunca foi intenção dos intervenientes proceder à alteração do contrato primitivo, mas sim manter a sua vigência nos exatos termos em que foi celebrado, ainda que perante a modificação da titularidade.
SÉTIMA: Posto isto, não obstante esta mera formalidade exigível por questões contabilísticas, as partes sempre agiram na convicção de que o primeiro contrato se manteria exatamente nos mesmos termos, nunca tendo sido transmitido à ré/arrendatário primitivo qualquer intenção de proceder a eventuais alterações, pois tudo se manteve igual.
OITAVA: É isto que decorre dos depoimentos das testemunhas AA, primitivo arrendatário, CC e pela própria testemunha indicada pela autora DD.
NONA: Tendo resultado, assim, da prova testemunhal produzida, sem que houvesse ou tivesse sido produzida outra qualquer prova em sentido contrário, mesmo testemunhal (logo, afastado do âmbito deste recurso o saber se será de atribuir maior ou menor credibilidade a esta ou àquela outra testemunha) que, a celebração do contrato promessa de arrendamento ocorrida em março de 2011 apenas se deveu à necessidade de a despesa da renda ser contabilizada como um custo para ré.
DÉCIMA: Aliás, é a própria autora que o referiu, expressamente, por diversas vezes, designadamente na carta que dirigiu à ré em 24 de Maio de 2023, junta pela autora com a contestação sob a forma de doc. n.º 3, sem que o seu teor tivesse sido impugnado pela autora, e no articulado de resposta que ofereceu aos autos em 26.06.2024.
DÉCIMA PRIMEIRA: Impõe-se, por isso, impugnar a decisão proferida e vertida sob a alínea a) dos factos não provados, por se considerar aquela concreta factualidade demonstrada e provada não só pela prova testemunhal (as testemunhas acima indicadas), mas também pela prova documental (doc. n.º 3 junto pela ré com a contestação, da autoria da autora), e ainda por confissão da própria autora, vertida no articulado de resposta que dirigiu aos autos em 26.06.2024.
DÉCIMA SEGUNDA: Como tal, a concreta factualidade levada sob a alínea a) à matéria dos factos não provados deverá ser levada à matéria dos Factos Provados.
DÉCIMA TERCEIRA: De igual modo, considera a recorrente que a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida na alínea b) dos Factos Não Provados foi incorretamente julgada.
DÉCIMA QUARTA: Com efeito, pode ver-se dos depoimentos das três testemunhas (únicas ouvidas em julgamento) acima mencionadas, e cujas transcrições se deixaram reproduzidas, que todas elas se referiram à alteração do contrato, e não à celebração de um contrato novo.
DÉCIMA QUINTA: Acresce ter ficado, plenamente, demonstrado, que em 2000 o primitivo senhorio, a título pessoal, alienou o prédio objeto de arrendamento a uma sociedade comercial que ele próprio constituiu, tendo-se mantido em vigor o contrato originário celebrado em 1985.
DÉCIMA SEXTA: Também ficou plenamente demonstrado que em 2006, o primitivo arrendatário, a título pessoal, constituiu uma sociedade comercial que passou a explorar a mesma atividade comercial no espaço locado, tendo-se mantido em vigor o contrato originário celebrado em 1985.
DÉCIMA SÉTIMA: O que sucedeu até 2011, data em que, como reconhecido pela autora, o arrendatário da A., Sr. AA insistiu pela celebração de um novo contrato de arrendamento, a fim de poder incluir a renda como despesa dessa nova empresa. (sic. art. 23º do articulado de resposta apresentado pela autora)
DÉCIMA OITAVA: Desde então, e como se demonstrará a seguir, o primitivo contrato manteve-se em vigor e sem qualquer alteração de fundo, até à presente data, com apenas duas nuances formais: a identificação do proprietário (que havia mudado há 11 anos) e a identificação do ente explorador do estabelecimento (que havia mudado há cinco anos).
DÉCIMA NONA: Foi exatamente isso que as testemunhas ouvidas na sessão de julgamento demonstraram, sem que isto tivesse sido infirmado por qualquer outra prova produzida (não houve outras provas produzidas a este respeito), pelo que se impunha que esta concreta factualidade tivesse sido levada à matéria dos factos provados.
VIGÉSIMA: E foi isso também que a própria autora expressou, admitiu e confessou: O contrato inicialmente celebrado continuou a vigorar, com o mesmo objeto, a mesma duração, o mesmo destino, tendo ocorrido apenas a alteração de um dos titulares da relação contratual, no caso, o seu arrendatário, que passou a ser a sociedade ré, em vez do primitivo arrendatário, pelas razões que acima se demonstraram.
VIGÉSIMA PRIMEIRA: Logo, inexistindo outra qualquer prova, ou outro qualquer meio probatório, que pudesse infirmar a verificação desta concreta factualidade, impõe-se que a redação da alínea b) dos factos não provados, cuja decisão se quer impugnada, seja levada à matéria dos Factos Provados.
VIGÉSIMA SEGUNDA: Acrescenta-se que não é exatamente correta, nem verídica, a afirmação feita na sentença recorrida de que No que respeita aos factos considerados não provados, que os mesmos apenas foram corroborados pelos legais representantes da R,. no âmbito das respetivas declarações e depoimento de parte.
VIGÉSIMA TERCEIRA: Por outro lado, mostra-se contraditório, e difícil de explicar a qualquer um dos interessados, ou não interessados na causa, que se diga, inicialmente, não ser de atribuir qualquer relevância ao depoimento e declarações de parte prestadas pelos legais representantes da ré, dado o óbvio interesse que os legais representantes da R. demonstram no desfecho desta ação e, a seguir, se procure sustentar uma decisão a respeito de um concreto ponto de facto, considerando o declarado pelo aludido EE que, reconheceu, que entre os contratos arrendamento acima aludidos existe, pelos menos, uma diferença, a respeito, a qual respeita ao valor da renda acordada, tendo este legal representante da R. referido que o legal representante da A. exigiu, aquando da celebração do contrato aludido em 6. a 11., o pagamento, a título de renda, de uma quantia superior à que estava prevista no contrato aludido em 2. a 5., o que foi aceite pela R.
VIGÉSIMA QUARTA: Para além de contraditório e difícil de compreender pelo comum dos mortais, dir-se-á que o facto do legal representante da A., perante o arrendatário da A., Sr. AA insistir pela celebração de um novo contrato de arrendamento, a fim de poder incluir a renda como despesa dessa nova empresa. (sic. art. 23º do articulado de resposta apresentado pela autora), exigir, aquando da celebração do contrato aludido em 6. a 11., o pagamento, a título de renda, de uma quantia superior à que estava prevista no contrato aludido em 2. a 5., em nada impede que se considere que o contrato inicial se manteve em vigor, nos exatos termos em que fora celebrado.
VIGÉSIMA QUINTA: Mais a mais, quando é a própria autora quem o reconhece e admite que … no início do ano de 2011, foi o arrendatário da A., Sr. AA … que insistiu pela celebração de um novo contrato de arrendamento, a fim de poder incluir a renda como despesa dessa nova empresa, o que demonstra uma posição de inferioridade e de subordinação do primitivo arrendatário perante a autora e ainda que os dois contratos celebrados têm o mesmo objeto, a mesma duração, o mesmo destino e que (apenas) houve uma alteração essencial e fundamental do contrato de arrendamento inicial, pois, um dos titulares da relação contratual, mormente o seu arrendatário, passou a ser uma outra pessoa jurídica e distinta da anterior.
VIGÉSIMA SEXTA: Como tal, insurge-se a recorrente contra a circunstância do tribunal a quo ter ultrapassado aquilo que a própria autora considerou e expressou no processo, nomeadamente, dando relevância a um eventual aumento de renda, no sentido de por isso considerar que ocorreu a celebração de um novo contrato, quando se verifica que tal circunstância, nos próprios dizeres da autora, nenhuma relevância teve.
VIGÉSIMA SÉTIMA: E também se insurge a recorrente contra o assim decidido, por o tribunal a quo não ter dado relevância nenhuma às declarações do outro legal representante da ré, que referiu o contrário – ouvido na mesma sessão de julgamento, das 14:39h às 15:01h -, nem ter dado nenhuma relevância ao depoimento da testemunha AA, que referiu, como acima se procurou transcrever, que não houve nenhuma alteração, designadamente no valor da renda, aquando da celebração do contrato de arrendamento em nome da autora e ré.
VIGÉSIMA OITAVA: Ainda para sustentar o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo de que em 2011 foi celebrado um novo contrato distinto do primitivamente celebrado, veio aquele Tribunal mencionar que os contratos em causa não são totalmente iguais, existindo entre ambos várias diferenças, designadamente, no que respeita à renda estipulada, no que respeita ao local de pagamento de renda, no que respeita às obras de conservação do locado e, ainda, no que concerne ao pagamento de água e de energia elétrica pelo inquilino, apenas previsto no contrato celebrado em 1985.
VIGÉSIMA NONA: Contra este entendimento, contrapõe a recorrente com o facto de ter sido a própria autora quem confessou, admitiu e reconheceu que os dois contratos celebrados têm o mesmo objeto, a mesma duração, o mesmo destino e que (apenas) houve uma alteração essencial e fundamental do contrato de arrendamento inicial, pois, um dos titulares da relação contratual, mormente o seu arrendatário, passou a ser uma outra pessoa jurídica e distinta da anterior. (sic. arts. 28º e 29º do mesmo requerimento oferecido pela autora).
TRIGÉSIMA: E quanto às alterações apontadas pelo tribunal a quo dir-se-á que as diferenças existentes no contrato são mínimas e sem o condão de permitir o tribunal a quo concluir estarmos na presença de dois contratos totalmente distintos.
TRIGÉSIMA PRIMEIRA: Ao invés, a interpretação diferente, no sentido de se concluir que nada foi alterado com a redação do contrato celebrado em 2011, contribui a redação rudimentar e pouco elaborada, que se alcance desde logo por se identificar aquele contrato como sendo de promessa de arrendamento.
TRIGÉSIMA SEGUNDA: Como tal, porque a prova testemunhal produzida foi toda ela no sentido de ter ficado demonstrado que a celebração do escrito referido em 6. dos Factos Provados consistiu, apenas e tão só, na alteração da titularidade da pessoa do arrendatário, por causa da questão contabilística da renda, como assim a própria autora também o admitiu e confessou, impunha-se que a factualidade vertida na alínea b) dos factos não provados seja levada à matéria dos Factos Provados.
TRIGÉSIMA TERCEIRA: Ainda que assim não fosse, o que não se concebe, nem concede, e que apenas se admite para efeitos de raciocínio académico, temos como verificado que a autora no artigo 16º do articulado de resposta que ofereceu em 26.06.2024 invocou matéria de exceção, designadamente quando expressou que no dia ../../2011, a A., enquanto senhoria, e o Sr. AA, enquanto arrendatário, por acordo, fizeram extinguir tal contrato (cfr. art.º 1079º do C. Civil)
TRIGÉSIMA QUARTA: Nos termos do disposto no artigo 342º, n.º 2 do C. Civil, competia à autora a prova dos factos constitutivos do por si invocado acordo de extinção do primitivo contrato de arrendamento.
TRIGÉSIMA QUINTA: Como se alcança da factualidade dada como provada, a autora não logrou demonstrar o por si alegado.
TRIGÉSIMA SEXTA: Logo, não tendo existido o por ela invocado acordo de extinção do primitivo contrato de arrendamento, impunha-se que o tribunal a quo tivesse dado como provado que aquele primitivo contrato de arrendamento, celebrado em 1985, continuou a vigorar após abril de 2011.
TRIGÉSIMA SÉTIMA: Com o que se impunha tivesse o tribunal a quo levado à matéria dos factos provados a concreta factualidade que, indevidamente, fez constar na alínea b) dos factos não provados.
TRIGÉSIMA OITAVA: Para além destes concretos pontos da matéria de facto não provada, que se impugnam, também se insurge a recorrente contra a decisão proferida nos dois últimos pontos – c. e d. assinalados nos Factos Não Provados.
TRIGÉSIMA NONA: Quanto a esta concreta factualidade, da leitura da sentença proferida, é manifesto e evidente o incumprimento do dever de fundamentação que impende sobre o tribunal recorrido, o que faz incorrer a sentença, quanto a este concreta factualidade não provada, em nulidade, o que expressamente se invoca e requer seja reconhecida. – cfr. art. 615.º, n.º1, al. b) do Código de Processo Civil.
QUADRAGÉSIMA: Sem prescindir e ainda quanto a estes concretos pontos de facto, por força da prova produzida em julgamento, impunha-se igualmente que o tribunal recorrido tivesse dado como provado a matéria factual referente aos pontos c. e d. dos Factos Não Provados, pois, tal foi confirmado não só pelos legais representantes da ré, mas também pela testemunha CC que sempre acompanhou de perto, ainda que através do seu marido, os desígnios deste estabelecimento, desde o momento em que foi constituído e inicialmente explorado a título individual pelo Sr. AA, até aos dias de hoje.
QUADRAGÉSIMA PRIMEIRA: Do supra transcrito decorre, sem margem para quaisquer dúvidas, e sem que haja outro qualquer elemento probatório que pudesse, eventualmente, indiciar o contrário, que desde a celebração do primitivo contrato - em ../../1985 - o imóvel objeto do arrendamento em discussão nos presentes autos sempre esteve afeto à atividade de comércio de móveis e eletrodomésticos e instalação de aquecimento e ar condicionado, o que ocorreu até à presente data com o mesmo funcionamento, moldes, estrutura e organização iniciais.
QUADRAGÉSIMA SEGUNDA: Aliás, também quanto a estes dois concretos pontos de facto, é a própria autora quem o admite e reconhece:
- … a Ré … sempre ali exerceu a atividade de venda de móveis e eletrodomésticos (e suas reparações). (sic. art. 10º, sendo o negrito e sublinhado nossos);
- Nessa medida, aquele sobredito contrato inicial, com a alteração supra referida, manteve-se em vigor desde 1985 até ao dia 30/03/2011. (sic. art. 15º)
- os dois contratos celebrados têm o mesmo objeto, a mesma duração, o mesmo destino e que (apenas) houve uma alteração essencial e fundamental do contrato de arrendamento inicial, pois, um dos titulares da relação contratual, mormente o seu arrendatário, passou a ser uma outra pessoa jurídica e distinta da anterior. (sic. arts. 28º e 29º do mesmo requerimento oferecido pela autora).
QUADRAGÉSIMA TERCEIRA: Em face do exposto, vai expressamente impugnada a decisão proferida a respeito da matéria de facto e vertida nos Factos Não Provados sob as alíneas a. b. c. e d., a qual deverá ser levada à matéria dos Factos Provados.
QUADRAGÉSIMA QUARTA: Concomitantemente, procedendo a impugnação da decisão proferida a respeito da matéria de facto, impõe-se a requalificação jurídica do direito aplicável, no sentido de se considerar que estamos na presença de um contrato de duração por tempo indeterminado.
QUADRAGÉSIMA QUINTA: Sem prescindir, e como se alcança do teor da contestação apresentada, a ré invocou, para além do mais, e para o caso de se entender que o contrato celebrado em ../../2011 derrogou e substituiu, do ponto de vista material, o primitivo contrato de 1985, que, ainda assim, por se tratar de um contrato que visou dar continuidade ao primeiro, estipulado nos mesmos termos e condições que o anterior, que vinha perdurando há mais de 25 anos, e porque nada foi alterado, nem as partes pensaram alterar seja o que for, sempre se estaria na presença de um contrato de duração indeterminada;
QUADRAGÉSIMA SEXTA: Também neste particular é a própria autora quem o admite, o confessa e o reconhece, nomeadamente quando refere que se manteve o mesmo objeto, a mesma duração e o mesmo destino e que (apenas) houve uma alteração essencial e fundamental do contrato de arrendamento inicial, pois, um dos titulares da relação contratual, mormente o seu arrendatário, passou a ser uma outra pessoa jurídica e distinta da anterior.
QUADRAGÉSIMA SÉTIMA: E assim sendo, apenas assistiria à autora a faculdade de denunciar o contrato nos termos previstos no artigo 1101.º do Código Civil (com a redação vigente à data da celebração), não se aplicando, uma vez mais, o mecanismo da oposição à renovação.
QUADRAGÉSIMA OITAVA: A sentença também não faz qualquer referência a esta concreta questão, que se mostra relevante para a boa apreciação da causa, em face do direito aplicável, o que acarreta que a sentença seja nula, por se considerar que o juiz não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar. – sic. art. 615º, n.º 1, alínea d) do CPC
QUADRAGÉSIMA NONA: Não obstante, por os autos conterem os elementos necessários à apreciação e, consequente, decisão sobre esta concreta temática, temos como adquirido que o contrato promessa de arrendamento datado de ../../2011 foi celebrado no âmbito da vigência do Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei 6/2006, de 27 de fevereiro.
QUINQUAGÉSIMA: No artigo 1110.º do Código Civil, previa-se que as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais eram livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação (n.º1);
QUINQUAGÉSIMA PRIMEIRA: No contrato em apreço as partes fixaram o prazo de 1 ano, renovável por iguais períodos, não havendo qualquer outra referência a um contrato de duração limitada.
QUINQUAGÉSIMA SEGUNDA: Acresce que é a própria autora quem diz que o contrato celebrado em 2011 manteve-se com a mesma duração daquele que havia sido celebrado em 1985;
QUINQUAGÉSIMA TERCEIRA: Logo se o contrato de 1985 foi celebrado por tempo indeterminado, temo como confessado pela autora que o contrato de 2011 também foi celebrado com a mesma duração, isto é, por tempo ilimitado.
QUINQUAGÉSIMA QUARTA: Aliás, é isso que também decorre demonstrado pelo depoimento das testemunhas indicadas pela ré e pelas declarações de parte dos legais representantes da ré, cujos depoimentos se deixaram transcritos em cima.
QUINQUAGÉSIMA QUINTA: Em todo o caso, continuando sem prescindir, ainda que se entenda que não se exige que as partes façam referência expressa no texto à duração limitada, tem de resultar inequívoco que as partes se pretenderam vincular daquela forma.
QUINQUAGÉSIMA SEXTA: E nas circunstâncias em questão não é inequívoco que as partes quiseram vincular-se nestes termos (como decidido, Ac. RC de 14/12/2020, p. 855/19.5T8LRA, www.dgsi.pt)
QUINQUAGÉSIMA SÉTIMA: Assim sendo, mesmo que se seguisse o entendimento do tribunal a quo de que em 2011 foi celebrado um novo contrato, ainda assim, pelo que se deixou dito, se impunha decidir que este contrato foi celebrado por tempo indeterminado.
QUINQUAGÉSIMA OITAVA: Por último e apenas por mera cautela e dever de patrocínio, não pode a recorrente conformar-se com a decisão do tribunal a quo de condenar a ré ao pagamento de uma indemnização à autora correspondente ao valor da renda elevada ao dobro, à razão de 438,16€ (quatrocentos e trinta e oito euros e dezasseis cêntimos), por cada mês ou fração de tempo que decorrer desde o dia 01 de abril de 2024 até à entrega efetiva do prédio.
QUINQUAGÉSIMA NONA: Pois que ainda que se considerasse válida e eficaz a oposição à renovação por parte da autora, por se entender estarmos perante um contrato de arrendamento para fins não habitacionais com prazo certo, à não entrega do locado por parte da ré apenas seria de aplicar o disposto no n.º1 daquele diploma normativo.»
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1.4. A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi admitido.
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1.5. Questões a decidir
Atentas as conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, incumbe apreciar as seguintes questões:
i) Nulidade da sentença por falta de fundamentação (conclusão 39ª);
ii) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia (conclusão 48ª);
iii) Erro de julgamento da matéria de facto (conclusões 1ª a 38ª e 40ª a 43ª);
iv) Se o contrato dos autos é de duração indeterminada (conclusões 44ª a 46ª);
v)  Inaplicabilidade do regime de oposição à renovação do contrato (conclusão 47ª);
vi) Se o contrato de ../../2011 também foi celebrado com a mesma duração do contrato de ../../1985, isto é, por tempo ilimitado (conclusões 49ª a 54ª);
vii) Se não é inequívoco que as partes se pretenderam vincular a uma duração limitada no contrato de 2011 (conclusões 55ª a 57ª);
viii) Não verificação dos pressupostos necessários para condenar a Ré ao pagamento de uma indemnização à Autora correspondente ao valor da renda elevada ao dobro, desde o dia 01.04.2024 (inaplicabilidade do disposto no nº 2 do artigo 1045º do CCiv) (conclusões 58ª e 59ª).
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II – Fundamentos

2.1. Fundamentação de facto
2.1.1. Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
«1. A A. é dona e legítima proprietária do rés-do-chão (A e H) do prédio urbano sito no lugar ..., ..., freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória ... sob o nº ...21/....
2. Em ../../1985, mediante contrato escrito, cujo teor, constante do documento n.º 1 junto pela R. com a contestação, aqui se dá por reproduzido, o então proprietário do prédio aludido em 1., BB, deu de arrendamento a AA esse prédio.
3. No âmbito do acordo aludido em 2. os contraentes declararam que o locado seria destinado a comércio,
4. tendo o contrato sido celebrado pelo prazo de 1 ano, a começar no dia ../../1985 e a terminar no dia 31 de maio de 1986, considerando-se prorrogado por iguais e sucessivos períodos de tempo “(…) e nas mesmas condições, enquanto, por qualquer das partes, não for denunciado com a antecipação legal”.
5. A renda acordada no âmbito do sobredito arrendamento ascendeu a dez mil escudos.
6. Em ../../2011, mediante contrato escrito, cujo teor, constante do documento n.º 4 junto pela A. com a petição inicial, aqui se dá por reproduzido, denominado “contrato de promessa de arrendamento comercial”, a A. declarou prometer dar de arrendamento à R. o imóvel aludido em 1.
7. No âmbito do acordo aludido em 6., mostra-se estipulado que “O prazo de arrendamento é de um ano, sucessivamente renovável por iguais perdidos de tempo, contando-se o seu início em 01.04.2011.”.
8. Mais se mostra estipulado no âmbito do acordo aludido em 6. que o local arrendado se destina a comércio.
9. Convencionou-se, no âmbito do acordo aludido em 6., uma renda anual de 2.360.52€, a pagar em duodécimos de 196.71€, sujeita a retenção na fonte em sede de IRC,
10. devendo tal renda ser entregue no primeiro dia útil do mês a que respeitar, na residência do senhorio.
11. Foi ainda estipulado, no âmbito do acordo aludido em 6., que “A conservação e limpeza do local arrendado, ficam a cargo do segundo outorgante”.
12. O imóvel acima aludido foi entregue à R.,
13. sendo que a R. pagou à A., mensalmente, desde ../../2011 e até à data da interposição desta ação, as rendas acima aludidas, estipuladas no âmbito do acordo aludido em 6.
14. A A. entregou uma cópia do contrato aludido em 6. junto da Autoridade Tributária e procedeu ao pagamento do respetivo imposto de selo no 1º serviço de Finanças ....
15. A atividade desenvolvida no imóvel aludido em 1. sempre foi, desde a sua ocupação pela R., a de comércio de móveis e eletrodomésticos e instalação de aquecimento e ar condicionado.
16. Por carta registada, com aviso de receção, remetida pela A. à R. em 26 de setembro de 2022, por esta recebida, cujo teor, constante do documento n.º 14 junto pela A. com a petição inicial, aqui se dá por reproduzido, a A. comunicou à R. a sua oposição à renovação do contrato aludido em 6. E que esse contrato de arrendamento cessaria em 31 de março de 2024.
17. A A., em 16 de fevereiro de 2023, enviou à R. nova carta registada, com aviso de receção, recebida pela R., cujo teor, constante do documento n.º 15 junto pela A. com a petição inicial, aqui se dá por reproduzido, comunicando que, face à não renovação do contrato de arrendamento aludido em 6., previamente comunicada, esse contrato cessaria os seus efeitos em 31 de março de 2024, mas que, sendo esse dia domingo de páscoa, a entrega das chaves do locado deveria ser efetuada no dia 01 de abril de 2024, no local arrendado.
18. A R. não procedeu à restituição à A. do imóvel aludido em 1. nem das respetivas chaves.
19. A A. remeteu, em 12 de abril de 2024, uma nova carta à R., por esta recebida, cujo teor, constante do documento n.º 16 junto pela A. com a petição inicial, aqui se dá por reproduzido, comunicando-lhe que no dia 12 de abril de 2024 teria de proceder à restituição do imóvel aludido em 1. e das suas chaves, com a advertência de que “… não ocorrendo a entrega do imóvel arrendado, serão devidas, não a título de rendas, mas de indemnização, por equivalente, o valor correspondente ao dobro da renda que vem sendo paga, até à data da desocupação e entrega efectiva do locado (cfr. dispõe o artigo 1045º do CC)”.
20. O aludido BB é o sócio-gerente da A.
21. No ano de 2000, aquele BB, por contrato de compra e venda entre ambos celebrado, vendeu o prédio aludido em 1. À A.
22. O mencionado AA foi o sócio e gerente fundador da R.,
23. sendo que a R. foi constituída em 2006.
24. A R. solicitou à A. a celebração do acordo aludido em 6. a fim de, para efeitos fiscais, poder incluir as rendas como despesas suas.
25. A R. remeteu à A., em 09 de abril de 2024, uma carta, cujo teor, constante do documento n.º 4 junto com a contestação, aqui se dá por reproduzido, comunicando-lhe, em síntese, que o contrato de arrendamento em causa foi celebrado em ../../1985, sendo um contrato de arrendamento por tempo indeterminado, o qual não poderia ser extinto por oposição à renovação, mantendo-se, assim, tal contrato em vigor.
26. A R. remeteu à A., em 19 de abril de 2024, uma carta, cujo teor, constante do documento n.º 5 junto com a contestação, aqui se dá por reproduzido, no âmbito da qual, além do mais, reiterava a vigência do contrato de arrendamento celebrado entre as partes.
27. A R. remeteu à A., em 13 de maio de 2024, uma carta, cujo teor, constante do documento n.º 6 junto com a contestação, aqui se dá por reproduzido, no âmbito da qual reiterou o teor da anterior missiva e alegou que o disposto no artigo 1045º do CC não seria aplicável no caso em apreciação.»
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2.1.2. Matéria de facto não provada
O Tribunal a quo julgou não provados os seguintes factos:
«a. Não fosse a necessidade de a despesa da renda ser contabilizada como custo para a R., ter-se-ia mantido o contrato aludido em 2.
b. Desde ../../2011 até ao presente, continuou a vigorar o contrato aludido em 2. a 5.
c. A atividade desenvolvida no imóvel aludido em 1. sempre foi, desde ../../1985 até à data da ocupação do aludido imóvel pela R., a de comércio de móveis e eletrodomésticos e instalação de aquecimento e ar condicionado.
d. Desde ../../1985 até à presente data, o estabelecimento instalado no sobredito imóvel manteve-se em funcionamento nos mesmos moldes, estrutura e organização iniciais.»
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2.2. Do objeto do recurso
2.2.1. Nulidade da sentença por falta de fundamentação
Na conclusão 39ª das suas alegações, a Recorrente alega: «Quanto a esta concreta factualidade [pontos c. e d. dos factos não provados, conforme indicado na conclusão 38ª], da leitura da sentença proferida, é manifesto e evidente o incumprimento do dever de fundamentação que impende sobre o tribunal recorrido, o que faz incorrer a sentença, quanto a este concreta factualidade não provada, em nulidade, o que expressamente se invoca e requer seja reconhecida. – cfr. art. 615.º, n.º1, al. b) do Código de Processo Civil.»

Estando invocada a nulidade da sentença por falta de fundamentação, cumpre apreciar tal fundamento do recurso.
Nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea b), do CPC, a sentença é nula quando «não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
O artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra o dever de fundamentação das decisões dos tribunais, o qual mostra-se concretizado, quanto ao processo civil, no artigo 154º, nº 1, do CPC, e constitui um corolário do processo equitativo (art. 20º, nº 4, da CRP), «dado que dá a perceber as razões do deferimento ou do indeferimento do requerimento ou da procedência ou improcedência da ação e permite controlar o iter decisório, nomeadamente por um tribunal de recurso»[1].
Segundo Alberto dos Reis[2], «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto». Como referem, igualmente, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[3], «para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito».
Por conseguinte, enquanto vício da sentença, ou seja, como fundamento da sua nulidade, apenas releva a ausência de qualquer fundamentação e não quaisquer outras patologias. Na previsão da alínea b) só está incluída a falta absoluta de fundamentação e não a insuficiente, errada, incompleta ou deficiente. No nosso entendimento, ainda constitui falta de fundamentação uma motivação impercetível, sem relação compreensível com o objeto discutido, enquanto vício paralelo à ininteligibilidade do objeto do processo como motivo de ineptidão da petição inicial[4].

Analisada a decisão recorrida, constata-se que contém tanto os fundamentos de facto como a fundamentação de direito.
A diretriz sobre a fundamentação de direito consta do artigo 607º, nº 3, do CPC, na parte em que se estabelece que o juiz deve «indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes». Verifica-se que o Tribunal recorrido cumpriu tal imposição nas páginas 10 a 19 da sentença, onde indicou, interpretou e aplicou as normas jurídicas que considerou relevantes. É uma fundamentação suficientemente explícita e que justifica a aplicação do regime jurídico que alicerçou o dispositivo.
Quanto à fundamentação de facto, impõe o mesmo artigo 607º, nº 4, do CPC, que, «na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção».
O Mmo. Juiz a quo cumpriu a referida diretriz sobre a especificação factual, uma vez que descreveu os factos provados e os não provados, conforme se pode ver nas páginas 3 a 6 da sentença. Também motivou a decisão sobre a matéria de facto, o que fez nas páginas 7 a 10 da sentença; se o fez bem ou mal, é questão diferente, a qual será abordada aquando da apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto. A errada, deficiente ou medíocre motivação da decisão sobre a matéria de facto não é causa de nulidade da sentença, pois apenas o é a falta de fundamentação no sentido já exposto. O mesmo se diga da insuficiência ou incompletude da motivação, relativamente às quais, tal como no que concerne ao erro em matéria de facto em geral, a lei consagra um meio processual específico de reação, que é a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, suscetível de conduzir à revogação ou anulação da sentença em recurso, mas não produz a sua nulidade.
Enfatiza-se que apenas a falta da especificação dos fundamentos de facto ou de direito implica a nulidade da sentença. A alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC não versa sobre a falta de motivação da decisão sobre a matéria de facto, mas sim sobre a ausência de indicação de factos provados ou dos fundamentos de direito. Portanto, há que distinguir entre vícios da decisão da matéria de facto e vícios da sentença, na medida em que os primeiros não constituem causa de nulidade da sentença.
Nesta conformidade, não se verifica uma nulidade da sentença quando os fundamentos de facto constam da sentença, mas o tribunal não especifica as razões pelos quais esses fundamentos são considerados adquiridos ou provados. Esta específica falta de fundamentação não gera a nulidade da sentença, antes permite a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
A invocação dos vícios da decisão sobre a matéria de facto é feita nos termos do artigo 640º do CPC, não decorrendo necessariamente do reconhecimento dos mesmos a anulação da decisão. Em regra, a Relação, em recurso que verse sobre a matéria de facto, substitui-se ao tribunal recorrido, sendo que nas restantes situações rege o artigo 662º, nºs 2 e 3, do CPC.
Por conseguinte, fora dos casos previstos no artigo 662º, nº 2, do CPC (necessidade de renovação da prova, anulação da decisão por não constarem do processo todos os elementos que permitam à Relação a reapreciação, necessidade de ampliação da matéria de facto e anulação para o tribunal de 1ª instância fundamentar a decisão sobre facto essencial), o reconhecimento de um alegado vício de falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto só pode ter lugar quando o recorrente reage contra a mesma de uma forma processual específica, que é através da impugnação da decisão da matéria de facto, sujeita ao regime do artigo 640º do CPC. O recorrente tem de alegar o vício, concretizar os pontos de facto incorretamente julgados (incluindo os que deveriam ter sido carreados para a decisão e não o foram), indicar a decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre os pontos de facto em causa e especificar os meios probatórios que impõem essa decisão.
Portanto, ao contrário do afirmado nas conclusões das alegações, seguramente a sentença não é nula por falta de fundamentação.
Termos em que improcede esta questão.
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2.2.2. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia
Invocando a Recorrente a nulidade da sentença causada por omissão de pronúncia, cumpre apreciar tal fundamento.

Nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Esta nulidade emerge da violação do disposto no artigo 608º, nº 2, do CPC, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».
Quer isto dizer que a omissão de pronúncia se circunscreve às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido. Todavia, esta nulidade só ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas[5].

Sustenta a Recorrente que a sentença não faz qualquer referência à questão da não aplicação do «mecanismo da oposição à renovação», «o que acarreta que a sentença seja nula, por se considerar que o juiz não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar. – sic. art. 615º, n.º 1, alínea d) do CPC».
Sucede que a questão da não aplicação da figura da cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação dependia da resposta dada a duas questões lógicas antecedentes. A primeira sobre se se mantinha em vigor o contrato de 1985, de duração indeterminada, constituindo o contrato de 2011 uma mera atualização do anterior. A segunda quanto à qualificação do contrato de 2011 como sendo de duração indeterminada ou, pelo contrário, com prazo certo. Só se o contrato em vigor fosse qualificado como sendo de duração indeterminada é que estaria afastado o regime da oposição à renovação, caso em que ao senhorio apenas assistiria o direito de denunciar o contrato.
Tendo o Tribunal a quo concluído que o contrato de 2011 é «um novo contrato de arrendamento, diferente e independente do anterior» e que foi celebrado por prazo certo, deixou de ser necessária a pronúncia expressa sobre a questão apontada pela Recorrente.
Isto porque o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui[6]. Não ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra[7].

Termos em que improcede este fundamento do recurso.
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2.2.3. Impugnação da decisão da matéria de facto
Segundo indica nas conclusões das suas alegações, a Recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância no que concerne aos pontos a., b., c. e d. dos factos não provados.

Com vista a poder apreciar a impugnação da decisão da matéria de facto, procedemos à audição integral da gravação da audiência final e à análise de tudo quanto consta do processo, designadamente os documentos.
Na apreciação dos fundamentos do recurso relativamente aos pontos de facto objeto da impugnação, seguiremos a sistematização da Recorrente, ou seja, a ordem pela qual expõe os argumentos nas suas alegações.
Importa fazer duas considerações preliminares.
Primeiro, ouvida a gravação, verifica-se que predominaram as perguntas sugestivas formuladas por ambos os Mandatários, daí resultando um grande condicionamento nas respostas, regra geral pouco espontâneas. Em vez de se formularem questões simples e concretas, elaborava-se previamente um quadro argumentativo em que a pessoa que se encontrava a depor ou a prestar declarações já sabia de antemão o sentido da concreta resposta que de si era esperada.
Segundo, esse condicionamento das respostas surge ainda ampliado através do confronto dos depoentes com questões de direito.
Por isso, não é tarefa fácil descortinar a verdade material, sobretudo ao Tribunal da Relação por não ter acesso à plena imediação na produção da prova na audiência final, que se circunscreve apenas à constatação do que foi dito e não à forma como os depoimentos e declarações foram prestados (a denominada comunicação não-verbal).
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2.2.3.1. Pontos a. e b. dos factos não provados
Na sentença julgou-se não provado:
«a. Não fosse a necessidade de a despesa da renda ser contabilizada como custo para a R., ter-se-ia mantido o contrato aludido em 2.
b. Desde ../../2011 até ao presente, continuou a vigorar o contrato aludido em 2. a 5.»
Revistos os meios de prova produzidos, em especial os indicados pela Recorrente, e efetuado o seu confronto com a argumentação constante das alegações, concluímos pela inexistência de qualquer erro de julgamento quanto a estes dois pontos de facto.
Em primeiro lugar, o que consta dos pontos a. e b. são considerações valorativas e conclusivas, com a agravante de que no segundo ponto objeto da impugnação se expressa uma questão de direito, que é precisamente a que alicerça a tese jurídica fundamental que a Ré defendeu na sua contestação: que «aquele primitivo contrato manteve-se, igualmente, em vigor e sem qualquer alteração de fundo, desde a data da sua celebração até à presente data» (art. 11º da contestação) ou, na formulação constante dos factos não provados da sentença, que «desde ../../2011 até ao presente, continuou a vigorar o contrato aludido em 2. a 5.»
A questão de saber se o contrato de arrendamento de ../../1985 se manteve em vigor depois de celebrado o contrato de ../../2011 é uma pura questão de direito. O mesmo se diga da questão de saber quais os efeitos que a celebração do contrato de ../../2011 produziu relativamente ao contrato de ../../1985.
Portanto, o que a Recorrente preconiza é que em sede factual se decida a aludida questão de direito.
Como é evidente, não pode ser assim. O relevante era apurar o que foi negociado e acordado entre as respetivas partes, em especial a sequência de atos que então terá ocorrido e que verdadeiramente ninguém esclareceu durante a audiência de julgamento (apenas se sabe que a Ré emitiu a declaração inicial que se fez constar no ponto nº 24). Sem tal suporte, sobram os elementos que constam dos documentos juntos aos autos.
Em termos concretos e definidos, o que temos é um documento escrito (o contrato de ../../2011), não impugnado, assinado pelos legais representantes de Autora e Ré, no qual as partes emitiram declarações negociais com um certo conteúdo. De harmonia com o disposto no artigo 376º, nº 1, do CCiv, tal documento particular faz prova plena quanto às declarações atribuídas a cada uma das partes.
E as declarações emitidas pelas partes nesse documento (levadas desde logo aos pontos 6 a 11 dos factos provados), na nossa interpretação, infirmam a realidade da afirmação valorativa, conclusiva e de direito que consta do ponto b. O contrato celebrado em ../../2011 não constitui qualquer aditamento, esclarecimento ou complemento do contrato de ../../1985. Nenhum elemento constante do mesmo permite essa conclusão.
No fundo, o que se está a defender no âmbito deste recurso é que seja ignorado o que pelas partes foi declarado por escrito no contrato e que se dê como demonstrada uma realidade contrária ao que firmaram no contrato.
Acresce que, quanto ao ponto a., pretende-se que seja dada como demonstrada qual seria a realidade alternativa se não existisse a necessidade de contabilizar a renda como custo para a sociedade Ré, concluindo-se que se teria mantido o contrato celebrado em ../../1985.
Há vários óbices a tal construção.
Apontamos o principal: à data da celebração do contrato de ../../2011 e da sua entrada em vigor (01.04.2011) era a Ré sociedade que se encontrava a ocupar o imóvel e a explorar o estabelecimento aí instalado, quando o arrendatário, até então, era AA e não existiu qualquer cessão da posição contratual a favor da Ré.
Não se vê como tal contrato se poderia manter nos seus precisos termos e até à atualidade quando o arrendatário já não utilizava a coisa locada e nenhum mecanismo jurídico tinha sido acionado de forma a legitimar o gozo da coisa pela Ré.
Portanto, mesmo no campo da suposição, a conclusão constante do ponto a. não é legítima e não tem suporte.
Em segundo lugar, em termos objetivos, estamos perante dois contratos autónomos, distintos e que foram celebrados por pessoas diferentes.
No primitivo contrato de arrendamento, celebrado em ../../1985, figuravam como senhorio BB e como inquilino AA, portanto duas pessoas singulares. No contrato de ../../2011 constam como senhorio EMP01..., Lda., e como inquilino EMP02..., Lda.
Para além de outras diferenças de pormenor que foram detalhadamente apontadas na sentença (por exemplo, quanto a obras de conservação), são ainda diferentes as rendas (no contrato celebrado em 2011 foi estipulada uma renda superior à que vinha sendo praticada no contrato de 1985, após as respetivas atualizações: passou para € 196,71 mensais (renda anual de € 2.360,52), com retenção na fonte de € 32,46, sendo que no contrato de 1985 estipulou-se o regime de «renda condicionada», o início do prazo do arrendamento e das suas renovações (v. pontos 4 e 7, sendo que no âmbito do segundo «O prazo de arrendamento é de um ano, sucessivamente renovável por iguais períodos de tempo, contando-se o seu início em 01.04.2011») e ao local de pagamento da renda (que passou a ser apenas «na residência do senhorio»).
Em terceiro lugar, nenhuma referência é feita no contrato de ../../2011 ao contrato de ../../1985. Também nenhum elemento constante do segundo contrato inculca a ideia de que as partes nele intervenientes pretendiam que continuasse «a vigorar o contrato aludido em 2. a 5.».
Quem atentar nas declarações emitidas pelas partes no contrato, com a força probatória que já lhe atribuímos, não consegue retirar das mesmas a realidade do que consta dos pontos a. e b. dos factos não provados.
Em quarto lugar, consta da matéria de facto e não se mostra impugnado no recurso que «A R. solicitou à A. a celebração do acordo aludido em 6. a fim de, para efeitos fiscais, poder incluir as rendas como despesas suas» (p. 24). Portanto, está adquirido nos autos que foi a Ré, que não era então arrendatária e nenhum direito tinha até então adquirido relativamente ao gozo do locado, que solicitou a celebração do contrato com aquele concreto conteúdo. Se foi a Ré que fez esse pedido, então, por exclusão de partes, não foi o anterior arrendatário que solicitou à Ré a celebração do acordo referido em 6., sendo certo que o dito AA, ao lhe ser perguntado (03:37) se foi «o senhor que pediu, segundo dizem, que pediu para assinar um novo contrato?», respondeu (03:36) «já não estou lembrado.» Acresce que está demonstrado, sob o ponto 12., que «o imóvel acima aludido foi entregue à R.».
Apesar disso, a Recorrente, tanto no corpo das alegações como nas conclusões, alega o seguinte:
«Atenta a prova produzida em audiência de julgamento, e não apenas a que se extrai das declarações de parte dos legais representantes da ré, resulta de forma inequívoca e concordante que o contrato promessa de arrendamento celebrado entre as partes em ../../2011 apenas se deveu a razões contabilísticas por forma a permitir à ré – aqui recorrente- contabilizar tal custo (renda) como despesa. (…) Ou seja, as testemunhas ouvidas em julgamento, demonstraram que, não fosse a necessidade da despesa da renda ser contabilizada como custo para a sociedade ré, ter-se-ia mantido o contrato celebrado pelas partes primitivas em 1985, tal como ocorreu nos primeiros 5 anos após a constituição da sociedade ré (desde 2006 até 2011 aproximadamente). Ora, neste período de tempo o imóvel objeto do arrendamento encontrava-se locado ao arrendatário primitivo – AA – mas já estaria a ser explorado pela sociedade ré, que se veio a constituir no ano de 2006. De onde se pode concluir que as partes, não tenho procedido a qualquer alteração naquela altura, era sua vontade manter os termos do contrato primitivo celebrado em 1985, o que realmente aconteceu até à presente data
Justificam-se algumas considerações sobre este segmento das alegações.
Sendo inequívoco que existia uma razão de ordem contabilística para a Ré solicitar a celebração do contrato de ../../2011, também não se pode ignorar que esse mesmo contrato veio resolver uma questão que não era de somenos, tal como já apontamos atrás. Com efeito, quem havia celebrado, como inquilino, o contrato de arrendamento de 1985, ou seja, AA, já não utilizava a coisa locada e nenhum mecanismo jurídico tinha sido acionado de forma a legitimar o gozo da coisa pela Ré. Por isso, o contrato celebrado sanou essa irregularidade.
Posto isto, embora a Recorrente comece por ter o cuidado de não fazer uma afirmação perentória[8], alega que «nos primeiros 5 anos após a constituição da sociedade ré (desde 2006 até 2011 aproximadamente) (…), o imóvel objeto do arrendamento encontrava-se locado ao arrendatário primitivo – AA – mas já estaria a ser explorado pela sociedade ré, que se veio a constituir no ano de 2006».
Porém, dos meios de prova produzidos não resulta que o locado tenha passado a ser explorado pela sociedade logo em 2006, ao contrário do que sucedeu com outra loja existente na mesma rua, onde até constava a referência à sociedade Ré no exterior.
Isso também se retira das declarações de parte prestadas por EE, no seguinte segmento:
- Mandatário da Ré (00:09:57): «A partir de 2006, portanto, quem passa a explorar os estabelecimentos que é da propriedade do Sr. FF, passou a ser a EMP02....?»
- EE (00:10:07): «Não, a EMP02.... só pediu ao Sr. BB que fizesse alteração se denominação do dito contrato em 2010, 2011 porque só nessa altura é que a empresa EMP02... comprou o stock que o AA tinha, em que ele era dono em nome individual e a partir daí tivemos ainda uns meses na mesma condição, sem pedir sequer fatura nem alteração de contrato. Mais à frente, a contabilidade vem-nos alertar que isto assim não pode ser, vocês têm que…».
Portanto, estas declarações infirmam a alegação de que a Ré logo em 2006 passou a explorar o imóvel. O que resulta destas declarações é que alguns meses antes de ../../2011 o locado passou a ser explorado pela Ré, comprando o stock ao primitivo arrendatário, e o contabilista (o marido da testemunha CC) alertou para a, digamos assim, irregularidade. Nessa sequência é formulada junto da Autora a pretensão referida em 24.
Neste enquadramento, parece-nos destituída de base factual a ilação retirada pela Recorrente no final da conclusão quinta, na parte em que se diz «De onde se pode concluir que as partes, não tenho [ter-se-á pretendido dizer «tendo»] procedido a qualquer alteração naquela altura, era sua vontade manter os termos do contrato primitivo celebrado em 1985, o que realmente aconteceu até à presente data.» Se a Ré em 2006 não passou a explorar o locado logo que foi constituída (em 2006), mas apenas alguns meses antes de celebrado o contrato de ../../2011, então não é possível afirmar que nesse período (2006 a 2010/2011) era vontade de Autora e Ré manter os termos do primitivo contrato.
Depois, a Recorrente retira a seguinte conclusão (6ª): «Acresce que, aquando da venda do imóvel objeto de arrendamento pelo primitivo senhorio – BB - à autora, ocorrida no ano de 2000 (11 anos antes) – nenhum outro contrato de arrendamento foi formalizado, tendo-se mantido em vigor o contrato inicial, não obstante esta alteração, como assim o reconhece a própria autora, o que é bastante para se concluir que nunca foi intenção dos intervenientes proceder à alteração do contrato primitivo, mas sim manter a sua vigência nos exatos termos em que foi celebrado, ainda que perante a modificação da titularidade.»
No fundo, a Ré faz um paralelismo linear entre o fenómeno jurídico ocorrido em 2000, quando a Autora adquiriu o imóvel locado ao anterior proprietário e senhorio, BB, e o ocorrido em ../../2011, quando foi celebrado o contrato referido em 6, para concluir que tudo se manteve sem alteração nesses dois momentos.
Esta alegação, em especial o aludido paralelismo (baseado numa pressuposta identidade de razões), perpassa todo o recurso e, conforme verificamos na gravação da prova, foi defendida na audiência de julgamento e até alguns depoentes e declarantes foram de certa forma confrontados com a mesma.
Porém, encerra um equívoco, pois, quanto à venda do imóvel locado, rege o disposto no artigo 1057º do CCiv: «O adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo.» Por conseguinte, o aquirente da propriedade da coisa locada sucede ex lege, nos termos do transcrito artigo, nos direitos e obrigações do locador. Por isso, tendo sido vendido no ano 2000 o imóvel locado, o contrato, por efeito direto da lei, mantinha-se nos seus precisos termos.
Sucede que a modificação do sujeito do contrato de arrendamento para comércio (ou indústria[9]) ou, na terminologia atual, de arrendamento para fins não habitacionais, é um fenómeno completamente distinto da transmissão da posição do locador.
Isto porque a cessão da posição do locatário, nos termos do nº 2 do artigo 1095º do CCiv, «está sujeita ao regime geral dos artigos 424º e seguintes, sem prejuízo das disposições especiais deste capítulo.»
É uma sucessão a título particular, importando a substituição de um sujeito da primitiva relação pelo accipiens e, assim, o arrendatário, cedendo a sua posição contratual através de um negócio jurídico a isso endereçado, desaparece da relação arrendatícia, deixando o cessionário no seu lugar[10].
No caso dos autos, inexistiu qualquer negócio jurídico celebrado entre o primitivo arrendatário AA e a Ré que tenha operado a transmissão da posição contratual de arrendatário no contrato de arrendamento de ../../1985. E seguramente, em face dos seus termos, no contrato de ../../2011 não se operou qualquer transmissão da posição de arrendatário[11]. O que ocorreu foi a celebração de um contrato de arrendamento por uma pessoa coletiva – a Ré –, que até aí não era arrendatária, com a pessoa coletiva que era e é proprietária do imóvel e por isso tinha legitimidade substantiva para o dar de arrendamento, como efetivamente deu.
Daí que seja de todo descabido efetuar o aludido paralelismo entre a transmissão da posição de locador e a celebração do contrato de 2011, para concluir que em 2011 se manteve em vigor o contrato de 1985.
Em quinto lugar, a Recorrente sustenta que «as partes sempre agiram na convicção de que o primeiro contrato se manteria exatamente nos mesmos termos, nunca tendo sido transmitido à ré/arrendatário primitivo qualquer intenção de proceder a eventuais alterações, pois tudo se manteve igual.»
Embora a Recorrente aluda a partes, não há o mínimo suporte probatório que permita afirmar que era intenção e convicção da Autora «de que o primeiro contrato se manteria exatamente nos mesmos termos».
Aliás, dá-se o caso curioso de ninguém ter conseguido explicar quem entabulou conversações com a sociedade Autora (EMP01..., Lda.). AA, então sócio-gerente da Ré e que assinou nessa qualidade o contrato de ../../2011, disse não se lembrar (por exemplo ao minuto 03:36; por várias vezes afirmou não se lembrar de várias questões factuais com que foi confrontado). Os declarantes GG (gerente da Ré) e EE (gerente de facto da Ré) não assumiram a realização pessoal de tais atos[12]. Nenhuma das outras testemunhas sabia algo relevante sobre esta questão.
Embora os três sócios da Ré (AA, GG e EE) tenham secundado, de uma forma ou de outra, que o contrato de 1985 se manteve, em momento alguma afirmaram que a Ré acordou com a Autora sobre tal manutenção em vigor ou sequer que a abordaram (ou que alguém abordou) tal matéria. Aliás, EE afirmou (12:39) que efetivamente o contrato de 2011 foi assinado, mas que «todo o resto que está para trás não foi sequer abordado».
Portanto, objetivamente o que temos é a celebração do contrato de ../../2011, cujos termos falam por si, e que nada foi acordado entre as partes sobre a manutenção em vigor do contrato de arrendamento de 1985, matéria que nem sequer foi abordada. E se nada foi acordado sobre a manutenção em vigor do contrato de arrendamento de 1985, não é possível concluir que, após a celebração do contrato de 2011, continuou em vigor o primitivo contrato.
Neste quadro, dizer-se que foi intenção ou convicção das partes (ambas) manter o contrato de 1985 é algo que não tem fundamento.
Para além de isso ser intrinsecamente contraditório com o teor do próprio contrato, se fosse essa a intenção das partes, expressariam tal vontade através da forma de um aditamento ao primitivo contrato ou de alguma forma lhe aludiriam no contrato de 2011.
Por outro lado, sustenta a Recorrente que recaía sobre a Recorrida o ónus da prova da existência de um acordo de extinção do primitivo contrato de arrendamento.
Sucede que a Recorrida não pretende que se declare extinto o contrato de 1985, pretende, isso sim, que se declare a cessação do contrato celebrado em 2011.
Por isso, estando efetivamente demonstrada a celebração do contrato de ../../2011, era à Recorrente que competia demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos relativos a esse contrato.
Acresce que a Recorrente não é parte no primitivo contrato de arrendamento, nem lhe foi cedida a respetiva posição contratual de arrendatário. Por isso, a relação entre Autora e Ré, o vínculo arrendatício, emerge do contrato de 2011 e, sendo assim, carece de sentido impor à Autora o ónus de demonstrar a extinção do contrato de 1985.
Em sexto lugar, não existe qualquer declaração confessória da Autora a propósito da manutenção do primitivo contrato de arrendamento (conclusão 11ª e 20ª e 32ª).
A Autora afirmou no requerimento de 26.06.2024, em que exerceu o contraditório quanto à matéria de exceção invocada pela Ré, que:
- «É contudo, falso que este contrato de arrendamento inicial perdure até à atualidade» (art. 8º);
- «Nessa medida, aquele sobredito contrato inicial, com a alteração supra referida, manteve-se em vigor desde 1985 até dia 30/03/2011, e não até à atualidade» (15º);
- «Aliás, apenas no início do ano de 2011, foi o arrendatário da A., Sr. AA, quem deu a conhecer à A. a constituição da sociedade Ré, e, insistiu pela celebração de um novo contrato de arrendamento, a fim de o poder incluir a renda como despesa dessa mesma empresa - o que seria lógico!» (23º);
- «Mas de qualquer modo, ao saber da constituição da sociedade - o que se repete, a A. só soube nessa ocasião -, ter-se-ia, necessariamente, de se celebrar novo contrato de arrendamento, porquanto quem estava a explorar o local arrendado era um terceiro -a aqui Ré-, e não o primitivo arrendatário, no caso, Sr. AA» (24º);
- «Pelo que, é falso que o contrato de arrendamento sub judice tenha sido apenas e só celebrado por forma a possibilitar à Ré incluir a renda como despesa, impugnando-se portanto os artigos 17.º, 18.º, 19.º, 38.º e 39.º da contestação» (25º);
- «E desse modo, ao contrário do que quer fazer crer a Ré, entre a A. e a R. foi celebrado um novo contrato de arrendamento, onde a senhoria era a A. e a arrendatária era a Ré, EMP02..., Lda.» (26º);
- «Por conseguinte, o contrato de arrendamento comercial celebrado em 1985 cessou e o Sr. AA deixou de ser o arrendatário do imóvel em causa» (27º);
- «Ora, não é pelo facto dos dois contratos celebrados e aqui referidos terem o mesmo objecto, a mesma duração, o mesmo destino, que a Ré pode presumir ou concluir que o contrato primitivo (celebrado em 1985 entre duas pessoas singulares) se mantenha em vigor, pois,» (28º);
- «Repita-se, houve uma alteração essencial e fundamental do contrato de arrendamento inicial, pois, um dos titulares da relação contratual, mormente o seu arrendatário, passou a ser uma outra pessoa jurídica e distinta da anterior (uma Pessoa coletiva)» (29º);
- «Face ao supra exposto, não existe continuidade do primeiro contrato de arrendamento celebrado, mas antes a celebração entre A. e Ré, em ../../2011, de um novo contrato de arrendamento para fins não habitacionais» (30º).
Como bem resulta dos excertos atrás transcritos, a Autora não admitiu a realidade dos factos a. e b. da matéria de facto não provada.
Também da carta enviada pela Autora à Ré em 24.05.2023, junta com a contestação como documento nº 3, não resultam confessados tais factos, mas sim que foi celebrado «um novo contrato de arrendamento» a pedido do legal representante da Ré.

Termos em que improcede a impugnação relativamente a estas questões factuais.
*
2.2.3.2. Pontos c. e d. dos factos não provados
Neste segmento da impugnação, cuja argumentação se mostra sintetizada nas conclusões 40ª a 42ª das suas alegações, a Recorrente insurge-se contra o decidido quanto aos seguintes pontos de facto considerados não provados:
«c. A atividade desenvolvida no imóvel aludido em 1. sempre foi, desde ../../1985 até à data da ocupação do aludido imóvel pela R., a de comércio de móveis e eletrodomésticos e instalação de aquecimento e ar condicionado.
d. Desde ../../1985 até à presente data, o estabelecimento instalado no sobredito imóvel manteve-se em funcionamento nos mesmos moldes, estrutura e organização iniciais.»

A Recorrente entende que estes dois factos foram confirmados pelos representantes da Ré (GG e EE) e pela testemunha CC.
Sustenta ainda que «é a própria autora quem o admite e reconhece:
- … a Ré … sempre ali exerceu a atividade de venda de móveis e eletrodomésticos (e suas reparações). (sic. art. 10º, sendo o negrito e sublinhado nossos);
- Nessa medida, aquele sobredito contrato inicial, com a alteração supra referida, manteve-se em vigor desde 1985 até ao dia 30/03/2011. (sic. art. 15º)
- os dois contratos celebrados têm o mesmo objeto, a mesma duração, o mesmo destino e que (apenas) houve uma alteração essencial e fundamental do contrato de arrendamento inicial, pois, um dos titulares da relação contratual, mormente o seu arrendatário, passou a ser uma outra pessoa jurídica e distinta da anterior. (sic. arts. 28º e 29º do mesmo requerimento oferecido pela autora).»

Revista a prova, verificamos que EE, de 44 anos de idade, disse (03:00) que em 1992 o seu pai «nessa mesma loja, no caso em que estamos a tratar, fazia reparações, vendia eletrodomésticos e basicamente é o que fazia e o que faz até hoje, de certa forma, no entanto houveram algumas evoluções, mas continuamos a estar com todas essas tarefas».
Portanto, na loja sempre se venderam eletrodomésticos e se fizeram reparações. Assim, das declarações de parte de EE não resulta que na loja se comercializem «móveis», nem a confirmação quanto à «instalação de aquecimento e ar condicionado».
Por sua vez, GG, legal representante da Ré, afirmou (09:32) que «aquilo era uma loja de venda [d]e eletrodomésticos, reparações dos mesmos e vendíamos gás também.» Acrescentou (09:56) que «tudo se manteve, trabalhamos da mesma forma».
Também este declarante apenas referiu a venda de eletrodomésticos e a reparação dos mesmos, acrescentando-lhe a venda de gás.
Por último, a testemunha CC, viúva do falecido contabilista que prestava os seus serviços a AA e à Ré, ao ser-lhe perguntado se «sabe que a loja explorava o quê concretamente? Dedicava-se a quê?», respondeu (02:43) «eletrodomésticos, ma[i]s reparações.» Afirmou ainda que o tipo de negócio se manteve (02:54 e 02:56).
Resulta igualmente do depoimento desta testemunha que na loja se vendiam eletrodomésticos e se faziam reparações, tal como atualmente. Nada referiu quanto à comercialização de «móveis» ou à «instalação de aquecimento e ar condicionado».
Logo, como no ponto nº 15 se deu como provado que «a atividade desenvolvida no imóvel aludido em 1. sempre foi, desde a sua ocupação pela R., a de comércio de móveis e eletrodomésticos e instalação de aquecimento e ar condicionado» e nenhuma das três indicadas pessoas (GG, EE e CC) referiu que AA comercializava móveis na loja e se dedicava à «instalação de aquecimento e ar condicionado», não podia ser dado como provado que a atividade desenvolvida no imóvel aludido em 1. sempre foi, desde ../../1985 até à data da ocupação do aludido imóvel pela R., a de comércio de móveis e instalação de aquecimento e ar condicionado.
Porém, já deveria ter sido dado como provada a parte do ponto c. referente à atividade de comercialização de eletrodomésticos e suas reparações.

Quanto ao ponto d., não conseguimos concluir pela existência de um erro de julgamento.
Em rigor, o que consta deste ponto é uma consideração valorativa e conclusiva quanto a outros factos. Nenhuma das pessoas ouvidas utilizou as palavras «mesmos moldes, estrutura e organização iniciais», conceitos que não foram então clarificados. Não é sequer inequívoco o sentido em que são utilizadas na frase as palavras “moldes”, “estrutura” e “organização”.
Trata-se, por isso, de qualificar uma realidade emergente de outros factos.
Por outro lado, não encontramos na prova produzida elementos que nos permitam afirmar que a estrutura e a organização são exatamente as mesmas, por comparação entre o que sucedia, pelo menos, em 1985, em ../../2011/01.04.2011 e na presente data. Para nós apenas é patente que naquela concreta loja sempre se venderam eletrodomésticos e se procedeu à sua reparação. A título de exemplo, ignora-se quantas pessoas trabalhavam na loja em 1985 e quantas lá trabalham na atualidade, dando por adquirido que os recursos humanos integram a estrutura a que se referem os Recorrentes. O mesmo se diga quanto à forma como está organizada, embora a circunstância de, desde a ocupação da loja pela Ré, se ter passado a exercer no locado a atividade de comércio de móveis e de instalação de aquecimento e ar condicionado (v. ponto 15) sugira que a organização sofreu alguma espécie de modificação.
Depois, aludindo a Recorrente ao «estabelecimento instalado no sobredito imóvel», estará a referir-se ao estabelecimento comercial, verifica-se que não está demonstrada a transmissão do estabelecimento comercial instalado no locado de AA para a Ré. Apenas está demonstrado, em face das declarações de parte prestadas por EE, a transferência do «stock». É sabido que um estabelecimento comercial, enquanto universalidade de direito, não é apenas o stock de bens.

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a impugnação quanto ao ponto c., determinando-se o aditamento de um novo ponto aos factos provados com o seguinte teor:
«28. A atividade desenvolvida no imóvel aludido em 1. sempre foi, desde ../../1985 até à data da ocupação do aludido imóvel pela Ré, a de comércio de eletrodomésticos e de reparação dos mesmos.»
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2.2.4. Reapreciação de direito
2.2.4.1. Contrato de duração indeterminada? – conclusões 44ª a 46ª
A Recorrente sustenta que o contrato dos autos é de duração indeterminada.
Entre Autora e Ré foi em ../../2011 celebrado um contrato relativamente ao rés-do-chão (A e H) do prédio urbano sito no lugar ..., ..., freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória ... sob o nº ...21/....
Esse contrato, corporizado no documento nº 4 junto com a petição inicial, é de arrendamento e para o exercício de comércio, uma vez que a Autora concedeu à Ré o gozo daquele imóvel para comércio contra a obrigação de pagamento de certa renda mensal como contrapartida desse gozo – art. 1022º do CCiv.
Os factos apurados na ação permitem a conclusão que nenhuma relação de dependência ou complementaridade existe entre esse contrato de arrendamento e o que havia sido celebrado em ../../1985.
Carece de qualquer apoio factual a tese de que o contrato de ../../1985 continuou em vigor após 2011 e até à presente data, bem como que a Ré o possa invocar eficazmente. Nem a Ré foi parte nesse primitivo contrato, nem a posição contratual do respetivo arrendatário lhe foi cedida.
O contrato de arrendamento de ../../2011, tanto na nossa qualificação como na do Tribunal recorrido, constitui um novo contrato de arrendamento, independente e diferente do contrato de arrendamento celebrado em ../../1985. Com a celebração e entrada em vigor do contrato de 2011, tendo a Ré passado a ocupar o locado (v. pontos 12 e 15) e a pagar as rendas (p. 13), e o anterior arrendatário (então sócio-gerente da Ré) cessado voluntariamente o gozo que em nome individual até então fazia do imóvel, extinguiu-se o contrato de 1985.
O contrato dos autos foi celebrado em ../../2011 e teve o seu início no primeiro dia de abril de 2011, na vigência do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, o qual lhe é aplicável.
Na qualificação do NRAU é um contrato para fins não habitacionais e as regras relativas à duração e oposição à renovação são livremente estabelecidas entre as partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação (art. 1110º, nº 1, do CCiv, na redação anterior à introduzida pela Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro).
Como no contrato se estipulou que «o prazo de arrendamento é de um ano, sucessivamente renovável por iguais períodos de tempo, contando-se o seu início em 01.04.2011», deve considerar-se que foi celebrado com prazo certo. Tal prazo consta de cláusula inserida no contrato, como exige o artigo 1095º, nº 1, do CCiv[13].
Não é, por isso, um contrato de duração indeterminada, mas sim com prazo certo.
Essa distinção é relevante para o caso em apreciação, pois o contrato de duração indeterminada não cessa por oposição à renovação, apenas por denúncia (art. 1099º, nº 1, do CCiv, aplicável ex vi do art. 1110º, nº 1, do mesmo diploma). Já o contrato com prazo certo cessa mediante oposição à renovação deduzida pelo senhorio (art. 1097º, nº 1, ex vi do art. 1110º, nº 1, do CCiv).
O contrato foi celebrado pelo prazo certo de um ano, considerando-se sucessivamente renovado por iguais períodos de tempo, pelo que era admissível à senhoria, por referência a um concreto termo de um período de renovação, impedir a renovação automática mediante comunicação à arrendatária com a antecedência legalmente estabelecida (arts. 1096º e 1097º do CCiv).
Em suma, assistia à Autora a faculdade de fazer cessar o contrato de arrendamento por oposição à renovação, o que fez por carta enviada à Ré em 26.09.2022, a qual tem necessariamente de ser considerada eficaz.
*
2.2.4.2. Oposição à renovação do contrato – conclusão 47ª
Na conclusão 47ª das suas alegações, a Recorrente defende a inaplicabilidade do regime de oposição à renovação do contrato.
No seu entendimento, «apenas assistiria à autora a faculdade de denunciar o contrato nos termos previstos no artigo 1101.º do Código Civil (com a redação vigente à data da celebração), não se aplicando, uma vez mais, o mecanismo da oposição à renovação».
Como já referimos atrás, a questão da não aplicação da figura da cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação dependia da resposta dada a duas questões lógicas antecedentes. A primeira sobre se se mantinha em vigor o contrato de 1985, de duração indeterminada, constituindo o contrato de 2011 uma mera atualização do anterior. A segunda quanto à qualificação do contrato de 2011 como sendo de duração indeterminada ou, pelo contrário, com prazo certo. Só se o contrato em vigor pudesse ser qualificado como de duração indeterminada é que estaria afastado o regime da oposição à renovação, caso em que ao senhorio apenas assistiria o direito de denunciar o contrato.

Como também já salientamos em 2.2.4.1., o contrato com prazo certo pode cessar mediante oposição à renovação por parte do senhorio, ao contrário do contrato de duração indeterminada, ao qual não é aplicável esse regime, antes o da denúncia.
Como o contrato que estamos a apreciar foi celebrado por prazo certo, é-lhe aplicável o regime da oposição à renovação.
Por isso, improcede a questão suscitada pela Recorrente.
*
2.2.4.3. Similitude da duração dos contratos – conclusões 49ª-54ª
Nas conclusões 49ª a 54ª das suas alegações, a Recorrente sustenta que dando «como adquirido que o contrato promessa de arrendamento datado de ../../2011 foi celebrado no âmbito da vigência do Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei 6/2006, de 27 de fevereiro» e que «as partes fixaram o prazo de 1 ano, renovável por iguais períodos, não havendo qualquer outra referência a um contrato de duração limitada», como «é a própria autora quem diz que o contrato celebrado em 2011 manteve-se com a mesma duração daquele que havia sido celebrado em 1985», «[l]ogo se o contrato de 1985 foi celebrado por tempo indeterminado, temo[s] como confessado pela autora que o contrato de 2011 também foi celebrado com a mesma duração, isto é, por tempo ilimitado.»
Já atrás qualificamos o contrato celebrado em ../../2011 como sendo um contrato com prazo certo e não de duração indeterminada, pelo que a questão suscitada pela Recorrente já se mostra apreciada e, em princípio, seria desnecessário voltar a abordá-la.
Porém, como a Recorrente alega uma suposta confissão da Recorrida sobre esta matéria, justifica-se que nos detenhamos sobre tal questão.
Liminarmente, de harmonia com a noção que nos é dada pelo artigo 352º do CCiv, importa enfatizar que a confissão apenas respeita a factos e não à qualificação jurídica dos mesmos ou a questões de direito. Mesmo que a Autora tivesse admitido a duração indeterminada do contrato de 2011, isso não vincularia o Tribunal. Isto porque, nos termos do artigo 5º, nº 3, do CPC, o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Depois, em lado algum a Autora admitiu que o contrato de ../../2011 é de duração indeterminada. Na petição inicial, por exemplo no art. 39º, a Autora sustentou que se tratava de «contrato de arrendamento para fins não habitacionais, com prazo certo» (também no art. 52º procedeu à qualificação como sendo um «contrato de arrendamento para fins não habitacionais e prazo certo»). Na resposta à matéria de exceção, a Autora alegou que o acordo de 2011 constituía «um novo contrato de arrendamento para fins não habitacionais, com prazo certo de um ano» (art. 17º, alegação repetida ainda no art. 31º), que «não compreende como pode a Ré chegar à conclusão de que o Contrato de arrendamento que celebrou com a mesma, é de “duração indeterminada”» (art. 36º) e que, «tratando-se de um contrato com prazo certo, celebrado após a vigência da Lei n.º 6/2006, é permitido à A. opor-se á renovação do contrato, não por aplicação do disposto no artigo 1101º, alínea c) do CC, mas, por aplicação do disposto nos artigos 1110º e 1097º, ambos do CC» (art. 41º). Nas cartas que remeteu à Ré e que se encontram juntas aos autos, nunca a Autora afirmou que o contrato celebrado em 2011 era de duração indeterminada ou ilimitada, mas sim um contrato com prazo certo.
Finalmente, não pode confundir-se a definição de prazo inicial do contrato e das suas renovações com a noção de contrato de duração indeterminada. A duração indeterminada resulta de estipulação das partes (v. arts. 1094º, nºs 1 e 2, 1108º e 1110º do CCiv) ou do regime vinculístico imposto pela lei. A circunstância de as partes terem estipulado um certo prazo inicial, bem como para as renovações do contrato, não afasta a aplicação do regime vinculístico nos casos em que a lei o impôs[14].
No caso dos autos, sendo certo e indiscutido entre as partes que o contrato de 1985 era de duração indeterminada, no contrato de arrendamento que celebraram em ../../2011, na vigência do NRAU e das alterações que a Lei nº 6/2006, de 20 de fevereiro, introduziu nas pertinentes normas do Código Civil, as partes expressamente estipularam que «o prazo de arrendamento é de um ano, sucessivamente renovável por iguais períodos de tempo, contando-se o seu início em 01.04.2011». Podendo fazê-lo, as partes não estipularam que o contrato celebrado em ../../2011 teria duração indeterminada. Sendo inequívoca a fixação do aludido prazo e mostrando-se satisfeita a exigência o artigo 1095º, nº 1, do CCiv, quanto à sua inserção em cláusula no contrato, só é legítima a conclusão de que foi celebrado com prazo certo (arts. 1094º, nº 1, e 1110º, nº 1, do CCiv).

Pelo exposto, improcedem as conclusões aduzidas sobre esta questão.
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2.2.4.4. Ambiguidade da vinculação quanto à duração – conclusões 55ª-57ª
Sustenta a Recorrente que «não é inequívoco que as partes quiseram vincular-se nestes termos [duração limitada]».
 Mais alega, na motivação das suas alegações, que «o artigo 1094.º, n.º 3 do Código Civil (na redação dada pela Lei 6/2006 de 27 de fevereiro) (ex vi parte final do n.º 1 do artigo 1110.º, n.º 1 do C.C.)., estipulava que no silêncio das partes, o contrato tem-se [como] celebrado [por] duração indeterminada.»

Como já deixamos perfeitamente explícito várias vezes, consideramos que as partes se vincularam por prazo certo, estabelecendo uma duração limitada ao contrato celebrado em 2011.
Por outro lado, sendo certo que a redação do nº 3 do artigo 1094º do CCiv, dada pela Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, era a referida pela Recorrente, torna-se necessário salientar que tal preceito insere-se nas disposições especiais do arrendamento para habitação e que no arrendamento para fins não habitacionais, que é a situação dos autos, existe norma específica.
No arrendamento para fins não habitacionais, na falta de estipulação das partes, dispunha o nº 2 do artigo 1110º do CCiv, na redação dada pela Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, que «na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo prazo de 10 anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.»
Portanto, ao contrário do que se previa no arrendamento habitacional, em que no silêncio das partes o contrato se considerava como celebrado por duração indeterminada, no arrendamento para fins não habitacionais a ausência da estipulação implicava antes que se considerava celebrado com prazo certo.
E, repete-se, no caso dos autos, no nosso entender, nem sequer se pode afirmar que se verificava uma falta de convenção, pois as partes estipularam um prazo certo e esse, já então, era o regime-regra no arrendamento para fins não habitacionais.

Improcedem, por isso, as conclusões formuladas sobre esta questão.
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2.2.4.5. Valor da indemnização – conclusões 58ª e 59ª
Na sentença declarou-se que o contrato de arrendamento cessou por força da oposição à renovação do contrato efetuada pela Autora, com efeitos a partir de 31.03.2024, e condenou-se a Ré a restituir à Autora o imóvel e a pagar a esta uma indemnização correspondente ao valor da renda elevada ao dobro, à razão de € 438,16, por cada mês ou fração de tempo que decorrer desde 01.04.2024 até à entrega efetiva do prédio, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.
A Recorrente impugna o valor da referida indemnização, alegando que à não entrega do locado por parte da Ré apenas é de aplicar o disposto no nº 1 do artigo 1045º do CCiv, ou seja, que a Autora apenas tem direito a uma indemnização correspondente ao valor da renda e não do seu dobro.
Por conseguinte, sustenta a inaplicabilidade do disposto no nº 2 do artigo 1045º do CCiv.
Neste enquadramento, a questão a decidir circunscreve-se a saber se a Autora terá direito a receber a indemnização pelo atraso na entrega do imóvel, de harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 1045º (indemnização correspondente ao valor da renda em singelo) ou nos termos do nº 2 da mesma disposição (indemnização em dobro).

Estabelece o artigo 1045º do CCiv:
«1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.»
Releva ainda para a decisão da questão atrás identificada que a cessação do contrato torna imediatamente exigível a desocupação do locado e a sua entrega (art. 1081º, nº 1, do CCiv).
No caso dos autos, o contrato de arrendamento cessou por caducidade[15] (art. 1051º, al. a), do CCiv), operada por via da oposição à renovação (arts. 1096º, nº 3, e 1097º, nº 1-b, do CCiv), no dia 31.03.2024. Por isso, tornou-se exigível a entrega do imóvel.
As quantias que a lei prevê, como sendo devidas depois de cessado o contrato, designadamente por caducidade decorrente da oposição à renovação, e até à entrega do locado, constituem indemnizações, cujo quantitativo está legalmente pré-fixado.
Segundo Pinto Furtado[16], «se o prédio não for restituído por qualquer causa, logo que finde o contrato, o arrendatário é obrigado a pagar ao senhorio, a título de indemnização, a renda que estava estipulada, como resulta do disposto no art. 1045º-1 CC. Quer dizer que a quantia correspondente à renda terá sempre de continuar a ser satisfeita, enquanto a entrega (…) não for realizada, agora a título de indemnização. Se, porém, a entrega não se realizar, constituindo-se o arrendatário em mora, a indemnização “é elevada ao dobro” (art. 1045º-2 CC)».
As duas aludidas indemnizações têm uma diferente natureza e finalidade.
Desde logo, a indemnização do nº 2 do artigo 1045º do CCiv tem uma natureza sancionatória e injuntiva, enquanto a indemnização prevista no nº 1 constitui apenas uma forma específica de contrapartida pelo proporcionado gozo da coisa, aproximando-se mais de um mecanismo retributivo do que de um meio de reparação de um dano, pois não visa propriamente a reconstituição da situação que existiria se o imóvel tivesse sido restituído na sequência da cessação do contrato. Esta última é um puro e direto sucedâneo da renda, que tem a sua exata medida e representa uma mera continuidade desta até à restituição efetiva da coisa, sendo que a sua exigibilidade não depende de qualquer ato complementar de definição do direito.
Por outro lado, a indemnização do valor da renda, pelo quantitativo que vigorava à data da extinção do contrato, tem como fim evitar o enriquecimento sem causa do “arrendatário” que, por qualquer razão e independentemente desta, permanece no prédio “arrendado”. A indemnização em dobro, além da apontada vertente sancionatória, visa compelir o “arrendatário” a cumprir a obrigação que lhe é imposta pelo artigo 1038º, al. i), do CCiv, aproximando-se mais de uma indemnização em sentido próprio, embora o respetivo quantitativo seja legalmente tarifado, em virtude de uma mora subsequente a uma interpelação para entrega do locado, ou seja, de um incumprimento culposo da obrigação de restituição.
Segundo Maria Olinda Garcia[17] «[a]o incumprimento deste dever corresponde uma sanção indemnizatória específica: a prevista no n.º 2 do art. 1045 do CC, ou seja, logo que o arrendatário entre em mora fica obrigado a pagar a título indemnizatório, o dobro da quantia que correspondia à renda vigente aquando da extinção do contrato. No n.º 1 daquele artigo não se estabelece, em rigor, uma sanção para a hipótese de incumprimento, mas sim uma específica medida de compensação pecuniária, que afasta a necessidade de recurso às regras do enriquecimento sem causa. Por confronto com a hipótese prevista no n.º 2, trata-se aqui de uma situação em que o arrendatário não está em mora, mas por alguma outra razão, como, por exemplo, acordo dos ex-contratantes na dilação da entrega ou dilação legal ou judicial, o arrendatário permanece transitoriamente no gozo desse bem, sendo assim justo que a este aproveitamento do imóvel corresponda o pagamento de uma específica remuneração, impropriamente designada por "indemnização”».
Por conseguinte, a indemnização prevista no nº 1 da disposição a que nos vimos referindo é alheia à situação de mora do locatário; quer dizer, se o contrato findar e o locatário não restituir a coisa, não existindo mora, o locador apenas tem direito a receber o valor correspondente à renda em singelo. A indemnização prevista no nº 2 depende da constituição do locatário em mora; é necessário, para que seja devida, que esteja em mora quanto à obrigação de restituição do locado, caso em que deve indemnizar o locador, pelo dobro do valor das rendas, em relação ao período entre a constituição da mora e a efetiva entrega do locado.

Volvendo ao caso dos autos, verifica-se que a Autora, através de carta registada com aviso de receção, enviada à Ré em 26.09.2022, por esta recebida, comunicou-lhe a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado entre as partes e que esse contrato de arrendamento cessaria em 31.03.2024. A aludida carta, por si só, operou a cessação do contrato em 31.03.2024, ficando a Ré obrigada a restituir o imóvel locado à Autora.
Além disso, em 16.02.2023, a Autora voltou a remeter à Ré nova carta registada com aviso de receção, igualmente por esta recebida, interpelando-a para proceder à entrega das chaves em 01.04.2024. E em 12.04.2024, a Autora voltou a interpelar a Ré, remetendo-lhe outra carta, a comunicar-lhe novamente que teria de proceder à restituição do imóvel e das suas chaves, com a advertência de que «não ocorrendo a entrega do imóvel arrendado, serão devidas, não a título de rendas, mas de indemnização, por equivalente, o valor correspondente ao dobro da renda que vem sendo paga, até à data da desocupação e entrega efectiva do locado (cfr. dispõe o artigo 1045º do CC).»
Tendo a Ré sido expressamente interpelada para restituir o imóvel no dia 01.04.2024 nem sequer se suscita a questão de saber se bastava, para a constituição em mora, a mera verificação da extinção do contrato por caducidade, ocorrida no dia 31.03.2024 (mora essa que resultaria do incumprimento da obrigação de restituição prevista no art. 1038º-i e do disposto nos artigos 1053º, a contrario, 1081º e 805º, nº 2-a, todos do CCiv) ou se era necessária ainda uma interpelação para entrega do imóvel (art. 805º, nº 1, do CCiv). De uma forma ou de outra, é inequívoco que a Ré ficou constituída em mora em 01.04.2024 quanto à obrigação de restituição do imóvel à Autora, pois foi interpelada para o efeito.
Estando em mora, a indemnização corresponde ao dobro do valor da renda, como bem se decidiu na 1ª instância, decisão essa que se mantém.
Termos em que improcedem as conclusões formuladas sobre esta questão.

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2.3. Sumário


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III – Decisão

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas do recurso, na vertente de custas de parte, a suportar pela Recorrente.
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Guimarães, 29.05.2025
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida
António Beça Pereira
Alexandra Rolim Mendes


[1] Miguel Teixeira de Sousa, CPC Online, in Blog do IPPC, em anotação ao artigo 154º do CPC.
[2] Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra Editora, pág. 140.
[3] Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, págs. 670-672.
[4] Ou seja, uma fundamentação disparatada ou absurda, sem qualquer relação com o que se discute, ou ininteligível, no sentido de que a generalidade das pessoas não a conseguirá compreender.
[5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 21.12.2005, relatado por Pereira da Silva.
[6] Acórdão do STJ de 08.03.2001 – Ferreira Ramos.
[7] Acórdão do STJ de 03.10.2002 – Araújo de Barros.
[8] Mas já foi perentória na conclusão 16ª das suas alegações.
[9] Na terminologia do texto originário do artigo 1112º do CCiv.
[10] Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, Almedina, pág. 467.
[11] Sendo ainda de enfatizar que o locatário não pode transmitir por ato entre vivos a sua posição contratual sem o consentimento do locador (art. 1038º-f do CCiv). Apenas é lícita a transmissão independentemente de consentimento do locador, a título excecional, nos casos do art. 1112º do CCiv, situação que não corresponde à dos autos.
[12] Um desses sócios da Autora, EE, durante as suas declarações, até enunciou a pretensão de falar com o seu pai para apurar tal questão factual (14:07 – «Eu não sei se posso perguntar ao meu pai se realmente foi isso ou não. Mas tenho assim uma vaga ideia. Que ele até nessa altura se aproveitou, nessa troca e disse que tem que dar mais X, porque tem que ser.»).
[13] Já assim era na redação dada ao artigo 1095º, nº 1, do CCiv pela Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, que é a aplicável.
[14] No âmbito das normas do Código Civil que precederam o RAU vigorava o denominado “regime vinculístico”. Também esse regime vinculístico continuava a ser a regra no RAU, sendo o contrato de duração limitada a exceção.
[15] A caducidade provoca a extinção do contrato, em consequência da verificação do evento a que lei atribua tal consequência.
[16] Arrendamento Urbano, vol. I, 4ª edição, Almedina, pág. 554.
[17] Arrendamentos para comércio e fins equiparados, 2ª edição, 2006, Coimbra Editora, pág. 59.