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LOCAÇÃO
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
CESSAÇÃO DO CONTRATO
DETERIORAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Sumário
1. Podem as partes pôr fim a uma acção judicial mediante transacção na qual celebram um contrato. 2. As regras sobre deteriorações efectuados pelo locatário do estabelecimento no locado e sobre a responsabilidade por elas constam do regime geral da locação, nos artigos 1043º e seguintes do Código Civil. 3. Verificando-se que o estabelecimento comercial em causa já era explorado pelos locatários há mais de 30 anos, por referência à data do término do contrato de locação e que grande parte dos componentes e bens retirados do imóvel tinham sido adquiridos e instalados no imóvel por eles, não se podem considerar tais factos “deteriorações”, para efeitos dos artigos 1038.º, al. d), 1043.º, e 1044.º do Código Civil. 4. Portugal insere-se no conjunto dos países da Civil Law Tradition, nos quais a certeza jurídica foi erigida como um valor jurídico quase absoluto, e onde o Juiz não tem o poder de decidir os casos que lhe são apresentados com base na equidade (o que permitiria mitigar a dureza da solução abstracta prevista na lei com considerações de justiça no caso concreto), pois isso implicaria a concessão de um poder discricionário ao Juiz, coisa que esta tradição legal abomina. Porém, o art. 4º CC define algumas situações em que o Legislador “tolera” que os Juízes decidam o caso segundo a equidade, e uma delas é justamente “quando haja disposição legal que o permita”, que no caso é o art. 566º,3 CC.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório
Nos presentes autos de acção declarativa com processo comum, veio AApedir a condenação de BB e CC, (todos com os sinais dos autos), no pagamento de €23.277,75, acrescido ainda de danos a liquidar em execução de sentença, e ainda no pagamento de uma quantia mensal no valor de €500,00.
Alega para o efeito que é proprietário de um imóvel, no qual se integra estabelecimento destinado à actividade de restauração, estabelecimento este que esteve arrendado aos réus.
Mais alega que, quando terminado o contrato e entregue o imóvel, que o interior do mesmo se encontrava severamente danificado, descrevendo os danos em causa, tornando-o completamente inutilizável para a actividade económica a que se destinava.
Conclui descrevendo os danos sofridos e as despesas tidas com a reparação do imóvel, pedindo a condenação dos réus no respectivo pagamento.
Citados os réus, apresentaram contestação onde se defendem por impugnação, alegando em síntese que os bens existentes no imóvel e dali retirados foram adquiridos e instalados pelos próprios, conquanto já exploravam o estabelecimento comercial muito antes de o autor se tornar proprietário do mesmo, pelo que restituíram o locado sem os mesmos, sendo que eventuais danos que existam se cifram em danos decorrentes da normal utilização do locado.
Foi proferido despacho saneador, fixando o objecto do litígio e os temas da prova.
Teve lugar a audiência final.
Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e condenou os réus a pagar ao autor a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos desde a data de restituição do imóvel ao autor até efectivo e integral pagamento. No mais, absolveu os réus do pedido.
Inconformado com esta decisão, o autor dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (arts. 644º,1,a, 645º,1,a, 647º,1 CPC).
Termina com as seguintes conclusões: A) De acordo com a matéria dada como provada e dada como não provada, nunca podia ter sido proferida a decisão em crise, tal como foi. B) Entendeu o douto Tribunal que as partes celebraram um contrato de locação de estabelecimento, que se rege pelas regras do arrendamento urbano, e que ao caso seria de aplicar o estabelecido nos artigos 1043.º e 1044.º do Código Civil. C) Tendo entendido que não é de considerar as cláusulas constantes dos contratos de concessão e de locação de estabelecimento celebrados entre os recorridos e os anteriores proprietários do estabelecimento, quanto às benfeitorias e obras a efectuar no locado, pois incumbia ao recorrente provar quando é que as mesmas foram feitas. D) O douto Tribunal alheou-se aos factos que considerou provados em n.ºs 3, 5, 6, 7, 11, 12, 13, 14 e 17 e ficou provado que o estabelecimento pertencia ao proprietário do imóvel, sendo os recorridos, meros detentores precários e utilizadores do espaço, por contrato. E) O douto Tribunal deixou claro que os recorridos nunca actuaram na qualidade de proprietários do estabelecimento mas de titulares de uma concessão de exploração e posteriormente de arrendatários e, antes disso, o recorrido era apenas funcionário da casa. F) Tendo em atenção o estabelecido em n.ºs 5, 6 e 7 dos factos provados, verifica-se que em momento algum os bens que se encontravam no estabelecimento pertenceram aos recorridos. G) Não faz diferença para o que aqui está em causa, a prova que os bens que existiam no estabelecimento foram adquiridos antes de 1993. H) Os recorridos confessaram que, só depois da celebração da escritura de concessão de exploração, é que o estabelecimento passou para a sua gestão e só depois disso é que iniciaram as obras e melhoraram o estabelecimento. I) Não se entende como é que o Tribunal entendeu que os recorridos já eram detentores dos bens existentes no estabelecimento antes da celebração do contrato e deu como provado o facto n.º 5) nos termos em que o fez. J) Deve alterar-se o facto n.º 5) dos factos provados, devendo passar a ter a seguinte redacção:
“5) Após a morte de DD, a titularidade do imóvel e do estabelecimento comercial transitou para a sua esposa, EE.”. K) Os danos que se verificaram no imóvel aquando da sua entrega, não resultam de uma utilização normal, mas sim de um acto de vandalismo. L) Atendendo ao teor do contrato de concessão de exploração, ao teor da transacção celebrada entre as partes no Tribunal e ao facto de o douto Tribunal entender que as partes podem livremente celebrar transacções desde que não contrárias à Lei, não se entende como é que pôde dar como provado o referido em n.º 21). M) Deve alterar-se a interpretação dada ao facto provado n.º 21). N) O douto Tribunal andou mal ao ter decidido que os danos provocados no imóvel não constituem deteriorações para efeito dos artigos 1038º, 1043º e 1044º do código civil. O) Os recorridos confessaram que o estabelecimento, à data da celebração da concessão de exploração e da transacção, estava em pleno funcionamento, obrigaram-se a fazer obras de manutenção, prescindiram de quaisquer benfeitorias no final do contrato e comprometeram-se a restituí-lo, no final de cada contrato, em condições de pleno funcionamento. P) O estabelecimento funcionou até ao dia 31 de Dezembro de 2023, nele trabalhavam 5 funcionários e os recorridos. Q) Em 20 de Janeiro de 2023, cerca de 20 dias depois do encerramento do estabelecimento, os recorridos não o podiam ter entregue nas condições que se verifica nas fotografias juntas com a petição inicial. R) Os danos verificados no imóvel, à data da sua entrega ao recorrente, resultam da conduta dos recorridos depois de encerrarem o estabelecimento ao público, em 31 de Dezembro de 2022. S) Nunca os recorridos podiam ter retirado do local as bancadas, o lavatório, o exaustor, não podiam ter substituído os vidros da cozinha, nem arrancar os sanitários existentes na casa e banho, danificar a porta da antecâmara, arrancar as instalações eléctricas do imóvel, as tomadas, as lâmpadas, as luminárias, as canalizações de água e de gás, nem arrancado bens das paredes e dos tectos. T) O douto Tribunal deu como provado que houve arrancamento de sanitários, de bancadas nas paredes, da instalação eléctrica e da água, e por isso devia ter condenado os recorridos no valor necessário à sua reposição. U) Ao ter considerado provado o vertido em n.ºs 17), 19), 20) e 23), nunca o douto Tribunal devia ter proferido a decisão que proferiu. V) O douto Tribunal não devia ter considerado que praticamente todas as condutas dos recorridos ou eram condutas licitas, resultantes da retirada de bens do local, ou pelo facto de os bens existentes no local pertencerem aos recorridos, ou porque não se provou que já existiam no arrendado à data da celebração do contrato, ou porque resultaram de um normal uso do mesmo, por mais de 30 anos. X) O douto Tribunal nunca podia ter considerado que os recorridos têm obrigação de reparar os locais onde ficaram marcas de arrancamento e desencastramento, e a reposição parcial do sistema eléctrico e não os condenar na reposição dos outros danos causados no imóvel. W) Tendo em atenção a decisão proferida quanto à reparação das paredes, o douto Tribunal devia ter condenado os recorridos a pagar a quantia de 10.862,88€ e não a quantia de 1.551,84€, já que decidiu recorrer à equidade. Y) Deve revogar-se a douta sentença no que quantifica o valor referente às obras de reparação e pintura das paredes, para eliminar os sinais de arrancamento e desencastramento, no montante de 1.551,84€, substituindo-a por outra que condene os recorridos no pagamento da quantia de 10.862,88€. Z) Não se entende como foram os recorridos obrigados à colocação parcial da instalação eléctrica, se o douto Tribunal considerou provado em n.º 23) que os recorridos retiraram a totalidade da instalação eléctrica. AA) Ficou provado em n.º 23) dos factos provados que os recorridos retiraram completamente toda a instalação eléctrica e de água, pelo que, também deviam ter sido condenados a refazer a instalação de água. AB) Mal andou o douto Tribunal ao decidir como fez, devendo revogar-se a douta decisão proferida quanto à condenação dos recorridos quanto às instalações de água e energia, substituindo-se por outra que os condene no pagamento da reposição das instalações de água e energia no imóvel. AC) E essa condenação deve ser feita nos termos peticionados nos autos e de acordo com os orçamentos juntos aos autos, e não de acordo com a equidade, os quais são no montante de 2.025,00€, acrescida de Iva à taxa legal para a instalação eléctrica e a quantia de 1.950,00€ para as obras de pichelaria. AD) O douto Tribunal entendeu que o recorrente não se referiu à reparação do ramal de gás na petição inicial, o que não é verdade, pois aquela está vertida em n.º 31 da petição inicial e sustentada pelo documento n.º 31 dado como reproduzido. AE) Deve substituir-se a decisão proferida quanto ao montante das obras de pichelaria, revogando a decisão proferida, substituindo-a por outra que condene os recorridos ao pagamento do valor do orçamento. AF) O douto Tribunal entendeu também que, porque o recorrente já tinha terminado as obras à data designada para a audiência de julgamento, não podia apreciar o pedido da liquidação em execução de sentença. AG) Nada obriga a que um autor que, à data da entrada da acção tenha motivos para relegar um pedido para execução de sentença, o tenha de liquidar até ao julgamento. AH) O douto Tribunal tinha todas as condições para apreciar a existência ou não dos danos e da responsabilidade e nada o obrigava a quantificar o seu montante. AI) Mesmo que se entendesse que o douto Tribunal já estava em condições de quantificar os danos, sempre o douto Tribunal podia ter recorrido à equidade, para fixar os montantes de todas as obras necessárias, tal como fez para as obras das paredes e da energia eléctrica e condenar os recorridos no pagamento das obras de pichelaria, de instalações sanitárias, das bancadas, dos vidros, das portas e de tudo o que considerou provado que os recorridos arrancaram do local. AJ) Deve revogar-se a douta sentença que absolveu os recorridos quanto ao pagamento dos danos referentes às suas condutas e que constam de n.ºs 19) e 23), substituindo-a por outra que os condene no pagamento dos montantes constantes do orçamento, no montante total de 14.950,00€ acrescido de IVA à taxa legal de 23% para as obras de construção civil. AK) Caso assim se não entenda, deve ser revogada a sentença, substituindo-a por outra que condene os recorridos a pagar os montantes necessários à reposição dos bens indicados em n.º 19), relegando para liquidação em execução de sentença, a sua quantificação. AL) O douto Tribunal andou mal ao entender que os danos verificados nas alíneas c) e d) do n.º 19) dos factos provados, resultam da utilização do locado ao longo de mais de 60 anos e isso deu como provado em n.º 22) dos factos provados. AM) Os recorridos deviam ter sido condenados a proceder à substituição dos vidros, devendo assim revogar-se a douta sentença nessa parte, substituindo-a por outra que os condene a proceder ao pagamento dos danos causados nos vidros do imóvel, a liquidar em execução de sentença, tal como peticionado. AN) Apesar de ter dado como provado o facto n.º 26), mal andou o douto Tribunal ao absolver os recorridos do pagamento da quantia mensal de 500,00€, entre Fevereiro de 2023 e Janeiro de 2024. AO) Deve ser revogada a sentença proferida, substituindo-a por uma que condene os recorridos ao pagamento da quantia mensal de 500,00€, entre Fevereiro de 2023 a Janeiro de 2024, inclusive, o que totaliza a quantia de 6.000,00€.
Os réus, notificados da interposição de recurso apresentada pelo autor, vêm dizer que também não se conformam com a sentença na parte condenatória, pelo que também dela interpõem recurso subordinado. Apresentam as seguintes conclusões:
A. Além de não corresponder à verdade, o certo é que o autor também não fez prova da matéria de facto constante do art.º 19º al. e) e g) e 23º, conforme veremos da transcrição do depoimento do autor os réus e demais testemunhas a este respeito, assim como ao estado em que receberam e entregaram o imóvel. B. Acresce que as fotografias, quando muito poderiam espelhar o estado do locado, quando foram tiradas, mas nunca provar que os réus fizeram tais estragos. C. Note-se que esta acção foi proposta praticamente depois de decorrido um ano após a entrega das chaves ao autor (que ocorreu a 09/10/21), pelo que os réus desconhecem o que sucedeu no seu interior durante esse período. Por essa lógica, se o autor alegasse mais danos, os réus seriam automaticamente responsáveis por ele, só porque exploraram um estabelecimento comercial naquele local, há cerca de um ano atrás. D. E que, como ficou provado, o autor, neste interregno, fez obras de remodelação no imóvel, pelo que nem que os réus ou até o próprio tribunal quisessem inspeccionar o locado o tribunal, nem os autores tiveram oportunidade de observar o locado desde que os mesmos saíram. E. Acresce que, atento que estamos a falar numa casa com 60 anos (cfr. sentença) o mais provável é que essa instalação eléctrica e de água estivesse à face das paredes, pelo que aquando a remodelação o autor necessariamente teria de a substituir, independentemente de ela ter sido retirada ou não !! F. Como resulta da decisão os bens que compunham o rés-do-chão pertencem aos réus, e já lá estavam quando o contrato de arrendamento foi celebrado (1993). G. Ou seja, quando os réus celebraram o dito contrato já os móveis estavam no exacto sítio onde sempre estiveram até à cessação do contrato, pelo que necessariamente as marcas aqui em questão já existiam, caso os móveis fossem retirados nessa altura e não tivesse sido celebrado o contrato em questão, pois é do senso comum que para sustentar aqueles móveis (ou quaisquer outros) nas paredes do imóvel, é necessário e inevitável efectuar furos na parede, por forma a firmá-los e evitar a sua queda. H. Ora, como não é difícil de perceber, à data do arrendamento, tais furos não estavam visíveis, uma vez que o imóvel estava equipado com os já referidos móveis (propriedade dos réus), que compunham o estabelecimento; mas o certo é que existiam. I. Acresce que, como diz a sentença recorrida “Considerando que aos mesmos assistia o direito de retirar os bens existentes no locado, conforme se arrazoou, na medida em que lhes pertenciam, também se deve denotar que se tratava de um local utilizado frequentemente como estabelecimento comercial ao longo de mais de 60 anos (pelos réus, e antes disso por DD). É natural a existência de alguma deterioração, e é natural que existam manchas, marcas de móveis, obras que teriam sempre de ser executadas – retirando os réus todos os equipamentos que lhe pertenciam, natural se mostra que o imóvel não quedasse em condições de ser de imediato arrendado, e carecesse de algumas obras de manutenção e conservação. – negro e sublinhado nosso. J. Neste sentido vide o depoimento do autor(de 00:04:06 m a 00:04:28m, 00:04:38 m a 00:08:34 m, De 00:20:04 minutos a 00:21:51 minutos:, RÉU: BB (De 00:03:00 minutos a 00:04:09 minutos, De 00:05:23 minutos a 00:06:15 minutos, De 00:07:50 minutos a 00:10:40 minutos, De 00:30:43 minutos a 00:31:15 minutos; De 00:31:31 minutos a 00:31:50 minutos:, De 00:34:00 minutos a 34:13 minutos: De 00:35:08 minutos a 00:35:38 minutos, De 00:39:03 minutos a 00:39:14 minutos, De 00:41:50 minutos a 00:42:14 minutos: De 00:44:15 minutos a 00:44:32 minutos, De 00:45:15 minutos a 00:45:25 minutos, De 00:45:50 minutos a 00:47:42 minutos, De 00:49:51 minutos a 00:51:31 minutos, De 00:51:50 minutos a 00:53:41 minutos:, RÉ: CC (De 00:01:38 minutos a 00:03:12 minutos:, De 00:03:21 minutos a 00:04:02 minutos:, De 00:04:08 minutos a 00:04:30 minutos, De 00:04:39 minutos a 08:57 minutos, De 00:09:07 minutos a 00:09:35 minutos, De 00:09:51 minutos a 00:10:34 minutos, De 00:10:49 minutos a 00:13:48 minutos, De 00:14:09 minutos a 00:16:20 minutos: De 00:19:33 minutos a 00:20:50 minutos, De 00:21:15 minutos a 00:22:15 minutos, De 00: 31:46 minutos a 00:32:!0 minutos; De 00:34:34 minutos a 00:35:45 minutos; De 00:37:47 minutos a 00:38:17 minutos; De 00:43:25 minutos a 00:43:28 minutos; De 00:46:34 minutos a 00:46:50 minutos; De 00: 47:00 minutos a 00:47:38 minutos; De 00:48:44 minutos a 00:49:06 minutos, De 00:49:50 minutos a 00:50:16 minutos:; FF (De 00:01:10 minutos a De 00:02:27 minutos a 00:04:18 minutos: De 00:05:12 minutos a 00:06:42 minutos:De 00:08:30 minutos a 00:10:38 minutos: De 00:10:46 minutos a 00:11:09 minutos: De 00:11:22 minutos a 00:11:24 minutos: De 00:11:48 minutos a 00:12:08 minutos: De 00:16:45 minutos a 00:16:53 minutos: De 00:17:12 minutos a 00:17:20 minutos: De 00:18:03 minutos a 00:18:38 minutos: De 00:19:00 minutos a 00:19:31 minutos: De 00:19:38 minutos a 00:20:53 minutos, De 00:25:16 minutos a 00:25:36 minutos:, De 00:27:29 minutos a 00:27:47 minutos, GG ( De 00:02:07 minutos a 00:02:40 minutos, De 00:05:26 minutos a 00:05:46 minutos, De 00: 07:27 minutos a 00:07:50 minutos, De 00: 09:33 minutos a 00:09:42 minutos: De 00:10:21 minutos a 00:12:00 minutos, De 00:12:14 minutos a 00:13:26 minutos, De 00:14:10 minutos a 00:14:23 minutos, De 00:15:42 minutos a 00:16:08 minutos, De 00:27:07 minutos a 00:27:38 minutos, De 00:28:55 minutos a 00:29:36 minutos. K. Ou seja, ao contrário do que é habitual, quando o autor celebrou o contrato de arrendamento aqui em causa, o prédio já estava a ser explorado, com os mesmos bens que compunham o estabelecimento, que outrora pertenceu e foi explorado por DD, posteriormente pela mulher deste (EE), depois pela irmã desta (HH) e só de seguida pelos réus. L. Consequentemente, nem os réus nem o autor conheciam o prédio sem os bens que compunham aquele estabelecimento, pelo que só podiam restituir o arrendado da forma como o conheceram e lhes foi entregue. M. Mesmo que assim não se entenda, como se referiu, o tribunal entendeu que os réus tinham direito a reaver os bens que haviam ali instalados, mas também a obrigação de, no mínimo, reparar os locais onde ficaram marcas de arrancamento e desencastramento. N. O tribunal recorrido, numa situação destas, não podia fixar qualquer valor através de juízos de equidade. E muito menos apoiando-se no orçamento junto pelo autor, pois além do mesmo ter sido impugnado pelos aqui recorrentes e dado como não provado, a própria sentença refere que “Em relação por fim ao facto não provado e), o Tribunal não conseguiu, mesmo com as explicações do autor e de II, construtor civil responsável pelo orçamento junto como doc. 30 e respectivas obras, conexionar todos os itens do referido orçamento com o que o autor considera serem estragos provocados pelos réus: existem referências a instalação de gás, quando o autor nada menciona na petição inicial em relação ao gás, ou à montagem de uma placa de separação dos dois pisos do edifício que o Tribunal, apesar de insistência junto do autor, não consegue conexionar a qualquer actuação dos réus. Pelo que quedou assim aquele facto como não provado, a concretizar em sede jurídica, eventualmente, quanto à real indemnização a que o autor possa ter direito. – negro e sublinhado nosso.” – negro e sublinhado nosso. O. Assim, não tendo o autor logrado provar qual o valor para a realização dos trabalhos a que os réus foram condenados na sentença, o tribunal a quo, jamais poderia ter condenado os recorrentes a pagar qualquer valor. P. Recordando o disposto no art. 4.º CC, os tribunais apenas se podem recorrer a juízos de equidade quando: haja disposição legal que o permita; haja acordo das partes nesse sentido e a relação jurídica não seja indisponível; ou, ainda, se as partes tiverem previamente convencionado o recurso à equidade, nos termos aplicáveis à cláusula compromissória. Q. É certo que numa empreitada, a determinação e pagamento do preço pode, efectivamente, ser feita mediante juízos de equidade, porém tal não dispensa a existência (demonstrada) de circunstâncias que permitam a sua aplicação, não se podendo assumir como um mero palpite, discricionário ou arbitrário como, salvo o devido respeito, aqui aconteceu. R. No caso em apreço, apenas foi decidido que os recorrentes deveriam pagar a pintura e lavagem das paredes e tectos, de modo a remover as marcas de arrancamento, bem como a colocação parcial da instalação eléctrica, porém não foi provado o preço de cada um desses trabalhos assim como não ficou como provado que os recorrentes tivessem sequer aprovado e aceite o orçamento acima referido, junto à pi. S. Por outro lado, da matéria dada como provada não resulta que o orçamento em questão, junto pelo autor, assentasse em valores reais de mercado ou de que o mesmo correspondesse muito menos a um preço negociado e aceite entre as partes. T. Nenhuma prova foi carreada para os autos que permitisse habilitar o tribunal a lançar mão do critério do preço que um construtor civil/electricista normalmente praticam na presente data. U. Por conseguinte, da matéria de facto considerada como provada pelo tribunal a quo, não é possível determinar qual o preço normalmente praticado para a execução dos trabalhos em questão, qual o valor destes no momento, qual a sua extensão, que tipo e quantidade de materiais terão de ser utilizados, se será mesmo necessário lavar as paredes para posteriormente as pintar, qual a duração dos trabalhos determinados (!!) … V. Não dispondo o tribunal de um mínimo de factos provados/de elementos sobre a natureza dos danos que refere e sua extensão, não lhe era permitido computar aquele valor, com recurso à equidade e muito menos seguindo o raciocínio que fez, ou seja “Considerando o valor global do orçamento, que corresponde a 15 itens, podendo-se atribuir um preço igualitário de €1.551,84 a cada um, afigura-se justo e razoável o pagamento de €2.500,00 para reparação dos danos que efectivamente se podem considerar deteriorações ilícitas do arrendado.”!!! W. E, também não se vislumbra que fosse viável recorrer ao mecanismo do incidente de liquidação (art.º 378.º nº 2 e 47.º nº 5, do CPC), uma vez que recorrido teve a sua oportunidade de fazer a prova do valor dos danos que alegou, e não fez. Logo, não é lícito, porque a prova soçobrou, conferir-lhe, em desigualdade de armas, uma nova oportunidade.
Os réus apresentaram as suas contra-alegações no recurso interposto pelo autor, defendendo a sua improcedência.
Finalmente, o autor veio apresentar as suas contra-alegações no recurso subordinado interposto pelos réus, defendendo a sua improcedência.
II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber: a) se ocorreu erro no julgamento da matéria de facto b) se mesmo com os factos provados a decisão deveria ter sido outra c) se o Tribunal podia ter fixado a indemnização com recurso à equidade
III A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos: 1) Mostra-se registado a favor do autor um prédio urbano composto por casa torre e térrea, de dois andares, sito na Rua ..., ..., freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz no artigo ...09 e descrito na Conservatória sob o nº ...90. 2) O referido imóvel é constituído por dois andares independentes, sendo que no rés-do-chão se encontrava instalado um estabelecimento de restauração denominado “...”. 3) O referido estabelecimento era explorado, já há mais de 60 anos, por DD, tio do réu BB, conhecido em ... como “JJ”, já com o nome “...”. 4) DD era casado com EE, em primeiras e únicas núpcias de ambos, tendo sempre o casal residido no imóvel referido em 1) juntamente com a irmã de EE, de nome HH. 5) Após a morte de DD, a titularidade do imóvel e do estabelecimento comercial transitou para a sua esposa, EE, sendo que porém a exploração do mesmo já na altura era assegurada pelo réu BB. 6) Em 04/11/1993, a referida EE celebrou com o réu BB um acordo escrito, a que intitularam “concessão de exploração”, junto como doc. 5 com a petição inicial e cujo teor integralmente se reproduz, pelo qual aquela declarou conceder ao réu a exploração do estabelecimento comercial descrito em 2) e 3). 7) Após o falecimento de EE, a sua irmã HH sucedeu-lhe na titularidade do referido estabelecimento, tendo-se mantido a relação negocial descrita supra com o réu BB. 8) Em 29/03/2006, por testamento outorgado no cartório notarial de KK, junto como doc. 3 com a petição inicial e cujo teor integralmente se reproduz, HH declarou legar ao réu BB o rés-do-chão do imóvel referido em 1) e o estabelecimento comercial descrito em 2) e 3), bem como declarou legar ao autor, seu sobrinho, o primeiro andar do mesmo imóvel. 9) Por escritura pública de doação outorgada em 14/12/2007, no cartório notarial de KK, HH, tia do autor, declarou doar e o autor declarou aceitar a doação do direito de propriedade sobre a totalidade do imóvel referido em 1). 10) HH faleceu em ../../2009. 11) No dia 08/06/2009, o autor enviou aos réus uma carta registada com aviso de recepção, onde lhes solicitou a entrega do rés-do-chão do prédio identificado em 1) livre de pessoas e bens. 12) Não tendo os réus entregue o local, ainda que continuando a pagar renda mensal, o autor intentou contra estes o proc. n.º 3453/09...., que correu termos no extinto ... juízo cível do então Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, pedindo, para além do mais, a entrega do prédio/rés-do-chão. 13) No âmbito do referido processo, autor e réus celebraram a transacção constante da acta junta como doc. 1 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 14) Previamente à celebração do referido acordo, o local possuía diversas salas. 15) A sala que permite o acesso às traseiras do imóvel possuía uma janela com diversos vidros em toda a sua extensão. 16) O acesso da via pública ao restaurante fazia-se por uma antecâmara, dividida da sala de jantar, por portas em vidro. 17) A cozinha, além de janelas, tinha também diversos balcões e bancas encastradas no chão e na parede. 18) Em 09/10/2021, o autor pretendeu terminar o contrato, tendo os réus procedido à entrega do imóvel e do estabelecimento comercial referido em 2) e 3) e restituído as chaves em 27/01/2023. 19) Na altura, quando o autor se deslocou ao imóvel, denotou que os réus tinham retirado diversos dos bens ali existentes, nomeadamente:
a) Tinham sido arrancadas todas as bancadas, móveis e balcões existentes numa das salas;
b) Na cozinha foram arrancadas as bancas, o lavatório, o exaustor, e diversos outros móveis que se encontravam no arrendado;
c) Os vidros da cozinha tinham sido substituídos por um material perfurado e os restantes estavam partidos;
d) Os vitrais da sala das traseiras estavam partidos;
e) Foram arrancados todos os sanitários existentes na casa de banho;
f) A porta da antecâmara em vidro foi totalmente danificada, encontrando-se apenas parte dela no local;
g) Foi arrancado o contador eléctrico referente ao rés-do-chão e todas as instalações eléctricas do imóvel, incluindo as tomadas, lâmpadas e as luminárias existentes;
h) Por todo o arrendado eram visíveis perfurações, sinais de arrancamento de bens das paredes e tectos. 20) A porta em vidro referida em 16) e os balcões e bancas encastradas no chão e na parede referidos em 17) foram adquiridos e instalados pelos réus, em período não concretamente determinado, mas antes da celebração do acordo referido em 13). 21) Os bens referidos em a), b), e), f), o contador eléctrico, as lâmpadas e as luminárias referidas em g) foram adquiridos e instalados pelos réus, em período não concretamente determinado, mas anteriormente à celebração do acordo referido em 13). 22) As alterações referidas em c) e d) resultaram da utilização do locado ao longo de mais de 60 anos. 23) Os réus retiraram também completamente do local toda a instalação eléctrica e de água. 24) O autor solicitou a emissão do orçamento junto como doc. 30 com a petição inicial, cujo teor integralmente se reproduz, para elaboração das obras que desejava fazer no locado, no valor total de €23.277,75. 25) O autor procedeu entretanto a obras de renovação e reconstrução do locado. 26) Face à condição em que o imóvel se encontrava, o autor não conseguiu arrendar o mesmo, entre Fevereiro de 2023 e Janeiro de 2024.
Factos não provados
a) Os réus estiveram sempre convencidos de que eram proprietários do prédio referido em 1) e do estabelecimento comercial referido em 2) e 3). b) As salas referidas em 14) eram divididas entre si por portas em madeira e vidro. c) A cozinha tinha portas de acesso. d) Na ocasião referida em 19), tinham sido retiradas todas as portas de ligação entre as salas. e) O orçamento referido em 24) visa unicamente cobrir os custos das alterações e remoções de bens causadas pelos réus e alegadas pelo autor. f) Todas as obras realizadas pelos réus no local arrendado ocorreram após celebração do contrato referido em 13).
IV
1. Vamos começar por apreciar as impugnações da decisão sobre a matéria de facto provada. 1.A.recurso principal, interposto pelo autor.
Este afirma que se deve alterar o facto provado nº 5, devendo passar a ter a seguinte redacção: “5) Após a morte de DD, a titularidade do imóvel e do estabelecimento comercial transitou para a sua esposa, EE”.
De seguida afirma nas conclusões L e M que “atendendo ao teor do contrato de concessão de exploração, ao teor da transacção celebrada entre as partes no Tribunal e ao facto de o douto Tribunal entender que as partes podem livremente celebrar transacções desde que não contrárias à Lei, não se entende como é que pôde dar como provado o referido em n.º 21). Deve alterar-se a interpretação dada ao facto provado n.º 21)”.
Embora não sendo claro o que pretende o recorrente com esta passagem, o certo é que a parte final inculca que não pretende a alteração do facto provado 21, mas apenas a interpretação que lhe é dada. Assim, tal matéria sai fora da impugnação da decisão sobre matéria de facto e passa para a análise da aplicação do Direito aos factos.
Entendemos que o autor respeitou minimamente os requisitos formais de admissibilidade do recurso sobre matéria de facto constantes do art. 640º CPC.
Assim, ele afirma que na redacção do ponto 5, deve ser eliminada a expressão “sendo porém a exploração do mesmo já na altura assegurada na altura pelo réu BB”. Ficaria assim o ponto 5 resumido a: “Após a morte de DD, a titularidade do imóvel e do estabelecimento comercial transitou para a sua esposa, EE”.
O Tribunal recorrido fundamenta assim esta decisão:
“Os factos 2) a 13) resultaram provados em primeiro lugar da documentação junta com os autos e ali descritos, mormente o testamento de HH, a escritura de doação outorgada por esta, a certidão extraída dos factos assentes e base instrutória do processo n.º 3453/09...., bem como a acta de audiência de julgamento referente a este processo onde foi celebrada a transacção ali referida, o contrato de concessão celebrado entre EE e o réu BB, e a carta registada remetida pelo autor aos réus. Mostraram-se também relevantes as declarações de parte dos réus e depoimento de parte do autor, em conjunto com os depoimentos testemunhais de FF e LL, antigos funcionários do restaurante que trabalharam para o réu, e ainda GG, antigo cliente do restaurante que forneceu também muitos equipamentos de hotelaria ao réu, no que concerne à cadeia de transmissões de titularidade do estabelecimento e do imóvel, mas sobretudo também quanto a compreender que, desde o falecimento de DD, tio do réu BB, que era este quem geria de forma praticamente autónoma o restaurante, tratando-o “como se fosse seu”. Isto porque o réu seria o braço direito do seu tio, e ter-lhe-á sido dito quer por EE, esposa do tio, quer pela irmã desta HH, que lhe sucedeu, que a intenção era eventualmente transmitir a exploração do estabelecimento de forma definitiva para o réu – o que HH terá até tentado fazer por via do testamento que outorgou em 2006”.
Ora, vislumbramos aqui uma contradição entre esta fundamentação e o facto provado nº 5, pois o Tribunal recorrido fundamenta, e bem, que “desde o falecimento de DD, tio do réu BB, que era este quem geria de forma praticamente autónoma o restaurante, tratando-o “como se fosse seu, isto porque o réu seria o braço direito do seu tio (…)”, mas no facto provado 5 ficou a constar -ou pelo menos é uma interpretação literal do ali afirmado- que já à data da morte de DD a exploração do estabelecimento era assegurada pelo réu BB.
A verdade factual é a que resulta da fundamentação exposta, a qual decorre linearmente da prova produzida nos autos, ou seja, que o réu BB geria de forma praticamente autónoma o restaurante desde o falecimento de DD, seu tio. Não sendo pois verdade que à data da morte de DD já o réu gerisse de forma praticamente autónoma o restaurante.
Assim, importa alterar o facto provado nº 5, ficando o mesmo com o seguinte teor: “5) Após a morte de DD, a titularidade do imóvel e do estabelecimento comercial transitou para a sua esposa, EE, passando a exploração total do mesmo a ser assegurada pelo réu BB”.
1.B.recurso subordinado, interposto pelos réus.
Os réus entendem que não corresponde à verdade o que consta dos factos provados 19,g e 23, pelo que os mesmos devem ser dados como não provados.
Tais factos são os seguintes: 19-e) e g) Na altura, quando o autor se deslocou ao imóvel, denotou que os réus tinham retirado diversos dos bens ali existentes, nomeadamente foram arrancados todos os sanitários existentes na casa de banho, e foi arrancado o contador eléctrico referente ao rés-do-chão e todas as instalações eléctricas do imóvel, incluindo as tomadas, lâmpadas e as luminárias existentes. 23) Os réus retiraram também completamente do local toda a instalação eléctrica e de água.
E afirmam, nas suas alegações, que “além de não corresponder à verdade, o certo é que o autor também não fez prova da matéria de facto constante do art.º 19º al. e) e g) e 23º, conforme veremos da transcrição do depoimento do autor os réus e demais testemunhas a este respeito, assim como ao estado em que receberam e entregaram o imóvel.
O Tribunal recorrido escreveu que “os réus também confirmaram e não negaram a factualidade descrita em 18), 19) e 23), confirmada pelas fotografias juntas com a petição inicial e por todas as testemunhas que estiveram no local; o que os réus antes alegaram é que tudo o que foi retirado por adquirido ou instalado pelos próprios e já existia no local antes da celebração do acordo referido em 13). E, com efeito, o Tribunal convenceu-se, conforme se extrai dos factos 20) e 21), por força das declarações de parte dos réus confirmados pelos depoimentos testemunhais já referidos, os quais foram todos eles prestados de forma clara, isenta e escorreita, com hesitações e contradições de menor importância derivados naturalmente do decurso de muitos anos, que os materiais ali indicados foram com efeito adquiridos e montados pelos réus, no período em que já exploravam o estabelecimento comercial – o que terá ocorrido de forma gradual ao longo dos anos, não apenas desde a celebração do contrato de concessão celebrado com EE em 1993, mas até anteriormente a isso, já que era o réu BB quem continuou a explorar o estabelecimento logo após o falecimento de DD. No que reporta em particular ao contador eléctrico, o autor com efeito acordou na transacção descrita em 13) que procederia à instalação de um contador eléctrico em cada parte da casa, mas uma coisa é alegar que o acordou, e outra coisa é alegar que o fez – e outra inteiramente diferente é provar tal alegação, o que o autor não fez por qualquer modo, pelo que o Tribunal teve por certa as declarações dos réus no sentido de terem retirado do locado o contador que eles próprios instalaram”.
Ora bem.
Olhando para a petição inicial, vemos que os factos impugnados estão alegados no artigo 15º de tal peça.
E na contestação os réus afirmam que se “limitaram a retirar de lá os bens que compunham o estabelecimento comercial, que adquiriram por disposição testamentária, e a restituir o arrendado ao autor no exacto estado em que o mesmo estava quando lhes foi entregue”. E, mais adiante: “nenhuma culpa pode ser assacada aos réus, pois como se referiu estes limitaram-se a retirar o que era seu e a restituir o prédio no estado em que o receberam”.
Pensamos assim que assiste razão ao Tribunal recorrido, ao ter colocado na lista dos factos provados os factos referidos supra, pois os réus na contestação não impugnaram os mesmos, antes os aceitaram com a ressalva que os mesmos lhes pertenciam, pelo que se teriam limitado a levar o que era seu.
Para além disso, registamos ainda que a prova produzida em audiência chega e sobra para sustentar a prova de tais factos.
É verdade que em declarações de parte, o réu BB declarou que ele melhorou o estabelecimento, comprou aparelhos, balcões, tendo tomado conta do mesmo em 1993. E que o que comprou, tirou. Mas disse também que o contador eléctrico ficou lá, ele apenas cessou o contrato. Que as tomadas, lâmpadas e luminárias também ficaram. E a ré CC disse também que não arrancaram o contador de energia, nem as fichas eléctricas, nem lâmpadas, nem tomadas. As luminárias tiraram porque eram deles. Não tiraram as canalizações de água, nem as torneiras.
O autor declarou que quando lá foi ver o estabelecimento estava vazio; as sanitas estavam lá, mas as bacias e lavatórios não. As tomadas e os interruptores, as torneiras, as luminárias, e a instalação eléctrica também não estavam lá.
A testemunha MM disse que quando lá foi não havia móveis, electrodomésticos, quase nada; os fios estavam todos cortados, do quadro para as tomadas e para as lâmpadas, não tinha interruptores, só estavam os buracos, e nem os fios eléctricos lá estavam.
A testemunha NN disse que a infraestrutura da electricidade estava arrancada.
II declarou que a instalação eléctrica tinha sido arrancada. E a canalização interior de águas foi toda cortada com rebarbadeira. Onde entravam as torneiras, não tinha nada.
Mais ou menos a mesma coisa foi dita por OO.
As testemunhas arroladas pelos réus não negaram todos estes depoimentos.
Assim, pelas mesmas razões já expostas pelo Tribunal recorrido, pensamos que estes factos ora impugnados se devem manter.
Assim, e em síntese, apenas o facto provado 5 sofre a alteração supra referida, mantendo-se a demais matéria de facto tal como a primeira instância a fixou.
2.Aplicação do direito 2.A.Recurso do autor
Afirma o autor nas suas alegações de recurso que mesmo com os factos provados nunca poderia ter sido proferida a decisão tal como o foi.
E formula assim as suas pretensões: a) Deve revogar-se a douta sentença que absolveu os recorridos quanto ao pagamento dos danos referentes às suas condutas e que constam de n.ºs 19) e 23), substituindo-a por outra que os condene no pagamento dos montantes constantes do orçamento, no montante total de 14.950,00€ acrescido de IVA à taxa legal de 23% para as obras de construção civil. b) Caso assim se não entenda, deve ser revogada a sentença, substituindo-a por outra que condene os recorridos a pagar os montantes necessários à reposição dos bens indicados em n.º 19), relegando para liquidação em execução de sentença, a sua quantificação. c) Os recorridos deviam ter sido condenados a proceder à substituição dos vidros, devendo assim revogar-se a douta sentença nessa parte, substituindo-a por outra que os condene a proceder ao pagamento dos danos causados nos vidros do imóvel, a liquidar em execução de sentença, tal como peticionado. d) Deve ser revogada a sentença proferida, substituindo-a por uma que condene os recorridos ao pagamento da quantia mensal de 500,00€, entre Fevereiro de 2023 a Janeiro de 2024, inclusive, o que totaliza a quantia de 6.000,00€.
O primeiro passo tem de ser saber determinar com exactidão que contrato foi celebrado entre as partes.
É incontroverso que o prédio urbano descrito em 1 dos factos provados pertence actualmente ao autor, e que no rés-do-chão desse prédio se encontrava instalado um estabelecimento de restauração.
No passado esse prédio e o estabelecimento de restauração pertenceram a DD, até que por morte deste transitaram para a sua esposa EE, a qual em 4.11.1993 celebrou com o réu BB um acordo escrito, que as partes intitularam “concessão de exploração”, pelo qual aquela declarou conceder ao réu a exploração do estabelecimento comercial em causa (doc. 5 com a petição inicial).
A seguir a EE sucedeu a sua irmã HH na titularidade do referido estabelecimento, tendo-se mantido a relação negocial descrita supra com o réu.
Em 14.12.2007 a HH doou ao autor o direito de propriedade sobre a totalidade do imóvel.
O autor exigiu aos réus a entrega do rés-do-chão do referido prédio livre de pessoas e bens. Como estes não o fizeram voluntariamente, intentou contra eles acção judicial que findou com transacção homologada judicialmente no dia 21.1.2013, na qual as partes acordaram pôr fim ao litígio mediante a celebração de um contrato de arrendamento, tendo como objecto o rés-do-chão em causa, contrato que intitularam de “contrato de arrendamento comercial”, tendo o autor como senhorio e os réus como arrendatários, pelo qual o autor declarou dar de arrendamento aos réus o R/C do prédio supra referido, o qual se destina a continuar a ser dado a exploração do comércio de restauração, mediante a renda mensal de € 500,00. Na cláusula 4ª estabeleceram que: “os inquilinos poderão fazer as obras necessárias à adaptação ou ao aperfeiçoamento do local arrendado ao fim a que se destina, mas tais obras serão feitas à sua custa e ficarão pertença do arrendado, ficando também a cargo dos inquilinos todas as obras e licenças necessárias à actividade para a qual o dito rés-do-chão é arrendado”. Na cláusula 5ª estabeleceram que “o senhorio compromete-se a diligentemente providenciar pela instalação de um contador de electricidade no primeiro andar do mencionado prédio, por forma a que a contagem do consumo de electricidade no referido primeiro andar fique independente do rés-do-chão”. Na cláusula 11ª consta: “os inquilinos poderão trespassar o dito estabelecimento comercial, avisando o senhorio no prazo legal”.
Mais ainda, autor e réus deram “como perfeitamente regularizada a detenção que estes tiveram até à data do mencionado rés-do-chão, encontrando-se feitas as contas entre si com os montantes depositados pelos Réus na Banco 1... a título de rendas, pelo que nada têm a haver uns dos outros relativamente à referida detenção”.
Com este resumo, podemos desde já concordar com a afirmação do Tribunal recorrido que estamos perante, não um contrato de arrendamento de imóvel, mas sim um contrato de locação de estabelecimento, previsto no art. 1109º CC.
O estabelecimento comercial é pacificamente reconhecido como sendo uma universalidade de facto e de direito. E esta realidade a que se chama estabelecimento comercial é constituída por vários elementos variáveis e como afirma o Prof. Ferrer Correia “não compreende só as mercadorias, matérias primas, máquinas, os instrumentos produtivos, mas também bens imateriais (créditos, marcas, patentes de invenção, o nome comercial, o direito de uso e fruição de um imóvel por virtude da celebração de um contrato de locação, e certas situações ou relações de facto com relevo económico (o crédito de que goza o estabelecimento, a clientela que possui) – enfim, o aviamento da empresa” (“Lições de Direito Comercial”, vol I, pág. 229).
Na jurisprudência, entende-se que o estabelecimento comercial constitui um conjunto de vários elementos corpóreos e incorpóreos, uma “sub universitatis”, constituindo uma unidade funcional sob a direcção do titular do estabelecimento, que o afecta a uma actividade comercial (cfr. acórdão do STJ de 15 de Fevereiro de 1977, BMJ, 264, 194).
Os negócios jurídicos de que um estabelecimento comercial é mais frequentemente objecto são o trespasse e a chamada locação de estabelecimento ou cessão de exploração de estabelecimento comercial.
Sendo assim pacífico que entre autor e réus foi celebrado um contrato de locação de estabelecimento, em 2013, cumpre agora averiguar se o autor tem o direito a que se arroga, o de ser indemnizado pelos danos que identificou no seu imóvel após a saída dos réus.
Dispõe o art. 1109º CC (locação de estabelecimento), na redacção da Lei 6/2006 de 27/2: 1- A transferência temporária e onerosa do gozo de um prédio ou de parte dele, em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado, rege-se pelas regras da presente subsecção, com as necessárias adaptações. 2- A transferência temporária e onerosa de estabelecimento instalado em local arrendado não carece de autorização do senhorio, mas deve ser-lhe comunicada no prazo de um mês.
Mas as regras sobre deteriorações no locado e sobre a responsabilidade por elas, como se refere na sentença, constam do regime geral da locação, nos artigos 1043º e seguintes do Código Civil.
Provou-se que em 9/10/2021 o autor pretendeu terminar o contrato, tendo os réus procedido à entrega do imóvel e do estabelecimento comercial referido e restituído as chaves em 27/1/2023.
Quando, após essa data, o autor se deslocou ao imóvel, verificou que os réus tinham retirado diversos dos bens ali existentes, nomeadamente os descritos nas alíneas a) a g) do ponto 19 dos factos provados, e ainda se provou que os réus retiraram também completamente do local toda a instalação de água, e que por todo o arrendado eram visíveis perfurações, sinais de arrancamento de bens das paredes e tectos.
Mas também se provou: que a porta em vidro referida em 16) e os balcões e bancas encastradas no chão e na parede referidos em 17) foram adquiridos e instalados pelos réus, em período não concretamente determinado, mas antes da celebração do acordo referido em 13); que os bens referidos em a), b), e), f), o contador eléctrico, as lâmpadas e as luminárias referidas em g) foram adquiridos e instalados pelos réus, em período não concretamente determinado, mas anteriormente à celebração do acordo referido em 13).
E ainda se provou que as alterações referidas em c) e d) resultaram da utilização do locado ao longo de mais de 60 anos.
O raciocínio jurídico feito na sentença recorrida é este: o autor pretende fazer-se valer do teor dos artigos 1043.º e 1044.º do Código Civil. Dispõe o primeiro dos referidos normativos: “1. Na falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato. 2. Presume-se que a coisa foi entregue ao locatário em bom estado de manutenção, quando não exista documento onde as partes tenham descrito o estado dela ao tempo da entrega.”
Quanto ao artigo 1044.º, prevê o seguinte: “O locatário responde pela perda ou deteriorações da coisa, não exceptuadas no artigo anterior, salvo se resultarem de causa que lhe não seja imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização dela.”
Explicando este regime legal, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, in CC anotado, que “em relação aos arrendamentos de prédios urbanos, deve confrontar-se este artigo com o preceituado no art. 1092º. O artigo 1043º refere-se às deteriorações resultantes de uma prudente utilização da coisa locada; são estas que não são da responsabilidade do arrendatário. O artigo 1092º refere-se às deteriorações realizadas voluntariamente pelo inquilino; estas são da sua responsabilidade, devendo fazer as reparações necessárias antes da entrega do prédio. A estas segundas deteriorações -causadas no soalho, tecto ou paredes para conforto do inquilino- se referia o artigo 41º do Decreto nº 5411”. E mais adiante: “o artigo 1043º tem manifestamente em vista as deteriorações provenientes do uso (bom ou mau, prudente ou imprudente) da coisa. Quanto às deteriorações provenientes de uma utilização normal da coisa, conforme aos fins do contrato, isenta-se o locatário de as reparar na altura em que restitui a coisa locada. Indirectamente, prescreve-se o dever de reparar as deteriorações causadas por um uso imprudente, quer do locatário, quer das pessoas a quem este tenha permitido a sua utilização. Quanto às deteriorações provocadas pelo desgaste do tempo (caixilharia apodrecida, pinturas estragadas, fendas nos tectos, nas paredes, nos soalhos, etc) por maioria de razão se deve entender que não obrigam o locatário, no momento da restituição. É essa a doutrina exposta no artigo 1044º”.
Como o Tribunal recorrido recorda, e bem, “a responsabilidade do arrendatário está sempre ligada a um comportamento negligente, culposo, sendo de rejeitar a ideia de uma espécie de responsabilidade objectiva do locatário.” – Acórdão do TRP de 09-12-2004 (proc. 0436434).
Com base nestas regras, não vemos que a decisão recorrida mereça censura, pelo menos aquela que o recorrente pretende.
É que, como a sentença logo realça, há aqui um outro aspecto essencial para a solução: “é que autor e réus celebraram no fundo um contrato de locação de estabelecimento comercial, relativamente a um estabelecimento comercial que já era explorado pelos réus anteriormente (ou desde) o ano de 1993 – ou seja, há mais de 30 anos, por referência à data do término do contrato de arrendamento”.
Daqui seguiu-se a constatação que grande parte dos componentes e bens retirados do imóvel tinham sido adquiridos e instalados no imóvel pelos próprios réus, em altura que não se conseguiu determinar, mas anteriormente à celebração do contrato de arrendamento com o autor. Este facto torna inaplicável ao caso a cláusula 4ª supra referida, segundo a qual “os inquilinos poderão fazer as obras necessárias à adaptação ou ao aperfeiçoamento do local arrendado ao fim a que se destina, mas tais obras serão feitas à sua custa e ficarão pertença do arrendado …”.
A sentença recorrida continua referindo e bem que não se podem ter como “deteriorações”, para efeitos dos artigos 1038.º, al. d), 1043.º, e 1044.º do Código Civil, a circunstância de os réus retirarem do imóvel bens adquiridos e instalados no imóvel por eles próprios anteriormente à celebração do contrato de arrendamento com o autor.
A excepção a esta afirmação é a “instalação eléctrica (que serão sobretudo os fios e tomadas, já que os réus não provam que tenham sido eles a instalar estas partes em particular), mas não os restantes bens, posto que os réus provam assim que não houve qualquer falta de cuidado na manutenção do locado”. Afirmação que igualmente não merece censura.
Por outro lado, lê-se na sentença que “existem naturalmente certos danos que são decorrentes da utilização prolongada de um espaço como estabelecimento comercial, mormente alguns vidros partidos e estalados, conforme foi explanado na fundamentação da matéria de facto, que se podem assim reconduzir aos danos derivados do uso normal do locado; contudo, considerando que era obrigação dos réus restituir o locado conforme se encontrava, e se se pode considerar que tinham direito a reaver os bens que haviam ali instalado, já também lhes assistia a obrigação de, no mínimo, reparar os locais onde ficaram marcas de arrancamento e desencastramento (por força do disposto no art. 1073º,2 CC).
E também concordamos com o assim decidido.
O recorrente afirma que o Tribunal se alheou dos factos que considerou provados em 3, 5, 6, 7, 11, 12, 13, 14 e 17.
Não podemos concordar. O que sucede é que nesta acção em que o autor pede uma indemnização aos réus, importa atender ao contrato entre ambos celebrado, de onde advirá a definição dos direitos das partes, e não em eventos passados e já ultrapassados, nomeadamente relações jurídicas que não envolveram o ora autor e recorrente. Foi o que fez o Tribunal recorrido, e quanto a nós, bem.
Afirma o recorrente que “atendendo ao teor do contrato de concessão de exploração, ao teor da transacção celebrada entre as partes no Tribunal e ao facto de o douto Tribunal entender que as partes podem livremente celebrar transacções desde que não contrárias à Lei, não se entende como é que pôde dar como provado o referido em 21). E por isso entende que deve alterar-se a interpretação dada a esse facto).
Recordemos que o facto provado 21 é este:
“Os bens referidos em a), b), e), f), o contador eléctrico, as lâmpadas e as luminárias referidas em g) foram adquiridos e instalados pelos réus, em período não concretamente determinado, mas anteriormente à celebração do acordo referido em 13)”.
Não compreendemos qual o problema interpretativo que o recorrente aqui encontrou. Este facto provado é, passe o pleonasmo, exclusivamente factual, e como tal, a sua interpretação não envolve qualquer subjectivismo, sendo, salvo melhor opinião, linear.
Afirma ainda o recorrente que os danos que se verificaram no imóvel aquando da sua entrega, não resultam de uma utilização normal, mas sim de um acto de vandalismo.
Só que aí já não estamos perante uma interpretação dos factos provados, mas perante um facto que não resultou provado. A prática pelos réus de actos de vandalismo (conceito muito específico) deveria ter sido alegada e provada pelo autor, o que não sucedeu.
De seguida a sentença conclui, analisando o orçamento que o autor apresentou, que estará em causa a pintura e lavagem das paredes e tectos, de modo a remover as marcas de arrancamento, bem como a colocação parcial da instalação eléctrica. E como o orçamento em causa não discrimina item a item os trabalhos a operar, o Tribunal recorreu a critérios de equidade, à falta de outros elementos, dentro do limite do que se provou, nos termos do artigo 566º,3 CC. E assim, considerando o valor global do orçamento, que corresponde a 15 itens, podendo-se atribuir um preço igualitário de €1.551,84 a cada um, afigura-se justo e razoável o pagamento de €2.500,00 para reparação dos danos que efectivamente se podem considerar deteriorações ilícitas do arrendado.
Também não discordamos deste julgamento.
Entramos agora na determinação em concreto das deteriorações que o Tribunal considerou merecedoras de reparação. E são elas: a) a instalação eléctrica (os fios e as tomadas); b) reparação dos locais onde ficaram marcas de arrancamento e desencastramento.
E, recorrendo a regras de equidade, o Tribunal fixou o valor devido em €2.500,00 para reparação dos danos que efectivamente se podem considerar deteriorações ilícitas do arrendado.
Afirma o recorrente que tendo ficado provado que os recorridos retiraram completamente toda a instalação eléctrica e de água, também deviam ter sido condenados a refazer a instalação de água.
E com efeito, aqui assiste-lhe razão. Com o mesmo fundamento exposto pelo Tribunal recorrido para a instalação eléctrica, a mesma solução tem de ser dada à instalação de água, por ter ficado provado no ponto 23 que os réus retiraram também completamente do local toda a instalação de água, sem ter ficado provado que foram eles que a instalaram toda no local.
Afirma ainda o recorrente que não se entende como foram os recorridos obrigados à colocação parcial da instalação eléctrica, se o Tribunal considerou provado em 23 que os recorridos retiraram a totalidade da instalação eléctrica.
Aqui já não podemos dar-lhe razão. Ficou cabalmente explicado na sentença que se por um lado se provou que os réus arrancaram o contador eléctrico referente ao rés-do-chão e todas as instalações eléctricas do imóvel, incluindo as tomadas, lâmpadas e as luminárias existentes, também ficou provado que o contador eléctrico, as lâmpadas e as luminárias referidas foram adquiridos e instalados pelos réus antes da transacção referida em 13. Daí a obrigação de colocação parcial da instalação eléctrica (fios e tomadas).
Afirma também o recorrente que a quantificação das obras de reparação e pintura das paredes, para eliminar os sinais de arrancamento e desencastramento deve ser feita não no montante de €1.551,84 fixado na sentença, mas sim condenando os recorridos no pagamento da quantia de €10.862,88.
Ora, o Tribunal recorrido baseou-se no orçamento que o autor apresentou, e se teve por integralmente reproduzido. E considerando que nele não se discrimina item a item os trabalhos a operar, recorreu à equidade, dentro do limite do que se provou, nos termos do artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil. E considerando o valor global do orçamento, que corresponde a 15 itens, atribuiu um valor de €1.551,84 a essas obras de reparação e pintura das paredes.
Olhando para o orçamento em causa, vê-se com efeito que a obra de limpeza e reparação das paredes, tectos e vigas com massamento nos buracos e fendas não está quantificada de per si, mas antes em conjunto com tudo o mais.
Não percebendo onde o recorrente foi buscar o valor agora peticionado, que quase iguala o valor global do orçamento nesta parte, entendemos que a fixação que o Tribunal recorrido fez do valor em causa se mostra justa e equilibrada, não havendo pois razões para a alterar.
Finalmente, e considerando que o valor de € 2.500,00 abrange igualmente a instalação eléctrica parcial, e a esse valor importa ainda acrescentar o valor necessário para reparar a instalação de água, recorrendo ao mesmo critério que tem vindo a ser seguido, entendemos justo o valor de € 1.000,00 para a realização do ramal das águas descritas no orçamento, ficando assim o valor total em € 3.500,00.
O recorrente (autor) pede ainda que a sentença proferida seja substituída por uma que condene os recorridos ao pagamento da quantia mensal de €500,00, entre Fevereiro de 2023 a Janeiro de 2024, inclusive, o que totaliza a quantia de €6.000,00.
Considerando que o contrato de arrendamento cessou porque o autor assim o quis e os réus entregaram o imóvel e o estabelecimento comercial e restituíram as chaves em 27/01/2023, a que título poderia o autor ter direito a receber essa quantia equivalente à renda mensal ?
Ele alegou na petição inicial que por virtude da celebração do contrato de arrendamento na transacção acima referida, recebia a renda de €500,00 mensais. Porém, desde Janeiro de 2023 e até que sejam feitas as obras necessárias à reposição do arrendado no estado em que se encontrava, deixou de auferir a referida renda. Por isso pediu que os réus fossem condenados a pagar-lhe a referida quantia mensal de €500,00 pois foi apenas e só a sua conduta que impediu que este recebesse esse valor pelo arrendamento do mesmo.
A sentença recorrida enquadrou a questão como sendo uma questão de nexo de causalidade, por se referir a um benefício que o autor poderia ter obtido mas que não obteve. E recordou que o artigo 563º CC dispõe que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Depois refere-se à teoria da causalidade adequada, em termos que são sobejamente conhecidos, e que nos dispensamos de repetir aqui. Para concluir que “no caso dos autos é certo que o autor esteve impossibilitado de utilizar ou arrendar o imóvel, por força do estado em que o mesmo se encontrava aquando da sua restituição. Porém, não ficou assente que se possa imputar tal impossibilidade aos réus, considerando que aos mesmos assistia o direito de retirar os bens existentes no locado, conforme se referiu, na medida em que lhes pertenciam, para além de se tratar de um local utilizado frequentemente como estabelecimento comercial ao longo de mais de 60 anos (pelos réus, e antes disso por DD), sendo natural a existência de alguma deterioração, a existência de manchas, marcas de móveis, obras que teriam sempre de ser executadas, retirando os réus todos os equipamentos que lhes pertenciam, natural se mostra que o imóvel não se quedasse em condições de ser de imediato arrendado, e carecesse de algumas obras de manutenção e conservação”.
Escreve-se ainda na sentença que “resulta até das regras da experiência e da normalidade que um imóvel utilizado durante muitas décadas com frequência revele sinais de deterioração ou desgaste, que são naturais com o decurso do tempo; se o senhorio decide (e bem, naturalmente), realizar obras com o fito de reparar tais deteriorações naturais, não se pode imputar o tempo em que o imóvel ficou sem rentabilidade ao inquilino anterior”.
E esta Relação corrobora o assim decidido, dando por reproduzida a argumentação da primeira instância. Apenas consideramos que, mais do que uma questão de nexo de causalidade, se trata de uma questão de falta de culpabilidade.
Podemos resumir dizendo: o senhorio fez cessar o contrato de arrendamento. O locado não estava em condições de ser de novo imediatamente arrendado devido à sua situação de deterioração, que ficou supra provada, e que envolvia a deterioração inerente a 60 anos de uso como estabelecimento comercial, e à retirada pelos réus dos materiais que lhes pertenciam. Ora, as reparações que se revelaram necessárias são de facto a causa directa e adequada de o autor não ter podido arrendar logo o espaço em causa, mas, pelo que já ficou dito, não podem ser imputadas a culpa dos réus, a não ser na estrita medida referida supra, que levou à procedência parcial da acção. Grande parte das deteriorações decorreu do exercício do direito por parte dos réus de levantar o que lhes pertencia. Daí a inexistência de culpa dos réus na necessidade de recuperar o locado antes de o arrendar de novo.
Também aqui o recurso improcede.
Assim, o recurso do autor procede apenas parcialmente, devendo os réus ser condenados a pagar a quantia de € 3.500,00.
2.B.Recurso dos réus
Afirmam os recorrentes que o Tribunal recorrido, numa situação destas, não podia fixar qualquer valor através de juízos de equidade. E muito menos apoiando-se no orçamento junto pelo autor, pois além do mesmo ter sido impugnado pelos aqui recorrentes e dado como não provado.
Pensamos que os recorrentes incorrem em lapso manifesto pois o facto provado 24 contém justamente que “o autor solicitou a emissão do orçamento junto como doc. 30 com a petição inicial, cujo teor integralmente se reproduz, para elaboração das obras que desejava fazer no locado, no valor total de €23.277,75”. Podemos dizer que é apenas um orçamento apresentado, que poderia haver outros, que aqueles valores correspondem ou não aos valores correntes no mercado, mas tal discussão, salvo melhor opinião, seria estéril. Este orçamento ficou provado, e os réus não provaram que o mesmo esteja inflacionado face aos valores correntes.
Quanto à admissibilidade do recurso à equidade:
É verdade que o art. 4º CC dispõe que os tribunais só podem resolver segundo a equidade: a) quando haja disposição legal que o permita. Sucede que o Tribunal recorrido apontou desde logo qual a norma jurídica que o permite, e que é o art. 566º,3 CC, segundo o qual “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
Ora, os recorrentes afirmam que “não se vislumbra que fosse viável recorrer ao mecanismo do incidente de liquidação (art.º 378.º nº 2 e 47.º nº 5, do CPC), uma vez que o recorrido teve a sua oportunidade de fazer a prova do valor dos danos que alegou, e não fez. Logo, não é lícito, porque a prova soçobrou, conferir-lhe, em desigualdade de armas, uma nova oportunidade”.
Com efeito, entendemos que não faria sentido conceder ao autor uma nova oportunidade de fazer a prova discriminada dos danos que sofreu. Seria um atentado à economia processual. Ele provou a existência dos danos, e o problema apenas se coloca quanto à sua quantificação, ao seu valor monetário.
Parece-nos uma situação que cabe em pleno na previsão do citado artigo 566º,3 CC.
Assim, entendemos que o recurso à equidade para encontrar o valor justo não só não é ilegal, como é a melhor solução, se não mesmo a única solução, pois não se vislumbra outra mais rigorosa no caso dos autos.
A argumentação dos recorrentes é típica dos sistemas jurídicos da “Civil Law Tradition”. Nos Estados Unidos da América e no Reino Unido, apenas para dar dois dos exemplos mais conhecidos da Common Law, o Juiz tem o poder de decidir os casos que lhe são submetidos através da equidade. Ao invés, Portugal insere-se no conjunto dos países da Civil Law tradition, nos quais a certeza jurídica foi erigida como um valor jurídico quase absoluto. O que significa que o Juiz não tem o poder de decidir os casos que lhe são apresentados com base na equidade, o que permitiria mitigar a dureza da solução abstracta prevista na lei com considerações de justiça no caso concreto. Afinal, a equidade é a justiça do caso concreto. Porém, ela implica a concessão de um poder discricionário ao Juiz, coisa que os países desta tradição legal abominam. Ao contrário dos Juízes Anglo-Saxónicos, que dispõem desse poder irrestrito, os Juízes Portugueses (e da Europa continental, em geral) apenas têm esse poder em casos pontuais, essencialmente quando uma norma jurídica proveniente do poder legislativo o confira.
É justamente, como acabámos de ver, o caso destes autos. Assim, o Tribunal recorrido andou bem e com cobertura legal, ao decidir o caso mediante o recurso a juízos de equidade, deixando ficar para trás o fardo imposto pelo positivismo obcecado e desconfiado que tem as suas raízes históricas na revolução francesa, e que tem vindo gradualmente a perder influência de década para década.
Em conclusão, o recurso principalprocede parcialmente e o recurso subordinadoimprocede na íntegra.
Sumário:
… V- DECISÃO
Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso principal (do autor) parcialmente procedente e o recurso subordinado (dos réus) totalmente improcedente, e em consequência, alterando a sentença recorrida, condena os réus a pagar ao autor a quantia de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data de restituição do imóvel ao autor até efectivo e integral pagamento.
Custas na proporção do vencido (art. 527º,1,2 CPC)