Encontra-se ultrapassada a solução que permitia a introdução de um incidente de reclamação de nulidades ou de pedido de reforma entre a decisão recorrida e o requerimento de interposição de recurso. 2. Não pode a reclamante cindir o prazo de arguição de nulidades e o prazo de interposição do recurso e pretender que a reclamação para a conferência suspende o prazo de interposição do recurso. 3. O recurso de uniformização não pode ser admitido quando formulado numa reclamação ex artigo 643.º CPC, aliás já objecto de convolação, por ter sido dirigida ao Presidente do STJ.
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AA recorreu de revista do Acórdão 24 de Outubro de 2024, do Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou improcedente o recurso de apelação por si apresentado.
Sobre essa pretensão foi proferido o seguinte despacho:
Vem a R./apelante «interpor recurso contra o douto acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, que é de Revista», sem explicitar se se trata do acórdão de 24/10/2024, pelo qual a apelação foi julgada improcedente, com confirmação da sentença da primeira instância, ou se se trata do acórdão de 19/12/2024, pelo qual foi julgada a arguição de nulidade do acórdão de 24/10/2024, apresentada pela R./apelante com o seu requerimento de 7/11/2024.
Estando em causa processo urgente (por força do nº 10 do art.º 15º-S do NRAU), e caso se entenda que a R./apelante visa a impugnação do decidido pelo acórdão de 24/10/2024, o recurso mostra-se apresentado após o termo do prazo de 15 dias a que alude o 638º, nº 1, do Código de Processo Civil, o que determina a sua rejeição, nos termos da al. a) do nº 2 do art.º 641º do Código de Processo Civil. Com efeito, o acórdão de 24/10/2024 foi notificado à R./apelante por comunicação electrónica de 24/10/2024, tendo-se a notificação por efectuada em 28/10/2024 (art.º 248º, nº 1, do Código de Processo Civil), e tendo então o prazo de 15 dias em questão terminado em 12/11/2024.
Já no caso de se entender que a R./apelante visa a impugnação do decidido pelo acórdão de 19/12/2024, o mesmo só admitiria recurso de revista nos termos dos nº 1 a 3 do art.º 671º do Código de Processo Civil. Mas como a decisão que conheça da nulidade oposta a acórdão da Relação não está aí contemplada, não é admissível recurso de revista do acórdão onde tal nulidade foi conhecida. Pelo que nos termos da al. a) do nº 2 do art.º 641º do Código de Processo Civil é igualmente de rejeitar o recurso.
Por outro lado, não se pode afirmar que a parte que decaiu na apelação e que arguiu a nulidade do acórdão respectivo tem a faculdade de interpor recurso de revista do mesmo após a notificação da decisão da conferência que conheceu tal arguição de nulidade.
É que decorre da conjugação dos art.º 666º e art.º 615º, nº 4, ambos do Código de Processo Civil, que as nulidades opostas ao acórdão que julga o recurso de apelação devem ser arguidas perante o Supremo Tribunal de Justiça no recurso de revista interposto daquele acórdão, e só devem ser arguidas perante o Tribunal da Relação quando não haja lugar à interposição do recurso de revista.
Como explicam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 737), “a lei não deixa margem para tergiversações, sendo a solução legal sustentada no anterior uso abusivo do incidente de arguição de nulidades que, por esta via radical, se procurou sancionar”.
O que significa, no caso concreto, que se a R./apelante pretendia interpor recurso de revista do acórdão de 24/10/2024, era aí que tinha de ter arguido a nulidade do mesmo acórdão, e não por via incidental e perante este Tribunal da Relação, como o fez, com a consequente extinção do direito à interposição desse recurso de revista.
O que conduz, igualmente, a afirmar a inadmissibilidade do recurso de revista ora interposto.
Assim, e nos termos do disposto no art.º 641º, nº 2, al. a), do Código de Processo Civil, indefere-se o requerimento de interposição de recurso apresentado pela R./apelante em 3/1/2025.
Notifique».
Contra este despacho reclamou a apelante para o presidente do STJ, nos seguintes termos:
1. Resulta da douta decisão reclamanda que nas alegações e nas conclusões a Reclamante não refere uma única norma processual que sustente a admissão do recurso.
2. Refere ainda que se conclui que o Recurso está em contradição com o Ac. TRL.
3. Ora a Reclamante para além dessa referência, menciona nas alegações a referência a o artigo 734º do CPC.
4. Requer que seja proferido Acórdão Uniformizador do qual deve constar qual a posição a tomar quanto às obras necessárias que naturalmente não podem ser retiradas; bem como quanto ao direito da Recorrente de invocar as compensação da indemnização sobre o valor das rendas vincendas.
5. Por último, é manifesto que a colocação do agregado na rua constitui matéria de enorme relevo social militando tal ponderação a favor da admissibilidade do recurso para o STJ.
Termos em que deve a presente Reclamação ser admitida, julgada procedente por provada e por via dela ser ordenado conhecimento Recurso ao STJ para que seja proferido um Acórdão Uniformizador».
Convidada a esclarecer o teor da sua reclamação, a reclamante veio dizer o seguinte:
«1.º Em primeiro lugar, resultadaReclamação quenaturalmente dápor reproduzido o Recurso e as conclusões que é inúmera a matéria de direito, designadamente: artigo 216º, 1273º, 1275º do CC; artº 205º da CRP; artº 20 da CRP pelo que e sabendo-se que relevante para a parte é alegar facto e para o Tribunal conhecer do direito.
2º. Tal recurso, visa sindicar o Acórdão do Tribunal da Relação de 24/10/2024, sendo que naturalmente a Reclamação para a Conferência, deliberada em 9/12/2024, suspendeu o prazo de Recurso, pelo que o mesmo é tempestivo.
3º. Quanto à decisão Reclamanda, importa esclarecer que respeita exclusivamente à não admissão do recurso interposto em 3 de Janeiro de 2025.
4º. Quanto à Reclamação, a mesma incide ou reproduz as conclusões do recurso, sendo claro o pedido de produção de Acórdão uniformizador relativo ao direito de indemnização do arrendatário quanto a obras necessárias que não podem ser retiradas, dando-se aqui por reproduzidos os artigo alegado em 1º, o mesmo requerendo quanto à compensação do valor da indemnização sobre o valor das rendas vincendas;
5º. Por ultimo, existe um lapso na indicação do artº734º quando se pretendia invocar o artº 672º do CPC mas esse lapso é apenas formal pois que o conteúdo esta correto, ou seja, foi alegado que esta em causa interesses de particular relevância social quando se concretiza que a colocação do agregado que, recorde-se é um casal jovem com filhos menores pura e simplesmente na rua, sem que ante o Tribunal tenha ordenado à Camara Municipal a atribuição prévia de uma casa condigna.
6º. Recorde-se que foi invocada ainda a garantia constitucional do Direito Habitacional que é de aplicação imediata e encontram-se propalado em vários diplomas legais e posturas municipais que na atribuição de uma casa social têm direito de preferência os agregados que se encontrem em processo de despejo, o que nos presentes autos tem pura e simplesmente sido ignorado, o que se lamenta.
Termos em que deve ser ordenada Admissão e julgada a procedência da Reclamação ordenando-se à primeira instância que para evitar tal relevância social seja ordenado à Camara Municipal de Cascais, que terá condições para o efeito para procederem à atribuição imediata de uma casa social digna à Requerente e respetivo agregado familiar que foi opositor a vários concursos de forma ingloriosa».
Feito tal esclarecimento, foi proferida a seguinte decisão (aditam-se agora números aos parágrafos, para melhor sistematização):
«1. Como se lê no Ac. STJ de 11.11.2020, Proc. 6854, «há muito se encontra ultrapassada a solução que permitia a introdução de um incidente de reclamação de nulidades ou de pedido de reforma entre a decisão recorrida e o requerimento de interposição de recurso.
O disposto nos arts. 615º, nº 4, e 616º, nº 2, do CPC, não deixa qualquer margem para dúvidas quanto à necessidade de introduzir o pedido de reforma ou a arguição de nulidades da decisão no próprio recurso.
2.Tão pouco suscita dúvidas o art. 638º, nº 1, a respeito do início da contagem do prazo de interposição de recurso».
3.Neste contexto, queda extemporâneo o recurso interposto do acórdão de 24.10.2024 em 5.3.2025.
5.Na verdade, tratando-se de processo urgente, «o recurso mostra-se apresentado após o termo do prazo de 15 dias a que alude o 638º, nº 1, do Código de Processo Civil, o que determina a sua rejeição, nos termos da al. a) do nº 2 do art.º 641º do Código de Processo Civil.
Com efeito, o acórdão de 24/10/2024 foi notificado à R./apelante por comunicação electrónica de 24/10/2024, tendo-se a notificação por efectuada em 28/10/2024 (art.º 248º, nº 1, do Código de Processo Civil), e tendo então o prazo de 15 dias em questão terminado em 12/11/2024».
6. Não tem, por conseguinte, qualquer razão a reclamante quando pretende cindir o prazo de arguição de nulidades e o prazo de interposição do recurso, e quando alega que «a Reclamação para a Conferência, deliberada em 9/12/2024, suspendeu o prazo de Recurso».
7. A reclamante requer que seja proferido Acórdão Uniformizador do qual deve constar qual a posição a tomar quanto às obras necessárias que naturalmente não podem ser retiradas; bem como quanto ao direito da Recorrente de invocar as compensação da indemnização sobre o valor das rendas vincendas.
8. O recurso de uniformização não pode ser admitido quando formulado numa reclamação ex artigo 643.º CPC, aliás já objecto de convolação, sendo certo que a recorrente a dirigiu ao Presidente do STJ.
9. O recurso de uniformização de jurisprudência é um recurso extraordinário (artigo 627.º, 2 CPC), com um regime próprio, mormente em sede de instrução (artigo 690.º CPC), requisitos que não se mostram preenchidos no caso sujeito.
10. E não se diga que a reclamante quis interpor recurso de revista excepcional, porquanto só agora faz uma alusão, aliás genérica, ao artigo 672.º CPC.
11. Por fim, não vale invocar a «garantia constitucional do Direito Habitacional», realmente com tradução em diversos aspectos do regime recursivo (cfr. artigo 629.º, 3 CPC) mas que não contempla a garantia de um terceiro grau de jurisdição.
Pelo exposto, indefiro a reclamação e, consequentemente, mantenho o despacho reclamado».
A recorrente reclama agora para a conferência, nos seguintes termos:
«Queiram os Exmos. Conselheiros deliberar sobre o seguinte:
1º Deve ou não ser admitido o Recurso que não foi admitido por alegada falta de matéria de direito quando, na verdade, se alude/transcrevem parcialmente os seguintes artigos, 216º, 1273º, 1275º, todos do CC e art.º 20º e 205º ambos da CRP? Será tal alegação bastante?
2º Será que anterior Reclamação para a Conferência foi adequada a suspender o prazo para a Interposição do Recurso? Ou, será que a Ida à Conferência não tem qualquer efeito no decurso de qualquer prazo?
3º Prestado o esclarecimento de que a decisão Reclamanda respeita exclusivamente à não admissão do Recurso interposto em 3 de Janeiro de 2025, poderão as Conclusões do Recurso ser bastantes para o pedido de produção de Acórdão Uniformizador relativo ao pedido de condenação da indemnização pelo valor gasto com as obras necessárias indispensáveis à dignidade do gozo do locado?
4º Confessado o lapso na indicação do artº734º quando o que se pretendia era indicar o artº672º do CPC e verificado que na substância sempre foi este o último artigo o invocado, deverá ou não considerado interesse de particular relevância social a colocação de um agregado jovem, com três filhos menores, com 10, 7 e 3 anos de idade, independentemente da sua origem?
5º Por último, considerando que está a ser feita tábua rasa da garantia legal do direito de preferência na atribuição de uma casa social ao referido casal, deve ou não o Recurso para o STJ ser admitido?
Para tanto deve ser deliberado nos termos expostos»-
Vejamos
1. A reclamação tende a contrariar o despacho reclamado, cujo teor delimita o seu objecto.
Diz o TRP de 8.6.2011, Proc. 823/08.2GBUNG.P2: «Como é sabido o objecto legal da reclamação é a decisão reclamada e não a questão por ela julgada.
Com a reclamação abre-se a reapreciação da decisão sumária – naturalmente com base nos pressupostos, de facto e de Direito, que lhe subjazem.
Assim sendo e, visando a reclamação - como o recurso, de resto – reapreciar a decisão impugnada e não criar decisão sobre matéria nova, não será lícito invocar questões que não tenham sido objecto, já, de apreciação».
Esta afirmação peremptória de que o objecto legal da reclamação é a decisão reclamada e não a questão por ela julgada é feita também, entre outros, pelo TRC 17.12.2014, Proc. 453/10.9GBFND.C1.
.2. O recurso não foi admitido pelas razões invocadas em 1, como resulta da mera leitura do despacho reclamado.
3. A questão levantada em 2, foi respondida nos números 1 e 2 do despacho.
4. A questão formulada em 3 tem resposta nos números 8 e 9 do mesmo despacho.
5. A questão da relevância social da questão, suscitada no número 5, obteve resposta no número 10.
6. Por fim, a questão 6 teve resposta adequada no ponto número 11.
Só com benevolência se dá esta resposta aos quesitos formulados, porquanto quesitos só existiram no nosso ordenamento processual, primeiro dirigidos ao júri e depois, a partir de 1932, ao próprio tribunal de julgamento.
Indefere-se a reclamação e confirma-se a decisão do relator.
Tendo litigado com apoio judiciário, não se responsabiliza a reclamante pelo pagamento de custas.
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. 27.5.2025
Luís Correia de Mendonça (Relator)
Luís Espírito de Santo
Anabela Luna de Carvalho