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CONTRATO PROMESSA
REVOGAÇÃO
INCUMPRIMENTO
SINAL
RESTITUIÇÃO
Sumário
Tendo as partes celebrado um acordo de revogação do contrato promessa em que a ré se obrigava a restituir apenas a quantia entregue a título de sinal, em determinado prazo, a não restituição da quantia nesse prazo, não tem como consequência a repristinação do primitivo contrato promessa, com a obrigação da restituição do sinal em dobro, sendo devida apenas a quantia entregue.
AA, casada, reformada, contribuinte fiscal n.º ...79, titular do cartão de cidadão n.º ..., emitido pela República Portuguesa, residente na Avenida ..., ... ..., propôs o presente processo comum de declaração contra EMP01..., Ld.ª, pessoa coletiva n.º ...80, sociedade anónima, com sede na rua ..., ..., CP ..., ..., peticionado:
. A resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes, por incumprimento definitivo da ré;
. A condenação da ré a restituir à autora a quantia de € 111.600,00, correspondente ao dobro do valor entregue a título de sinal, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados desde 08 de novembro de 2024 até integral pagamento.
Alegou, para o efeito, em síntese, que.
. Entre a autora e a ré foi celebrado, no dia ../../2023, um contrato promessa de compra e venda, mediante o qual a ré prometeu vender a fração correspondente ao ..., com garagem de 19 m2, parte integrante do prédio urbano designado por Lote ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...62 e descrito na CRP ... sob o n.º ...7/... – ...;
. A autora entregou à ré, a título de sinal, a quantia € 55.800,00;
. No dia ../../2024, entre a autora e a ré foi celebrado um acordo de revogação daquele contrato promessa de compra e venda, na sequência da informação prestada pela ré de que não executaria o projeto relativo à fração prometida vender;
. No âmbito desse acordo, a ré obrigou-se a entregar à autora a quantia entregue a título de sinal, o que ainda não ocorreu até à presente data;
. Na sequência do incumprimento do acordo resolutivo, este não produziu os seus efeitos jurídicos, devendo restabelecer-se a integral eficácia do contrato promessa de compra e venda, cuja resolução deverá ser declarada atendendo ao incumprimento definitivo por culpa da ré.
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Regularmente citada, a ré não deduziu contestação.
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Por despacho datado de 05 de fevereiro de 2025, consideraram-se confessados os factos articulados pela autora, na petição inicial – art. 567.º, nº 1, do C.P.C.
Foi observado o disposto no art. 567.º nº 2, do C.P.C.
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Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condenou a EMP01..., Ld.ª a restituir à autora AA a quantia de € 55.800,00 – cinquenta e cinco mil e oitocentos euros-, entregue a título de sinal, acrescida de juros legais, à taxa de 4%, desde o dia ../../2024 e até integral pagamento.
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Inconformada veio a autora recorrer formulando as seguintes conclusões:
- O presente recurso de apelação tem como objeto a matéria de direito da sentença que julgou parcialmente procedente a ação declarativa proposta pela ora recorrente.
- A sentença recorrida, equivocadamente, afastou a aplicação do disposto no artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil, sob o fundamento de que um acordo de revogação de contrato de promessa de venda e compra de um bem imóvel, não cumprido pela Recorrida, portanto ineficaz, afastaria a possibilidade da cobrança da devolução do sinal em dobro pela Recorrente.
- A sentença recorrida, ao conceder plena eficácia ao acordo não cumprido pela Requerida, premia o seu inadimplemento contumaz e referenda o seu comportamento malicioso e antijurídico.
- O entendimento exposto na sentença recorrida, além de violar o disposto no artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil, infringe os princípios da excepção de não cumprimento do contrato (art. 428º, do C.C.), da boa-fé contratual (art. 762º, do C.C.) e o disposto nos artigos 236º, 238º e 334º, todos do Código Civil.
- Ante o exposto, deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente, por provado, revogando-se a sentença recorrida, com a consequente condenação da Recorrida:
1. A restituir à Recorrente a quantia de € 111.600,00, correspondente ao dobro do sinal;
2. A pagar juros de mora de juros moratórios vencidos e vincendos, calculados desde 08/11/2024 até integral pagamento;
3. Ao pagamento das custas do processo e demais encargos legais.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
A única questão a decidir consiste em saber se resolvido um contrato promessa de compra e venda por acordo, acordo este que previa a devolução da quantia entregue, se incumprido este acordo a autora tem direito à restituição do sinal em dobro.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
3.1. Os factos 3.1.1. Factos Provados Na primeira instância foram consideram-se provados os factos constantes da petição inicial, que são os seguintes:
1. Em 04 de julho de 2023, a Autora e a Ré celebraram um Contrato de Promessa de Compra e Venda, no qual a Ré prometeu vender à Autora um imóvel de tipologia ..., situado no ... andar, com garagem de 19m², parte integrante do prédio urbano designado por Lote ..., localizado no Lugar ..., União de Freguesias ... (..., ... e ...),inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...62º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...7/... (...).
2. O contrato estabeleceu que a conclusão e entrega do imóvel seriam efetuadas até ao mês de março de 2025, pelo preço de 279.000,00€, a liquidar da seguinte forma:
● 10.000,00€ em 04/07/2023, para a reserva do imóvel;
● 45.800,00€ à assinatura do contrato, como sinal;
● 223.000,00€ na data da escritura pública.
3. A Autora procedeu ao pagamento do montante inicial de 55.800,00€ (10.000,00€ e 45.800,00€, respetivamente).
4. Em agosto de 2023, a Autora foi informada pela Ré de que o prazo para a entrega do imóvel seria unilateralmente prorrogado para dezembro de 2025.
5. Até ao mês de abril de 2024, a obra permanecia por iniciar, tendo a autora solicitado à ré um cronograma atualizado da obra, sem que lhe fosse fornecida qualquer resposta concreta.
6. Em maio de 2024, a ré informou a autora que, por motivos alheios à sua vontade, o projeto não seria executado.
7. No dia ../../2024, autora e ré celebraram um “Acordo de Revogação de Contrato Promessa Compra e Venda”, pelo qual consignaram, além do mais, que:
“É celebrado, e reciprocamente aceite, o presente acordo de revogação de contrato promessa de compra e venda …o qual se rege pelas seguintes cláusulas: (…):
Cláusula segunda «Acordam ambas as partes, de comum acordo e de livre e espontânea vontade, em revogar o contrato promessa de compra e venda, com efeito a partir da presente data. Cláusula Terceira 1. Não obstante o disposto na cláusula quarta do contrato promessa, acordam os outorgantes, resolver por mútuo acordo e consentimento, o contrato promessa celebrado, sem a verificação de qualquer penalização. 2. Na assinatura do presente acordo, o primeiro outorgante devolve em noventa dias aos segundos outorgantes, o montante entregue por estes a título de sinal e princípio de pagamento, através de transferência bancária…”»
8. Decorrido o prazo a ré não restituiu os valores devidos à autora.
9. Em 20 de outubro de 2024, a autora e seu marido enviaram mensagem de e-mail à ré concedendo novo prazo, 23/10/2024, para o efetivo pagamento da devolução da quantia correspondente ao sinal.
10. Em 07 de novembro de 2024, a autora enviou interpelação extrajudicial à ré exigindo a devolução do sinal pago, em dobro, no prazo de 10 dias.
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3.2. O direito
Considerou o tribunal a quo que o contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes foi objeto de revogação, por contrato subscrito no dia ../../2024, não havendo, por isso, qualquer fundamento para declarar a sua resolução, uma vez que os seus efeitos já cessaram a partir dessa data. Por outro lado, a restituição da quantia entregue a título de sinal foi expressamente prevista no acordo de revogação, sem qualquer outra penalidade, e a circunstância de a restituição não ter ocorrido até à presente data não significa que se possa restabelecer a eficácia do contrato promessa conferindo à autora o direito de obter a restituição do sinal em dobro.
Deste entendimento discorda a autora que considera que o incumprimento da ré da obrigação de devolver o valor correspondente ao sinal pago, no prazo estipulado no acordo de revogação do contrato promessa, torna ineficazes as disposições constantes no referido acordo e, por essa razão, deve ser alterada a sentença, condenando-se a recorrida à devolução em dobro do sinal pago.
Neste segmento, postula que o recurso tem por objeto a apreciação do regime jurídico aplicável ao sinal entregue no contrato-promessa celebrado entre as partes, com especial enfoque no direito à restituição em dobro do valor pago, face ao incumprimento definitivo por parte da ré.
Expostos os termos da questão, podemos adiantar que não assiste razão à recorrente.
A realidade de facto afasta o enquadramento jurídico-normativo efetuado pela autora, pois que em causa não está o regime jurídico aplicável ao sinal no contrato promessa celebrado entre as partes, antes e só os efeitos do incumprimento do acordo de revogação.
Recentrando a questão, atentemos nos factos.
Entre a autora e a ré foi celebrado um contrato promessa de compra e venda, datado de ../../2023, através do qual a ré prometeu vender e a autora prometeu comprar uma fração autónoma.
Por conta do preço acordado, a autora entregou à ré, a título de sinal, a quantia de € 55.800,00.
No dia ../../2024, a autora e a ré celebraram um acordo de revogação daquele contrato promessa, no qual, para o que agora releva, foi consignado que: “É celebrado, e reciprocamente aceite, o presente acordo de revogação de contrato promessa de compra e venda …o qual se rege pelas seguintes cláusulas: (…): Cláusula segunda Acordam ambas as partes, de comum acordo e de livre e espontânea vontade, em revogar o contrato promessa de compra e venda, com efeito a partir da presente data. Cláusula Terceira 1. Não obstante o disposto na cláusula quarta do contrato promessa, acordam os outorgantes, resolver por mútuo acordo e consentimento, o contrato promessa celebrado, sem a verificação de qualquer penalização. 2. Na assinatura do presente acordo, o primeiro outorgante devolve em noventa dias aos segundos outorgantes, o montante entregue por estes a título de sinal e princípio de pagamento, através de transferência bancária…”
Deste quadro factual resulta que o contrato promessa foi objeto de revogação, por contrato subscrito no dia ../../2024, não havendo, por isso, qualquer fundamento para declarar a sua resolução, uma vez que os seus efeitos já cessaram a partir dessa data.
E é relativamente a este acordo revogatório que jurídico-normativamente a questão terá de ser apreciada.
A revogação constituiu uma forma de extinção dos contratos e tem acolhimento normativo no art. 406.º, do Código Civil. Desta norma resulta que o contrato pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes. Estamos perante o que os autores designam por um mútuo dissenso (contrarius consensus), que opera pelos próprios contraentes, de forma livre e sem necessidade de causa justificativa. Este ato consiste na destruição voluntária da relação contratual pelos próprios autores do contrato, caracterizando-se, precisamente, por assentar no acordo dos contraentes à celebração do contrato, com sinal oposto ao primitivo (no contrarius consensus).
Refere, a propósito, Galvão Telles, que a revogação consiste na livre destruição dos efeitos de um acto jurídico por vontade do seu ou seus autores, com ou sem retroactividade. É um acto discricionário, porque não depende de funcionamento especial. Resulta do livre querer dos sujeitos, que, assim deram vida ao acto no exercício da sua autonomia, assim também lha tiram, no exercício da mesma autonomia. Por definição, não está subordinada a justa causa, nem requer, em caso algum, a intervenção do tribunal. A revogação pode ser bilateral ou unilateral: a primeira dá-se quando o contrato se extingue por mútuo consentimento dos contraentes, que de acordo o desfazem, só para o futuro ou também no pretérito (contrarius consensus): Cód. Civil, art. 461.º, n.º 1; a segunda verifica-se quando, excepcionalmente, é reconhecida a uma das partes a faculdade de, por si, dar sem efeito o contrato igualmente com ou sem retroactividade.
Por outro lado, a restituição da quantia entregue a título de sinal foi expressamente prevista no acordo de revogação. Neste acordo as partes expressamente convencionaram que o termo do contrato promessa ocorreria sem a verificação de qualquer penalidade e que a ré se obrigava a restituir apenas a quantia entregue a título de sinal, no prazo de noventa dias.
O facto desta restituição não ter ocorrido na data prevista não tem como consequência a repristinação do primitivo contrato promessa. Esse efeito não foi previsto pelas partes (ao invés foi afastado), nem decorre da lei.
Assim, decidiu corretamente o tribunal a quo ao desatender a pretensão da parte, considerando que a não restituição da quantia entregue não significa que se possa restabelecer a integral eficácia do contrato promessa de compra e venda originário, dando-se sem qualquer efeito o contrato de revogação celebrado posteriormente, com vista a resolver aquele por incumprimento definitivo imputável à ré e a obter a restituição em dobro da quantia entregue a título de sinal.
Nestes termos, como bem decidido, a autora tem direito apenas ao pagamento da quantia correspondente ao sinal entregue conforme o acordado no contrato de revogação do contrato promessa.
Termos em que improcede a apelação.
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IV - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação pela Recorrente (artigo 527.º, do CPC).