I - Entre o crime de violência doméstica (artigo 152.º CP) e os crimes que correspondem aos atos parciais repetidos, estabelece-se uma relação de concurso aparente, onde os comportamentos que integram a prática da violência doméstica deixam de ter relevância jurídico-penal autónoma.
II - Ora, a conduta de arrancar o acessório do porta-chaves foi perpetrada no mesmo contexto que as condutas subsumíveis ao crime de violência doméstica, estando a vítima já protegida por esta norma (artigo 152.º CP).
III - O ato de arrancar o acessório em forma de “estrela” que existia acoplado ao porta-chaves da ofendida não visou a “apropriação para si” do indicado acessório, no sentido de dele se tornar dono, antes visou “apenas” exibir tal objeto ao então namorado da ofendida e assim provocar o termo desta relação de namoro. Comportamento este que, tal como os demais provados, ainda e também se integra na prática do crime de violência doméstica pelo qual o recorrente foi condenado.
IV - Não se surpreende na conduta do arguido um animus de apropriação ou apenas nocendi relativamente ao porta-chaves.
V - O período probatório deve ser estendido para além do limite da concreta pena aplicada, de molde a garantir que, nesse período alargado de suspensão da execução da pena, é devidamente interiorizado o desvalor da conduta, e, mais do que isso, se muna o arguido de um lastro valorativo que garanta um ne peccetur, a consolidação axiológica da igualdade e do respeito pela autonomia volitiva do outro.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este – Juízo Central Criminal de Penafiel-J2
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
No âmbito do Processo Comum coletivo nem epígrafe id. a correr termos no Juízo Central Criminal de Penafiel-J2, foi decidido:
« A. Pena principal
1. Absolver o arguido AA da prática de
– um (1) crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada, previsto e punido pelo artigo 190.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3, do Código Penal;
– dois (2) crimes de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal; e
– um (1) crime de coação, previsto e punido pelo artigo 154.º, n.º 1, do Código Penal,
que lhe eram imputados.
MAS
2. Condenar o arguido AA pela prática, como autor imediato e em concurso efetivo, de
– um (1) crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, als. a) e b), do Código Penal, na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão;
– um (1) crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de dois (2) anos e um (1) mês de prisão,
condenando-o, em cúmulo destas, na pena única de três (3) anos e dois (2) meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de quatro (4) anos, mas condicionando tal suspensão:
a) À obrigação de se manter afastado de BB, designadamente da sua residência, locais de trabalho e de lazer e a proibição de, por qualquer meio, a contactar; e
b) A regime de prova, com respeito do plano de reinserção social a ser delineado pelos serviços de reinserção social, impondo, desde já, os seguintes deveres:
– De resposta a todas as convocatórias do juiz responsável pela execução do plano e do técnico de inserção social;
– De recebimento de visitas do técnico de reinserção social e de comunicação ou colocação à sua disposição, com a máxima prontidão possível, de informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;
– De informação ao técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação com duração superior a oito dias, indicando a data previsível do regresso;
– De obtenção de autorização prévia do juiz responsável pela execução do plano para se deslocar ao estrangeiro; e
– De frequência de curso ou ações de formação ou de sensibilização e prevenção contra a violência doméstica ou de género dinamizadas ou indicadas pelos serviços de reinserção social
*
B. Penas acessórias
Condena-se o arguido AA, nos termos do artigo 152.º, n.º 4, do Código Penal e na decorrência de o mesmo ter praticado um crie de violência doméstica tipificado no artigo 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, als. a) e b), nas seguintes penas acessória:
a) Proibição de contactos com BB, com obrigação de se manter afastado dela, designadamente da sua residência, locais de trabalho e de lazer, pelo período de quatro (4) anos;
b) Frequência de curso ou ações de formação ou de sensibilização e prevenção contra a violência doméstica ou de género dinamizadas ou indicadas pelos serviços de reinserção social, pelo período de quatro (4) anos; e
b) Proibição do uso e porte de armas, pelo período de quatro (4) anos.
Declaram-se perdidos a favor do Estado, ao abrigo do disposto no artigo 109.º, n.º 1, do Código Penal, todos os bens apreendidos no processo, designadamente o telemóvel da marca Samsung, modelo ..., de cor branca, operadora A..., com o cartão SIM n.º ... e o IMEI ....
Após trânsito, abra vista ao Ministério Público para tomar posição quanto ao seu destino.
Condena-se o arguido AA no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em uma (1) unidade de conta, acrescida do montante dos encargos a que a sua atividade deu lugar.
2. Cumprindo-se o disposto no artigo 8.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro, proceda-se à recolha de amostra para a base de dados de ADN.
3. Remeta os boletins aos serviços de identificação criminal (artigos 6.º, al. a) e 7.º, n.º 1, al. a), da Lei de Identificação Criminal).
«Conclusões:
1.O arguido AA foi condenado “pela prática, como autor imediato e em concurso efetivo, de – um (1) crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, als. a) e b), do Código Penal, na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão; – um (1) crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de dois (2) anos e um (1) mês de prisão, condenando-o, em cúmulo destas, na pena única de três (3) anos e dois (2) meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de quatro (4) anos, mas condicionando tal suspensão: a) À obrigação de se manter afastado de BB, designadamente
A regime de prova, com respeito do plano de reinserção social a ser delineado pelos serviços de reinserção social, impondo, desde já, os seguintes deveres: – De resposta a todas as convocatórias do juiz responsável pela execução do plano e do técnico de inserção social; – De recebimento de visitas do técnico de reinserção social e de comunicação ou colocação à sua disposição, com a máxima prontidão possível, de informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; – De informação ao técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação com duração superior a oito dias, indicando a data previsível do regresso; – De obtenção de autorização prévia do juiz responsável pela execução do plano para se deslocar ao estrangeiro; e – De frequência de curso ou ações de formação ou de sensibilização e prevenção contra a violência doméstica ou de género dinamizadas ou indicadas pelos serviços de reinserção social”.
2.O douto Tribunal “a quo” fundou a sua convicção mormente nas declarações do arguido AA, o qual – antes da produção de qualquer prova – confessou integralmente e sem reservas todos os factos que lhe eram imputados na acusação.
3.O arguido não se conforma com a condenação pela prática do crime do crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, por errónea qualificação jurídico-penal, nem se conforma com a concreta medida da pena parcelar aplicada pelo douto Tribunal “a quo”, quanto ao apontado crime de roubo e consequentemente na pena única em que foi condenado, bem assim como não se conforma com o período de suspensão da pena de prisão fixada em 4 (quatro) anos, razão pela qual, apresenta o presente recurso.
4.O arguido, ora recorrente, a par da condenação pela prática de um crime de violência doméstica, foi também condenado pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de dois (2) anos e um (1) mês de prisão. Com efeito, entendeu o douto Tribunal “a quo” que, efetivamente, se provou a prática, por parte do arguido AA, do imputado crime de roubo, porquanto, “ (…) em data concreta que não se apurou, mas situada no final do mês de agosto de 2022/inícios de setembro de 2022, o arguido AA, depois de conseguir entrar na garagem de BB, agarrou-lhe o braço e, de seguida, de forma repentina e brusca, arrancou um acessório em forma de “estrela” que existia acoplado ao porta-chaves de BB, puxando-o e arrancando-o do porta-chaves, fazendo-o seu. Fê-lo com o propósito, concretizado, de tirar o porta-chaves a BB, para o exibir a CC e convencê-lo de que estava em casa de BB e de que esta o traía, o que só não conseguiu por motivos alheios à vontade do arguido, estando que tal objeto não lhe pertencia e que agia contra a vontade da sua dona, querendo e conseguindo fazer o dito objeto. Por fim, atuou em tais termos, o que representou, quis e conseguiu, atuando livre voluntária e conscientemente, ciente do caráter ilícito e reprovável da sua conduta”.
5.O apontado acervo factológico não integra o referido crime de roubo p. e p. pelo disposto no artigo 210.º, 1, do Código Penal.
6.Estatui-se no artigo 210.º, n.º 1, do CP, caraterizando o roubo, que “quem, com intenção de ilegítima apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo eminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos”.
7.Não brota do acervo fatual carreado pelo douto Tribunal “a quo”, qualquer situação de violência, ameaça para a vida ou pessoa física (ou qualquer outro constrangimento da assistente), a qual, nunca ficou impedida de reagir, ou seja, o arguido não empregou qualquer violência para que a assistente lhe entregasse o referido porta-chaves/parte do porta-chaves.
8.Pelo que, não se mostra preenchido o tipo legal de crime de roubo p. e p. pelo disposto no artigo 210.º, 1, do Código Penal.
9.Inexiste no caso sub judice, fundamento para autonomizar os dois crimes em questão – crime de violência doméstica e crime de roubo – punindo o ora recorrente pela sua prática, em concurso real, mas antes devendo o mesmo ser punido, pela prática do crime de violência doméstica, em concurso aparente – marcado por uma relação de subsidiariedade que o crime de violência doméstica apresenta perante os restantes tipos de crime.
10.Com efeito, há crimes que se consumam por atos sucessivos ou reiterados, como se expressa no artigo 30.º, n.º 2 do Código Penal, mas que constituem um único crime, isto é, inexiste pluralidade de crimes mas antes pluralidade no modo de execução do mesmo, ou seja, a execução é reiterada quando cada ato de execução sucessivo realiza parcialmente o evento do crime; a cada parcela de execução segue-se um evento parcial, porém, os eventos parcelares devem ser considerados como evento unitário, sendo que, a soma dos eventos parcelares é que constituirá o evento do crime único.
11.O crime de violência doméstica, perante a sua descrição típica, enquadra-se precisamente neste tipo de crimes, porquanto, “o crime de violência doméstica pode ser decomposto em vários tipos de crimes comuns, uma vez que é suficientemente abrangente e capaz de contemplar inúmeros comportamentos que, individualmente considerados, são reconduzíveis a outras incriminações. Fala-se, a título de exemplo, da prática de um crime de ofensa à integridade física, homicídio, injúrias, difamação, coacção ou contra a autodeterminação sexual” – cfr. Sara Margarida Novo das Neves Simões, “O crime de Violência Doméstica: Aspectos materiais e processuais”, dissertação de mestrado disponível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/18035/1/Tese%20Mestrado_final.pdf.
12.Neste sentido, importa, antes de tudo, determinar se as normas abstratamente aplicáveis se não encontram numa relação lógico-jurídica tal (numa relação, poderia dizer-se de “lógica hierárquica”) que, em boa verdade, apenas uma delas ou algumas delas são aplicáveis, excluindo a aplicação desta ou destas normas (prevalecentes) a aplicação da ou das restantes normas (preteridas); pela razão de que, à luz da(s) normas prevalecente(s), se pode já avaliar de forma esgotante o conteúdo de ilícito (e de culpa) do comportamento global – cfr. Susana Figueiredo em «Violência Doméstica – Implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas do fenómeno - Manual pluridisciplinar (2.ª edição), CEJ-CIG».
13.A este propósito, veja-se o aresto do TRC, relatado pelo Presidente Alberto Mira, no âmbito do Processo n.º 512/09.0PBAVR.C1, que dispõe que, de acordo com a razão de ser da estrutura normativa do crime do artigo 152.º, do CP, as condutas que integram os respectivos tipos-norma não são autonomamente consideradas enquanto, eventualmente, integradoras de um ou diversos tipos de crime; são, antes, valoradas globalmente na definição e integração de um comportamento repetido revelador de um crime de maus tratos (lei antiga) ou violência doméstica (lei nova), mais acrescentando que, neste contexto, entre o crime do artigo 152.º e os crimes que atomisticamente correspondem à realização repetida de atos parciais, estabelece-se uma relação de concurso aparente, deixando de ter relevância jurídico-penal autónoma os comportamentos que integram a prática do crime de violência doméstica.
14.A conduta aqui em apreço –“(…) em data concreta que não se apurou, mas situada no final do mês de agosto de 2022/inícios de setembro de 2022, o arguido AA, depois de conseguir entrar na garagem de BB, agarrou-lhe o braço e, de seguida, de forma repentina e brusca, arrancou um acessório em forma de “estrela” que existia acoplado ao porta-chaves de BB, puxando-o e arrancando-o do porta-chaves, fazendo-o seu.” – foi perpetrada no mesmo contexto que as condutas subsumíveis ao crime de violência doméstica, encontrando-se a vítima já protegida por esta norma (art.º 152º, do CP).
15.Como tal, devia o douto Tribunal “a quo” ter subsumido os fatos acima referidos ao crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, als. a) e b), do Código Penal e não puni-los autonomamente.
16.O douto Tribunal “a quo”, não aplicou nem interpretou corretamente o disposto nos art.ºs 30º, n.º 2, 152º, n.º 1, al. b) e n.º 2, als. a) e b) e 210º, n.º 2, todos do Código Penal.
17.Como se salienta no Acórdão do TRL, datado de 17/09/2019, disponível in www.dgsi.pt “As circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. – A actividade judicial de determinação da pena apresenta-se como uma actividade juridicamente vinculada, mas não é uma ciência exacta, pelo que, a nosso ver, o tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta apenas quando se justifique uma alteração minimamente significativa, isto é, quando se evidencie que foi aplicada, sem fundamento, com desvios aos citérios legalmente apontados”.
18.Deste modo, o Tribunal de recurso deverá intervir modificando a pena concreta quanto ocorrer desproporcionalidade na sua fixação ou os critérios de determinação da pena concreta imponham a sua correção, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
19.No caso concreto, à luz dos considerandos acabados de expor, constata-se que o arguido foi condenado, “pela prática, como autor imediato e em concurso efetivo, de – um (1) crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, als. a) e b), do Código Penal, na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão; – um (1) crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de dois (2) anos e um (1) mês de prisão, condenando-o, em cúmulo destas, na pena única de três (3) anos e dois (2) meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de quatro (4) anos”
20.O arguido não contesta a pena parcelar aplicada pelo douto Tribunal “a quo”, pela prática do crime de violência doméstica, todavia, não se conforma com a concreta pena parcelar aplicada pela prática do crime de roubo, fixada em 2 (dois) anos e 1 (um), mês de prisão, numa moldura abstrata de 1 (um) ano a 8 (oito) anos de prisão.
21.Com efeito, trata-se de um tipo de crime que não impõe particulares necessidades de prevenção geral, seja na sua vertente positiva seja negativa.
22.Por sua vez, também não se afiguram elevadas as necessidades de prevenção especial, dado que o arguido não tem antecedentes criminais e está positivamente integrado no meio socio-residencial, com uma rede de suporte por parte de familiares e amigos, nos quais se inclui o seu patrão, pessoas referenciadas como pró-sociais.
23.O arguido confessou integralmente e sem reservas todos os fatos de que vinha acusado, demonstrou arrependimento e procedeu ao pagamento da indemnização que acordou com a assistente BB, no valor de 5.500€, tendo demonstrado o respetivo pagamento nos autos, ainda antes da prolação do acórdão objeto do presente recurso.
24.No que à culpa diz respeito, afigura-se diminuta, traduzida na apropriação de um mero porta-chaves/parte do porta-chaves, pertencente à assistente BB, de valor manifestamente irrisório, praticado no quadro dos fatos constitutivos do crime de violência doméstica, pelo qual foi condenado.
25.Pelo que, ponderados os factos que militam a favor do arguido e as circunstâncias de tempo modo, lugar e distância a percorrer bem como as necessidades de prevenção geral e especial, cremos que será mais acertada, proporcional e justa, uma pena de prisão de 1 (um) ano e 1 (um) mês de prisão, pelo crime de roubo (é punido com pena de prisão até 1 (um) a 8 (oito) anos de prisão), praticado na pessoa da assistente BB, resultando num cúmulo jurídico de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.
26.Mas caso assim não se entenda, sem prescindir, sempre a moldura aplicada pelo Tribunal “a quo” é exagerada, devendo a mesma ser diminuída e fixada naquela que doutamente seja determinada pelo Tribunal “ad quem”, desde que inferior à fixada, o que se requer por cautela de patrocínio.
27.A suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição em sentido próprio, isto é, trata-se de uma pena não privativa da liberdade, que pressupõe a prévia determinação da pena de prisão com vista a ser aplicada em vez desta última.
28.Deste modo, a suspensão da execução da pena de prisão é ela mesma uma restrição aos direitos, liberdades e garantias do condenado, estes últimos com consagração constitucional.
29.Assim, dever-se-á aplicar à concretização da suspensão da execução de pena, os mesmos critérios e princípios aplicáveis à concretização da pena principal, entre os quais se contam os critérios de prevenção geral e especial que presidem à escolha e dosimetria ou determinação da medida da pena, bem como, designadamente, o princípio da proibição do excesso e o princípio odiosa sunt restringenda, ambos consagrados no artigo 18.º n.º 2 da CRP.
30.Ou seja, a duração da suspensão da execução da pena de prisão deve ser adequada e proporcional à necessidade e exigibilidade da ameaça penal do caso concreto, que a aplicação da pena principal visa acautelar.
31.O Tribunal “a quo”, condenou o aqui recorrente numa pena de prisão de 3 (três) anos e dois 2 (dois) meses de prisão, a qual suspendeu por um período de 4 (quatro) anos, mas condicionando tal suspensão: a) À obrigação de se manter afastado de BB, designadamente da sua residência, locais de trabalho e de lazer e a proibição de, por qualquer meio a contactar, e b) A regime de prova, com respeito do plano de reinserção social a ser delineado pelos serviços de reinserção social, impondo, desde já, os seguintes deveres: – De resposta a todas as convocatórias do juiz responsável pela execução do plano e do técnico de inserção social; – De recebimento de visitas do técnico de reinserção social e de comunicação ou colocação à sua disposição, com a máxima prontidão possível, de informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; – De informação ao técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação com duração superior a oito dias, indicando a data previsível do regresso; – De obtenção de autorização prévia do juiz responsável pela execução do plano para se deslocar ao estrangeiro; e – De frequência de curso ou ações de formação ou de sensibilização e prevenção contra a violência doméstica ou de género dinamizadas ou indicadas pelos serviços de reinserção social”.
32.Salvo o devido respeito, temos que a duração do período de suspensão de 4 (quatro) anos, não se mostra, em face das circunstâncias concretas apuradas nos autos, proporcional e adequada às exigências e prevenção geral e especial que se verificam.
33.Com efeito, a finalidade politico-criminal da suspensão da pena é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer “correção”, “melhora” ou – ainda menos – “metanoia” das conceções daquele sobre a vida e o mundo. (...) Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o “conteúdo mínimo” da ideia de socialização, traduzida na “prevenção da reincidência” – cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 343.
34.Conforme decorre do segmento decisório acima referido, o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos, mostrando ter interiorizado o desvalor das suas condutas, dando assim o primeiro passo no sentido de (passar a) seguir os trilhos do Direito e das regras de convivência social. Ao que acresce o facto de ter já pago o valor da indemnização acordada com a ofendida, se mostrar profissional e familiarmente inserido — goza do apoio da esposa e da família — não tendo antecedentes criminais.
35.Ora, ponderando todos estes fatores cremos que a fixação do período de suspensão da execução da pena por igual período ao da pena única que por força do presente recurso venha a ser aplicada ou, caso tal não suceda, por igual período ao da pena única aplicada pelo douto Tribunal “a quo”, ou seja, em 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, se mostra adequada e suficiente, às exigências em apreço, sendo suficiente para se impor como fator pedagógico, de contenção e autorresponsabilização do ora recorrente, e sem deixar de satisfazer as “exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico” – cfr. Figueiredo Dias. Dias Ob cit., pág. 344 – não resultando da concreta factualidade apurada que o período de 4 (quatro) anos se mostre indispensável a tal desiderato.
NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V/EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ O DOUTO ACÓRDÃO SER REVOGADO E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE SE COADUNE COM AS PRETENSÕES EXPOSTAS,
ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!»
«Conclusões
1. A matéria de facto provada integra a prática de um crime de roubo.
2. A conduta descrita e provada integra todos os elementos objectivos e subjectivos da prática do imputado crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do Código Penal: a subtracção – enquanto acto que retira a coisa móvel alheia (o acessório do porta-chaves), da disponibilidade fáctica do seu prévio detentor ou possuidor; a violência - entendida como o uso da força física dirigida contra uma pessoa, sendo certo que a violência não pressupõe formas taxativas e específicas de manifestação, podendo ser física (emprego de força sobre o corpo da vítima, com ou sem lesão corporal) ou moral, se, e enquanto, estritamente indispensável à consumação do delito; a intenção de apropriação – intenção de desapropriar o dono da coisa que sabe não ser sua, e com a vontade de dela fazer coisa sua.
3. O arguido exerceu violência, com o conhecimento e vontade de realização do tipo legal.
4. O crime de roubo previsto no artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, cuja punição poderá chegar aos 8 anos de prisão, é abrangido pela cláusula de exclusão resultante da expressão “se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal” que se encontra no n.º 1 do artigo 152.º do Código Penal.
5. Mesmo que assim não fosse, sempre seriam violados bens jurídicos diversos, demandando assim a punição de ambos, em concurso efectivo.
6. Há concurso efectivo de crimes quando os factos se subsumem a tipos de crime que protegem bens jurídicos distintos.
7. As necessidades de prevenção geral são elevadas, embora, tal como se afirma no acórdão “estas apresentam-se mitigadas quando a conduta agressiva do agente se revela de diminuta violência, tal como sucedeu no caso em apreço”
8. Numa moldura penal situada entre 1 ano e 8 anos de prisão, afigura-se como justa, adequada e proporcional a pena parcelar encontrada de 2 anos e 1 mês de prisão, relativamente ao crime de roubo.
9. A pena única respeitou os critérios legais, não sendo manifestamente desproporcional.
10. A suspensão da pena única por um período superior ao da medida da pena única revela-se adequada às necessidades de prevenção geral e especial (em particular esta última).
11. O período probatório deve ser estendido para além do limite da concreta pena aplicada, de molde a garantir que, nesse período alargado de suspensão da execução da pena, é devidamente interiorizado o desvalor da conduta, e, mais do que isso, se muna o arguido de um lastro valorativo que garanta um ne peccetur, a consolidação axiológica da igualdade e do respeito pela autonomia volitiva do outro.
Termos em que
Negando provimento ao recurso, e confirmando in totum o douto acórdão recorrido, farão V. Exas. Justiça.»
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
As questões que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes:
- o erro na subsunção jurídica dos factos ao crime de roubo da previsão do art. 210º, nº 1 do Código Penal, por, segundo o recorrente, não se mostrar preenchida a respetiva tipicidade nem haver qualquer fundamento para autonomizar relativamente ao crime de violência doméstica, a conduta que a decisão recorrida integrou na prática de crime de roubo;
- assim se não entendendo, o recorrente também se não conforma com a fixada pena parcelar de 2 anos e 1 mês pelo crime de roubo e, consequentemente, com a pena única resultante do cúmulo jurídico, por, relativamente ao crime de roubo, se não imporem especiais necessidades de prevenção geral e especial, o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos, demonstrou arrependimento, pagou a indemnização, a culpa é diminuta, pelo que apenas se revelaria proporcional e adequada uma pena de prisão de 1 ano e 1 mês com a consequente redução na pena única e no período de suspensão da execução.
«(…)III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A. Factos provados
6. Com relevo para a decisão, mostram-se provados apenas os seguintes factos:
I
A
1) O arguido AA, à data dos factos, era casado com DD, com quem vivia;
2) Não obstante ser casado, entre 15 de outubro de 2018 e meados de junho de 2020, o arguido AA manteve uma relação extraconjugal com BB, ainda que sem coabitação
3) Apesar de BB bem saber que era casado, foi mantendo uma relação amorosa com o arguido AA por este lhe prometer que iria divorciar-se, alegando que o seu casamento estava acabado;
4) Porém, o arguido AA ia protelando o divórcio e, à medida que o tempo ia passando, ia apresentando desculpas para o facto de ainda não ter dado início ao processo de divórcio;
5) Assim, em junho de 2020, em dia que não foi possível concretizar, BB decidiu pôr fim à relação amorosa, na sequência de o arguido AA lhe ter dito que iria passar uns dias de férias com a sua esposa e a filha de ambos;
6) O arguido, todavia, não aceitou bem esta decisão, tendo voltado a prometer a BB que iria divorciar-se da sua mulher para a convencer a não terminar a relação;
7) Contudo, BB manteve aquela decisão;
8) Desde então, e no período compreendido entre junho de 2020 e maio do ano de 2022 que se seguiu, o arguido AA manteve contactos telefónicos e presenciais com BB, nas quais lhe dizia, em tom sério e credível, que não aceitava que aquela tivesse outra relação e que ela tinha de esperar por ele, demonstrando não aceitar o término da relação nem que ela refizesse a sua vida com outro homem, mais lhe dizendo que se ela tivesse alguém “ia fazer de tudo para que a relação terminasse”;
9) Em junho de 2022, depois de BB lhe ter dito ter conhecido outra pessoa e que não iria mais esperar por ele, o arguido AA respondeu-lhe que não aceitava o fim da relação de ambos, mais lhe dizendo que aquela BB tinha “de esperar por ele” e que ela tinha de deixar o seu namorado, CC, “uma maneira ou de outra”;
10) Nessa altura, entre maio e junho do ano de 2022, o então namorado de BB, CC, que trabalha e reside em África, deslocou-se à Amarante, onde permaneceu por cerca de 15 dias;
11) Assim, no dia 3 de junho de 2022, altura em que decorriam as “Festas ...” na cidade Amarante, CC foi buscar BB a casa desta entre as 21.00 horas e as 22.00 horas, saindo esta pelo portão da garagem;
12) Então, enquanto BB se dirigia para o carro do seu namorado, e durante todo o percurso de carro até à cidade de Amarante, o arguido AA, que se encontrava parado em frente ao prédio onde aquela mora, seguiu-os conduzindo a sua carrinha de marca Peugeot, de matrícula ..-TH-..;
13) Durante todo o percurso até ao centro da cidade de Amarante, ao longo de cerca de 30 minutos, o arguido AA, de forma insistente, ia fazendo sinais de luzes e encostava a carrinha por si conduzida ao veículo automóvel conduzido por CC, até aqueles encontrarem estacionamento;
14) Ao mesmo tempo que adotava a conduta supra descrita, o arguido AA ligava e mandava mensagens àquela BB, dizendo: “tens de sair já do carro senão destruo-te a vida. Vou dizer a esse fulano que tu és minha!”, “atende já as chamadas ou eu fodo-te a vida toda com esse gaijo”, “eu vou-vos seguir a noite toda”;
15) Durante a noite, no período compreendido entre as 21h00/22h00 do dia 3 de junho de 2022 e as 03h00m do dia 4 de junho de 2022, o arguido telefonou, ao todo, 148 vezes para o telemóvel de BB, com o contacto ...;
16) Após, BB e o seu namorado terem estacionado o veículo no qual se fizeram transportar até ao centro da cidade de Amarante, onde decorriam as festas, na zona da “Florestal”, em Amarante, o arguido AA também estacionou nessa zona e, ato contínuo, continuou a segui-los, desta vez apeado, durante toda a noite;
17) Assim, por volta das 23h30m, quando estavam parados a conversar junto ao café “B...”, em Amarante, o arguido AA não parava de fazer sinais com o telemóvel, a insistir para que BB atendesse as chamadas telefónicas que aquele lhe fazia no momento;
18) No dia seguinte, BB telefonou ao arguido AA pedindo-lhe que parasse de a seguir e de lhe telefonar e que parasse com aqueles comportamentos;
19) Em face daquele pedido, o arguido AA respondeu, com foros de seriedade, que, para isso, BB teria de “voltar a ser a BB que era antes, a BB dele”, que lhe enviasse mensagens carinhosas e que lhe desse a atenção de outrora e que, caso não o fizesse, iria dizer ao seu namorado que tinham tido uma relação amorosa;
20) Nesse momento, o arguido AA exigiu-lhe ainda o pagamento da quantia de 1 500 €, alegando que, enquanto mantiveram uma relação amorosa, a ajudou monetariamente, pelo que ela teria de o compensar pelo dinheiro que ele havia gasto com ela, mais lhe tendo dito, em tom sério e credível, que se BB não lhe pagasse aquela quantia, a iria pedir ao seu namorado, CC;
21) Nessa altura, o arguido AA disse ainda que iria enviar ao referido CC, e para a mãe e os irmãos deste, as mensagens que ambos haviam trocado dias antes, as fotografias e os vídeos de cariz íntimo e sexual onde ele e BB apareciam completamente nus a praticar relações sexuais de cópula completa, sexo anal e sexo oral, vídeos esses que detinha em sua posse;
22) E ainda referiu o arguido AA, em tom sério e credível, que se BB não lhe contasse o que fazia com o namorado, o referido CC, nos momentos de intimidade sexual, que iria ele, arguido, contar-lhe tudo o que havia feito com ela durante as relações sexuais que mantiveram durante a constância do seu relacionamento amoroso;
23) Como consequência direta e imediata destas conduta do arguido AA, designadamente da conversa telefónica, BB profundamente vexada, humilhada, constrangida, coagida, receosa e amedrontada por temer que o arguido AA concretizasse as ameaças que lhe dirigiu e expusesse ao seu namorado e seus familiares os vídeos e mensagens íntimas e de cariz sexual detidas pelo arguido e que a retratavam completamente nua durante a prática de relações sexuais mantidas com o arguido;
24) Em face do descrito, nessa noite do dia 4 de junho de 2022, a BB, por temer que o arguido AA concretizasse as ameaças que lhe havia dirigido naquele dia, antes de sair com o seu namorado, avisou-o (ao arguido) aonde ia, informando-o de que iria com o seu namorado novamente às “Festas ...”;
25) Ao chegar com o seu namorado ao Largo da Câmara Municipal ..., onde se encontravam as barracas das “Festas ...”, o arguido AA já lá estava e, durante a noite, fazia de tudo para chamar a atenção de BB, nomeadamente, gesticulando para ela, mandando-lhe beijos, atirando-lhe cubos de gelo para as costas, numa atitude de clara provocação e intimidação;
26) Com o descrito comportamento, o arguido AA provocou em BB ainda mais receio de que concretizasse as ameaças que lhe dirigiu;
27) Neste contexto, no intuito de o manter afastado do seu namorado, BB foi enviando algumas mensagens para o arguido AA, a fim de lhe inculcar a ideia de que havia mudado de atitude para consigo e de que, agora, lhe estava novamente a dar a atenção que ele desejava, e, designadamente, numa dessas mensagens escritas que enviou disse-lhe “tem cuidado contigo, não bebas tanto”;
28) No dia 5 de junho de 2022, domingo, por volta da meia-noite, o arguido AA, que se encontrava nas imediações a vigiar BB, viu o namorado desta a entrar para o interior da habitação dela e, de imediato, começou a enviar-lhe mensagens e a telefonar-lhe insistente e ininterruptamente;
29) Sem que ela se apercebesse como, o arguido AA entrou para o interior do prédio de BB e, ato contínuo, começou a tocar-lhe à campainha da porta da habitação, ao mesmo tempo que desferia murros e dizia, em tom muito exaltado: “abre já!”;
30) Ato contínuo, BB dirigiu-se à porta de entrada da sua habitação, abrindo-a, ao que o arguido AA lhe disse, em voz alta e tom sério “quero ver o filho da puta aí dentro, sei que está aí dentro!”;
31) Em face do descrito, BB, de imediato, fechou-lhe a porta e, após, dirigiu-se para o quarto, onde se encontrava o seu namorado;
32) Aí chegada, CC, namorado de BB, enquanto se calçava, disse-lhe em tom sério: “acabou tudo”, ao que aquela lhe perguntou porquê, tendo o mesmo lhe dito que estava a receber, naquele momento, através da aplicação “Messenger”, prints de várias mensagens que ela havia trocado, em tempos, com o arguido AA, nomeadamente, durante o tempo em que mantiveram uma relação amorosa, ainda que sem coabitação, bem como as mensagens que ela, no dia anterior, tinha enviado ao arguido AA e, ainda, os vídeos íntimos e de cariz sexual onde ela e aquele arguido surgiam nus a manter relações sexuais com cópula completa, sexo anal e sexo oral e, bem assim, em práticas masturbatórias, vídeos esses que haviam realizado de comum acordo durante o período em que mantiveram a sua relação;
33) Com efeito, o arguido AA enviou ao namorado de BB, CC, via internet, os vídeos supra referidos e os prints das mensagens trocadas com ela, conforme lhe havia dito que iria fazer caso ela não terminasse a relação que mantinha com aquele CC;
34) Após o supra descrito, o namorado daquela BB foi-se embora daquela habitação, deixando-a sozinha;
35) Nessa altura, o arguido AA começou a enviar mensagens a BB apelidando-a de “puta”, “vaca”, mais lhe dizendo que “lhe tinha destruído a vida”, e que estava, naquele mesmo momento, a contar tudo ao seu ex-namorado e que sabia que ele tinha acabado com a sua relação, dando-lhe assim a saber que estava naquele momento a manter conversações, via internet, com o CC;
36) Pelas 01h38m do dia 6 de junho de 2022, o arguido AA, depois de ter enviado os ditos vídeos de cariz sexual para CC, enviou ainda, via Messenger, para ele, a seguinte mensagem escrita: “E eu tenho coisas k posso arruinar a vida dela no trabalho, ate isso tenho, mas sinceramente acho k não as vou usar, não sou assim tao mau ao ponto de lhe estragar a vida toda”;
37) No dia 6 de junho de 2022, pelas 08h48m e 09h19m, o arguido AA enviou ainda, via Messenger, as seguintes mensagens escritas para CC:
– “Ela deve-me 1500€ a mim só me interessa isso mais nada, torno a dizer, espero k vcs sejam muito felizes, e digo o sem gozo, sinceramente ela merece ser, é sim uma grande mulher, agora o k me deve, paciência mas tem k mo pagar só isso”;
– “E quando me der o k me deve, apago tudo na hora, a frente de vcs”, referindo-se aos vídeos e fotografias de caracter íntimo e sexual que tinha em sua posse;
38) No dia seguinte, após BB ter conversado com o seu namorado e explicado toda a situação que viveu com o arguido AA, CC telefonou ao arguido a dizer-lhe que iria a casa deste último a fim de falarem os quatro, nomeadamente, BB, o dito CC, o arguido e a esposa deste, a fim de esclarecerem tudo, ao que o arguido reagiu negativamente dizendo que não queria “poucas vergonhas na porta da casa dele”;
39) Dias depois, nessa mesma semana, cuja data concreta não foi possível apurar, o namorado daquela BB telefonou então ao arguido AA para lhe dizer que não queria saber de mais nada, que para ele o assunto estava resolvido, ao que o arguido, manifestamente surpreendido com a atitude daquele, perguntou: “depois de tudo o que te contei ainda vais ficar com ela?”;
40) Após o dito contacto telefónico efetuado pelo namorado de BB, cerca de um mês depois, o arguido AA telefonou a BB pedindo-lhe desculpa pelos seus comportamentos, tendo admitido que não deveria ter feito o que fez;
41) Em tal telefonema, BB transmitiu ao arguido AA, de forma clara, não haver qualquer hipótese de uma reaproximação entre eles;
42) Então, o arguido AA voltou a ameaçar BB de que se não lhe desse atenção, exporia toda a relação que mantiveram, expondo os vídeos e as fotografias supra referidas, à família do seu namorado, a fim de a vexar, humilhar e envergonhar, e bem assim, ao seu namorado, CC, assim visando aquela BB e o então seu namorado terminassem o seu relacionamento;
43) Em data que não foi possível apurar, após o acima descrito, o arguido AA dirigiu-se ao prédio onde vive BB, pedindo-lhe para lhe falar;
44) Acedendo a tal pedido, BB entrou para o interior da carrinha do arguido AA, aí conversando;
45) No decurso de tal conversa, o arguido AA disse a BB, em tom exaltado, que ela teria de acabar o namoro com CC, porque, caso contrário, ele iria mandar os vídeos para a família daquele seu namorado;
46) Nesse momento, BB tentou abrir a porta do veículo automóvel do arguido e este, no intuito, não concretizado, de a impedir de sair do carro, agarrou-a, com a sua mão, no joelho direito, espetando-lhe as unhas, provocando-lhe, assim, sangue das unhadas;
47) Nessa sequência, em data que não foi possível apurar mas situada no mês de julho de 2022, o arguido AA enviou a BB um print de uma mensagem por si enviada, via “Messenger”, para o irmão do namorado da ofendida, de nome EE, com o seguinte teor: “olá boa tarde, não me conheces, mas preciso contar-te umas coisas sobre a BB”;
48) Com o descrito comportamento, o arguido AA visava inculcar em BB a convicção de que iria concretizar as ameaças que lhe ia fazendo, causando-lhe sentimentos de pânico, ansiedade e sofrimento psicológico;
49) Além disso, BB sentiu-se vexada, humilhada e temerosa de que o arguido AA concretizasse as ameaças dirigidas, designadamente que enviasse para o irmão do seu namorado os vídeos e fotografias de cariz sexual em que surgia a praticar atos sexuais;
50) No momento em que reencaminhou o print da mensagem enviada para aquele EE, o arguido AA ainda disse a BB que se esta não fizesse o que ele queria, contaria tudo ao dito EE e que a deixaria “mal vista” perante a família do seu namorado;
51) Desde então, sempre que BB não lhe respondia às mensagens ou não lhe atendia as chamadas, o arguido AA apareceria no seu (dela) local de trabalho a Creche “C...”, sita em Amarante;
52) Durante o mês de agosto de 2022, altura em que o namorado de BB regressou de África a fim de passar férias em Amarante, o arguido AA, por diversas vezes, dirigiu-se à porta do seu (dela) prédio, aí permanecendo e enviando-lhe várias mensagens, nas quais lhe dizia: “sei que estás com o filho da puta” e que ela tinha de o deixar “de uma forma ou de outra”;
53) O arguido AA enviava as referidas mensagens quer do número que habitualmente usava, quer de outros números que a certa altura passou a utilizar para além do dele;
54) Além disso, o arguido passou a utilizar estes telefones para ligar, quer a BB, quer ao seu namorado, sendo que, quando estes atendiam, nada dizia, permanecendo calado até aqueles desligarem a chamada;
55) Em data não concretamente apurada, mas situada no final do mês de agosto de 2022, o arguido AA voltou a enviar mensagens ao namorado BB;
56) Além disso, por essa altura, enviou uma mensagem escrita a BB com seguinte teor: “enfio-te uma azeitona na testa e outra ao teu namorado, depois dou cabo de mim e vamos os três em quatro tábuas”;
57) Ainda durante o mês de agosto de 2022, o arguido AA enviou uma mensagem à filha mais velha de BB, pedindo-lhe que o ajudasse a ter a sua mãe de volta;
58) Durante todo o mês de agosto de 2022, o arguido AA, diariamente, seguia, de carro, BB para todo o lado, controlando os seus movimentos e deslocações;
59) Além disso, quando BB se deslocava para o seu local de trabalho, o arguido AA já lá se encontrava à sua espera ou nas imediações da habitação da ofendida, seguindo-a, depois, de carro para onde quer que aquela fosse;
60) Por diversas vezes, durante o mês de agosto de 2022, à hora de almoço, BB coibiu-se de sair do seu local de trabalho, optando por não sair para ir almoçar, por o arguido AA se encontrar lá fora parado, à entrada do seu local de trabalho, causando medo nela;
61) Tanto mais que, cerca de 6 meses antes, em data não concretamente apurada, o arguido AA enviou a BB, via Messenger, uma fotografia de um revólver encostado à sua cabeça, dizendo-lhe que “se não fores minhas não serás de mais ninguém” e que se iria matar uma vez que aquela BB não o queria mais;
62) Como consequência direta e imediata da conduta do arguido AA, BB sentiu muito medo que aquelas ameaças se concretizassem, assim decidindo apresentar queixa a 26 de agosto de 2022;
63) Dois dias depois de BB ter apresentado queixa na Guarda Nacional Republicana, o arguido AA abordou-a na rua, tendo-lhe pedido desculpas pelo seu comportamento, mais lhe dizendo que “nada mais tinham” a partir daquele momento;
64) Acreditando nas palavras e arrependimento do arguido AA, BB ponderou em manifestar vontade de não prosseguir com o procedimento criminal;
65) Contudo, logo após, o arguido AA recomeçou com o comportamento obsessivo supra descrito para com BB, passando a segui-la, com uma frequência diária, de carro para todo o lado, perseguindo-a e intimidando-a;
66) Nesse contexto, o arguido AA seguia BB para o seu local de trabalho e também quando ela ia levar a filha, menor de idade, à escola, parando o carro nas imediações da sua (dela) habitação;
67) Além disso, quando se cruzava com BB na rua, o arguido AA dava meia volta e seguia-a para onde quer que aquela fosse, buzinando e dando sinais de luzes durante o percurso;
68) Por vezes, arguido AA ainda saía do interior do seu veículo automóvel e, abordando BB, insistindo para que esta “voltasse para ele”, mais lhe dizendo que “tens de acabar com o CC” e que “se não fores minha, não vais ser de ninguém”;
69) Em duas ocasiões diversas, em dias diferentes, o arguido AA atravessou a sua viatura, por si conduzida, à frente do veículo conduzido por BB, obrigando-a a imobilizar repentina e inesperadamente a marcha do veículo;
70) Com a descrita conduta, o arguido AA colocou em perigo a sua integridade física de BB e pânico por temer que ele atentasse contra a sua vida ou a sua integridade física, além de se sentir coartada na sua liberdade de movimentos;
71) Em data que não foi possível apurar, quando a BB se encontrava a sair de sua casa, mais concretamente do parque de estacionamento do prédio “...”, em Amarante, o arguido AA dirigiu-se com o seu carro em direção ao veículo automóvel daquela, nele embatendo propositadamente, na parte da frente do veículo, o que fez por duas vezes seguidas;
72) Contudo, não provocou estragos no mesmo;
73) Nesse momento, ao vê-la, o arguido dirigiu-se a BB dizendo-lhe “é hoje que falamos?” e “é agora que vais falar comigo?”, ao mesmo tempo que a tentava;
74) Todavia, BB disse-lhe “afasta-te de mim” e “um dia falamos, quando as coisas acalmarem”;
75) Após o sucedido, o arguido AA seguiu BB de carro até à casa da mãe desta, sita em ..., Amarante;
76) Nesse circunstancialismo, o arguido AA, a dado momento do percurso, ultrapassou o veículo de BB e atravessou o veículo que conduzia diante do daquela BB, assim não a deixando passar e prosseguir a viagem;
77) Nesse momento, BB telefonou à sua mãe dando-lhe conta do sucedido, tendo, então, o arguido AA feito inversão de marcha e ido embora;
78) Após o descrito em 71) a 77), o arguido AA esteve cerca de uma semana sem contactar e sem perseguir aquela BB;
79) Após este período, porém, o arguido AA voltou novamente a perseguir BB quase todos os dias, para todo o lado, inclusivamente, até ao seu local de trabalho, fazendo-lhe esperas dentro do seu veículo automóvel à porta de casa, de manhã, ou no seu local de trabalho e a qualquer hora do dia;
80) Assim, em dias concretos que não foi possível determinar, por várias vezes e de forma recorrente, o arguido AA telefonou para o local de trabalho de BB, a creche “C...”, pedindo para falar com ela, sendo-lhe então transmitido que ela se encontrava no seu horário de trabalho e que não podia atender por se estar a trabalhar;
81) Noutra ocasião, em data não concretamente apurada, o arguido AA disse a BB de que iria à Creche onde ela trabalhava para falar com o Professor FF e que lhe iria dizer que ela “não era uma funcionária para aquele tipo de trabalho porque andava com um homem casado”;
82) Em virtude do descrito, BB viu-se forçada a expor junto da Diretora Técnica daquela instituição a relação que mantivera com o arguido e os problemas que estava a ter por o mesmo não aceitar o fim da relação;
83) Por várias vezes, em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre junho e outubro de 2022, quando BB lhe dizia que não queria mais nada com ele e que ia seguir com a sua vida, o arguido AA dizia, por telefone, visivelmente exaltado e em tom sério que “se não és minha também não vais ser dele”, “és uma puta”, “és uma vaca”, “és uma oferecida”, “és uma merda de pessoa”, “se não abrires a porta de casa, eu arrombo-a”, mais a acusando de o ter “trocado”, o que sucedeu, pelo menos, por três vezes distintas, em dias diferentes;
84) Em muitas ocasiões, em datas não concretamente apuradas, o arguido AA entrou no prédio onde BB habita, bateu à porta do apartamento desta, com força, aos murros, e dizia: “Abre a porta, se não abrires a porta de casa, eu arrombo-a”;
85) Noutras ocasiões, o arguido AA telefonava a BB dando conta que se encontrava à entrada do prédio, ordenando-lhe que abrisse a porta de casa;
86) Contudo, como BB não lhe abria a porta, e por modo não concretamente apurado, o arguido AA lograva entrar no prédio e ia bater à porta de casa daquela BB nos modos atrás mencionados;
87) Em várias ocasiões, em datas distintas e não concretamente apuradas do ano de 2022, durante a noite, o arguido AA tocou incessantemente à campainha da habitação de BB, obrigando-a a desliga-la para que ela e as suas filhas conseguissem descansar e dormir durante a noite;
88) Por diversas vezes, em datas concretas que não foi possível apurar, mas situadas entre agosto e finais de setembro de 2022, o arguido AA disse para a BB, em tom sério e credível, “ou vais falar comigo a bem ou a mal”, “se tens mais alguém, eu enfio-te uma azeitona na cabeça a ti e a essa pessoa!” e “se não és para mim, não és para mais ninguém!”, expressão esta que repetia várias vezes;
89) Noutra ocasião, em data concreta que não se apurou, mas situada no final do mês de agosto de 2022/inícios de setembro de 2022, enquanto BB se encontrava no seu local de trabalho, o
arguido AA dirigiu-se ao veículo automóvel daquela e, de modo não concretamente apurado, furou-lhe um pneu;
90) Como consequência direta e imediata daquela conduta, BB contratou um mecânico que se deslocou ao seu local de trabalho, onde o veículo se encontrava estacionado, a fim de aí trocar o pneu furado;
91) Após a troca do pneu, quando n BB saiu do local conduzindo o seu veículo automóvel, o arguido AA postou-se atrás do seu carro fazendo sinais com o telemóvel para ela;
92) Nesse dia, BB deslocou-se a sua casa na hora de almoço e, enquanto entrava para o interior da sua garagem, o arguido AA correu na sua direção, logrando entrar na dita garagem;
93) Ato contínuo, agarrou o braço daquela BB, apertando-o com força, e, de seguida, de forma repentina e brusca, arrancou um acessório em forma de “estrela” que existia acoplado ao porta-chaves de BB, puxando-o e arrancando-o do porta-chaves, fazendo-o seu;
94) Então, de imediato, o arguido AA ligou, por videochamada, ao namorado de BB, CC, exibindo o dito acessório do porta-chaves, dizendo-lhe, em tom sério e credível, “a BB é minha! Estou com ela agora! Isto é a prova de que a BB continua comigo”;
95) Com a conduta supra descrita, o arguido AA agiu com o propósito, concretizado, de tirar o porta-chaves a BB, para o exibir a CC e convencê-lo de que estava em casa de BB e de que esta o traía, o que só não conseguiu por motivos alheios à vontade do arguido;
96) Em data não concretamente apurada do ano de 2022, já depois de terem terminado a sua relação, o arguido AA dirigiu-se a casa da mãe de BB e, aí chegado, pediu para falar com esta e a sua mãe, GG;
97) Sendo autorizado a entrar, o arguido AA conversou com BB e com a mãe desta, reafirmando o propósito de reatar o relacionamento, o que aquela BB negou, dizendo-lhe para seguir com a sua vida, até porque continuava casado e não pretendia divorciar-se, conforme lhe havia prometido;
98) Então, perante a recusa de BB em reatar a relação amorosa, o arguido AA insurgiu-se contra ela, dizendo-lhe em tom zangado e sério, “és uma burra! Realmente não mereces a minha companhia”, indo embora de seguida;
99) Contudo, cerca de uma hora depois, quando BB ia embora da casa da sua mãe, ao chegar junto do seu veículo automóvel, que estava estacionado na rua, o arguido AA a conduzir o seu veículo automóvel, atravessando-o à frente do veículo de BB e impedindo-a de seguir em frente;
100) Então, como o arguido AA permanecia com o seu carro imobilizado à frente do da BB, esta inverteu o sentido da marcha e seguiu por outra rua para ir embora;
101) Em data não concretamente apurada de setembro de 2022, o arguido AA enviou, via Messenger, um vídeo íntimo, de cariz sexual em que ele e ele eram visíveis, gravado durante o período em que mantiveram uma relação amorosa;
102) A acompanhar o aludido vídeo, o arguido AA enviou a seguinte mensagem escrita: “enquanto tu estás aí, eu estou aqui na cama com ela”, o que fez com o intuito, não concretizado de a difamar e levar o namorado desta a acreditar que aquela o traía, o que não conseguiu;
103) No dia 8 de outubro de 2022, pelas 22h45m, quando BB regressava à sua habitação, sita na Rua ..., em ..., Amarante, conduzindo o seu veículo automóvel, o arguido AA circulava, naquela mesma rua, mas em sentido contrário;
104) Ao ver a dita BB, de imediato, o arguido AA efetuou inversão de marcha, seguindo-a até ela chegar a casa;
105) Ao chegar junto da garagem da habitação de BB, no espaço de tempo em que ela procedia à abertura do portão, o arguido AA introduziu-se no interior da dita garagem, sem a autorização e contra a vontade dela;
106) Ato contínuo, BB, assustada, manteve-se trancada no interior do seu veículo automóvel, ao mesmo tempo que falava, através de videochamada, com o seu namorado, CC;
107) De seguida, o arguido AA abeirou-se da viatura automóvel de BB e bateu no vidro, pedindo-lhe para conversar e para que ela desligasse a videochamada que estava em curso, pedidos estes que ela ignorou;
108) Vendo que o ignorava e que tinha o carro a trabalhar, o arguido agarrou com a mão a escova do para-brisas do lado do condutor do veículo daquela BB e, de seguida, arrancou-a com violência;
109) Ato contínuo, BB tentou iniciar a marcha, fazendo marcha atrás;
110) Todavia, como o arguido AA se colocou na retaguarda do veículo automóvel, no intuito de a impedir fugisse do local, BB travou a marcha do veículo com medo de o atropelar;
111) Com o descrito, o arguido AA impediu BB de sair daquele lugar, como era sua vontade;
112) Após, o arguido AA pegou na escova do para-brisas traseiro e arrancou-o, começando depois a abanar, com ambas as mãos, a viatura automóvel de BB, ao mesmo tempo que lhe pedia para ela falar com ele, conduta que repetiu várias vezes;
113) Por força das sobreditas condutas do arguido AA, sentiu-se aquela BB em pânico, receando que o arguido atentasse contra a sua integridade física ou a sua vida, e bem assim o seu namorado, CC, que assistia a tudo através de videochamada;
114) Vendo aquela cena, CC solicitou ao arguido HH, cunhado daquele, para se deslocar ao local a fim de ajudar BB;
115) Quando o arguido HH chegou à garagem do prédio da ofendida, o arguido AA fugiu da garagem, por uma porta interior, que dá acesso aos elevadores;
116) Entretanto, cerca de 20 minutos depois, enquanto o arguido HH tentava acalmar BB, o arguido AA surgiu novamente no local, trazendo consigo o seu irmão, II, e o namorado da filha deste, fazendo-se transportar numa carrinha de marca Mercedes, de cor preta;
117) Ato contínuo, saíram os três do interior da dita carrinha, tendo o arguido AA, munido de um pau de madeira que trazia na mão, com cerca de 60 cm de comprimento, se dirigido ao arguido HH perguntando-lhe em tom exaltado: “o que queres falar, seu filho da puta?!”, “estás-me a ligar para quê?!”;
118) Depois, começaram os dois arguidos a discutir, tendo, nesse momento um dos indivíduos que acompanhava o arguido AA lhe retirado das mãos o dito pau de madeira, impedindo-o assim de desferir pauladas naquele HH com o dito pau;
119) Não obstante, o arguido AA dirigiu-se ao HH e, ato contínuo encostou a sua cabeça à cabeça dele, ao mesmo tempo que lhe dizia e repetia: “o que é que tu queres?!”;
120) Como continuava a encostar a sua cabeça à do arguido HH, este empurrou-o e, de imediato, o arguido AA desferiu uma cabeçada no nariz daquele HH, provocando-lhe de imediato sangramento do nariz, e várias joelhadas na zona do abdómen, apertões e unhadas no tórax e vários murros na zona do tronco;
121) Reagindo, o arguido HH, agarrou com força o braço esquerdo do arguido AA e desferiu-lhe uma joelhada no órgão sexual;
122) Como consequência direta e imediata da sobredita conduta do arguido AA, HH sofreu dores intensas e as seguintes lesões:
– no crânio: escoriação na região frontal direita medindo 2,5 cm de eixo longitudinal e outra inferomedialmente localizada a esta medindo 0,5 cm de eixo transversal;
– na face: equimose arroxeada com discreta tumefação porção óssea do nariz numa área com cerca de 2,5cm de diâmetro;
– no tórax: escoriação com crosta sanguinolenta no terço proximal face lateral junto ao ombro direito linear medindo 6 cm de eixo longitudinal por 0,5 cm de eixo transversal e à esquerda de características sobreponíveis com 5 cm de eixo longitudinal por 0,3 cm de eixo transversal;
– no abdómen: desconforto localizado nos quadrantes inferiores do abdómen, apurando-se escoriação no hipocôndrio esquerdo com cerca de 1,5 cm de diâmetro, sem dor à descompressão;
– no membro superior direito: escoriação linear face lateral do cotovelo direito medindo 2 cm de comprimento; algumas escoriações dispersas na superfície extensora do antebraço a maior no terço médio medindo 1 cm de comprimento; equimose arroxeada terço médio face anterior do antebraço com 2,5 cm de diâmetro: escoriação na base do polegar da mão direita com 0,5 cm de diâmetro com fundo hemático;
– no membro superior esquerdo: várias escoriações com crosta sanguinolenta e algumas cicatriciais envolvendo a face posterior e anterior do antebraço (contabilizam-se 5 com mais de 1 cm), a maior no terço médio face posterior com 2,5 cm de comprimento; equimose arroxeada na face anterior do terço médio do antebraço medindo cerca de 7 cm de eixo transversal por 2,5 cm de eixo longitudinal;
lesões e dores estas que lhe determinaram 8 dias de doença, dos quais 4 foram com afetação da capacidade de trabalho geral e profissional;
123) Por sua vez, como consequência direta e imediata da sobredita conduta do arguido HH, o arguido AA sofreu dores na região genital e, no membro superior esquerdo, duas equimoses amareladas (ainda com alguns vestígios avermelhados), uma com 7 por 2,5 cm de maiores dimensões, na transição do terço médio com o terço inferior da face antero-externa do braço e outra com 2,5 cm de maior diâmetro, no terço médio da face anterior do braço, lesões estas que lhe determinaram 10 dias de doença, dos quais 2 foram com afetação parcial da capacidade de trabalho geral, e 2 com afetação parcial da capacidade de trabalho profissional;
124) No dia 9 de outubro de 2022, o irmão do arguido AA, a pedido deste último, telefonou a CC, namorado de BB, pedindo-lhe que esta desistisse da queixa para não criar problemas ao arguido AA;
125) No dia 10 de outubro de 2022, um primo do arguido AA, ligou 4 vezes a CC, pedindo-lhe que convencesse BB a não apresentar queixa, alegando que mesmo tem uma filha e família;
126) Em virtude dos comportamentos do arguido AA supra descritos, BB, viu-se forçada a pedir, no decorrer do mês de setembro de 2022, uma licença sem vencimento durante um ano para se ausentar do país, uma vez que vivia com medo e em constante sobressalto;
127) Além disso, BB foi viver para África com o seu namorado por recear que o arguido AA lhe fizesse algum mal e por viver constantemente com medo de que concretizasse as ameaças que lhe dirigiu, vivendo em constante sobressalto, ansiedade e pânico;
128) Em data não concretamente apurada, mas anterior à ida da ofendida para África, o arguido AA enviou à filha mais velha de BB, JJ, várias mensagens, via Messenger, dizendo-lhe para ela acreditar nele, que já se tinha divorciado da mulher, que amava muito, mas muito BB e a pedir que esta lhe desse outra oportunidade;
129) Nesse mesmo dia ou em data próxima, o arguido AA foi ter com a filha mais velha de BB, JJ, à entrada do prédio onde habita e disse-lhe que já se tinha divorciado e que até tinha os papéis no carro, tendo de seguida ido buscar um papel ao seu carro, cujo teor aquela JJ não conseguiu ler;
130) Por força das condutas do arguido AA, BB sentiu-se profundamente humilhada, triste, envergonhada, angustiada, inquieta e temerosa por recear que o arguido enviasse as mensagens, vídeos e fotografias de cariz sexual e íntimo que trocaram e gravaram entre si durante a constância da sua relação amorosa, no âmbito da relação de confiança e intimidade que a ofendida mantinha e depositava nele, denegrindo assim a imagem dela ofendida perante terceiros;
B
131) O arguido AA sabia que havia mantido com BB uma relação de namoro e, não obstante isso, atuou nos termos acima descritos, o que representou, quis e conseguiu;
132) Ao atuar do modo supra descrito junto da filha mais velha de BB, o arguido AA atuou com o propósito de, por intermédio de JJ, aquela BB dar-lhe outra oportunidade, fazendo-a crer que se tinha divorciado;
133) Em todas as circunstâncias supra descritas, agiu o arguido AA com o propósito, concretizado, de maltratar BB e de lhe causar sofrimento, físico e psíquico, ofendendo-a na sua integridade física, honra, consideração e bom-nome, na sua liberdade de agir e de locomoção, provocando-lhe dores e sentimentos de vergonha, humilhação, angústia, medo e inquietação, fazendo-a recear pela sua integridade física e pela sua vida, denegrindo a sua imagem pública e devassando a sua vida íntima e privada;
134) Além disso, o arguido AA atuou visando causar em BB medo que ele atentasse contra a sua vida, a sua integridade física e a sua integridade moral;
135) O arguido AA sabia que as expressões por si proferidas e mencionadas supra, nas circunstâncias em que foram proferidas, eram idóneas a causar, como causaram, receio de que BB viesse a ser alvo de atos atentatórios contra a sua integridade física, moral, psíquica e contra a sua vida;
136) O arguido AA agiu ainda, em todas as circunstâncias atrás descritas, de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de perturbar aquela BB nos seus sentimentos de segurança e liberdade, e provocar-lhe medo, angústia e inquietação;
137) Ao praticar os factos supra descritos, o arguido AA agiu sempre com o propósito concretizado de dirigir à dita BB as expressões supra referidas, bem sabendo que, ao agir assim, a ofendia na sua honra e consideração, bom nome e consideração pessoal, mais sabendo denegria a imagem dela perante o seu namorado e familiares, o que representou, quis e conseguiu;
138) O arguido AA agiu ainda com o propósito, concretizado, de molestar fisicamente BB, provocando-lhe dores, resultado este que representou e quis;
139) O arguido AA, ao arrancar-lhe da mão, de forma brusca e repentina, o porta chaves de BB, agiu com o propósito, concretizado, de o fazer seu, apesar de bem saber que tal objeto não lhe pertencia e que ao agir assim atuava contra a vontade e sem o consentimento da sua legítima dona;
140) Não obstante, atuou nos termos referidos, o que representou, quis e conseguiu;
141) Sabia ainda o arguido AA que, ao atuar dentro da casa de habitação de BB e durante a noite, ampliava o seu sentimento de receio, estando ciente que penetrava e permanecia no interior da habitação dela, sem autorização e contra a sua vontade, o que quis e só não logrou conseguir por motivos alheios à sua vontade;
142) Sabia ainda o arguido AA que perturbava a paz e o sossego de BB, bem como o espaço da sua vida pessoal e reservada, o que quis e conseguiu, querendo abranger todas as formas possíveis de comunicação tecnicamente permitidas através de tais aparelhos, incluindo a palavra sonora para o telemóvel, que com a ligação de chamada e envio de mensagens escritas emite um som de aviso;
143) Além disso, sabia que difundia, através da internet, via WhatsApp e Messenger e perante terceiros, dados pessoais da ofendida, designadamente imagens e sons, relativos à intimidade da vida privada dela, retratando o corpo nu e a cara dela e nos quais surgiam ambos a manter atividades sexuais com cópula completa, com coito vaginal, anal e oral, bem sabendo que o fazia sem o consentimento da ofendida e contra a vontade desta;
144) Ao atuar do modo supra descrito, agiu ainda o arguido AA com o propósito, não concretizado, de constranger CC a terminar a relação de namoro que mantinha com a BB, o que só não logrou conseguir por motivos alheios à sua vontade;
145) Além disso, nos termos referidos, o arguido AA agiu sempre com o propósito concretizado de danificar as escovas do para brisas do veículo de BB, apesar de bem saber que aqueles objetos e veículo não lhe pertenciam e que, ao agir nos termos supra descritos, o fazia sem o consentimento e contra a vontade da respetiva dona;
146) Em todos os momentos, o arguido AA atuou livre, voluntária e conscientemente, ciente do caráter ilícito e reprovável das suas condutas;
C
147) No dia 13 de outubro de 2022, foi apreendido ao arguido AA o telemóvel da marca Samsung, modelo ..., de cor branca, operadora A..., com o cartão SIM n.º ... e o IMEI ...;
148) O arguido AA detinha no aludido telemóvel vídeos onde BB aparece, de modo a ser perfeitamente identificada por quem os visualize, nua e praticar atos de cariz sexual, tais como relações de cópula, coito anal, coito oral e de masturbação;
149) O arguido AA utilizou o aludido telemóvel na prática dos factos descritos supra;
II
150) O arguido nasceu no dia ../../1976;
151) Ao tempo dos factos acima descritos, o arguido AA vivia em coabitação com o cônjuge de 49 e a descendente de 15 anos de idade, partilhando os três um apartamento próprio, dotado de adequadas condições de habitabilidade, situada em meio semiurbano, sem incidência de problemáticas criminais;
152) Atualmente, o arguido AA mantém idêntico agregado e condições habitacionais;
153) O casal ultrapassou as dificuldades vividas durante o período em que o arguido AA manteve o relacionamento extraconjugal com BB, encontrando-se atualmente a atravessar uma fase de estabilidade e apoio mútuo;
154) O arguido AA está habilitado com o 12.º ano de escolaridade, trabalhando há cerca de nove anos como Auxiliar Técnico de Prótese Dentária numa empresa designada “D... Lda”, com registo de hábitos de trabalho regulares e valorizados pelo seu patrão;
155) As condições de subsistência do agregado eram asseguradas pela remuneração liquida do arguido no valor atual de 1 014 €, não exercendo o cônjuge atividade profissional remunerada, acrescida do abono de família da descendente no valor de 72 €;
156) Como principais despesas fixas mensais do agregado, apresentavam a amortização do empréstimo para a habitação no valor de 299,95€ e os consumos domésticos com água, gás natural, energia elétrica, telecomunicações e condomínio, no valor aproximado de 200 € mensais;
157) Atualmente o arguido mantém a sua remuneração e o agregado conta, agora, com o salário do cônjuge, operador especializado de 3º, no valor de 860 €;
158) Para além das despesas suprarreferidas apresentam ainda um crédito automóvel e um crédito pessoal que totalizam 283 €;
159) O arguido AA reconhece que, após BB ter encetado um novo relacionamento, apresentou dificuldades em lidar com os ciúmes sentidos, sentindo-se enganado e vendo defraudadas as suas expetativas de continuar a manter o relacionamento de intimidade;
160) Nos dois anos seguintes, o arguido AA admite ter tido dificuldade em lidar com o afastamento afetivo por parte de BB, situação ultrapassada com o apoio do cônjuge e do grupo familiar de origem, pais e três irmãos;
161) Encontra-se positivamente integrado no meio socio-residencial, com uma rede de suporte por parte de familiares e amigos, nos quais se inclui o seu patrão, pessoas referenciadas como pró-sociais;
162) É o primeiro contacto do arguido AA com o sistema de justiça, encarando-o com embaraço, atenta a natureza dos factos que lhe subjazem;
163) À parte este sentir manifestado pelo próprio, não se identificam repercussões ao nível familiar, laboral e social, continuando o arguido AA a ter o apoio da sua família de origem e da constituída, do seu patrão e estando inserido na comunidade socio-residencial;
164) O arguido AA confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe eram imputados, mostrando-se arrependido;
165) Já procedeu ao pagamento da indemnização que acordou com BB, no valor de 5 500 €;
166) O arguido AA não tem antecedentes criminais;
B. Factos não provados
7. Com relevo para a boa decisão da causa, não se provaram quaisquer outros que estejam em contradição com os dados como provados.
C.
8. O demais — que não consta nem do elenco dos factos provados nem dos não provados — ou constituem considerandos puramente jurídicos ou factos conclusivos ou irrelevantes para a decisão.
D. Motivação
9. Em termos genéricos, o Tribunal fundou a sua convicção considerando as declarações do arguido, bem como o teor da prova documental e pericial que consta dos autos, analisando todos os elementos probatório em confronto entre si e de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador (artigo 127.º do Código de Processo Penal).
Concretizemos.
10. Factos provados.
10.1. Factualidade descrita em 1) a 149) dos factos provados.
a) Em primeiro lugar — e essencialmente — o Tribunal fez assentar a sua convicção considerando as declarações do arguido AA que, sem rebuço, confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe eram imputados na acusação.
Estas declarações apresentaram-se credíveis, por duas ordens de razões:
– primus, porque foi notório que estava bem ciente dos factos que lhe imputavam e das consequências que para si adviriam de assumir a sua prática (até porque se encontrava assistido por defensor), não sendo crível que fosse reconhecer a prática dos factos se efetivamente neles não tivesse participação;
– depois porque a generalidade dos factos que foram admitidos encontram suporte noutros elementos probatórios, nomeadamente as declarações (para memória futura) da assistente, prova documental e pericial.
b) Além das declarações do arguido, como fomos adiantando, o Tribunal fundou a sua convicção considerando alguns elementos documentais, tais como:
– assentos de nascimento de BB e do arguido AA respetivamente a fls. 23 e fls. 24;
– diário clínico de fls. 55;
– auto de apreensão de fls. 114, cujo telemóvel foi, depois examinado e cujos autos constam a fls. 253 a 260, fls. 280 a 290 e fls. 328 a 331, assim como as mensagens e indicações de chamadas efetuadas e recebidas que foram extraídas e que se mostram a fls. 291 a 327 e fls. 332 a 367.
Ainda no quadro da prova documental, o Tribunal visualizou as imagens e vídeos que foram extraídos do telemóvel do arguido (constam de ficheiro agrafado na contracapa do volume I), assim tomando conhecimento direto com o que nele constava.
c) Considerou, ainda, o Tribunal Coletivo prova pericial, anotando-se aqui a perícia médico-legal a HH cujo relatório consta de fls. 74 a 75
Neste contexto, importa ainda
d) Cumpre ainda anotar que BB prestou declarações para memória futura (cf. auto de fls. 225-226) — as quais foram ouvidas pelo Tribunal Coletivo — nelas dando conta dos factos que vinham descritos no libelo acusatório.
e) Por fim, deve assinalar-se que o teor da factualidade descrita em 131) a 146) dos factos provados resulta das regras da experiência e do normal acontecer em face do descrito em 1) a 30) dos factos provados, anotando-se que o arguido também confessou esta factualidade. Aliás, deve anotar-se que o modo como articulou o seu discurso foi revelador de ser capaz de apreender a realidade envolvente (também a normativa) e adequar-se a ela.
10.2. Factualidade descrita em 150) a 166) dos factos provados.
a) Aqui, o Tribunal atendeu ao teor do relatório social que foi junto ao processo (fls. 619 a 621), sendo o mesmo elaborado por técnico com especiais habilitações e que se socorreu de fontes e metodologias que temos por adequadas para retratar o teor da factualidade ali referida. Ademais, o que é relevante, o arguido AA, notificado do teor do mesmo, não esboçou qualquer reação.
b) Atendeu o Tribunal, ainda, ao documento que consta de fls. 629, comprovativo de transferência bancária do montante de 5 500 € para conta bancária titulada por BB.
c) Quanto aos antecedentes criminais do arguido AA, tomou o Tribunal em consideração o certificado do registo criminal que se mostra a fls. 611.
11. Factos não provados.
Nada a referir. “
Decidindo.
O recurso questiona a qualificação legal do crime de roubo, argumentando que os factos provados não se enquadram na definição deste crime e defendendo que o incidente deveria ser considerado no contexto da violência doméstica. Além disso, o arguido recorre da duração da pena de prisão aplicada especificamente ao crime de roubo e, consequentemente, da pena única, defendendo uma redução com base em fatores atenuantes. Por fim, o recurso solicita a diminuição do período de suspensão da execução da pena de prisão, argumentando que a duração fixada pelo tribunal é desproporcional face às circunstâncias do caso e à personalidade do arguido.
Vejamos.
A propósito do crime de roubo o tribunal a quo considerou que “A.2. Do crime de roubo
22. Imputa ainda o Ministério Público ao arguido a prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal.
Estatui-se no artigo 210.º, n.º 1, caraterizando o roubo, que “quem, com intenção de ilegítima apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo eminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos”.
23. O crime de roubo apresenta-se como um “crime complexo que ofende quer bens jurídicos patrimoniais — o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis — quer bens jurídicos pessoais — a liberdade individual de decisão e de ação (em certos casos, a própria liberdade de movimentos) e a integridade física”, em casos extremos, inclusivamente, a própria vida. “Saliente-se, no entanto, que a ofensa aos bens pessoais surge como o meio de lesão dos bens patrimoniais” (Conceição Ferreira da Cunha, Comentário Conimbricense do Código Penal: Parte Especial – Tomo II, vol. I, Gestlegal, 2022, pág. 190).
Esta consideração do roubo como um crime que tutela diferentes bens jurídicos resulta da própria letra da lei, aí se fazendo referência não só à subtração de coisa móvel alheia (remetendo, de modo claríssimo para a tutela do património), mas também aos meios tipificados na lei para levar a cabo tal subtração:
– a violência ataca a liberdade e a integridade física;
– a ameaça ofende a liberdade individual de ação e de decisão; e
– a colocação na impossibilidade de resistir ofende igualmente a liberdade individual.
Sendo certo, deve dizer-se, que nem sempre é fácil delimitar os meios referidos no tipo, nomeadamente a violência da colocação na impossibilidade d resistir.
24. Considerando a natureza poliédrica do crime de roubo, são várias as pessoas suscetíveis de serem sujeitos passivos do mesmo ou suas vítimas.
Desde logo, o proprietário da coisa móvel ou animal ou o seu detentor (a pessoa que tem a guarda do bem). Mas também a pessoa que oponha resistência à subtração do bem (e, por isso, contra ela é exercida violência — aqui em sentido amplo, abrangendo a ameaça ou a colocação na impossibilidade de resistir) ou que, tendo o bem em seu domínio, seja constrangida à sua entrega (neste sentido, Conceição Ferreira da Cunha, Comentário cit. – II, vol. I, págs. 196 e 197, que, no essencial, se seguirá).
A situação em que surge um terceiro que auxilia o detentor do bem suscita o problema de saber como deve ser punida a conduta daquele que exerce violência sobre este terceiro: se o furto está em execução, haverá apenas um roubo; mas se já se exerceu violência sobre o detentor do bem, a violência sobre o terceiro auxiliador será punida em concurso com o roubo como ofensas à integridade física (ou ameaça).
Importa ainda assinalar que o crime ameaçado e a violência podem visar terceiro (pessoa diferente do detentor do bem), sendo necessário que a ameaça ou a violência atinjam o detentor do bem em termos de criar constrangimento no detentor do bem.
25. Tempo, agora, de abordar a conduta tipificada na lei: subtrair ou constranger a que lhe seja entregue coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade em resistir.
a) A subtração “traduz-se em uma conduta que faz com que a coisa ou o animal saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor”, implicando, “por consequência, a eliminação do domínio de facto que outrem detinha sobre a coisa ou animal”, de tal modo que “o agente da infração lança sobre a coisa [ou animal] um novo poder de facto”, destinando-se a “fazer entrar no domínio de facto do agente as utilidades da coisa ou do animal que estavam anteriormente no sujeito que a detinha” (José de Faria da Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal: Parte Especial – Tomo II, vol. I, Gestlegal, 2022, págs. 53 e 54, a propósito do furto, mas com inteira aplicação nesta sede).
Por sua vez, constranger significa “coagir — obrigar, pressionar — afetando, assim, a liberdade do coagido”, “constrangimento que abrange a vis compulsiva, a vis absoluta e ainda a afetação da capacidade de decisão” (Conceição Ferreira da Cunha, Comentário cit. – II, vol. I, pág. 200).
b) O objeto da subtração ou da entrega terá de ser coisa móvel alheia ou o animal alheio. Considerando que, no caso dos autos, não há qualquer referência a animais enquanto “seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza” (artigo 201.º-B do Código Civil), importa agora saber o que é “coisa móvel alheia”.
Ora, para efeitos do crime de roubo — tal como do crime de furto, acrescente-se —, coisa será qualquer entidade física do mundo exterior, diversa do homem, do animal e do cadáver destinado à sepultura, dotada de capacidade instrumental de satisfazer uma necessidade humana, material ou imaterial e, por isso, suscetível de ser objeto de direitos patrimoniais (neste sentido, embora sem a referência aos animais, Ferrando Mantovani, Diritto Penale: Delitti Contro Il Património, CEDAM – Casa Editrice Dott. António Milani, 1995, pág. 21), apresentando-se com um mínimo de autonomia e economicidade (representando um certo valor, que pode não ser económico, mas de outra espécie, como meramente afetivo, como seja uma carta de um familiar).
No caso do roubo, acrescente-se, a noção de coisa deve ainda adequar-se à necessidade de ser passível de subtração/entrega e de apropriação, aqui se acentuando o caráter físico e corporal (no sentido dado pela física de ser um corpo).
Além disso, deve ser móvel, ou seja, deve ser suscetível de ser deslocada espacialmente.
Por fim, a coisa ou animal devem ser alheios, sendo-os se estiverem ligados, por uma relação de interesse, a uma pessoa diferente daquela que pratica a infração (assim, José de Faria da Costa, Comentário cit. – II, vol. I, pág. 51).
26. Relativamente aos meios tipificados na lei — violência contra uma pessoa, a ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ou a colocação da vítima na impossibilidade de resistir — importa dizer que o roubo é um crime de processo típico (e, nesta medida, de execução vinculada).
a) O conceito de violência abrange o uso da força física — a “intromissão, ainda que indireta (v. g., o caso de esticão) no corpo de uma pessoa” — e tem em vista “quebrar ou impedir a resistência da vítima”, abarcando agressões irrelevantes à integridade física, seja o simples tolher os movimentos ou mesmo o esticão que não provoca lesões (Conceição Ferreira da Cunha, Comentário cit. – II, págs. 200 e 201).
Para o roubo só é significativa, face à redação legal que tipifica outras ações, a violência exercida contra pessoas — e já não contra as coisas, salvo se a violência exercida diretamente contra a coisa também atinge, ainda que indiretamente a pessoa, como no caso do esticão — seja o próprio detentor da coisa seja um terceiro.
b) A ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física traduz-se num constrangimento, por via de um mal futuro — mas iminente e grave — para a integridade física e para a vida, através da provocação de medo, inquietação, e insegurança que afetam a liberdade de decisão e de ação (Conceição Ferreira da Cunha, Comentário cit. – II, vol. I, pág. 205).
c) Por seu lado, coloca-se a vítima na impossibilidade de resistir naquelas situações (por exemplo no uso de violência psíquica, hipnose, ministração de narcóticos) em que há o uso de meios sub-reptícios para constranger a vítima privando-a da capacidade de decisão e de ação (assim, Conceição Ferreira da Cunha, Comentário cit. – II, vol. I, págs. 203 e 204).
27. A lei impõe que a coisa seja subtraída ou entregue pela vítima (constrangida) por meio de violência, ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ou com colocação da vítima na impossibilidade de resistir. Isto é sinal inequívoco de que entre os meios utilizados (e tipificados na lei: violência, ameaça ou colocação na impossibilidade de resistir) e o resultado obtido (a subtração ou o constrangimento a que a coisa seja entregue) deve afirmar-se um nexo de imputação ou de causalidade.
E, relativamente à ameaça, basta que esta, analisada sob a perspetiva de um homem médio ou comum, tenha a aparência de ser séria e estar na dependência do ameaçador (até podem nem ser séria e nem estar na dependência do ameaçador, havendo crime naquelas situações em que, por exemplo, o agente do crime afirma que tem uma arma e, na verdade, não a tem).
28. Falta, ainda, dizer que o crime de roubo é um crime de dano e de resultado: “é necessário que tenha havido efetiva subtração ou que tenha sido entregue ao agente” a coisa, assim como “é necessário que tenha havido efetivo constrangimento (também ele um resultado e um dano — desta feita para bens pessoais; note-se ainda que também no caso da subtração se exige um constrangimento) levado a cabo por um dos meios descritos no tipo legal” (Conceição Ferreira da Cunha, Comentário cit. – II, vol. I, págs. 205 e 206).
Assim, para se preencher o tipo legal em apreço “não basta que se tenha conseguido um coisa móvel alheia ou que se tenha conseguido a sua entrega”, como “não basta ainda que, no intuito de se conseguir tal resultado último se tenha empregue violência, ameaça ou se tenha colocado outrem na impossibilidade de resistir”, já que se torna necessário “afirmar um nexo de imputação entre o conseguir a coisa móvel alheia e os meios utilizados e, assim, que esses meios tenham provocado um efetivo constrangimento à entrega do bem ou um efetivo constrangimento à tolerância da sua subtração” (Conceição Ferreira da Cunha, Comentário cit. – II, vol. I, pág. 206).
Note-se, por fim, que no que toca à ameaça, esta terá de ser não apenas adequada a constranger como efetivamente constranger, analisando-se esta adequação ao constrangimento de acordo com um critério objetivo-individual: a ameaça não tem de ser séria nem estar na dependência do ameaçador, bastando, do ponto de vista da vítima, que exista a aparência dessa seriedade e dependência (neste sentido, Conceição Ferreira da Cunha, Comentário cit. – II, vol. I, pág. 206).
29. Trata-se de um crime doloso, havendo o agente que representar todos os elementos constitutivos do crime (seja quanto à natureza alheia da coisa ou animal, assim como quanto ao modo como atua, nomeadamente quanto aos meios utilizados).
Deve anotar-se que o crime de roubo, como ressalta limpidamente da letra da lei, é um delito de apropriação: o agente é animado da ilegítima intenção de apropriação — que é, assim, o elemento subjetivo do tipo de ilícito. Esta nota permite deixar claro que o agente atua, em primeiro lugar, com uma intenção de desapropriar o dono da coisa ou animal que sabe não ser seu e, além disso, manifesta-se como elemento da vontade intencional de (o agente) se comportar em relação à coisa como sendo seu dono (José de Faria da Costa, Comentário cit. – II, vol. I, pág. 38).
30. Olhando, agora, a factualidade provada, entende-se que, efetivamente, se provou a prática, por parte do arguido AA, do imputado crime de roubo.
Veja-se que, em data concreta que não se apurou, mas situada no final do mês de agosto de 2022/inícios de setembro de 2022, o arguido AA, depois de conseguir entrar na garagem de BB, agarrou-lhe o braço e, de seguida, de forma repentina e brusca, arrancou um acessório em forma de “estrela” que existia acoplado ao porta-chaves de BB, puxando-o e arrancando-o do porta-chaves, fazendo-o seu.
Fê-lo com o propósito, concretizado, de tirar o porta-chaves a BB, para o exibir a CC e convencê-lo de que estava em casa de BB e de que esta o traía, o que só não conseguiu por motivos alheios à vontade do arguido, estando que tal objeto não lhe pertencia e que agia contra a vontade da sua dona, querendo e conseguindo fazer o dito objeto.
Por fim, atuou em tais termos, o que representou, quis e conseguiu, atuando livre voluntária e conscientemente, ciente do caráter ilícito e reprovável da sua conduta.(sublinhado nosso).
(…)
44. Impõe-se a análise, desde logo, do artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal.
a) Diz-se, então, no artigo 30.º, n.º 1 que “o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.
Importa, por isso, o que se deve entender como “crime” ou, rectius, por “tipo de crime”.
Esta tarefa não é isenta de dificuldades.
b) A primeira nota a atender é que o artigo 30.º, n.º 1, não atende a um critério baseado no número de ações praticadas pelo agente para aferir do número (e do concurso de) infrações ou de crimes, antes segue um critério assente no número de tipos legais de crime violados. Isto porque o “critério de identificação do concurso pelo legislador é o número de tipos legais de crime preenchidos pelo agente, ou o número de vezes que um tipo legal se deixou preencher, sendo indiferente o número de ações em sentido naturalístico que são absorvidas por um só tipo legal de crime” (Maria Paula Ribeiro de Faria, Formas Especiais do Crime, Universidade Católica Editora, 2017, pág. 374).
Todavia, continuamos sem saber o que se deve entender como “crime” ou, rectius, por “tipo de crime”. E descobri-lo é uma tarefa que não é isenta de dificuldades.
Vejamos.
c) O Professor Eduardo Correia sustenta que o número de crimes se determina pelo número de juízos de censura dirigidos ao agente, reconduzidos estes às diferentes resoluções criminosas.
Este penalista, partindo da ideia de que o “número de infrações determinar-se-á pelo número de valorações que, no mundo jurídico-criminal, correspondem a uma certa atividade”, levando-o a afirmar que “se diversos valores ou bens jurídicos são negados, outros tantos crimes haverão de ser contados, independentemente de, no plano naturalístico, lhes corresponder uma só atividade”, havendo vários crimes sempre que há “vários juízos de censura”, esclarecendo que “seguro é que, sempre que possa verificar-se uma pluralidade de resoluções — de resoluções no sentido de determinações de vontade, de realizações do projeto criminoso — o juízo de censura será plúrimo” (Direito Criminal – vol.II, Livraria Almedina, 1965, [reimpressão: 1988], págs.200 a 202).
Quanto ao modo ou critério a seguir para determinar uma pluralidade ou unidade de resoluções é necessário apelar-se à “conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente”, afirmando-se uma unidade resolutiva naquelas situações em que, “em regra e de harmonia com os dados de experiência psicológica”, “o agente executou toda a sua atividade sem ter de renovar o respetivo processo de motivação” (Eduardo Correia, Direito cit., pág. 202).
d) Por seu turno, entende o Professor Figueiredo Dias que “o «crime» por cuja unidade ou pluralidade se pergunta é o facto punível e, por conseguinte, uma violação de bens jurídico-penais que integra um tipo legal ao caso efetivamente aplicável”, sendo que a essência de tal violação reside no “substrato de vida dotado de um sentido negativo de valor jurídico-penal”. De tal modo que o critério para diferenciar a unidade ou pluralidade de crimes se encontra na “unidade ou pluralidade de sentidos sociais de ilicitude do comportamento global”, em termos de se poder dizer que estamos perante um concurso efetivo se for possível emitir uma “pluralidade de sentidos sociais autónomos dos ilícitos-típicos cometidos”, enquanto estaremos perante um único crime se o comportamento global do agente “é dominado por um único sentido autónomo de ilicitude”, situação em que estaremos perante um concurso aparente (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal: Parte Geral – Tomo I, Gestlegal, 3.ª ed., 2019, págs. 1149 a 1152).
Entende ainda o ilustre professor que “da pluralidade de normas típicas concretamente aplicáveis ao comportamento global é legítimo concluir, prima facie, que aquele comportamento revela uma pluralidade de sentidos sociais de ilicitude” e em tal situação estaremos perante um concurso efetivo, puro ou próprio (Direito Penal cit., pág. 1069). “Casos existem, no entanto, em que uma tal presunção pode ser ilidida porque os sentidos singulares de ilicitude típica presentes no comportamento global se conexionam, se intercessionam ou parcialmente se cobrem de forma tal que, em definitivo, se deve concluir que aquele comportamento é dominado por um único sentido de desvalor jurídico-social” (Direito Penal cit., pág. 1075).
Ora, para se apurar essa relação de “dominância”, deve dar-se uso, como critério primacial, o da “unidade de sentido do acontecimento ilícito global final”, pois o que se passa é que “nestes casos, o agente se propôs uma realização típica de certa espécie” — por exemplo, obter uma vantagem patrimonial sobre certa pessoa burlando-a — e, para lograr (e consolidar) o desiderato, se serviu, como dolo necessário ou eventual, de métodos, de processos ou meios já em si mesmo também puníveis”, assim se observando a existência de um sentido de ilícito absolutamente dominante e «autónomo», a par de outro ou outros sentidos dominados ou «dependentes»” (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal cit., págs. 1180 a 1181).
Este critério é observável ou concretizável ou mesmo complementado por outros critérios donde resulte a esta “unidade de sentido do acontecimento ilícito global-final”, nomeadamente (desenvolvidamente, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal cit., págs. 1182 a 1188):
– o critério do crime instrumental ou crime-meio (abarcando aquelas situações em que “um ilícito singular surge, perante o ilícito principal, unicamente como meio de o realizar e nesta realização esgota o seu sentido e efeitos”);
– a unidade de desígnio criminoso (que, em certas situações, “pode conferir a uma pluralidade de realizações típicas um sentido fundamentalmente unitário do ilícito”, quer se trate de um concurso homogéneo ou heterogéneo, quer se verifique ou não a contemporaneidade das realizações típicas);
– a conexão espácio-temporal das realizações típicas (observando-se que “uma certa unidade ou proximidade de espaço e/ou tempo das realizações típicas pode constituir forte estímulo para concluir pela intersecção dos sentidos dos ilícitos singulares e, por essa via, por uma leitura unitária do sentido de ilícito do comportamento total” e, por essa via, por um concurso aparente); e
– os diferentes estádios de evolução ou de intensidade da realização global.
É, aliás, por este diapasão que também afina a Professora Paula Ribeiro de Faria, considerando que não pode ser a resolução criminosa (ou o processo volitivo) o critério decisivo para apurar do concurso de infrações. Ao invés, sendo indiciador de uma pluralidade de crimes a ocorrência de uma pluralidade de bens jurídicos violados e de uma pluralidade de processos volitivos, o decisivo, para afirmar a pluralidade de infrações, deve ser o critério do significado social do facto, pelo que, é “em face do significado efetivo do comportamento à luz das valorizações essenciais e prévias acerca da ilicitude de uma conduta (valorações de natureza social) que deve ser resolvida a questão da unidade ou multiplicidade de crimes”, já que, “no fundo, a decisão sobre a existência da unidade ou pluralidade de infrações vai depender de uma valoração prévia e global do sentido do facto à qual o aplicador do direito terá de adequar a relação entre os tipos legais de crime que tem perante ele, e não o inverso” (Maria Paula Ribeiro de Faria, Formas cit., págs. 374 a 376).
45. Aqui chegados, importa aplicar tais considerandos ao caso em apreço, tendo por pano de fundo os factos provados e os concretos crimes imputados/praticados ao arguido.
a) A primeira nota a salientar é que o crime de violência doméstica tutela um bem jurídico (a integridade física, a saúde, física e psíquica), bem jurídico iminentemente pessoal e que, por isso, implicará a prática de tantos crimes quantas as vítimas/ofendidos/pessoas atingidas pela conduta do agente. E, note-se — sendo um crime de perigo — basta que a conduta seja apta a colocar em perigo tal bem, sendo desnecessária a comprovação de danos efetivos na saúde física ou psíquica da vítima.
b) Acresce que, como nota segunda, tratando-se de um crime de perigo abstrato, basta que a conduta seja apta, em abstrato, de causar danos em qualquer das vítimas que sejam elencadas no n.º 1 do artigo 152.º que tal implicará o cometimento do crime. E, também aqui vale o princípio de que haverá tantos crimes quantas pessoas sejam atingidas pela conduta maltratante.
c) Ademais, sendo um crime que protege a saúde cuja lesão não se mostra necessária à consumação ou perfeição do crime — como vimos, estamos perante um crime de perigo — a qual, acrescente-se, se poderá bastar com a prática de uma só ato, muito embora sejam (muito) frequentes os casos em que o ilícito perpetrado não se esgota num só ato.
Por outro lado, e no quadro acabado de assinalar, não pode deixar de se considerar que o crime de violência doméstica se bastará, frequentemente, com a prática de um só ato para a sua consumação, sem prejuízo de, frequentemente, a respetiva realização pressuporá uma pluralidade de atos (v. g., a prática de várias injúrias ou várias agressões)”, sendo que em, qualquer destas hipóteses, há um único crime. Aliás, a este propósito, poderá dizer-se estarmos em presença de um crime de empreendimento ou crime de atentado — são aqueles em que, no dizer de Helena Moniz, há “a equiparação da tentativa à consumação, antecipando-se a tutela penal para um momento anterior à lesão do bem jurídico” (Helena Moniz, “Crime de trato sucessivo” (?),in Revista Julga Online, abril de 2018, págs. 5 a 10, aqui na pág. 6), verificando-se uma “«distonia entre a consumação formal e material»” (“Crime cit., pág. 6) porquanto “os atos que noutros casos seriam classificados como de tentativa são aqui tidos como atos de consumação do próprio crime”, isto é, “são crimes onde ocorre uma antecipação da tutela penal, antes mesmo da lesão do bem jurídico, constituindo condutas criadoras de um perigo para o bem jurídico, condutas que integram atos dirigidos de forma imediata à realização do tipo e idóneas à criação daquele perigo”, pelo que “tratando-se de casos onde ocorre uma equiparação entre a tentativa e a consumação, verifica-se não só uma antecipação da tutela penal, mas também uma punição mais grave do que aquela que ocorreria se aqueles mesmos atos fossem punidos segundo as regras da tentativa” uma vez que não há lugar à atenuação da pena prevista para a tentativa nos termos do artigo 23.º, n.º 2, do Código Penal (“Crime cit., pág. 5) — e, dentro desta categoria, de um “crime exaurido” — trata-se de ilícitos criminais “em que, após a realização da conduta que já integra a consumação formal ou típica, ainda pode haver a produção do resultado que ainda interessa à valoração típica porque ligado aos bens jurídicos protegidos pelo tipo; é aquilo que se refere no artigo 24.º, n.º 1, do Código Penal, como resultado não compreendido no tipo”, pelo que podemos falar de crime exaurido relativamente aos “crimes de consumação antecipada, como os crimes de perigo, os crimes de empreendimento ou de atentado, os crimes de intenção ou de resultado cortado, os crimes de estrutura iterativa ou reiterada, como os crimes duradouros e os permanentes quando a consumação se prolonga no tempo, ou os crimes de pluralidade de atos típicos” (cf., Helena Moniz, “Crime cit., págs. 8 e 9) e, portanto, esta categoria dos crimes exauridos aplica-se aos ilícitos criminais que “ficam consumados através da comissão de um só facto de execução, ainda que sem se chegar à realização completa e integral do tipo legal pretendido pelo agente”, “ficam perfeitos com a comissão de um só ato gerador do resultado típico, mas admitem uma aplicação unitária e unificadora da sua previsão aos diferentes atos múltiplos da mesma natureza praticados pelo agente, em virtude de tal previsão respeitar a um conceito genérico e abstrato e, por isso, os diversos atos constitutivos de infrações independentes e potencialmente autónomas podem, em diversas circunstâncias, ser tratados como se constituíssem um só crime, para que aqueles atos individuais fiquem consumidos e absorvidos por uma só realidade criminal (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.04.1996, Coletânea de Jurisprudência, págs. 170 a 173; de 12.07.2006, Coletânea de Jurisprudência, II, págs. 239 e 240; e de 5.12.2007, www.dgsi.pt).
d) Por fim, e no seguimento do que vimos dizendo, é justamente esta realidade que importa atender: no crime de violência doméstica, posto que com algumas limitações — veja-se que a punição só ocorrerá no quadro deste crime “se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal” — há o abranger de um conjunto de factos que, em si mesmo, poderão integrar a prática de outros crimes (ofensa à integridade física, ameaça, coação, injúria, dano, coação, …) e que, frequentemente, surgem com uma continuidade temporal, não se podendo falar que a cada “ofensa” corresponda um novo e autónomo crime. Aliás, com a tipificação deste ilícito, quis justamente o legislador atribuir relevância penal a comportamentos que, isoladamente, poderiam ou não ter relevância penal e, de outro, atribuir um específico e autónomo sentido de ilicitude a um conjunto de condutas, levadas a cabo num quadro especial e próprio.
46. De tudo quanto vai dito, importa retirar as devidas conclusões, para assinalar, na sequência do que acabamos de referir e reconhecendo-se que o crime de violência doméstica inclui a prática de factos que podem constituir a prática de crimes autónomos — de injúria, de ofensa à integridade física, de dano, de difamação, de perseguição/introdução em lugar vedado ao público, devassa da vida privada, de violação de domicílio, de coação — o conjunto dos factos suscetíveis de concretizar (e, hoc sensu, tipificar) a prática de outros e autónomos ilícitos assume (apenas!) um (só, passe a redundância) autónomo sentido de social de ilicitude, de tal ponto que aquelas condutas que seriam suscetíveis de integrar os crimes de dano e de violação de domicílio ou perturbação da vida privada encontram-se abrangidas ou englobadas no âmbito da (sentido social de) ilicitude do crime de violência doméstica, este tipificado no artigo 152.º, n.º 1, al. b), com as agravantes previstas no n.º 2,seja a al. a), seja a al. b) do Código Penal.
Dito de modo mais simples (e nem por isso menos rigoroso): os crimes de dano e de violação de domicílio e perturbação da vida privada imputados ao arguido mostram-se abrangidos pelo crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, als. a) e b), do Código Penal, razão pela qual não serão punidos autonomamente.
Diversamente ocorre relativamente ao crime de roubo previsto no artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, cuja punição poderá chegar aos 8 anos de prisão e, por isso, fica abrangida pela cláusula de exclusão resultante da expressão “se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal” que se encontra no n.º 1 do artigo 152.º do Código Penal — lembrando aqui que a pena do crime de violência doméstica, mesmo na sua forma agravada prevista no n.º 2, não vai além dos 5 anos de prisão.
E na concretização da pena única referiu. “48. Feitos estes considerandos, passemos à análise do caso sub iudice.
Importa aqui anotar, em primeiro lugar, que os crimes praticados pelo arguido AA, embora não ofendam o mesmo bem jurídico — dum lado, a saúde física, psíquica e mental das pessoas e doutro, o património — nem por isso se apresentam desligados: o roubo também tutela ou pode tutelar a integridade física, anotando-se que, no caso em apreço, este crime patrimonial foi levado a cabo dirigindo-se a violência contra a pessoa/corpo de BB.
Por outro lado, assim revelando uma ligação entre ambos acentuada, o crime de roubo foi praticado essencialmente no quadro dos factos constitutivos do crime de violência doméstica e essencialmente tendo em vista esta: evola limpidamente dos factos provados que o arguido não pretendia “ficar para si”, no sentido aqui de querer dele retirar as utilidades para que, considerando o uso corrente ou normal da mesma, aquele objeto estava destinado, antes pretendo com tal objeto criar uma situação que levasse ao rompimento da relação de namoro que existia entre CC e BB.(sublinhado nosso).
Impõe-se aqui ponderar as consequências danosas do conjunto das condutas levadas a cabo pelo arguido, aqui se considerando as que se repercutiram na pessoa — corpo e mente — de BB.
Assim, o quadro global dado pelos factos não aponta para uma ilicitude elevada.
No que à personalidade do arguido AA diz respeito, crê-se que da factualidade provada resulta que as suas condutas penalmente ilícitas foram levadas a cabo num contexto específico de frustração pelo termo de um relacionamento amoroso (ainda que extraconjugal…) e de incapacidade para gerir tal separação, num lapso de tempo que, atendendo ao crime que estamos a analisar, não se deve considerar muito longo.
Por outro lado, a confissão dos factos, a arrependimento manifestado e (tentativa) de mitigar os danos causados — procedeu, já, ao pagamento do montante acordado a título de indemnização —, a que se associa o facto de não ter antecedentes criminais e pautar a sua vida pelo respeito das normas sócios — o que se revela também pela sua boa inserção social e profissional — apontam em favor do arguido.
Deste modo, tudo sopesado, deve considerar-se que os factos apontam para a ocasionalidade das condutas delituosas, não revelando uma particular tendência desvaliosa da sua personalidade, razão pela qual se entende que a pena única pode situar-se próximo do seu mínimo legal.
Assim sendo, é adequado condenar o arguido na pena única de 3 anos e 2 meses de prisão. “
Tendo presente esta exposição não podemos de deixar de dar razão ao recorrente.
Está em causa a apreciação da factualidade descrita nos nºs 92 a 95, 139 e 146 dos factos provados, integrada, como da sua numeração resulta, num longo historial de factos que aqui se dão por reproduzidos e que o Tribunal qualificou como crime de violência doméstica qualificado.
Os factos são os seguintes:
92) Nesse dia, BB deslocou-se a sua casa na hora de almoço e, enquanto entrava para o interior da sua garagem, o arguido AA correu na sua direção, logrando entrar na dita garagem;
93) Ato contínuo, agarrou o braço daquela BB, apertando-o com força, e, de seguida, de forma repentina e brusca, arrancou um acessório em forma de “estrela” que existia acoplado ao porta-chaves de BB, puxando-o e arrancando-o do porta-chaves, fazendo-o seu;
94) Então, de imediato, o arguido AA ligou, por videochamada, ao namorado de BB, CC, exibindo o dito acessório do porta-chaves, dizendo-lhe, em tom sério e credível, “a BB é minha! Estou com ela agora! Isto é a prova de que a BB continua comigo”;
95) Com a conduta supra descrita, o arguido AA agiu com o propósito, concretizado, de tirar o porta-chaves a BB, para o exibir a CC e convencê-lo de que estava em casa de BB e de que esta o traía, o que só não conseguiu por motivos alheios à vontade do arguido; (negrito nosso)
139) O arguido AA, ao arrancar-lhe da mão, de forma brusca e repentina, o porta chaves de BB, agiu com o propósito, concretizado, de o fazer seu, apesar de bem saber que tal objeto não lhe pertencia e que ao agir assim atuava contra a vontade e sem o consentimento da sua legítima dona;
146) Em todos os momentos, o arguido AA atuou livre, voluntária e conscientemente, ciente do caráter ilícito e reprovável das suas condutas;
Comete o crime de roubo «Quem, com intenção de ilegítima apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo eminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir…» (art. 210º, nº 1 do Código Penal)
Isoladamente considerados, os factos nºs 92, 93, 139 e 146 poderiam ser suscetíveis de integrar a prática de um crime de roubo, subsumível à transcrita previsão legal.
De facto, em data não apurada, mas no final de agosto/inícios de setembro de 2022, o arguido AA entrou na garagem de BB. Agarrou o braço de BB e, de forma repentina e brusca, arrancou um acessório em forma de "estrela" que estava acoplado ao porta-chaves dela, puxando-o e ficando com ele.
O arguido fez isto com o propósito de o exibir a CC e convencê-lo de que estava em casa dela e que ela o traía.
O arguido agiu sabendo que o objeto não lhe pertencia e que agia contra a vontade da dona, querendo e conseguindo ficar com o dito objeto.
Atuou livre, voluntária e conscientemente, ciente do caráter ilícito e reprovável da sua conduta.
O crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, exige que a subtração ou o constrangimento à entrega da coisa ocorra "por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo eminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir".
O roubo distingue-se do furto precisamente pela existência de violência ou pela colocação da vítima na impossibilidade de resistir.
É um crime de execução vinculada, onde a subtração ou constrangimento devem ser realizados por meio de violência, ameaça ou colocação na impossibilidade de resistir, o que caracteriza o tipo objetivo.
Ora, tendo presentes os factos dados por provados e não questionados resulta que houve uma situação de violência para a pessoa física da vitima com evidente constrangimento da assistente.
O arguido empregou violência ao agarrar o braço da assistente, ao arrancar de forma brusca e repentina o objeto, contra a sua vontade, porta chaves ou parte dele, puxando-o.
Contudo, não nos parece que o intuito tenha sido o de querer apropriar-se do objeto.
Ponderadas as descritas condutas do arguido ao longo de muitos meses dos anos de 2020, 2021 e 2022 e o provado propósito do arguido na subtração do acessório do porta-chaves da ofendida – exibir a CC e convencê-lo de que estava em casa de BB e de que esta o traía – não se nos afigura que esta conduta do arguido integre a prática do crime de roubo e seja autonomizável do crime de violência doméstica pelo qual foi condenado.
Não se ignora, como muito bem se anota no douto acórdão e na douta resposta ao recurso que o crime de roubo tutela bens jurídicos diferentes dos protegidos pelo crime de violência doméstica, também não se ignoram os comandos do artigo 30º do CP relativamente à unidade e pluralidade de infrações e, bem assim, que a punição só ocorrerá no quadro do crime de violência doméstica “se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal”, tudo conforme exaustiva e doutamente exposto na decisão recorrida.
Contudo, na análise de toda a provada factualidade não se surpreende uma vontade especifica, acrescida e com o grau de autonomia bastante à formulação de um juízo de censura independente e diverso do formulado pelo crime de violência doméstica.
Com efeito, como bem se aduz no acórdão recorrido a final e a propósito da determinação da concreta pena:
«Importa aqui anotar, em primeiro lugar, que os crimes praticados pelo arguido AA, embora não ofendam o mesmo bem jurídico — dum lado, a saúde física, psíquica e mental das pessoas e doutro, o património — nem por isso se apresentam desligados: o roubo também tutela ou pode tutelar a integridade física, anotando-se que, no caso em apreço, este crime patrimonial foi levado a cabo dirigindo-se a violência contra a pessoa/corpo de BB.
Por outro lado, assim revelando uma ligação entre ambos acentuada, o crime de roubo foi praticado essencialmente no quadro dos factos constitutivos do crime de violência doméstica e essencialmente tendo em vista esta: evola limpidamente dos factos provados que o arguido não pretendia “ficar para si”, no sentido aqui de querer dele retirar as utilidades para que, considerando o uso corrente ou normal da mesma, aquele objeto estava destinado, antes pretendo com tal objeto criar uma situação que levasse ao rompimento da relação de namoro que existia entre CC e BB.» (negrito nosso).
É o que, na verdade, evola de todo o comportamento do arguido. O ato de arrancar o acessório em forma de “estrela” que existia acoplado ao porta-chaves da ofendida não visou a “apropriação para si” do indicado acessório, no sentido de dele se tornar dono, antes visou “apenas” exibir tal objeto ao então namorado da ofendida e assim provocar o termo desta relação de namoro. Comportamento este que, tal como os demais provados, ainda e também se integra na prática do crime de violência doméstica pelo qual o recorrente foi condenado.
Não se surpreende na conduta do arguido um animus de apropriação ou apenas nocendi relativamente ao porta-chaves.
O que se observa é mais um ato de perseguição, de humilhação, de imposição da sua vontade, de desprezo relativamente à vontade da ofendida e de subjugação desta. E tanto, ainda que com manifesto relevo para o grau de ilicitude dos factos e para a medida da pena, não tem a densidade suficiente à formulação de um juízo de censura independente do formulado para a violência doméstica e que a este acresça.
Considerando o vertido pelo tribunal a quo nos pontos 95 e 139 e a fundamentação ao nível da pena concreta: “95) Com a conduta supra descrita, o arguido AA agiu com o propósito, concretizado, de tirar o porta-chaves a BB, para o exibir a CC e convencê-lo de que estava em casa de BB e de que esta o traía, o que só não conseguiu por motivos alheios à vontade do arguido;
139) O arguido AA, ao arrancar-lhe da mão, de forma brusca e repentina, o porta chaves de BB, agiu com o propósito, concretizado, de o fazer seu, apesar de bem saber que tal objeto não lhe pertencia e que ao agir assim atuava contra a vontade e sem o consentimento da sua legítima dona;
“(…)evola limpidamente dos factos provados que o arguido não pretendia “ficar para si”, no sentido aqui de querer dele retirar as utilidades para que, considerando o uso corrente ou normal da mesma, aquele objeto estava destinado, antes pretendo com tal objeto criar uma situação que levasse ao rompimento da relação de namoro que existia entre CC e BB.”, constata-se a presença de uma contradição factual insanável da fundamentação do art. 410º, n º 2, al. b) do CPP a qual é do conhecimento oficioso e suscetível de ser conhecida oficiosamente porque resultante da análise do próprio texto da decisão a quo, o conjunto dos factos dados como provados e fundamentação apurada ao nível da concretização da pena, sem recurso a qualquer outro meio exógeno.
Tendo presente o disposto no art. 431º, al. a) do CPP, deve ser eliminada dos factos provados no ponto 139) a expressão “com o propósito, concretizado, de o fazer seu”.
Entendemos, pois, que não há fundamento legal para autonomizar dois crimes (violência doméstica e roubo) punindo o arguido em concurso real, antes devendo ser punido apenas pelo crime de violência doméstica.
É o que, na verdade, evola de todo o comportamento do arguido. O ato de arrancar o acessório em forma de “estrela” que existia acoplado ao porta-chaves da ofendida não visou a “apropriação para si” do indicado acessório, no sentido de dele se tornar dono.
O crime de violência doméstica enquadra-se nos crimes que se consomam por atos sucessivos ou reiterados, mas que constituem um único crime. A sua descrição típica é abrangente e capaz de contemplar numerosos comportamentos que, individualmente, seriam reconduzíveis a outras incriminações (como ofensas à integridade física, injúrias, coação, etc.).
Em tais casos, as normas abstratamente aplicáveis encontram-se numa relação lógico-jurídica onde apenas a norma prevalecente (violência doméstica) é aplicável, excluindo a aplicação das restantes (os crimes individuais), pois a norma prevalecente já avalia de forma esgotante o conteúdo de ilícito e de culpa do comportamento global.
Neste contexto, entre o crime de violência doméstica (artigo 152.º CP) e os crimes que correspondem aos atos parciais repetidos, estabelece-se uma relação de concurso aparente, onde os comportamentos que integram a prática da violência doméstica deixam de ter relevância jurídico-penal autónoma.
Ora, a conduta de arrancar o acessório do porta-chaves foi perpetrada no mesmo contexto que as condutas subsumíveis ao crime de violência doméstica, estando a vítima já protegida por esta norma (artigo 152.º CP).
Nestes termos e na procedência do recurso o arguido será absolvido do crime de roubo, mantendo-se apenas a condenação pelo crime de violência doméstica, cuja pena (dois (2) anos e seis (6) meses de prisão) não foi impugnada.
Importa agora ajustar o período de suspensão.
Sobre a suspensão da pena temos presente as considerações pertinentes do tribunal a quo a propósito deste instituto: “Dispõe-se no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Esta é, como unanimemente é assinalado, mais uma forma de, conhecidos que são os potenciais efeitos crimogéneos das prisões, evitar que os agentes de factos típicos sejam efetivamente presos.
Constitui uma verdadeira pena (de substituição), não sendo uma modificação da pena de prisão, mas uma pena autónoma que assenta num prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do agente, efetivado no momento da decisão. Tal juízo de prognose fundamentar-se-á, cumulativamente, na ponderação da personalidade do agente e das circunstâncias do facto (ainda que posteriores ao facto e mesmo que já valoradas em sede de medida concreta da pena), de modo que se possa dizer que existe a fundada expectativa de que o agente, considerado merecedor de confiança, há de sentir a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, através de uma vida futura ordenada conforme o Direito e aos valores socialmente erigidos.
Para a decisão de suspender ou não a pena de prisão, são decisivos os critérios de prevenção, geral (conquanto se exige que a suspensão não coloque em causa os mínimos irrenunciáveis de defesa da ordem jurídica) e especial de socialização. Ao invés, não há qualquer apelo aos critérios da culpa.
Tendo sido condenado em pena inferior a 5 anos de prisão, não há dúvida que se mostra preenchido o pressuposto formal.
E quanto ao pressuposto material?
Com efeito, a suspensão da execução da pena só poderá ser aplicada se o Tribunal concluir por “um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido”, na medida em que a simples censura da pena realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Na verdade, a pena de substituição de suspensão da execução constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores socialmente mais relevantes.
A ameaça da prisão, especialmente em indivíduos sem anterior contacto com a justiça criminal, contém, por si mesma, virtualidades para assegurar a realização das finalidades da punição, nomeadamente a finalidade de prevenção especial e a socialização, sem sujeição ao regime, estigmatizante e muitas vezes de êxito problemático, da prisão.
A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como fatores de inclusão, evitando os riscos de fratura familiar, social, laboral e comportamental como fatores de exclusão.
Acresce que, como já se disse, a filosofia e as razões de política criminal que estão na base do instituto, radicam essencialmente no objetivo de afastamento das penas de prisão efetiva de curta e média duração, garantindo ainda, quer um conteúdo bastante aos fundamentos de ressocialização, quer exigências mínimas de prevenção geral e de defesa do ordenamento jurídico: é central no instituto o valor da socialização em liberdade.
Não são, por outro lado, considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.
Por fim, a suspensão da execução da pena não depende da discricionariedade do juiz, mas traduz o exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos formais e materiais.
50. Será que, no caso concreto, é possível suspender a execução da pena de prisão?
a) Principalmente no quadro da criminalidade da violência doméstica, mas também no roubo, deve dizer-se que não é de admitir, com facilidade, a suspensão da execução da pena de prisão, já que tal representa, de certo modo, o transmitir à comunidade que este tipo de crimes fica impune. Principalmente se, como é o caso dos autos, se verifica a associação de tal ilícito à incapacidade de reagir à frustração e ao termo das relações amorosas. Ademais, num quadro em que se pretende negar ao outro (a BB) um modelo de realização pessoal a que o mesmo aspira e que, no fundo, o próprio arguido também vivencia, devendo aqui lembrar-se que o arguido mantinha, com a ofendida, uma relação extraconjugal, não sendo capaz de aceitar o termo da relação amoroso e, pior que isso, recusando que BB fosse dona do seu destino e livre de decidir com quem pretendia relacionar-se afetivamente.
Por isso, as exigências de prevenção geral não são de molde a aceitar facilmente a suspensão da execução da pena de prisão, especialmente se esta se apresentar desligada do cumprimento de outros deveres destinados à reeducação do agente para o Direito e da reparação à vítima.
b) Contudo, entende-se que, in casu, há ainda espaço para a suspensão da execução da pena de prisão, considerando, essencialmente, razões associadas à prevenção especial, sendo que as relativas à prevenção geral não colocam entraves decisivos.
E, com efeito, impõe-se tomar em consideração que o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos, mostrando ter interiorizado o desvalor das suas condutas, dando assim o primeiro passo no sentido de (passar a) seguir os trilhos do Direito e das regras de convivência social. Ao que acresce o facto de ter já pago o valor da indemnização acordada com a ofendida, se mostrar profissional e familiarmente inserido — goza do apoio da esposa e da família — não tendo antecedentes criminais.
Assim sendo, ficam dados importantes passos para que não volte a cometer ilícitos penais, sendo por isso possível fazer um juízo de prognose positivo em seu favor, de tal modo que é possível afirmar que a mera ameaça do cumprimento da pena de prisão será suficiente para o manter afastado da prática de novos ilícitos.
Por outro lado, a suspensão da execução da pena de prisão vai associada a regime de prova, onde constará a frequência de curso ou ações de formação e sensibilização e prevenção contra a violência doméstica e que visa a minimização dos fatores de risco à reincidência.
Com tais condicionantes — que melhor se perceberão infra quando se definir melhor em que consistirá o regime de prova a impor ao arguido e só com elas — crê-se que a suspensão da execução da pena de prisão será suficiente para satisfazer as exigências de prevenção geral e especial:
– geral, porque à suspensão ficará associada a necessidade de cumprir certas obrigações (de caráter ressocializador todas e que significam verdadeiro sacrifício para o arguido), pelo que a presente condenação se apresenta marcada comunitariamente como uma verdadeira “pena”, como a imposição de um sacrifício que toda a pena coenvolve; e
– especial, porque permite o acompanhamento do arguido em diversas áreas, especialmente aquelas que dizem respeito à necessidade de prevenir comportamentos similares aos que levaram à condenação neste processo, assim favorecendo a sua ressocialização, para além de boa parte das medidas do plano de reinserção social não deixarão de significar a imposição de sacrifícios que, a todo o tempo, o lembrarão da necessidade de não voltar a delinquir.
51. Será, assim, suspensa a execução da pena de prisão em que o arguido AA vai condenado, mas impondo-se condições importantes, nomeadamente quanto ao afastamento e proibição de contactos com a vítima e também a imposição de um regime de prova no que se dará, também por esta via, um sinal claro de que o crime não compensa.
a) Deve mesmo dar-se conta que, no caso do crime de violência doméstica, a imposição de um regime de prova acaba por ser obrigatório por força do artigo 34.º-B do regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas (aprovado pela Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, mas com alterações várias, sendo a última pela Lei n.º 57/2021, de 16 de agosto), cujo n.º 1 tem a seguinte redação:
“A suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, impostos separada ou cumulativamente, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio”.
Por outro lado, o n.º 2 do mesmo artigo 34.º-B estatui que “o disposto no número anterior sobre as medidas de proteção é aplicável aos menores, nos casos previstos no n.º 2 do artigo 152.º do Código Penal.”
b) O regime de prova servirá as suas necessidades de aperfeiçoamento social e estimular-lhe a vontade de abandono de práticas delituosas e, essencialmente, interiorizar a necessidade de respeitar o outro. Com efeito, a imposição do regime de prova visa justamente a “reintegração do condenado na sociedade”, sendo pautada por critérios de prevenção especial de socialização.
Tal regime de prova assentará, tal como manda a lei (artigo 53.º, n.º 2, do Código Penal), em plano de reinserção social a ser delineado e posteriormente vigiado pelos serviços de reinserção social, desde já se lhe impondo os deveres constantes das alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 54.º do Código Penal:
– De resposta a todas as convocatórias do juiz responsável pela execução do plano e do técnico de inserção social;
– De recebimento de visitas do técnico de reinserção social e de comunicação ou colocação à sua disposição, com a máxima prontidão possível, de informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;
– De informação ao técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação com duração superior a oito dias, indicando a data previsível do regresso;
– De obtenção de autorização prévia do juiz responsável pela execução do plano para se deslocar ao estrangeiro; e
– Frequência de curso ou ações de formação ou de sensibilização e prevenção contra a violência doméstica ou de género dinamizadas ou indicadas pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
c) Além disso, impõe-se que a suspensão da execução da pena de prisão esteja condicionada à proteção da ofendida, não deixando de tomar em consideração a situação presente.
Neste contexto, determinar-se-á, ainda, o afastamento e a proibição de contactos, ficando o arguido ainda proibido de incomodar, perturbar ou perseguir BB, seja na sua residência, seja nos locais de trabalho e de lazer da mesma.
Estas medidas, atendendo ao circunstancialismo factual que se apurou, não serão fiscalizadas por meios de controlo à distância, posto que tal medida, tendo um efeito dessocializador muito acentuado, se mostra desnecessária.
52. O período de fixação da suspensão da execução da pena de prisão “é fixado entre 1 e 5 anos” — artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal.
Também a determinação deste período deve atender às necessidades de prevenção geral e especial que ao caso se fazem sentir e a que já aludimos, razões pelas quais — especialmente considerando os défices de personalidade apontados ao arguido, com ausência de incapacidade de gerir a rejeição — entende-se que se deve fixar em 4 anos o período da suspensão da execução da pena de prisão. Prazo este, aliás, que não poderia ser inferior.
53. Conclui-se, assim, nesta parte, que o arguido será condenado na pena única de três (3) anos e dois (2) de prisão, suspensa na sua execução pelo período de quatro (4) anos, mas condicionando tal suspensão a
a) À obrigação de se manter afastado de BB, designadamente da sua residência, locais de trabalho e de lazer e a proibição de, por qualquer meio, a contactar; e
b) A regime de prova, com respeito do plano de reinserção social a ser delineado pelos serviços de reinserção social, impondo, desde já, os seguintes deveres:
– De resposta a todas as convocatórias do juiz responsável pela execução do plano e do técnico de inserção social;
– De recebimento de visitas do técnico de reinserção social e de comunicação ou colocação à sua disposição, com a máxima prontidão possível, de informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;
– De informação ao técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação com duração superior a oito dias, indicando a data previsível do regresso;
– De obtenção de autorização prévia do juiz responsável pela execução do plano para se deslocar ao estrangeiro; e
– De frequência de curso ou ações de formação ou de sensibilização e prevenção contra a violência doméstica ou de género dinamizadas ou indicadas pelos serviços de reinserção social.”
O recorrente considera desproporcional o tempo de duração da suspensão fixado em 04 anos, para uma pena única fixada em 03 anos e dois meses de prisão.
Desfeito o cúmulo jurídico por não se ter autonomizado o alegado crime de roubo, a pena reduz-se para dois anos e seis meses de prisão.
Não pode ignorar-se que o tempo da duração da suspensão fixado entre um e cinco anos, pode ser sempre superior ao tempo da pena fixada, art. 50º, nº 5 do Cód. Penal, desde que as razões de prevenção geral e especial o justifiquem.
Como bem expendido pelo M. P a quo, a suspensão da pena única por um período superior ao da medida da pena única revela-se adequada às necessidades de prevenção geral e especial (em particular esta última). Pois conforme decisão a quo sub judice se dita sobre tal matéria: “Também a determinação deste período deve atender às necessidades de prevenção geral e especial que ao caso se fazem sentir e a que já aludimos, razões pelas quais — especialmente considerando os défices de personalidade apontados ao arguido, com ausência de incapacidade de gerir a rejeição(…)”
Em momento anterior, quando se equacionou a possibilidade de suspensão da execução da pena, o tribunal concluiu, a partir da matéria de facto provada, que o arguido demonstrou “incapacidade de reagir à frustração e ao termo das relações amorosas (…) num quadro em que se pretende negar ao outro (a BB) um modelo de realização pessoal a que o mesmo aspira e que, no fundo, o próprio arguido também vivencia, devendo aqui lembrar-se que o arguido mantinha, com a ofendida, uma relação extraconjugal, não sendo capaz de aceitar o termo da relação amoroso e, pior que isso, recusando que BB fosse dona do seu destino e livre de decidir com quem pretendia relacionar-se afetivamente”. Contribuiu, inclusive para que a vitima se sentisse obrigada a sair do país. O seu comportamento foi intensamente persecutório.
Neste quadro, crê-se que efetivamente o período probatório deve ser estendido para além do limite da concreta pena aplicada, de molde a garantir que, nesse período alargado de suspensão da execução da pena, é devidamente interiorizado o desvalor da conduta, e, mais do que isso, se muna o arguido de um lastro valorativo que garanta um ne peccetur, a consolidação axiológica da igualdade e do respeito pela autonomia volitiva do outro.
Contudo, não pode ignorar-se que tal período deve ser proporcional e justo atendendo a que, nesta sede, a pena a que fica condenado fica encurtada mercê da não autonomização do comportamento associado ao alegado roubo.
Nesta medida, julga-se adequada a duração da suspensão pelo período de 03 anos, mantendo-se tudo o mais decidido para tal período.
Relativamente às demais questões suscitadas ficam prejudicadas no seu conhecimento em face do ora decidido.
Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto decide conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo recorrente AA e, em consequência:
-Alterar a matéria fáctica nos termos supra expostos;
-Absolvê-lo da prática de um crime de roubo previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal;
- Desfazer o cúmulo jurídico e condená-lo apenas por um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, als. a) e b), do Código Penal, na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão;
- Suspender a execução da pena de prisão pelo período de três (03) anos, condicionando tal suspensão nos termos fixados na decisão recorrida;
- Confirmar no mais o acórdão recorrido.
Sem custas a cargo do recorrente.
Notifique – cfr. art. 425º nº 6 do CPP.
Sumário da responsabilidade do relator.
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Porto, 14 de maio de 2025
(Texto elaborado e integralmente revisto pelo relator, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas eletrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Paulo Costa
Maria Joana Grácio
Paula Guerreiro
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[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.