CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
LAR DE IDOSOS
AJUDANTES DE AÇÃO DIRETA
Sumário


I. A Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI) deve dispor de pessoal, designadamente de Ajudantes de Ação Direta, que assegure a prestação dos serviços 24 horas por dia, sete dias por semana.
II. A preocupação do legislador foi a de assegurar que existam em permanência funcionários suficientes para garantir o bom funcionamento da estrutura residencial, designadamente no que respeita à prestação dos serviços a que está vinculada durante 24 horas por dia.
III. Para efeitos de apuramento da rácio de pessoal a afetar ao funcionamento regular e adequado da ERPI, em função da capacidade e da frequência do equipamento e da Resposta Social apenas contam os contratados que constam do quadro de pessoal da arguida, quer tenham contrato de trabalho por tempo indeterminado, quer tenham contrato de trabalho a termo, não só porque as necessidades dos idosos residentes são também a tempo integral (como entende a Segurança Social), mas também porque verdadeiramente só com estes se pode contar, já que a situação dos restantes é temporária ou desprovida de subordinação jurídica (no que respeita ao trabalhador independente), limitando-se a colmatar as faltas e as férias daqueles outros que constam do mapa de pessoal.
IV. Os factos evidenciam que os ajudantes de ação direta não atingiam o número mínimo de forma a permitir concluir que estavam afetados adequadamente de modo a garantir a prestação dos cuidados aos idosos a tempo inteiro, tendo a arguida agido com falta de cuidado a que estava obrigada e de que era capaz.

Texto Integral


1. RELATÓRIO

No âmbito da decisão administrativa proferida pelo Instituto da Segurança Social, I.P. - Centro Distrital ... em 23/03/2026, que deu origem aos presentes autos foi à arguida/recorrente aplicada a coima única de €5.000,00, pela prática da contraordenação prevista e punida, pela al. f), do art.º 39.º B, al. b), do art.º 39.º E, do DL n.º 64/2007, de 14 de março, na versão republicada em anexo ao DL n.º 126-A/2021, de 31 de dezembro, designadamente por se encontrarem em falta três ajudantes de Ação Direta no quadro de pessoal, sendo duas para reforço noturno.
A arguida/recorrente não concordando com a decisão administrativa recorreu para o Juízo do Trabalho de Guimarães, peticionando a revogação da decisão administrativa de aplicação de coima.
Recebido o recurso foi designada data para julgamento.
Procedeu-se à realização de audiência de julgamento na 1ª instância e foi proferida sentença a qual confirmou a decisão administrativa, apenas alterando o montante da coima aplicado e terminou com o seguinte dispositivo:
“Pelos fundamentos expostos, julgo parcialmente procedente o presente recurso da Recorrente “EMP01... - Residência e Serviços, Unipessoal, Lda.”, e, em consequência, condeno-a numa coima de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros) pela prática de uma contraordenação prevista e punida pelos Arts. 5.º, 39.º-B, al. f), 39.º-E, al. b) do Decreto-Lei n.º 64/2007 de 14 de março, na redação em vigor aquando do início destes autos.

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Custas, uma vez que apenas procedeu parcialmente o seu recurso, a cargo da Arguida, com 4 Unidades de Conta de taxa de justiça (Art. 93.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, aplicável subsidiariamente por força do disposto no Art. 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, Regime Processual das Contraordenações Laborais e de Segurança Social, e Art. 8.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, na redação em vigor aquando do início destes autos, e Tabela III anexa a esse Regulamento, sempre aplicável atenta a remissão para o mesmo constante do Art. 59.º do Regime Processual das Contraordenações Laborais e de Segurança Social).”

A arguida/recorrente, inconformada com esta decisão, recorreu para este Tribunal da Relação de Guimarães e pede o arquivamento dos autos motivando o seu recurso com as seguintes conclusões:

“1. Vem o presente recurso interposto da sentença que, julgando apenas parcialmente procedente o recurso de impugnação da recorrente, manteve a condenação desta numa coima (ainda que reduzida de €5.000,00 para €3.500,00) pela prática de uma contraordenação prevista e punida pelos artigos 5.º, 39.º-B e 39.º-E, alínea b) do Decreto Lei n.º 64/2007, de 14 de março.
2. A recorrente não se conforma com a sentença, pelo que vem impugná-la, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, por considerar que ocorreu uma errada interpretação e aplicação das normas de Direito relevantes.
3. Pugna a recorrente pela revogação da sentença recorrida - que confirmou a aplicação de uma coima - e sua substituição por outra que, julgando totalmente procedente o presente recurso e o recurso de impugnação, proceda à revogação das decisões administrativa e judicial de aplicação de uma coima e à sua consequente absolvição.
4. Não podia a recorrente ter entendido os cálculos levados a cabo pelo recorrido para chegar à quantidade mínima de pessoal que, no seu entender, a recorrente devia ter ao serviço, designadamente, as ditas 38 Ajudantes de Ação Direta (doravante, apenas “AAD”), porque o cálculo estava – e continua – mal feito.
5. Só em julgamento (perante as explicações dadas pelas testemunhas) a recorrente conseguiu entender que o recorrido fez os cálculos numa lógica de turnos de trabalho, entenda-se:
- Calculou uma necessidade de 8,25 AAD para os 66 residentes que não se encontram em situação de grande dependência (1 AAD por 8 residentes), que arredondou para 9;
- Calculou uma necessidade de 7,4 AAD para os 37 residentes em situação de grande dependência (1 AAD por 5 residentes), que arredondou para 8;
- Calculou, para a totalidade dos residentes (103), uma necessidade de 5,15 AAD para reforço noturno (1 AAD por 20 residentes), que arredondou para 6;
- Ficcionou 3 turnos de trabalho, de 8 horas cada um (manhã, tarde e noite);
- Considerou que a recorrente está obrigada a ter sempre ao serviço, naquilo que designa de “turno da manhã”, um total de 17 AAD (9+8);
- Considerou que a recorrente está obrigada a ter sempre ao serviço, naquilo que designa de “turno da tarde”, um total de 17 AAD (9+8);
- Considerou que a recorrente está obrigada a ter sempre ao serviço, naquilo que designa de “turno da noite”, um total de 6 AAD;
- Conclui, dessa forma, que a recorrente está obrigada a ter ao serviço, diariamente, um total de 40 AAD (17+17+6).
6. A interpretação que o recorrido fez (e que o Tribunal a quo corroborou) da Portaria não se coaduna, de todo, com a letra da lei, já que a Portaria apenas refere a necessidade de ter, no quadro de pessoal, um determinado número mínimo de pessoas com certas categorias.
7. Em boa verdade, a interpretação e aplicação da Portaria que o recorrido agora defende é uma novidade absoluta, sendo que nunca o referido critério foi usado em prévias inspeções à recorrente, nem, que se conheça, em inspeções realizadas a outras entidades com as mesmas características da recorrente.
8. A Portaria nunca fala em reforço para o “turno da noite”, mas, isso sim, para o período noturno.
9. A Portaria também não refere, uma única vez, a expressão “turno”, pelo que o cálculo dos rácios com base em 3 supostos turnos de 8 horas é uma criação sem suporte legal.
10. O raciocínio do recorrido e do Tribunal a quo falha, desde logo, salvo melhor opinião, na ausência de definição dos concretos horários a que se reportam os alegados turnos de 8 horas; mas falha, também, ao não explicar como faz o cálculo dos rácios, então, no caso das Instituições Particulares de Solidariedade Social que dispõem de ERPIs e em que, por estipulação legal, o período normal de trabalho dos trabalhadores é de 7 horas.
11. Resulta evidente, salvo o devido respeito por melhor opinião, que há manifestas falhas na lógica do recorrido e do Tribunal a quo.
12. Seguindo o que resulta, realmente, da Portaria:
 Para os 66 residentes que não configuravam a situação de "grande dependência", considerando o rácio de 1 AAD por cada 8 residentes, o efetivo mínimo para a categoria que a recorrente devia ter era de 8,25 AAD (que se arredonda para 9);
 Para os 37 residentes em situação de grande dependência, tendo em conta o rácio de 1 AAD por cada 5 residentes, o efetivo mínimo para a categoria que a recorrente devia ter era de 7,4 AAD (que se arredonda para 8);
 Para reforço noturno, considerando o rácio de 1 AAD por cada 20 residentes, independentemente do grau de dependência dos mesmos, o efetivo mínimo para a categoria era de 5,15 AAD (que se arredonda para 6).
13. Tudo somado e arredondado por excesso para o inteiro mais próximo, conclui-se que, de acordo com a Portaria, o mínimo de pessoal da categoria AAD de que a ERPI da Recorrente devia dispor, à data da inspeção, para assegurar a prestação de serviços aos 103 residentes, era de 21 AAD.
14. Tendo em conta que ficou provado que a recorrente “possuía no mapa de pessoal afetas trinta e cinco (35) Ajudantes de Ação Direta em regime de trabalhadores por conta de outrem em tempo integral, das quais quatro (4) para assegurar o período noturno”; e que “a arguida, para além dos 35 Ajudantes de Ação Direta referidas, contava com um trabalhador independente e duas AAD subcontratadas à EMP02..., uma com 8,5 horas, e outra com 7 horas devidamente registadas”, terá de se concluir que a recorrente tinha no seu quadro de pessoal AAD mais do que suficientes para assegurar a prestação dos serviços 24 horas por dia.
15. A recorrente devia ter, à data da inspeção, 21 AAD, mas até tinha, como resulta da factualidade provada, 35 AAD com contrato de trabalho a tempo integral, um trabalhador independente e duas AAD subcontratadas à EMP02..., uma com 8,5 horas, e outra com 7 horas devidamente registadas.
16. A forma de cálculo usada pela recorrente não é uma inovação (muito pelo contrário), já que a sua interpretação do art.º 12.º da Portaria assenta na que o próprio recorrido vem fazendo ao longo dos anos e que tem merecido, também, o acolhimento dos Tribunais chamados a pronunciar-se sobre a dita norma – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 26/10/2018, proferido no processo n.º 01800/15.....
17. O método utilizado pela recorrente para determinar o número de AAD tem, inclusivamente, acolhimento jurisprudencial.
18. Ainda assim, mesmo que – o que só por mera hipótese académica se admite - se considerasse (como considera a decisão recorrida) serem 38 as AAD que a recorrente devia ter ao seu serviço aquando da inspeção, nenhuma razão existe ou resulta da lei (que fala em “pessoal”, não delimitando o regime de contratação) para que não sejam considerados, em adição às 35 AAD em regime de trabalho por conta de outrem em tempo integral, 1 trabalhador independente e 2 AAD subcontratadas à EMP02..., uma com 8,5 horas, e outra com 7 horas devidamente registadas.
19. Somando as 35 AAD em regime de contrato, a AAD trabalhadora independente e as 2 AAD subcontratadas, chegamos ao número de 38 AAD, i.e., precisamente o que a decisão recorrida considera – a nosso ver, de forma errada – que a recorrente devia ter ao seu serviço.
20. Andou mal o Tribunal a quo, portanto, ao desconsiderar a AAD trabalhadora independente e as duas AAD subcontratadas, sendo que o argumento utilizado para o efeito (de que “a tempo integral são também as necessidades dos idosos residentes”) é desprovido de substância e consistência, uma vez que a utilização de trabalhadores independentes ou subcontratados não exclui a possibilidade de se cobrir ou, até, exceder, o número máximo de horas de trabalho suscetíveis de ser prestadas por um trabalhador com contrato de trabalho a tempo integral.
21. Contrariamente ao firmado na decisão recorrida, os critérios de cálculo seguidos pelo recorrido na decisão administrativa não estão - sempre salvo o devido respeito por melhor opinião - corretos.
22. O Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente os n.ºs 1, 2, 3 e 4 do art.º 12.º da Portaria n.º 67/2012, de 21 de março.
23. O Tribunal a quo também interpretou e aplicou erradamente os artigos 5.º, 39.º-B e 39.º-E, alínea b) do Decreto Lei n.º 64/2007, de 14 de março.
Sem prescindir,
24. Dissidentemente do que defende o Tribunal a quo na sua decisão, em matéria de densidades de pessoal, e em particular no caso do pessoal crítico para a qualidade dos cuidados prestados aos residentes, designadamente AAD, não deixa de ser relevante, também, converter os rácios do artigo 12.º, n.º 2, alíneas b), c) e d) e n.º 3 alíneas a) e b) num indicador primário da intensidade de serviço prestado, para o que é internacionalmente reconhecido e aplicado o número de Horas Por Residente-dia (HPRD) de estadia.
25. Para proceder à conversão, os efetivos de pessoal das categorias sujeitas a densidade legal são convertidos em Equivalentes a Tempo Integral (ETI), calculados com base no horário normal máximo de trabalho, o qual, nos termos do Código do Trabalho, mais precisamente no n.º 1 do seu artigo 203.º, é de "oito horas por dia e quarenta horas por semana", e que vigora na ERPI da recorrente.
26. Vai daí que, em 8 horas de trabalho, divididas pelo(s) rácio(s) da Portaria, cada ETI ao serviço deverá "entregar", em média, a cada residente, o consequente número de HPRD.
27. No doc. 3 junto com a impugnação judicial da recorrente está considerado o reforço noturno no conjunto da dotação de serviço AAD, sem que as HPRD das AAD disponíveis para trabalho noturno sejam exclusivamente aplicadas em trabalho noturno, em respeito, de resto, pelo princípio da flexibilidade ínsito no n.º 4 do art.º 12.º da Portaria.
28. Como critério adicional e com o objetivo de assegurar a prestação dos melhores cuidados aos seus residentes, a ERPI da recorrente, para cada mês específico - e não para cada dia - e para cada ETI faz a seguinte operação: parte do número de horas normais de trabalho com que cada ETI das classes em questão no mês da inspeção (168 horas no mês de julho 2023) devia contribuir para o serviço à média diária de residentes no estabelecimento nesse mês (104,9 - superior ao valor específico do dia de inspeção, 103); deduz desse total às horas em que o ETI não trabalhou e, por esse motivo, não participou no serviço prestado aos residentes (por estar de férias, de baixa, outras faltas ou pelos dias anteriores à sua entrada ao serviço no mês, ou dias desse mês em que deixaram de estar ao serviço por cessação do vínculo).
29. Consequentemente, não basta contabilizar o número de trabalhadores com vínculo de trabalhador por conta de outrem ao serviço da recorrente no dia da inspeção, ou mesmo durante todo o mês, já que o pessoal pode respeitar formalmente o rácio, mas, encontrando-se ausente, não tem qualquer impacto positivo do ponto de vista dos interesses dos residentes.
30. Por fim, para finalizar a operação, a recorrente soma a esse total todas as horas extra prestadas pela categoria, independentemente do vínculo do respetivo ETI, pois que todas elas valem na ótica dos interesses dos residentes.
31. O saldo entre o total de horas úteis AAD efetivamente fornecidas e a norma AAD ajustada ao case mix da população residente no mês de julho de 2023 é uma hora e meia (0.03%) em 31 dias, em plenas férias do pessoal.
32. Em concreto, para o dia da fiscalização efetuada pelo recorrido, pese embora a alínea d) do n.º 2 do artigo 12.º da Portaria n.º 67/2012 defina um reforço de 1 ADD por 20 residentes para salvaguardar o período noturno (o que, no dia 25/07/2023, significaria 5,25 AAD), o recorrente utiliza o princípio da flexibilidade do n.º 4 da mesma norma, até porque, naturalmente, não se justificaria que no período noturno tivesse 6 (por arredondamento) AAD e no período da tarde, com um conteúdo laboral muito mais pesado (por incluir três refeições e a preparação dos residentes para deitar), tivesse apenas 7.
33. Em bom rigor, o período da manhã é o mais pesado e exigente, na medida em que inclui o banho e a refeição mais forte do dia para os residentes.
34. Ademais, a existência de uma enfermeira noturna, de competência diferenciada, possibilita substituir, com vantagem, o trabalho pouco diferenciado das AAD para resolver ocorrências extraordinárias da noite.
35. Mesmo que se desconsiderasse o n.º 4 do artigo 12.º da Portaria e se aplicasse, de forma literal, o n.º 2 da norma, concluir-se-ia, relativamente às AAD noturnas, que se verificou um desvio desfavorável nas ETI-AAD de -0.2, com uma afetação de 21 ETI contra a norma de 21.2, o que, traduzido na verdadeira medida de serviço, significa menos 1,2 horas (168 horas contra a norma de 169.2).
36. Cumpre destacar, ainda, que o conceito de equipa direct care – Enfermagem e AAD - é duplamente importante para a qualidade de serviço prestado atualmente pelas ERPIs aos residentes.
37. De facto, os enfermeiros, pela sua maior qualificação, desempenham, por um lado, o papel de enquadramento das AAD, não apenas de conselho na prestação dos cuidados aos residentes, mas, principalmente, na prevenção de desconformidades nos procedimentos, em particular dos reposicionamentos, para evitar a ocorrência ou agravamento de úlceras de pressão e na prevenção de quedas - dois indicadores da qualidade de serviço das ERPIs internacionalmente consagrados, como se verá certamente no despacho previsto no novo artigo 15.º-A da Portaria (versão atualmente em vigor); e, por outro lado, pela sua maior capacidade para responder às exigências impostas pelo peso cada vez maior das deficiências cognitivas dos idosos na avaliação global da sua dependência comportamental, que a mera dependência física deixou de retratar rigorosamente, desempenham um papel fulcral.
38. Conquanto o rácio de enfermagem estipulado no artigo 12.º da Portaria não preveja a obrigatoriedade de enfermagem no período da noite, o reforço do número de pessoal de enfermagem na ERPI da recorrente para além da norma, veio permitir dispor também de pessoal de enfermagem de enquadramento das AAD nesse período (um ETI) e, dessa forma, dispensar uma AAD, por não acrescentar qualquer eficiência no nível de serviço ao case mix de residentes atualmente existente.
39. Independentemente disso, a lotação de AAD na ERPI da recorrente suporta, sem contar com a enfermagem afeta ao período da noite, seis AAD noturnas, que são acionadas em pleno sempre que a Direção Técnica deteta situações que o aconselham, tais como surtos gripais ou similares, ou insuficiente experiência acumulada na equipa noturna destacada.
40. A lotação total em ETIs da classe de ADD disponibilizada em julho de 2023 permitia, a todo o momento, satisfazer o rácio de 6 efetivos AAD noturnos, sempre que as circunstâncias assim o exigissem na plena autonomia de decisão da Direção Técnica, sendo que, em circunstâncias normais, e atento o peso crescente da deficiência cognitiva no case mix do EMP03..., a substituição de uma AAD por um profissional de Enfermagem mais qualificado – e, diga-se, mais oneroso -, mantendo o n.º de ETIs noturnos, traz e oferece ganhos de eficiência e de bem-estar global para a população residente.
41. A interpretação do Tribunal a quo é restritiva e excessivamente formalista, desconsiderando, além do mais, o escopo essencial da lei, que visa assegurar a existência de pessoal suficiente para cumprir com as necessidades e garantir a qualidade dos serviços prestados, o que foi, inequivocamente, assegurado pela recorrente a todos os residentes.
42. Destarte, entende-se que a decisão recorrida, que condenou a recorrente numa coima de € 3.500,00, carece de fundamento, tal como já carecia a decisão administrativa proferida pelo recorrido.
43. A interpretação do Tribunal a quo, congruente com a do recorrido, implica uma restrição injustificada ao direito ao exercício da atividade económica da recorrente, violando, dessa forma, o artigo 61.º da Constituição da República Portuguesa, pois que impõe critérios excessivamente rigorosos e que não decorrem diretamente do artigo 12.º da Portaria em análise.
44. A conclusão de atuação com negligência consciente por parte da recorrente carece de suporte probatório, como, ademais, descura os esforços que a recorrente desenvolveu para cumprir com as incumbências legais a que se encontrava vinculadas, utilizando até critérios adicionais, que vão além da letra da lei (como o das HPRD), para garantir o maior rigor possível na prestação dos cuidados aos seus residentes.
45. Em conclusão, deve ser revogada a decisão recorrida e, em consequência, ser a recorrente absolvida da prática, a título de negligência, da contraordenação pela qual foi condenada.
Assim decidindo, farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!”
O Ministério Público contra-alegou sustentando a confirmação da decisão recorrida.
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Remetidos os autos para este Tribunal da Relação de Guimarães, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, no sentido da improcedência do recurso, parecer esse que foi objeto de resposta, reiterando a Recorrente o entendimento manifestado no recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
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Objeto do Recurso

Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente na sua motivação – artigos 403º n.º 1 e 412º n.º 1, ambos do C.P.P. e aqui aplicáveis por força do artigo 50º n.º 4 da Lei n.º 107/2009, de 14/09.
Tendo em atenção as conclusões de recurso, a questão que importa apreciar é a decidir da adequação do quadro de pessoal da arguida designadamente no que respeita aos Ajudantes de Ação Direta face às exigências previstas na Portaria n.º 67/2012, de 21.03.

Fundamentação de facto

O Tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto.

1. No dia 25 de julho de 2023, no âmbito da ação inspetiva realizada pelo Departamento de Fiscalização, Unidade de Fiscalização do Norte - Núcleo de Fiscalização de Equipamentos Sociais, ao Estabelecimento Residencial para Pessoas ldosas (ERPI), designado "EMP03... de ...", propriedade e gestão da arguida, verificou-se que acolhia 103 residentes, dos quais 37 residentes com grau de dependência total ou dependência severa;
2. (…) possuía no mapa de pessoal afetas trinta e cinco (35) Ajudantes de Ação Direta em regime de trabalhadores por conta de outrem em tempo integral, das quais quatro (4) para assegurar o período noturno.
3. A arguida para além dos 35 Ajudantes de Ação Direta referidas em 2), contava com um trabalhador independente e duas AAD subcontratadas à EMP02..., uma com 8,5 horas, e outra com 7 horas devidamente registadas.

Factos Não Provados

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para decisão final deste recurso.

Fundamentação de direito

Da adequação do quadro de pessoal da arguida designadamente no que respeita às Ajudantes de Ação Direta face às exigências previstas na Portaria n.º 67/2012, de 21.03

Insurge-se a Recorrente quanto ao facto de o tribunal a quo ter considerado de verificada a infração cuja prática lhe foi imputada pelo Instituto da Segurança Social, IP, defendendo que os cálculos efetuados pelo ISS no que respeita às Ajudantes de Ação Direta (doravante AAD) que tem de ter ao seu serviço está errado.
Importa assim apurar da adequação do quadro de pessoal da arguida/recorrente, no que respeita aos AAD é ou não adequado às exigências previstas na Portaria n.º 67/2012, de 21.01.
Vejamos:
A arguida/recorrente tem um estabelecimento que é uma ERPI (Estrutura Residencial para Pessoas Idosas), que está sujeita ao regime previsto no Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.ºs 99/2011, de 28 de setembro, 33/2014, 04 de março, e 126-A/2021, de 31 de dezembro.
Tais estabelecimentos regem-se também pelas condições impostas pela Portaria n.º 67/2012, de 21 de março.
Ora, o DL n.º 64/2007, 14.03 alterado e republicado em anexo ao DL n.º 126-A/2021, de 31.12, aprovou o regime de instalação, funcionamento e fiscalização dos estabelecimentos de apoio social, indicando ainda os tipos legais de ilícitos que constituem infrações passiveis de aplicação de coima.
Decorre do prescrito no art.º 5.º do citado decreto-lei a remissão para a regulamentação das condições técnicas de instalação e funcionamento dos estabelecimentos para diplomas específicos, neles se incluindo a Portaria n.º 67/2012, de 21.03.
A mencionada Portaria n.º 67/2012, de 21 de março, veio definir as condições de organização, funcionamento e instalação a que devem obedecer as estruturas residenciais para pessoas idosas – cfr. artigo 1.º, n.º 1.
Para o que ora releva, os recursos humanos, resulta do n.º 1 do artigo 12.º da citada portaria que a ERPI deve dispor de pessoal que assegure a prestação dos serviços 24 horas por dia.

E estabelece o seu artigo 12.º, n.ºs 2 e 3, que:

2 - A estrutura residencial, para além do diretor técnico, deve dispor no mínimo de:
a) Um(a) animador(a) sociocultural ou educador(a) social ou técnico de geriatria, a tempo parcial por cada 40 residentes;
b) Um(a) enfermeiro(a), por cada 40 residentes;
c) Um(a) ajudante de ação direta, por cada 8 residentes;
d) Um(a) ajudante de ação direta por cada 20 residentes, com vista ao reforço no período noturno;
e) Um(a) encarregado(a) de serviços domésticos em estabelecimentos com capacidade igual ou superior a 40 residentes;
f) Um(a) cozinheiro(a) por estabelecimento;
g) Um(a) ajudante de cozinheiro(a) por cada 20 residentes;
h) Um(a) empregado(a) auxiliar por cada 20 residentes.
3 - Sempre que a estrutura residencial acolha idosos em situação de grande dependência, os rácios de pessoal de enfermagem, ajudante de ação direta e auxiliar são os seguintes:
a) Um(a) enfermeiro(a), para cada 20 residentes;
b) Um(a) ajudante de ação direta, por cada 5 residentes;
c) Um(a) empregado(a) auxiliar por cada 15 residentes.
4 - Os indicadores referidos nos números anteriores podem ser adaptados, com a necessária flexibilidade, em função das características gerais, quer de instalação, quer de funcionamento, quer do número de residentes de cada estrutura residencial.
5 - Nos casos em que os serviços de higiene do ambiente, de tratamento de roupa e de confeção de refeições sejam objeto de contratualização externa pode dispensar-se o pessoal de cozinha e de limpeza.
6 - A estrutura residencial pode contar com a colaboração de voluntários, devidamente enquadrados, não podendo estes ser considerados para efeitos do disposto nos números anteriores.

Daqui decorre os rácios de pessoal a afetar ao funcionamento da Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI) em função da capacidade e da resposta social. Importa salientar que a ERPI deve dispor de pessoal adequado, designadamente de Ajudantes de Ação Direta, que assegure a prestação dos serviços 24 horas por dia, sete dias por semana.
Acresce dizer que os “indicadores” a que se reporta o n.º 4 são os números de pessoal mencionados nos n.ºs 2 e 3 do artigo, que não são taxativos, admitindo-se que tais números sejam adaptados, com a necessária flexibilidade, em função das características gerais, quer de instalação, quer de funcionamento, quer do número de residentes de cada estrutura residencial. Importa, assim, referir que a preocupação do legislador foi a de assegurar que existam em permanência funcionários suficientes para garantir o bom funcionamento da estrutura residencial, designadamente no que respeita à prestação de atividades e serviços (tais como alimentação, higiene pessoal, tratamento de roupas, higiene dos espaços, apoio no desempenho das atividades da vida diária, etc.) a que está vinculada durante 24 horas por dia.
Assim sendo, teremos de concluir que a flexibilidade a que se reporta o n.º 4 do transcrito art.º 12.º da Portaria, não respeita ao número de horas de afetação[1], mas sim, respeita à determinação do número de AAD que deve ser encontrada com referência ao número de residentes (a lei refere residente/indivíduo) e não Horas Por Residente-dia (HPRD) de estadia, como pretende a recorrente.
Por outro lado, de acordo com o prescrito no artigo 39.º-B, alínea f), do referido Decreto-Lei, a inexistência de recursos humanos com categoria profissional e afetação adequadas às atividades e serviços desenvolvidos em cada estabelecimento e indicado no respetivo mapa, nos termos da regulamentação especifica, constitui uma infração muito grave.
Cabe agora apurar se o quadro de pessoal no que respeita aos AAD, à luz do artigo 12.º, n.ºs 2 e 3, da Portaria n.º 67/2012, de 21 de março, seria adequado ao número de utentes [103], tendo presente a existência de 37 utentes severamente dependentes, o que nos leva à seguinte conclusão:
Atenta a distribuição do pessoal, de forma a assegurar o período diurno e o período noturno, perfazendo as 24 horas diárias, bem como o facto da arguida/recorrente ter o trabalho dos AAD organizado por turnos (manhã, tarde e noite), cientes que o período normal de trabalho em regra é de 40 horas semanais, que deverá ser respeitado, e tendo presente o número de utentes e as suas características temos como certo que para assegurar os números mínimos previstos na Portaria são necessárias 38 AAD[2], como passamos a demonstrar:
 - 16 para os grandes dependentes (37/5= 7,4 (arredondado para 8) x 2 (turno manhã e tarde) e 18 para os restantes (66/8=8,25 (arredondado para 9) x 2 (turno manhã e tarde) [artigo 12.º, n.º 3, alínea b), da Portaria];
- 6 AAD para o período noturno (103/20=5,15 (arredondado para 6)) [artigo 12.º, n.º 2, alínea d), da Portaria];
Resulta da factualidade provada com relevo para a apreciação da causa:
- que a Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI) denominada “EMP03... ...", propriedade da arguida/recorrente “EMP01... -Residências e Serviços, Unipessoal Lda.”, à data da ação inspetiva (25.07.2023) acolhia 103 residentes, dos quais 37 residentes com grau de dependência total ou dependência severa;
- Que possuía no mapa de pessoal afetas trinta e cinco (35) Ajudantes de Ação Direta em regime de trabalhadores por conta de outrem em tempo integral, das quais quatro (4) para assegurar o período noturno.
Ora, tendo presente os rácios de pessoal estipulado pelo art.º 12.º da Portaria n.º 67/2012, bem como o facto de a arguida/recorrente ter de assegurar o funcionamento dos serviços 24 horas, aos 103 residentes, sendo 37 grandes dependentes, necessitando no mínimo de 38 AAD (tal como foi considerado pela segurança social), dispondo aquela de 35 AAD nelas se incluindo 4 AAD para o período noturno, encontram-se em falta 3 AAD sendo 2 AAD para assegurar a vigilância noturna.
O facto de se ter apurado que à data a arguida para além dos 35 Ajudantes de Ação Direta, contava com um trabalhador independente e duas AAD subcontratadas à EMP02..., uma com 8,5 horas, e outra com 7 horas devidamente registadas, não põe em causa a conclusão relativa à falta das 3 AAD, pois em concordância quer com a Segurança Social, quer com a juiz a quo para efeitos de apuramento da rácio de pessoal a afetar ao funcionamento regular e adequado da ERPI, em função da capacidade e da frequência do equipamento e da Resposta Social apenas contam os contratados que constam do quadro de pessoal da arguida, quer tenham contrato de trabalho por tempo indeterminado, quer tenham contrato de trabalho a termo, não só porque as necessidades dos idosos residentes são também a tempo integral (como  entende a Segurança Social), mas também porque verdadeiramente só com estes se pode contar, já que a situação dos restantes é temporária ou desprovida de subordinação jurídica (no que respeita a trabalhador independente), limitando-se a colmatar as faltas e as férias daqueles outros que constam do mapa de pessoal.
Não vislumbramos qualquer razão, para efeitos de rácios de pessoal, em adicionar o trabalhador independente, bem como as 2 AAD subcontratadas, às 35 AAD que constam do quadro de pessoal da arguida, pois estes, em nada acrescem, já que não passam de substitutos dos AAD, que constam do quadro de pessoal, visando colmatar o seu absentismo, quer por motivos de saúde, quer pelo gozo de férias, etc.
Em suma, os factos evidenciam que os ajudantes de ação direta não atingiam o número mínimo de forma a permitir concluir que estavam afetados adequadamente de modo a garantir a prestação dos cuidados aos idosos a tempo inteiro, tendo a arguida agido com falta de cuidado a que estava obrigada e de que era capaz.
Destarte, a factualidade provada é suficiente para se concluir pela imputação (objetiva e subjetiva) do ilícito contraordenacional previsto na alínea f) do artigo 39.º-B Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março.
Resta-nos referir que não tendo sido posto em causa o concreto montante da coima é de concluir pela improcedência do recurso e consequentemente pela manutenção da decisão recorrida.

DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 50.º e 51.º do Regime Processual das Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14/09), acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente o presente recurso, e consequentemente, é de confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da arguida/recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC.
Após trânsito em julgado comunique à ACT com cópia certificada do acórdão.
Guimarães, 22 de Maio de 2025

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Antero Dinis Ramos Veiga


[1] Como também acertadamente foi entendido pelo tribunal a quo.
[2] Apesar do cálculo correto serem 40 AAD iremos manter o número calculado pela Segurança Social de 38 AAD por a correção implicar alteração dos factos imputados à arguida em relação à qual não teve oportunidade de se defender. Mantem-se por essa razão na apreciação da responsabilidade contraordenacional da arguida o numero inicialmente calculado de 38, por força do princípio da proibição da reformatio in pejus.