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MEIOS DE PROVA
GRAVAÇÃO
ADMISSIBILIDADE
Sumário
I - A regra no processo civil é a da livre admissibilidade dos meios de prova. Deste regime decorre não só que a prova deve ser apreciada de forma livre pelo julgador, de acordo com a sua convicção, como também resulta que todos os meios de prova previstos na lei processual são admissíveis na medida em que sirvam formar a convicção do julgador. Contudo existem, alguns limites à regra geral da livre admissão dos meios de prova, neles se incluindo os que provêm de normas processuais, designadamente as normas relativas às “provas proibidas”. II - Se os direitos do cidadão são violados, designadamente o direito à palavra e à reserva da intimidade da vida privada e familiar, as provas que se obtenham através de tal violação não podem ser atendidas no processo, sendo de as considerar de proibidas ou de ilegalmente produzidas, não podendo produzir qualquer efeito no processo. III - Se a gravação não é consentida de forma inequívoca, tem de ser considerada de obtida de forma ilícita e por isso não pode ser admitida como meio de prova, tal como resulta do prescrito nos artigos nos arts. 26º nº 1 e 32º nº 8 CRP, 126º nº 3 CPP e ainda 417.º nº 3 al. b) CPC.
Texto Integral
I - RELATÓRIO
AA, residente na Rua ...-Hab. 3, ... Porto, intentou a presente acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho contra A. EMP01..., S.A., com sede na Rua ..., ... ..., ..., pedindo que seja declarada a ilicitude do despedimento promovido pela Ré e consequentemente que se condene a Ré:
a) a pagar ao Autor, em substituição da reintegração deste, uma indemnização no montante não inferior a 678.300,00€ (seiscentos e setenta e oito mil e trezentos euros) nos termos do artigo 391º do CT;
b) a pagar ao Autor o montante de € 100.000,00 (cem mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais;
c) a pagar ao Autor as retribuições mensais (salário base, respetivos complementos salariais vincendas que este deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento, ao abrigo do artigo 390º nº1 do CT, que atinge neste momento a quantia de 13.300,00€ (treze mil e trezentos euros);
d) a pagar à A. as retribuições proporcionais a que este deixar de auferir, desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento, a titulo de férias, subsidio de férias, subsidio de Natal, que neste momento, Maio de 2024, se computam no montante global de 16.625,00€.
d) a pagar ao autor do montante referente a Férias, Subsídio de Férias e Subsídio de Natal reportados ao transato ano de 2023, no montante de 39.900,00€ (trinta e nove mil e novecentos euros);
e) a pagar ao Autora formação profissional não prestada no montante de 9.207,60€ (nove mil duzentos e sete euros e sessenta cêntimos).
Concomitantemente,
f) a pagar ao trabalhador os juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor, sobre as importâncias devidas, desde a constituição em mora da empregadora até efetivo e integral pagamento;
g) a pagar ao trabalhador a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros) a título de sanção compulsória por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhe forem impostas pela sentença que vier a ser proferida e a partir da data em que a mesma pode ser executada.
Por requerimento de 06.12.2024, veio o autor, além do mais, a requerer a junção aos autos da gravação áudio para prova do alegado nos itens 22, 110 a 122 da petição inicial, dizendo que se trata de uma conversa havida entre si e o seu sogro, à data Presidente do Conselho de Administração da Ré, gravação essa que foi autorizada pelo orador, tal como consta da mesma.
A Ré pronunciou-se quanto à junção de tal gravação, considerando-a de ilícita, reiterando, como já se havia manifestado em sede de contestação, que o autor não foi autorizado a efetuar a gravação em causa.
Aquando da prolação do despacho saneador em sede de admissão dos meios de prova a propósito do documento junto pelo Autor sob o n.º 5 com o requerimento de 06.12.2024, a dita gravação, foi proferido, o seguinte despacho, pela Mmª Juiz a quo, o qual aqui se transcreve: “4. Relativamente ao documento junto pelo Autor sob o n.º 5 com o requerimento de 06.12.2024, tratando-se de uma gravação, e tendo em atenção o alegado pela Ré quanto à inexistência de qualquer consentimento quanto a essa gravação, não pode deixar de não se admitir a sua junção, por constituir prova obtida de forma ilícita.
Com efeito, como se refere no Acórdão do TRE de 11.05.2017, processo 8346/16.0T8STB-B.E1, disponível em www.dgsi.pt “Por constituir meio de prova obtido de forma ilícita, não pode ser admitida a junção, em processo civil, de gravações não consentidas de comunicações orais, por telefone ou de viva voz, não destinadas ao público, mesmo que sejam dirigidas a quem fez a gravação, sendo igualmente proibido utilizar ou deixar utilizar as ditas gravações.”. O mesmo se entendeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19.12.2023, processo 2423/2.5T8BRG-A.G1, disponível em www.dgsi.pt “A junção aos autos pelos Réus de registos áudio de conversação entre si e a Autora, sem autorização ou consentimento desta, constitui prova ilícita. - A cedência do princípio de proibição de produção e de valoração da prova ilícita não pode bastar-se com a existência de uma situação de necessidade de prova, antes requer que essa necessidade incida sobre factos jurídicos que sejam constitutivos de uma situação jurídica subjectiva ou postulativos de princípios jurídicos objectivos de dignidade e merecimento de tutela superiores aos bens jurídicos sacrificados pela cedência. O exercício de um mero direito à indemnização não atende a nenhum valor superior àquele que está em causa quando se trata de assegurar a cada um o respeito pela sua intimidade e reserva da vida privada.”. Ora, concordando-se inteiramente com os fundamentos expressos na jurisprudência citada, não se admite a junção da gravação em causa, determinando-se o seu desentranhamento dos autos.”
Inconformado com esta decisão, dela veio o Autor interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões:
” CONCLUSÕES: 1. O presente recurso vem interposto do douto despacho de fls. do processo, de 6 de fevereiro, último, refª citius 194543155, que indeferiu a prova junta aos autos pelo Autor, aqui Recorrente, com o requerimento de 6 de dezembro, último, sob o nº 5 - gravação - por entender que é prova ilícita (obtida sem consentimento) e, consequentemente, determinou o seu desentranhamento. 2. O Tribunal de 1ª instância justifica a não admissibilidade de tal meio de prova (apenas e tão só) na alegada falta de consentimento na gravação e suporta a sua decisão no alegado pela ré (aqui, recorrida) que refere a inexistência de qualquer consentimento. 3. A Mm.ª Juíza "a quo" fez uma desadequada apreciação da prova em crise e, consequentemente, uma errónea aplicação do direito impendente, pelo que o autor, ora recorrente, está, pois, convicto de que Vossas Excelências atentando no exato conteúdo da gravação e subsumindo tal prova nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar a douta decisão recorrida. 4. Por douta decisão de fls. do processo, o Tribunal “a quo” não admitiu o meio de prova junto aos autos pelo autor, sob o n.º 5, (gravação), - no requerimento de 06.12.2024, e que consiste na gravação da reunião ocorrida entre o autor e o Presidente do Conselho de Administração da ré, o Sr. BB, em 28.06.2023 -, com o fundamento de que a gravação não foi consentida. 5. Como consta do despacho em crise, o Tribunal “a quo” suportou unicamente a sua decisão no alegado pela ré. 6. Não se concebe como pode o Tribunal não admitir um meio de prova suportado unicamente no alegado por uma das partes. 7. Sendo que, o Autor refere expressamente no artigo 22. da petição inicial que: “Perscrutando o passado, traz o A. à memória, uma reunião havida, no dia 28/06/2023, com o sogro e Presidente do Conselho de Administração, Sr. BB, em que este, pedindo-lhe inclusive que gravasse a conversa para memória futura, expressamente lhe comunicou, advertindo-o que os cunhados, sócios e restantes administradores, não o queriam mais na empresa “… ele que preparasse o espólio …”, afirmou ao momento 25m04s da gravação; «Eles (outros sócios e filhos do Sr. BB) querem-te pôr na rua …». “ (sublinhado nosso) 8. O Tribunal fez taba rasa do vertido pelo autor. 9. Tanto mais que, é falso o referido pela ré. A gravação não só foi consentida como foi, inclusive, solicitada de forma expressa pelo Presidente do Conselho de Administração da ré, Sr. BB, pelo que, é prova válida. 10. Na gravação, mais precisamente entre o minuto 39:15 ao minuto 39:30, o Sr. Presidente do Conselho de Administração da Ré, de “viva-voz”, de forma audível, expressa e cristaliza, diz o seguinte: “(…) CC, eu disse no princípio da conversa e volto a dizer isto é uma reunião muito familiar, por isso eu queria que a gravasses porque tem muita merda que amanhã estou esquecido…” 11. O Tribunal “a quo” não cuidou de ouvir a gravação, por forma a aferir o consentimento prestado (a solicitação da gravação da reunião) pelo Sr. Presidente do Conselho de Administração da ré. Pelo que, errou na decisão proferida. 12. Acresce que, o autor justifica cabalmente a pertinência de tal meio de prova no requerimento junto aos autos no passado dia 6 de dezembro. 13. Trata-se, pois, de meio de prova lícito e pertinente para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa e, consequentemente, para a realização da justiça. Sendo que, as partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz. 14. A prova pode ser representada por qualquer meio legal (e moralmente legítimo) apto a demonstrar a verdade dos fatos alegados e a influir eficazmente na convicção do juiz. 15. Vigora, pois, na nossa lei o princípio da liberdade probatória, permitindo que as partes utilizem qualquer prova que seja legal e moralmente legítimo para demonstrar a veracidade de seus argumentos. O direito à prova é, pois, essencial para a defesa de direitos e interesses legalmente protegidos e que está constitucionalmente consagrado - art.º 20.º da CRP - facultando às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerarem mais adequados tanto para a prova dos factos principais da causa, como também para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios. 16. E, a utilização dos meios de prova não se destina apenas à prova dos factos que a parte tem o ónus de provar, como também para pôr em causa os factos que são desfavoráveis às suas pretensões que em princípio não terão o ónus de provar. 17. Nessa medida, o Tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas e relevantes para a boa decisão da causa (salvo se irrelevantes e dilatórias) (artigo 413.º CPC) 18. A gravação é licita, porque querida e consentida - é um meio de prova válido, legalmente admissível, e pertinente para a boa decisão da causa, pelo que deve ser admitida. 19. Decidindo como decidiu, a Mm.ª Juíza "a quo" não fez adequada aplicação do Direito aos factos sub iudice, violando, entre outros, o disposto nos artigos 4.º e 413.º do CPC, 13º e 20.º, da CRP. Termos em que deve o presente recuso ser julgado procedente e, nessa medida, revogar-se o doutro despacho recorrido (que não admitiu a prova apresentada pelo recorrente e ordenou o seu desentranhamento), e, consequentemente admitir-se a prova (gravação) junta aos autos, fazendo-se, assim, inteira e sã JUSTIÇA.”
A Recorrida apresentou contra-alegação concluindo pela manutenção da decisão recorrida.
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da procedência do recurso.
Mostram-se colhidos os vistos dos senhores juízes adjuntos e cumpre decidir.
II OBJECTO DO RECURSO
Delimitado o âmbito do recurso pelas conclusões da Recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87º n.º 1 do CPT), a questão trazida à apreciação deste Tribunal da Relação respeita à admissibilidade do meio de prova requerida pelo Autor, relativo à gravação por si junta aos autos.
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes para a decisão da causa são os que resultam do relatório supra.
IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO
- Da admissibilidade como meio de prova da gravação junta aos autos pelo autor
A questão que cumpre apreciar é a de saber se deve ou não ser admitida como meio de prova a gravação de conversa/reunião entre o Autor e o Presidente do Conselho de Administração da Ré, Sr. BB, sendo certo que o Tribunal a quo não admitiu tal meio de prova com o fundamento do não consentimento da gravação pela Ré.
Vejamos:
Estamos perante uma ação de condenação de natureza laboral que tramita sob a forma do processo declarativo comum, a qual é aplicável o Código do Processo do Trabalho e subsidiariamente o Código do Processo Civil. Podemos assim dizer que está em causa a admissibilidade de um meio de prova no âmbito do processo civil.
Como é sobejamente sabido as provas destinam-se a demonstrar a realidade dos factos, tal como resulta do prescrito no art.º 341.º do Código Civil, sendo certo que no âmbito do processo civil a produção de prova visa demonstrar os factos articulados pelas partes, fornecendo ao juiz os elementos necessários para controlar a veracidade da factualidade alegada pelas partes[1].
Por outro lado, importa realçar que a regra no processo civil é a da livre admissibilidade dos meios de prova. Deste regime decorre não só que a prova deve ser apreciada de forma livre pelo julgador, de acordo com a sua convicção, como também resulta que todos os meios de prova previstos na lei processual são admissíveis na medida em que sirvam formar a convicção do julgador[2]. Finda a produção de prova, compete ao juiz, segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, apreciar livremente todas as provas, mesma as que sejam contraditórias entre si, tenham ou não emanado da parte que deveria produzi-las (cfr. arts. 607.º n.º 5 e 413.º ambos do CPC.
Contudo existem, alguns limites à regra geral da livre admissão dos meios de prova, neles se incluindo os que provêm de normas processuais, designadamente as normas relativas às “provas proibidas”.
Cabe referir que no âmbito do código do processo civil não existe norma idêntica àquela que o âmbito do processo penal define quais os meios de prova cuja utilização é proibida (cfr. art.º 126.º do CPC.).
Assim, prescreve o n.º 2 do citado art.º 126.º do CPP que para o processo penal são nulas as provas obtidas com intromissão na vida privada, no domicilio, na correspondência ou nas telecomunicações, sem o consentimento do respetivo titular. A que acresce o facto de nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 199.º do CP pratica um crime quem gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas.
Daqui resulta desde logo que os meios de prova assim obtidos, por constituírem a prática de um crime também não podem ser admitidos no processo civil.
Na verdade, apesar de quer o código do processo do trabalho, quer o código do processo civil não serem claros como é o código do processo penal relativamente à validade e admissibilidade das provas no processo, o certo é que, como se refere no Ac. da RL de 02.02.2021[3]“Os princípios estruturantes do ordenamento jurídico português, relativos à consagração dos direitos fundamentais dos cidadãos constantes da Lei Constitucional impõem-se no âmbito do processo civil, constituindo limites que o intérprete não pode postergar na aplicação do direito. «Face à nossa lei, determinados valores são em principio intangíveis podendo até justificar uma recusa do dever de colaboração e fundamentar a inadmissibilidade de certos meios de prova que com eles colidam» (cfr. cit. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3/06/2004, Relatora: Fátima Galante, disponível em www.dgsi.pt) O Art. 26.º n.º 1 da C.R.P. estatui que a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação. Ora, a tutela desses direitos fundamentais do ser humano passa igualmente pela necessária proibição de utilização de meios de prova obtidos com a violação dos bens jurídicos protegidos pela Constituição. O que tem justificado a aplicação analógica ao processo civil das proibições de prova estatuídas no n.º 32º, n.º 8 da CRP para o processo penal (Vide: Isabel Alexandre in “Provas ilícitas em Processo Civil”, 1988, Almedina, pág.s 261 a 278 e Acórdão da Relação do Porto de 15/04/2010, Relator: Teixeira Ribeiro).
Daqui podemos concluir que se os direitos do cidadão são violados, designadamente o direito à palavra e à reserva da intimidade da vida privada e familiar, as provas que se obtenham através de tal violação não podem ser atendidas no processo, sendo de as considerar de proibidas ou de ilegalmente produzidas, não podendo produzir qualquer efeito no processo.
Tendo assim presente quer os princípios do direito à palavra, quer do direito ao respeito pela reserva da vida privada temos por certo que se a gravação não é consentida terá de ser considerada um meio de prova ilícito.
Este é o entendimento pacifico da jurisprudência[4], ou seja, se a gravação não é consentida de forma inequívoca, tem de ser considerada de obtida de forma ilícita e por isso não pode ser admitida como meio de prova, tal como resulta do prescrito nos artigos nos arts. 26.º nº 1 e 32.º nº 8 CRP, 126.º nº 3 CPP e ainda 417.º nº 3 al. b) CPC.
Importa assim apurar, se no caso em apreço houve ou não o consentimento da gravação da conversa, a fim de se determinar da admissibilidade ou não do meio de prova.
Como refere o Ministério Público no parecer junto aos autos “Nos arts. 22º e 110º da PI alega o Autor: 22) Perscrutando o passado, traz o A. à memória, uma reunião havida, no dia 28/06/2023, com o sogro e Presidente do Conselho de Administração, Sr. BB, em que este, pedindo-lhe inclusive que gravasse a conversa para memória futura, expressamente lhe comunicou, advertindo-o que os cunhados, sócios e restantes administradores, não o queriam mais na empresa “… ele que preparasse o espólio …”, afirmou ao momento 25m04s da gravação; «Eles (outros sócios e filhos do Sr. BB) querem-te pôr na rua …». 110) Hoje, o A. consegue verbalizar e exteriorizar, compreende o real intuito e conteúdo da mensagem e aviso, que o chairman da empresa, Sr. BB, havia efetuado em 28/06/2023, no decorrer duma reunião, que ocorreu na data referida, entre o A. e o dito Sr. BB, que o mesmo atenta, nos dizeres expressos, a idade poderia impossibilitar a recordação no futuro, do então dialogado, solicitou que a conversa, a reunião fosse gravada. Assim, logo na PI é referido que o Sr. BB pediu ao Autor para gravar a conversa, a reunião, para memória futura. Na contestação (arts. 51º e 52º), a Ré alegou tratar-se de gravação não consentida, efectuada de forma oculta. Consta na resposta à contestação: 12) No que tangue à gravação junta aos autos, e que a R. já conhece a mesma, conforme se pode verificar na própria gravação, foi, não só autorizada, como impetrada a sua efetivação, pelo chairman da R., Exmº. Senhor BB. Em requerimento posterior requereu o Autor a junção da gravação para prova dos pontos 22, 110 a 120 da PI, reiterando que a gravação foi autorizada pelo Sr. BB. E em requerimento posterior (06/01/2025) reiterou que havia consentimento conforme constava da própria gravação. Entendeu o Tribunal não admitir a gravação como prova, por constituir prova obtida de forma ilícita, tendo em conta o alegado pela Ré quanto à inexistência de qualquer consentimento quanto à gravação.”
Ora, de todo este relato resulta uma clara divergência quanto ao consentimento ou não, da gravação, mas também nos parece evidente que, sem ouvir a gravação em causa, não sabemos até que ponto pode ou não estar em causa uma efetiva violação relevante da reserva da intimidade da vida privada e familiar da pessoa gravada, sem que tal ponha em causa a conclusão de que a gravação duma conversação, sem o consentimento do visado, não deixa de ser um facto ilícito.
O facto de o Tribunal a quo não ter admitido o referido meio de prova apenas com o fundamento no alegado pela Ré, sem ao que tudo indica, ter dado qualquer relevo ao alegado pelo autor, é de qualificar a decisão de precipitada, pois deveria ter cuidado de ouvir a gravação, de forma a aferir ou não do consentimento prestado.
Assim, tendo procedido à audição da gravação, constatamos que a mesma respeita a uma conversa/reunião entre o Autor e o sogro, Presidente do Conselho de Administração da Ré, Sr. BB, sem qualquer cariz familiar, já que respeita à vida da empresa e ao seu destino, com a nuance do facto dos sócios e administradores do conselho de administração da Ré pertencerem à mesma família. Acresce dizer que da dita conversa/reunião resulta de forma inequívoca que foi o Presidente do Conselho de Administração, Sr. BB, quem solicitou para memória futura, a gravação da conversa/reunião, a pretexto de puder vir a esquecer no futuro da referida conversa.
Afigura-se-nos assim poder concluir que, tendo sido o Presidente do Conselho de Administração da Ré, Sr. BB, quem solicitou a gravação da conversa, sendo ele um dos intervenientes, dúvida não resta de que está dado o consentimento para tal gravação, o que se revela de suficiente para se concluir pela inexistência de qualquer impedimento para que tal meio de prova possa ser agora utilizado pelo Autor.
Em face do exposto e porque consideramos que o Presidente do Conselho de Administração da Ré deu o seu consentimento para a gravação, não constituindo esta, um meio de prova obtido de forma ilícita, procede o recurso sendo de revogar o despacho recorrido.
Em substituição do despacho recorrido determina-se a admissibilidade da gravação em causa como meio de prova.
V – DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e consequentemente decide-se revogar o despacho recorrido, deixando consignado que se admite, como meio de prova, a gravação da conversa/reunião estabelecida entre o Autor e o Sr. BB.
Custas da apelação a cargo da Recorrida.
Notifique.
Guimarães, 22 de Maio de 2025
Vera Maria Sottomayor (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Antero Veiga
[1] Cfr. Manuel de Andrade,“Noções Elementares de Processo Civil”, Reimpressão, 1993, pág. 190. [2] Cfr. Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, pág. 467 e ss. [3] Proc. n.º 4348/19.2T8ALM-A.L-7, relator Carlos Oliveira, consultável em www.dgsi.pt [4] Entre outros Ac RE de 11.05.2017, proc.º n.º 8346/16.0T8STB-B.E1, disponível em www.dgsi.pt, no qual se sumariou o seguinte: “Por constituir meio de prova obtido de forma ilícita, não pode ser admitida a junção, em processo civil, de gravações não consentidas de comunicações orais, por telefone ou de viva voz, não destinadas ao público, mesmo que sejam dirigidas a quem fez a gravação, sendo igualmente proibido utilizar ou deixar utilizar as ditas gravações.”. E Ac. RG de 19.12.2023, proc. n.º 2423/22 2423/2.5T8BRG-A.G1, disponível em www.dgsi.pt .“A junção aos autos pelos Réus de registos áudio de conversação entre si e a Autora, sem autorização ou consentimento desta, constitui prova ilícita.”